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O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:

uma outra visão

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Agenda 18/11/2006 às 00:00

Pode-se falar em um "novíssimo processo civil", ao menos na perspectiva da política judiciária que informou, na origem, grande parte das alterações introduzidas no CPC entre 2005 e 2006.

RESUMO. Na esteira do "Pacto do Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano", o Congresso Nacional aprovou uma série de leis federais que, inaugurando um novo ciclo de mini-reformas processuais, pretendeu conferir maior celeridade ao processo civil e maior efetividade à jurisdição. Dentre essas leis, ganham evidência, pela relevância contextual, as Leis n. 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. Para o operador do processo laboral, às voltas com uma legislação processual serôdia, põe-se o desafio de aproveitar a verve da inovação processual civil para atualizar, pela via hermenêutica, o seu próprio instrumento de trabalho.


PALAVRAS-CHAVE. 1. Processo civil: pacote republicano. 2. Processo civil: aplicação subsidiária ao processo do trabalho. 3. Princípio da efetividade. 4. Princípio da celeridade processual. 5. Lei n. 11.187/2005. 6. Lei n. 11.232/2005. 7. Lei n. 11.276/2006. 8. Lei n. 11.277/2006. 9. Lei n. 11.280/2006.


SUMÁRIO:I. Introdução. Elementos do "novíssimo" processo civil brasileiro, II. Contratos preliminares de trabalho: artigos 466-A e 466-B do CPC, III. O art. 219, §5º, do CPC: pronunciamento "ex officio" da prescrição. Aplicabilidade ao processo do trabalho, IV. O art. 285-A do CPC ea sentença "inaudita altera parte" no processo do trabalho, V. Súmula impeditiva de recurso (art. 518, § 1º, do CPC), VI. A nova execução civil (Lei n. 11.232/2005) e seus reflexos na execução trabalhista, VII. Ritos processuais nos novos litígios sujeitos à competência materialda Justiça do Trabalho, VIII. Conclusões, IX. Bibliografia.


I. INTRODUÇÃO. ELEMENTOS DO "NOVÍSSIMO" PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

A expressão «novíssimo processo civil», que dá título a este trabalho, poderia suscitar a perplexidade do leitor já no primeiro contato. Isso porque tal expressão não vem sendo empregada pela doutrina autorizada (seja a processual civil, seja a processual trabalhista). Nada obstante, tomamos a liberdade de empregá-la. Não para dizer que as leis ordinárias federais doravante em comento ― Leis n. 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006 ― romperam com o modelo ou paradigma processual anterior, mas tão-só para dizer que pretenderam imprimir-lhe uma nova tônica, ajustada ao teor do novo inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal [01] (introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004) e a um conceito programático ideologicamente marcado. Da mesma forma, aliás, como se falou em um "novo" processo civil ao advento do Código Buzaid, conquanto se soubesse que

Vista pela perspectiva deste fim de século, não se mostra substancialmente grandiosa a reforma operada mediante a edição do vigente Código de Processo Civil, no ano de 1.973. [...] A reforma de 1.973 não se caracterizou como repúdio a uma velha estrutura, ou aos seus pressupostos, com opção por uma nova, inspirada em novas e substanciais conquistas. Mesmo tendo sido elaborado com o declarado intuito de se constituir efetivamente em um novo estatuto e não em meros retoques à lei velha, [...] foi ainda o retrato do pensamento jurídico-processual tradicional e, nesse plano, não havia tanto a modificar então como em 1.939. [02]

Agora, como antes, remanescem a processualística e as estruturas conceituais que deitam raízes em um modelo pensado para a tutela jurídica de interesses individuais deduzidos perante uma autoridade judicial "inerte" e "neutra". Mas, se não há implosão paradigmática, há decerto uma intensa erosão. Introduzem-se, aos poucos, novos institutos e novas técnicas processuais que erodem paulatinamente o modelo processual de paradigma liberal, tendendo a uma tutela mais coletiva e inquisitorial. É o que se vê ultimamente, à mercê de um pacote legislativo de inspiração uniforme (a sedizente "política republicana"), focada sobretudo no objetivo de ampliar o acesso à jurisdição célere e efetiva.

Nesse diapasão, pode-se falar em um novíssimo processo civil, ao menos na perspectiva da política judiciária que informou, na origem, grande parte das alterações introduzidas no CPC entre 2005 e 2006. Vejamos.

Gestadas na Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, ao ensejo do "Pacto do Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano", as Leis n. 11.187/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006 foram endossadas por representantes dos três Poderes da República e integraram o chamado «pacote republicano», apresentado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional em 15.12.2004. Já a Lei n. 11.232/2005 baseou-se em projeto de lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), que foi encampado pelo Poder Executivo e se agregou aos demais. O «pacote republicano» foi, no halo infraconstitucional, a pedra angular da chamada Reforma do Judiciário, encabeçada pela Emenda Constitucional n. 45/2004.

Como dito supra, uma preocupação recorrente do «pacote» foi emprestar concreção legal ao princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, CRFB), assim como ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Esse último, não-expresso, é um princípio constitucional implícito da Constituição de 1988 (da espécie dos princípios-garantia [03]), imanente às normas do inciso XXXV (inafastabilidade do Poder Judiciário) e do inciso LIV («procedural due process of law»). ambos do artigo 5º da CRFB [04]. Eles são, em grande medida, o "leit motiv" das cinco leis federais em testilha.

Tendo-se em conta que o processo do trabalho é, por excelência, o processo da celeridade ― tanto que, desde a origem, primava por um procedimento simples [05], oral (em grande medida [06]) e concentradíssimo [07] ― e da efetividade ― a ponto de não se exigir provocação da parte para o início dos atos de execução [08] ―, põe-se de imediato a questão dos reflexos desse novo processo civil, mais «republicano», nos lindes do Direito Processual do Trabalho. As novidades ser-nos-ão de algum proveito, ex vi do artigo 769 da CLT? Devem entrar na ordem do dia das discussões doutrinais ou são, ao contrário, invencionices inúteis que nada acrescentam ao modelo celetário, menos liberal e mais pleno de cidadania? Quid iuris?


II. ARTIGOS 466-A E 466-B DO CPC. CONTRATOS PRELIMINARES DE TRABALHO

Iniciemos pelas alterações que a Lei n. 11.232/2005 introduziu em matéria de tutela processual do direito à declaração ou a um ato jurídico qualquer. Não estamos, aqui, tratando de autêntica obrigação de dar, porque nesse caso o objeto da prestação é um ato material (amiúde, a tradição). Pensamos, "in casu", nas hipótese em que o contraente se obriga a celebrar, no futuro, um contrato definitivo (os chamados pré-contratos, também conhecidos como contratos preliminares ou contratos-promessa); ou, ainda, nas hipóteses em que o contraente assume o compromisso de transferir, mediante atos jurídicos competentes (e.g., escritura pública e inscrição registral, em se tratando de imóveis), a propriedade de um certo bem patrimonial. A esse propósito, vêm à baila os novos artigos 466-A e 466-B do CPC, que na verdade se limitaram a reproduz as normas antes constantes dos artigos 639 a 641 do CPC. Assim:

Art. 466-A

. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

Art. 466-C. Tratando-se de contrato que tenha por objeto a transferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte que a intentou não cumprir a sua prestação, nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível.

Uma vez que não se inovou substancialmente, a matéria sequer mereceria cuidados. Afinal, dir-se-ia que os artigos em questão não poderiam justificar qualquer exegese que já não pudesse ser extraída dos antigos artigos 639, 640 e 641 do CPC. Há, todavia, um aspecto que recomenda a menção, aproveitando a nova topologia dos preceitos para afirmar a sua importância contextual em uma específica matéria: a dos pré-contratos de trabalho, ainda pouco conhecidos da Justiça do Trabalho brasileira, mas largamente empregados em alguns nichos do mercado de trabalho (como, p. ex., no desporto profissional; ou, ainda, nos mercados de altos executivos, que são espaços privilegiados de atuação de headhunters).

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Não me estenderei sobre essa temática, tendo em vista o propósito de analisá-la mais detidamente noutro trabalho, ainda inédito, e que por ora deve conservar seu ineditismo. Mas é curial perceber que, após a Lei n. 11.232/2005, as normas em apreço passaram a compor a Seção I do Capítulo VIII do Título VIII do Livro I do Código de Processo Civil ― ou seja, cuida-se de meros efeitos da sentença condenatória no procedimento ordinário do processo de conhecimento. Antes, essas mesmas normas compunham a Seção I do Capítulo III do Título II do Livro II ― i.e., cuidava-se de hipóteses específicas de execução de obrigação de fazer e de não-fazer. Está claro, portanto, que a "mens legislatoris" encaminhou-se no sentido de descaracterizá-las como normas de execução, para reposicioná-las entre os efeitos inerentes à sentença condenatória, que são por elas definidos. Nessa condição, tais efeitos não admitem impugnações quaisquer (como seriam os embargos do artigo 884 da CLT) e, quanto à exeqüibilidade, sujeitam-se tão somente ao efeito suspensivo de um eventual recurso (inclusive no caso do artigo 466-A, desde que ao conteúdo da sentença condenatória se aduza um comando sentencial de tutela antecipatória, nos termos do artigo 273 ou do artigo 461 do CPC, em se tratando, respectivamente, de antecipação de pagamento ou excussão ou de antecipação do objeto de uma obrigação de fazer ou não-fazer).

E para que servem, no Direito do Trabalho?

É que as partes sociológicas de uma relação de emprego (o trabalhador e o empresário) podem firmar entre si um contrato preliminar, pelo qual se obriguem a celebrar, no futuro, um contrato definitivo de trabalho, ajustando desde logo a espécie de trabalho a prestar e a respectiva retribuição. Há previsão expressa dessa figura no Direito comparado (como, e.g., no artigo 94º do Código do Trabalho português). Inadimplentes, porém, o trabalhador ou o empresário, o que resta fazer à parte prejudicada? Poderia recorrer à norma do artigo 466-A, ou àquela do artigo 466-B do CPC, para obter uma sentença que consumasse, "de per se" e "ex lege", a vinculação empregatícia?

Em princípio, não. No caso do contrato preliminar de trabalho, a natureza do objeto do contrato (= prestação de serviços subordinados) implica a impossibilidade jurídica da prolação de sentença que produza os efeitos do contrato definitivo, o que significaria "obrigar" o trabalhador a prestar serviços com pessoalidade e subordinação. Significaria, noutras palavras, violentar a dimensão negativa da liberdade de trabalho, insculpida no artigo 5º, XIII, da CRFB, e também nas convenções internacionais que o Brasil se obrigou a observar (artigo 5º, §2º, da CRFB), como, p. ex., o disposto no artigo 23º, 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (10.12.1948). Em um juízo objetivo de ponderação, essa liberdade fundamental prevalece sobre o princípio do "pacta sunt servanda", que não é mais que uma emanação do direito fundamental de propriedade. A questão resolve-se, portanto, em perdas e danos a favor do empregador, considerando-se desfeito o contrato preliminar (artigo 465/NCC, abrangendo os lucros cessantes e os danos emergentes: artigos 402 e 403 do NCC).

E se, porém, o empregador se recusa a dar cumprimento ao pré-contrato? EDILTON MEIRELLES sustenta que tampouco se poderia dar exeqüibilidade específica ao pré-contrato de emprego, pois,

da mesma forma como o juiz não pode obrigar o trabalhador a prestar serviços, não tem como interferir na vontade diretiva do empregador de modo a lhe impor a obrigação de dar trabalho ao empregado com indicação das tarefas a serem cumpridas por este. Essa atribuição é exclusiva do empregador, pois somente a este cabe definir quais as atividades que pretende explorar através dos serviços prestados pelo empregado. [09]

Dir-se-ia da própria garantia fundamental ao direito de propriedade (que, nesse aspecto, seria inviolável, à vista do artigo 5º, XXII, CRFB).

Temos, porém, uma visão ligeiramente diversa. Não estão em xeque, nessas circunstâncias, liberdades ou direitos fundamentais do cidadão, porque ― em se obrigando o promitente-empregador a receber, em sua empresa, o promitente-empregado ― não há malferimento ao conteúdo essencial do direito de propriedade, mas apenas a restrição de alguns direitos de fruição que podem ser dimensionados pelo legislador ordinário (vide artigos 1228 a 1368 do NCC), desde que não se configure o confisco (como veda, e.g., o artigo 150, IV, da CRFB). Esses direitos de fruição usualmente não podem ser opostos às garantias sociais do trabalhador. Vejam-se os casos de reintegração no emprego (como, p. ex., na hipótese da estabilidade sindical do artigo 8º, VIII, da CRFB, que autoriza o procedimento dos artigos 853-855 da CLT, com os possíveis efeitos do artigo 495 da mesma Consolidação). Em tais casos, admite-se que o juiz expeça mandado judicial para conduzir o trabalhador até o posto de trabalho, inclusive sob força policial; nem por isso, há violação à garantia fundamental do direito de propriedade. Na União Européia, essa premissa é ainda mais verdadeira, tendo em vista a regra geral de invalidade das dispensas individuais imotivadas. Conclui-se, portanto, que ― no que diz com o promitente-empregador inadimplente ― a possibilidade da execução específica de um pré-contrato de trabalho, com a aplicação dos artigos 466-a e 466-B do CPC (o que significa que não se trata, a rigor, de processo de execução, mas de mero efeito da sentença), depende basicamente da opção legislativa de um país.

No Brasil, à míngua de legislação específica que regule os pré-contratos de trabalho, o intérprete experimentará certa perplexidade. Não há uma "opção legislativa" evidente. O que fazer? Uma engenhosa saída passa pelo recurso às fontes alternativas do artigo 8º da CLT e, a partir dele, ao Direito comparado (nomeadamente, o Código do Trabalho português ― Lei n. 99/2003). Mas, como antecipado, sobre isso discorremos noutro texto, ainda inédito.


III. O ART. 219, §5º, DO CPC: PRONUNCIAMENTO "EX OFFICIO" DA PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO

Neste tópico, examina-se o novel parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, que introduziu a figura do pronunciamento "ex officio" da prescrição. Será ela aplicável ao processo do trabalho? Vozes altivas na doutrina processual-trabalhista já avisam que não. Cremos, porém, que o problema mereça abordagem algo mais abrangente, a envolver um conflito de princípios que implica o princípio da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CRFB), o princípio da efetividade da tutela jurisdicional e o próprio princípio da proteção (que ― dissemo-lo noutro trabalho ― tem também status constitucional, à conta de princípio implícito [10]).

Reza o novo par. 5º do artigo 219/CPC, com a redação da Lei n. 11.280/2006:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. [...]

§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

Há dois fundamentos para essa inovação, que se descobrem nos próprios motivos que acompanharam o projeto de lei correspondente. São princípios jurídicos que, nesse particular, cumpriram a sua função normogenética.

O primeiro deles é o princípio da celeridade processual. Com efeito, o reconhecimento oficial da prescrição abrevia processos que poderiam ter continuidade até a prolação da sentença, para serem extintos somente em segunda instância quando, em grau de recurso, a parte favorecida atinasse para a prescrição não argüida; afinal, o fenômeno da preclusão não alcança essa matéria (ut artigo 193 do NCC). Além disso, aquele reconhecimento pode simplificar processos com cúmulo objetivo, reduzindo-lhes o universo litigioso: poderá o juiz, em decisão interlocutória, pronunciar desde logo a prescrição de pretensões que tenham sido formalmente deduzidas como pedidos. Desse modo, tornam-se dispensáveis as provas orais que digam com a pretensão prescrita, por desnecessárias.

Note-se que o princípio da celeridade, com recente status constitucional (artigo 5º, LXXVIII, 2ª parte, CRFB), não se confunde com o princípio da duração razoável do processo (constante da 1ª parte do inciso LXXVIII). O primeiro diz com a brevidade cronológica do procedimento (dado objetivo), enquanto o segundo diz com a razoabilidade do tempo processual e com a racionalidade processualística (dado axiológico) [11].

O segundo princípio que informa o novo parágrafo 5º do artigo 219 do CPC é o próprio princípio da efetividade da tutela jurisdicional, que implica, na sua dimensão negativa, a dispensa de atos processuais inúteis ou inefetivos. É este princípio que justifica a decisão judicial de não proceder a certa penhora, a despeito do requerimento do exeqüente, quando se trate de bens sem qualquer valor de mercado ou possibilidade de venda em hasta pública [12]. Da mesma maneira, o processo terá pouca efetividade, nos aspectos cronológico e funcional, se o magistrado dedicar o seu tempo à prática de atos processuais que, ao final, não terão qualquer serventia concreta (como se via, em idos tempos, na funesta prática do «diga, diga» em matéria de perícias técnicas: permitia-se, a pretexto da ampla defesa e do contraditório, que as partes perdessem meses a fio em duelos puramente retóricos, sem qualquer utilidade para o processo, quando já estavam nos autos elementos bastantes para uma decisão a respeito).

Conhecidas, pois, as origens ideológicas da nova norma ― que, aliás, levou à revogação expressa do artigo 194 do NCC ― e o seu nexo lógico com o «pacote republicano», resta discutir os seus eventuais reflexos na Justiça do Trabalho. Afinal, tal norma aplica-se ao processo do trabalho?

Em recente esforço da Escola da Magistratura do Tribunal Regional da Décima Quinta Região (EMATRA-XV), por ocasião do Seminário «As Recentes Mudanças do CPC e suas Implicações no Processo do Trabalho» (04.08.2006), debateu-se, em quatro grupos de discussão, uma série de questões polêmicas relacionadas com as Leis n. 11.280/06, 11.232/05, 11.276/06 e 11.277/06. O evento, para o qual foram convidados todos os juízes do Trabalho da Décima Quinta Região, reuniu oitenta e oito magistrados; seus resultados servem, portanto, como dado indiciário e tendencial do pensamento jurídico regionalmente dominante. No Grupo I, coordenado pelo Juiz LUIZ CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, discutiu-se a aplicabilidade, ao processo do trabalho, do artigo 219, §5º, do CPC. Eis a tese vencedora, votada em plenário:

Aplica-se ao processo do trabalho o disposto no parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, devendo o juiz, de ofício, pronunciar a prescrição tanto da pretensão quanto da execução [g.n.].

Essa tende a ser, a meu juízo, a posição dominante na jurisprudência (a médio e longo prazos). Parte-se de dois pressupostos, a saber: (a) a legislação processual trabalhista ― especialmente a CLT ― silenciou a respeito do pronunciamento da prescrição "in judicio" (premissa pacífica); (b) o parágrafo 5º do artigo 219 do CPC é compatível com o processo trabalhista (premissa problemática). Diante disso, aplicar-se-ia o artigo 219, §5º, do CPC com fundamento no artigo 769 da CLT (omissão + compatibilidade).

O segundo pressuposto, todavia, tem sido rechaçado pelas primeiras manifestações doutrinárias, especialmente por aquelas socialmente engajadas. Nesse sentido, confiram-se os escólios de ARION SAYÃO ROMITA [13], JORGE LUIZ SOUTO MAIOR [14] e MANOEL CARLOS TOLEDO FILHO [15]. Ambos sustentam a incompatibilidade do multicitado parágrafo 5º com o processo do trabalho, não por antagonismo literal (i.e., conflito de regras), mas por contradição principiológica. O princípio da proteção, que compõe a base axiológica do Direito do Trabalho (material), interage com o processo do trabalho e, em alguma medida, condiciona-o, pelo seu papel de instrumento de viabilização do próprio direito material [16]. Já por isso, influencia-o; e, por força dessa influência, repudia quaisquer normas processuais comuns que representem um retrocesso para a condição jurídica do hipossuficiente econômico no processo "in abstracto". Na dicção de SAYÃO ROMITA,

O novel preceito legal é incompatível com a norma constitucional que promove a melhoria da condição social dos trabalhadores e, assim, por força do princípio da subsidiariedade, não tem aplicação ao processo do trabalho. [17]

No mesmo sentido, leia-se em SOUTO MAIOR:

A Justiça do Trabalho tem a função precípua de fazer valer esses direitos [sociais]. Sua celeridade, sem essa perspectiva, não é nada. Não há [...] nenhum sentido em se transformar o juiz trabalhista em sujeito cuja atividade, por iniciativa própria, sirva para aniquilar os direitos trabalhistas. [18]

Conquanto bem formulada, essa idéia enfrenta, em nossa opinião, dificuldades incontornáveis na perspectiva das novas competências da Justiça do Trabalho (após a Emenda Constitucional n. 45/2004). Veja-se.

A teor do artigo 114, I, da CRFB, passaram a ser da competência da Justiça do Trabalho as "ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". A Justiça do Trabalho deixou de ser a "Justiça dos empregados" (ou, como revelava o dado sociológico, a Justiça dos desempregados) e tornou-se genuinamente uma Justiça do Trabalho, competente para o processo e julgamento de todas as ações relativas a litígios oriundos da prestação pessoal de trabalho humano. A nova competência alcança, portanto, toda prestação de trabalho de fundo consensual, aspecto tendencialmente pessoal e caráter continuativo ou coordenado [19]. Passam a ser da competência da Justiça do Trabalho ações alusivas a relações de trabalho não subordinado, como aquelas em que litigam sobre questões de trabalho e/ou remuneração os representantes comerciais autônomos (Lei n. 4.886/65), os trabalhadores eventuais, os profissionais liberais [20], os prestadores de trabalho voluntário (Lei n. 9.608/98), os sócios cooperados (Lei n. 5.764/71 e artigos 1093 a 1096 do NCC), etc. Não são relações sujeitas às regras e princípios do Direito do Trabalho, já que não se trata de relações de emprego; logo, àquelas relações não se aplica o princípio da proteção ― a não ser que se pretenda construir um Direito do Trabalho "soft", de feitio orbital, que estenda a esses casos uma rede de proteção mais frágil, se bem que mais humana e menos patrimonialista. Ocorre que a doutrina nacional não tem manifestado qualquer simpatia por essa construção, temendo catapultar a precarização do verdadeiro Direito do Trabalho (dir-se-ia "hard") pela via do nivelamento "por baixo".

Diante disso, chega-se a uma curiosa situação. Pacificou-se o entendimento de que os procedimentos celetários (tanto o ordinário, dos artigos 837 a 852 da CLT, quanto o sumaríssimo, dos artigos 852-H a 852-I da CLT [21]) devem ser aplicados, na Justiça do Trabalho, mesmo em ações oriundas de relações de trabalho não subordinado (como as referidas supra). Volveremos a isso no tópico VII, infra; mas, por ora, importa observar que, ao cabo das contas, não haveria, após a EC n. 45/04, solução mais adequada de política judiciária. Assim, passamos a ter, sujeitas ao mesmo rito processual, ações oriundas de relações materiais regidas pelo princípio da proteção e de relações materiais não regidas por ele. A vingar a tese da inaplicabilidade do artigo 219, §5º, do CPC (contradição principiológica), engendrar-se-ia um estado de coisas no mínimo perturbador: dois cidadãos, autores em duas ações reclamatórias com objetos semelhantes (pagamento de remuneração) e tramitação à revelia, ambos com pretensões prescritas, receberiam, na mesma Justiça e sob o mesmo procedimento, tratamentos díspares: o primeiro, trabalhador autônomo, veria seu processo extinto antecipadamente, com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, IV, c.c. artigo 219, §5º, do CPC; já o segundo, trabalhador subordinado, veria os seus pedidos acolhidos em sentença de procedência, total ou parcial, prolatada nos termos do artigo 269, I, do CPC, dada a inaplicabilidade, em tese, do artigo 219, §5º. Em suma: um mesmo rito, dois tratamentos processuais. Eis um quadro aparente de violação ao princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), ao menos no plano processual (o artigo 125, I, do CPC regula não só as posições das partes concretas entre si ― efeito endoprocessual ―, mas também as posições das partes "in abstracto" perante a lei ― efeito ultraprocessual ―, pressupondo uma isonomia mínima). A alternativa seria não reconhecer de ofício a prescrição nos ritos trabalhistas, independentemente da condição sociojurídica do reclamante (i.e., se trabalhador subordinado ou não-subordinado); mas, nesse caso, haveria a repulsão injustificada da norma do artigo 219, §5º, CPC, que está em vigor, em casos que não envolvem direitos sociais "stricto sensu" e nem oferecem, em tese, contradições principiológicas ― vulnerando-se, nesse caso, o princípio da legalidade (artigo 5º, II, da CRFB).

Além disso, a tese da inaplicabilidade por incompatibilidade principiológica parece-nos incoerente do ponto de vista histórico. É que, ao aduzir o parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, a Lei n. 11.280/2006 cuidou de revogar expressamente, por seu artigo 11, o artigo 194 do NCC, que dispunha:

O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.

Conseqüentemente, a alteração legislativa não pretendeu afetar apenas o direito processual, mas o próprio direito material. O que dizer sobre isso? Também a revogação do artigo 194 do NCC haveria de ser ignorada na Justiça do Trabalho, apesar do que dispõe o artigo 8º, par. único, da CLT (que, sobre o regime de oponibilidade da prescrição, foi por tudo silente)? Tal artigo continuaria "em vigor" para efeitos trabalhistas, por ser a revogação incompatível com o princípio da proteção? E, se é esse o caso, por que não se entender, também, que o próprio artigo 193 do NCC é incompatível com o princípio da proteção? Afinal, a possibilidade de que a prescrição seja alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita, não faz mais que reduzir as chances de o trabalhador reclamante aproveitar um "lapso" do reclamado em sede de contestação. Por que não entender que, à hipótese, aplicar-se-iam tão só os artigos 300 e 303 do CPC, operando-se a preclusão temporal após a apresentação da contestação? Não foi esse o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho ao editar, em 1982, a Súmula n. 153 [22] (entendimento que, aliás, não se sustenta mais, ex vi do artigo 219, §5º, do CPC: o que pode ser reconhecido "ex officio" em qualquer grau de jurisdição, também pode ser argüido em qualquer grau de jurisdição ― inclusive em sede de recurso de revista ou extraordinário).

Neste ponto, precisamente, reside a incoerência histórica. Nunca se alegou, nem se alega agora, que a especial oponibilidade da prescrição, ora prevista no artigo 193 do NCC e outrora no artigo 162 do CC/1916, seria contrária aos princípios que informam direta ou indiretamente o processo do trabalho. Ao permitir que o juiz conheça de ofício dessa matéria, o legislador foi ― agora sim ― coerente: afinal, o próprio artigo 303 do CPC já dizia que, depois da contestação, não é lícito deduzir novas alegações, exceto as relativas a direito superveniente e aquelas que poderiam ser conhecidas "ex officio" pelo juiz (caso, agora, da prescrição). Noutras palavras, o novo parágrafo 5º do artigo 219/CPC terminou por adequar a norma do artigo 193 do NCC àquela do artigo 303, II, do CPC. A partir da Lei n. 11.280/2006, a oponibilidade da prescrição (a qualquer tempo processual, antes do trânsito em julgado) deixa de ser «especial», uma vez que se insere na hipótese geral do artigo 303, II, do CPC. A se sustentar, pois, que o pronunciamento de ofício da prescrição não se aplica ao processo do trabalho, seria de inteiro rigor sustentar, "a fortiori", a inaplicabilidade da norma do artigo 193 do NCC, por traduzir uma oponibilidade especial incompatível com o princípio da proteção. O que jamais se sustentou.

Na verdade, ao pronunciar de ofício a prescrição, o juiz não está "fulminando" direitos do trabalhador. Está apenas reconhecendo uma situação jurídica consumada (cuja cognoscibilidade, antes, era "pendente condicione", sujeitando-se à alegação ritual da parte). Será melhor fazê-lo, como quer a lei, e julgar apenas as pretensões viáveis, do que não fazer e instaurar um estado de desigualdade nas regras de rito, permitindo que a "sorte" seja uma variável hipertrofiada no processo do trabalho. O cidadão deve depositar suas esperanças na justiça de seu caso (dimensão ética) e no direito material aplicável (dimensão técnica), não nos lapsos ou na incompetência técnico-processual do "ex adverso" (dimensão aleatória). Não se trata ― parafraseando certos futebolistas ― de «jogar no erro do adversário».

Por conseguinte, a solução mais equânime está mesmo em aplicar a norma do artigo 219, §5º, CPC no processo laboral, em todos os casos, com sensível proveito para a segurança jurídica, para a celeridade processual e para a própria dimensão ética do processo. É como pensamos.

Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:: uma outra visão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1235, 18 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9182. Acesso em: 23 dez. 2024.

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