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O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:

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III. O ART. 285-A DO CPC E A SENTENÇA «INAUDITA ALTERA PARTE» NO PROCESSO DO TRABALHO

Reza o artigo 285-A do CPC, aduzido pela Lei n. 11.277/2006:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

Discorrendo acerca do novel dispositivo, RODRIGUES PINTO [23] sugeriu tratar-se da instituição da «súmula vinculante de primeiro grau», porque o magistrado passa a poder extinguir o processo com julgamento de mérito (artigo 269, I, do CPC), "in limine litis" e "inaudita altera parte", fiando-se em teses dominantes na própria vara ou juízo (sejam elas de sua lavra ou de outrem), desde que estejam presentes os seguintes requisitos: (a) matéria exclusiva de direito; (b) tese de improcedência; (c) aplicação iterativa da tese (o que significa, em interpretação literal do texto, ao menos duas decisões no mesmo sentido, mas em "casos idênticos" ― o que, veremos, não significa necessária identidade de "petitum" e "causa petendi"). Em suma: tese jurídica iterativa de improcedência.

Como bem pontua o jurista baiano, as «súmulas vinculantes de primeiro grau», a serem assim entendidas, não padecem dos mesmos males das súmulas vinculantes "stricto sensu", tal como previstas no artigo 103-A da CRFB (EC n. 45/04). Essas últimas, como se sabe, poderão ser aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre certa matéria constitucional; uma vez publicadas, terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e também em relação aos órgãos de Administração Pública federal, estadual e municipal (artigo 103-A, caput). O Excelso Pretório não terá liberdade absoluta quanto à definição das oportunidades ou das matérias a serem sumuladas: o objeto das súmulas vinculantes deverá ser a declaração da validade, da interpretação e/ou da eficácia de determinadas normas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração, com geração de grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (artigo 104-A, §1º). Nada obstante, mesmo se adstritas a tais condicionamentos, é certo que essas súmulas serão um duro golpe na capacidade criativa das instâncias de base (especialmente a primeira), engessando a jurisprudência dos tribunais e dificultando a renovação de teses sensíveis para a sociedade brasileira.

Não é assim, porém, com o instituto do artigo 285-A do CPC (que preferimos denominar de julgamento superantecipado da lide, por inspiração do artigo 330 do CPC). Isso porque, no caso do artigo 285-A, as teses não são impostas pela cúpula judiciária, mas são antes gestadas no cadinho do Direito vivo e dinâmico, i.e., na primeira instância. Outrossim, as decisões correspondentes não espraiam quaisquer efeitos vinculantes para outros órgãos do Poder Judiciário. Valoriza-se a liberdade de convicção das instâncias de base, sem comprometimento do princípio do livre convencimento motivado e da persuasão racional.

Não tardou para que a norma em testilha fosse acoimada de inconstitucional. Com efeito, a Ordem dos Advogados do Brasil (Seção São Paulo), secundada pelo Instituto Nacional de Direito Processual (na condição de "amicus curiae"), ajuizou ação direta de inconstitucionalidade que tramita no STF sob n. 3.965/2006. Para argüir a tal inconstitucionalidade, divisou-se violação aos seguintes princípios constitucionais do processo: (a) acesso ao Judiciário (artigo 5º, XXXV, CRFB); (b) simetria de tratamento processual (uma vez que o instituto favorece, em tese, apenas os réus e, mais raramente, os reconvindos); (c) ampla defesa e contraditório (artigo 5º, LV, CRFB); (d) devido processo legal (artigo 5º, LIV, CRFB ― i.e., o chamado "procedural due process"). Não comungamos dessa percepção. Institutos como o julgamento superantecipado da lide, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito ou mesmo as liminares cautelares "inaudita altera parte" não ferem quaisquer princípios constitucionais, embora não se alinhem "ex perfecto" com o modelo liberal-formal de processo civil, que herdamos das revoluções liberais e do positivismo jurídico [24]. São técnicas processuais mais afinadas com a pós-modernidade, que acentuam a presteza e a efetividade da tutela jurisdicional (dimensões inalienáveis do "due process of law"); mas, nem por isso, vilipendiam garantias de defesa. Quando muito, postergam-nas [25]. Acompanhamos, assim, ADA PELLEGRINI GRINOVER [26], NELSON NERY JÚNIOR [27], JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO [28] e outros autores que não divisaram, no artigo 285-A do CPC, qualquer inconstitucionalidade. Segundo GRINOVER,

A nova disposição não infringe nem o devido processo legal nem o contraditório, sendo este apenas diferido para o momento posterior à prolação da sentença antecipada, quando o autor pode recorrer e até o juiz pode rever sua decisão [retratabilidade = §1º]. Quanto ao réu, ele é beneficiado pela decisão e poderá contra-arrazoar o recurso e, se não houver recurso, será normalmente cientificado da decisão favorável. [29]

É como pensamos. E, no mesmo sentido, pronunciaram-se, por maioria, os juízes participantes do Seminário «As Recentes Mudanças do CPC e suas Implicações no Processo do Trabalho» (TRT/15ª, 04.08.2006), já referido supra: a partir das teses aprovadas no Grupo III, coordenado pelo Juiz LUIZ ROBERTO NUNES, firmaram posição pela aplicabilidade da figura ao processo do trabalho e, ainda, pela sua constitucionalidade incondicional: "O artigo 285-A do CPC não fere os princípios do contraditório e da ampla defesa".

Aliás, se o preceito em comento fosse inconstitucional, sê-lo-ia, com mesma razão, aquele do artigo 295, IV, do CPC, que prevê outra hipótese ― mais simples, é certo ― de sentença meritória "inaudita altera parte" em favor do réu: se o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (de direitos patrimoniais ou não-patrimoniais, a partir da Lei n. 11.280/2006), pode indeferir liminarmente a petição inicial, sem antes citar ou sequer notificar o réu. A sentença, porém, é de mérito (artigo 269, IV, do CPC). Se apelada, admite juízo de retratação (artigo 296 do CPC), embora em prazo diverso (quarenta e oito horas, contra os cinco dias previstos no artigo 285-A, §1º, do CPC). Só pode beneficiar o réu ou o reconvindo. Previa-se a citação do réu para acompanhar o recurso (artigo 296, caput, na redação da Lei n. 5.925/73); mas a Lei n. 8.952/94 alterou o texto legal, determinando a remessa imediata dos autos ao tribunal competente (artigo 296, par. único), sem citar ou intimar o réu (diversamente do que prevê o artigo 285-A, §2º). E, nada obstante, o novo artigo 296 jamais foi acoimado de inconstitucional, como tampouco se contestou a recepção do artigo 295, IV, do CPC pela Constituição de 1988.

E quanto à aplicação no processo trabalhista?

A esse propósito, RODRIGUES PINTO pondera ― com todo acerto ― que a CLT não foi verdadeiramente "omissa". Sabe-se que a aplicação subsidiária da legislação processual civil pressupõe, a teor do artigo 769 da CLT, omissão e compatibilidade. A compatibilidade aqui é indiscutível, já que o artigo 285-A "encaixa-se perfeitamente no contexto de modernidade, simplicidade, celeridade e efetividade que toda a marcha revisora iniciada com a Lei n. 8.455/92 procura alcançar" [30]. Mas a omissão, em acepção estrita, dar-se-ia apenas se o instituto do julgamento superantecipado da lide fosse figura já conhecida do ordenamento jurídico brasileiro, nos moldes da Lei n. 11.277/2006. Não era. Jamais esteve prevista, em tais moldes, na CLT ou no próprio CPC, porque ambos os diplomas seguiram as doutrinas ortodoxas do procedimento (tão caras à "ordinariedade", na expressão de OVÍDIO BAPTISTA [31]). No entanto, PINTO pugna pela aplicação processual-trabalhista do artigo 285-A/CPC, advogando que se enfatize o segundo parâmetro do artigo 769/CLT (compatibilidade). Com isso, atenta-se "para a plasticidade do Direito, que o distancia progressivamente da rigidez ortodoxa do pensamento jurídico", e apressa-se "a atualização da norma trabalhista" [32].

Dir-se-ia haver, na espécie, interpretação "contra legem", já que o artigo 769 da CLT não se exaure no pressuposto da compatibilidade. A crítica é, porém, superável, se providenciarmos um ligeiro reparo na tese de RODRIGUES PINTO. Há que buscar, outra vez, a atualização hermenêutica da norma, que não se confunde com a sua obliteração. Deixa-se de perquirir a omissão formal da lei processual trabalhista, numa perspectiva estática, para considerar bastante à aplicação do artigo 769/CLT a mera imprevisão histórica, tomada em perspectiva dinâmica. Se o processo do trabalho, outrora vanguardeiro, obsolesce a olhos vistos, deixado para trás pelo processo civil, é papel do intérprete juslaboralista atualizá-lo, mesmo quando a "omissão" processual-laboral deve-se ao dinamismo das instituições (= imprevisão) e não a algum lapso do legislador histórico. Passa-se, portanto, pela renovação do paradigma hermenêutico, especialmente naquilo que está afeto ao artigo 769/CLT, privilegiando-se um modelo de interpretação mais fiel ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional (dimensões positiva e negativa), inspiração maior da processualística hodierna.

Mas esse entendimento não elimina os nossos problemas. Para a aplicação do artigo 285-A do CPC é mister, antes, interpretá-lo. De se questionar, entrementes, o que sejam «casos idênticos» (artigo 285-A, caput, 2ª parte) para efeito de julgamento superantecipado.

A primeira impressão é óbvia: dois casos são idênticos quando tudo neles é igual, exceto o que não poderia ser: as partes (do contrário, seria o mesmo caso). Daí porque, no Seminário «As Recentes Mudanças do CPC e suas Implicações no Processo do Trabalho» (TRT/15ª, 04.08.2006), aprovou-se a tese de que "[...] basta a cumulação dos requisitos identidade de causa de pedir e de pedido". Discordamos. A ser assim, tratar-se-ia de saber se há conexão ou litispendência (artigos 103 e artigo 301, §1º, 1ª parte, ambos do CPC, respectivamente). Ora, essas figuras só servem às hipóteses em que ainda não há julgamento, diversamente do que disciplina o artigo 285-A/CPC, que pressupõe casos julgados anteriores, recorríveis ou não. «Casos idênticos» são, portanto, aqueles que reclamam unidade de convicção; logo, não se trata de identidade de pedido e/ou causa de pedir, mas de identidade de teses jurídicas, como obtempera RODRIGUES PINTO [33]. A noção de "identidade de teses jurídicas" é mais abrangente e pode vingar ainda quando não haja estrita identidade de pedido ou de "causa petendi".

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Na verdade, a possibilidade de se extinguir liminarmente um processo com julgamento de mérito, a partir de uma simples tese jurídica e antes mesmo de serem julgados quaisquer "casos idênticos", já existe no sistema processual brasileiro. Mencionamo-la há pouco. Pense-se, e.g., no caso da prescrição para a reparação de danos materiais (que, nos termos do artigo 206, §3º, V, do NCC, é de três anos): a se admitir que o prazo civil se aplica incondicionalmente às reparações de danos sofridos na relação de emprego [34], a mesma tese serve às reclamatórias que pedem indenização ressarcitória e àquelas que pedem pensão civil por invalidez (pedidos diversos); ou, ainda, àquelas cuja causa de pedir seja um acidente de percurso ou uma moléstia profissional (causas de pedir diversas). Poderia ensejar, assim, o indeferimento liminar das petições iniciais, em todas as hipóteses, ut artigo 295, IV, do CPC.

Agora, o mesmo ocorrerá no caso de se entender, v.g., que o artigo 4º da recente Lei n. 11.324, de 19.07.2006, ao conferir garantia de emprego à doméstica gestante, fere a Constituição em seus artigos 7º, I e par. único, "a contrario sensu" [35]: a tese poderá ensejar sentenças de improcedência "inaudita altera parte", por força do artigo 285-A do CPC, independentemente da identidade de pedidos e/ou causas de pedir (p. ex., servirá igualmente para a hipótese de pedido de reintegração e para a hipótese de indenização do período correspondente ― i.e., pedidos diversos). A diferença é que, para tanto, exigir-se-á o julgamento prévio de dois ou mais "casos idênticos". Argumentar-se-ia, aqui, que uma tese de tal natureza, mesmo se "vencedora" numa determinada vara do trabalho, contrariaria jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, de que estabilidades provisórias especiais, como essa, não precisam ser instituídas por lei complementar (vide, e.g., a Súmula n. 378 do TST); logo, seria no mínimo injusto admitir, a aboná-la, sentenças de improcedência "in limine litis". Parece-nos, porém, que se é esse o convencimento irredutível do magistrado ― e nem a contestação, nem uma eventual instrução fá-lo-ão mudar de idéia ―, melhor será mesmo a antecipação do julgamento, para que a sentença seja, o quanto antes, reformada em segunda instância. A solução alvitrada atende bem aos interesses do próprio reclamante, que do contrário teria de amargar semanas ou meses de atos processuais inúteis, até lhe vir às mãos a sentença de improcedência.

Indagar-se-ia, ainda, se o artigo 285-A do CPC aproveita apenas aos casos do artigo 269, I, 2ª parte, do CPC ("quando o juiz [...] rejeitar o pedido do autor"). A resposta é afirmativa. Na verdade, uma interpretação teleológica do texto permitiria reconhecer ao instituto uma mesma função processual sempre que o processo puder ser extinto liminarmente, com julgamento de mérito, sem sucumbência (sequer parcial) do réu. Na prática, porém, sua aplicação cingir-se-á mesmo aos casos de improcedência do artigo 269, I, 2ª parte, do CPC. Isso porque os incisos II e III não tratam de improcedência, mas de situações que vinculam ou oneram o réu; o inciso V pressupõe manifestação "ex post" do autor nos autos (logo, geralmente não admitirá decisão "in limine litis", i.e., antes da citação do réu [36]); e para as hipóteses do inciso IV já havia a norma do artigo 295, IV, do CPC, admitindo o indeferimento liminar da petição inicial, com extinção de mérito, mesmo sem o julgamento anterior de "casos idênticos".

Diga-se, por fim, que o julgamento superantecipado da lide tanto pode aproveitar ao empregado-réu ou ao empregado-reconvindo, como também ao empregador-réu (como sugerem os exemplos supra) e ao empregador-reconvindo. A se cogitar do instituto apenas para favorecer os empregados na posição de réus ou reconvindos (alegando-se, p. ex., um suposto efeito repulsivo do princípio da proteção nos demais casos), incorre-se nos mesmos vícios já apontados supra (tópico III).

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:: uma outra visão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1235, 18 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9182. Acesso em: 22 nov. 2024.

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