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O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:

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IV. A SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO (ART. 518, §1º, DO CPC)

Reza o artigo 518, §1º, do CPC, com a redação e a renumeração da Lei n. 11.276/2006:

Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Trata-se da súmula impeditiva de recurso, aprovada por lei ordinária com amplitude menor que a auspiciada nos primeiros tempos. Daí a observação de COUCE DE MENEZES e TENÓRIO DA CUNHA, no sentido de que "a súmula obstativa do seguimento da apelação não se confunde com a súmula impeditiva de recursos, que não foi aprovada na Reforma do Judiciário. O objetivo desta era bem mais amplo, porque impedia quaisquer recursos ou quaisquer outros meios de impugnação se contrários ao entendimento sumulado" [37]. Mas nem por isso se justifica criar uma nova denominação para o instituto ("súmula obstativa do seguimento da apelação"), que mantém as mesmas características ontológicas e funcionais do seu "modelo", variando apenas no alcance.

Observa-se, "ab initio", que o par. 1º não faz menção ao Tribunal Superior do Trabalho. Tampouco faz menção ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Superior Tribunal Militar, que também editam súmulas de jurisprudência; mas, nesse último caso, as súmulas tratam exclusivamente de matéria penal e processual penal, donde a inaplicabilidade do Código de Processo Civil. Quanto à Justiça do Trabalho [38], porém, põe-se a questão: tratando-se jurisdição civil "lato sensu" (i.e., não-penal), aplicar-se-ia o artigo 518, §1º, do CPC, para que não se receba o recurso ordinário quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STF ou do STJ? Aplicar-se-ia, outrossim, na conformidade com a súmula do próprio TST?

No Seminário «As Recentes Mudanças do CPC e suas Implicações no Processo do Trabalho» (TRT/15ª, 04.08.2006), a plenária, por maioria, respondeu sim a ambas as perguntas, aprovando a tese formulada pelo Grupo III, sob a coordenação da Juíza ANA MARIA VASCONCELLOS. Firmou-se a convicção de que "o juiz [do Trabalho] poderá denegar seguimento a recurso, por entender que a matéria constante da sentença se encontra na conformidade das súmulas do TST, STJ e STF (art. 518, parágrafo 1º do CPC)".

É, de fato, o melhor entendimento. Novamente, não há omissão em acepção técnica (artigo 769/CLT), porque a figura da súmula impeditiva de recursos não existia; foi introduzida no ordenamento processual civil brasileiro pela Lei n. 11.276/2006. Houve, portanto, mera imprevisão histórica. Mas a "lex nova" atende aos princípios da celeridade, da simplicidade e da efetividade da tutela jurisdicional. Logo, a sua compatibilidade com o processo laboral é inconteste ― tanto que as providências do artigo 557 do CPC, análogas a essa, já vinham sendo aceitas sem resistências pelos Tribunais Regionais do Trabalho [39] (denegação, pelo relator, de seguimento de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do STJ). Não seria razoável, portanto, rechaçar a novidade ao argumento de que a CLT não foi "omissa". Outra vez, incumbe ao intérprete atualizar a norma processual trabalhista, equiparando à omissão formal (dimensão estática) a imprevisão histórica (dimensão dinâmica) [40]. E tampouco seria razoável limitar a figura às súmulas do STF e do STJ, se é o TST quem uniformiza a jurisprudência nacional em matéria trabalhista, assim como o STJ uniformiza a jurisprudência dos tribunais regionais federais e dos tribunais de justiça em matéria de lei federal. Para insistir em um lugar-comum de nossos textos, diríamos: "ubi eadem ratio ibi idem ius".

Na opinião de COUCE DE MENEZES e TENÓRIO DA CUNHA [41], nem todos os entendimentos sumulados ensejariam a denegação do recurso. As súmulas superadas pela iterativa jurisprudência das Cortes não teriam o condão de obstar o seguimento da apelação ou do recurso ordinário, por não servirem ao propósito do artigo 518, §1º. Essa interpretação, sobre atrair alguma insegurança jurídica, tem o mérito de evitar denegações radicadas na inércia dos tribunais superiores em atualizarem suas súmulas de jurisprudência.

Ressalte-se que a denegação não é mera "faculdade" do juiz de primeiro grau, mas um seu dever processual. Criou-se, a partir da Lei n. 11.276/2006, um novo pressuposto recursal objetivo (positivo), específico para as apelações e recursos ordinários [42]: a desconformidade do conteúdo sentencial com a súmula de jurisprudência dos tribunais superiores (ou ― o que é o mesmo ― um curioso pressuposto recursal negativo: a convicção convergente entre a 1ª Instância e a Súmula de Jurisprudência dos Tribunais Superiores [43]).

O não-recebimento do recurso ordinário tanto poderá prejudicar o empregado quanto o empregador sucumbente. Uma vez mais não se justificaria discriminá-los, ao argumento de que o processo do trabalho é informado ― direta ou indiretamente ― pelo princípio da proteção.

Caso o recurso ordinário verse sobre matéria sumulada, a respeito da qual haja convicção convergente, mas também fira matéria diversa e não-convergente, o juiz do Trabalho deverá admitir o recurso e processá-lo, abrindo-se à Turma do Regional a possibilidade de apreciação integral do recurso, inclusive quanto à tese convergente. Chega-se a essa solução por "analogia iuris", com fundamento na Súmula n. 285 do TST [44]. Trata-se, ademais, de salutar medida de economia processual, a prevenir desnecessários agravos de instrumento para "destrancar" matérias.

E quais são os poderes do Tribunal no julgamento de agravo de instrumento (artigo 897, "b", da CLT) que acaso se interponha da denegação fundada no artigo 518, §1º, do CPC? Mesma dúvida exsurge no processo civil, ut artigo 522 do CPC. Há duas posições aprioristicamente defensáveis: (a) o juízo "ad quem" teria o poder de reformar a sentença, no mérito, por não acompanhar o entendimento sumulado; (b) o juízo "ad quem" teria o poder de tão-só avaliar a adequação da sentença e/ou do caso concreto à súmula de jurisprudência, dando ou não seguimento ao recurso, sem jamais impor suas próprias teses. Optamos pela segunda posição, acompanhando a tese aprovada no Seminário «As Recentes Mudanças...» [45] (supra). Uma interpretação teleológica do preceito permite reconhecer, como "mens legis" do novo texto, a otimização da celeridade processual e da estabilidade judiciária, mas pelo caminho da valorização das decisões de primeira instância, quando convergirem para a Súmula de Jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST). Admitir que os tribunais possam contrariar a tese de convergência, reformando a decisão para impor outras teses quaisquer que lhes pareçam mais acertadas, equivale a desatender o espírito do artigo 518, §1º, perenizar divergências e desprestigiar as decisões convergentes dos juízos de base. O juízo "ad quem" somente poderá ingressar no mérito recursal se concluir que a sentença atacada não está em conformidade com a súmula, ou se entender que o caso concreto não se subsume à hipótese sumulada. Mas, antes, deverá determinar o processamento do recurso, com vistas à intimação do "ex adverso" para contra-arrazoá-lo (artigo 5º, LV, CRFB), exceção feita à possibilidade de julgamento imediato do mérito do recurso denegado, nos termos do artigo 897, §7º, da CLT (redação da Lei n. 9.756/98) [46].

Convém examinar, enfim, se o novel par. 1º do artigo 518 viola o princípio do duplo grau de jurisdição. À partida, é preciso dizer que existe séria celeuma doutrinária a propósito da natureza e mesmo da existência desse princípio processual. Decerto não é um princípio constitucional explícito, já que não está entre as garantias processuais do artigo 5º. Há quem o derive do Capítulo III ("Do Poder Judiciário") do Título IV ("Da Organização dos Poderes") da Constituição Federal, porque a estrutura judiciária em vigor geralmente pressupõe a distribuição orgânica de competências originárias e recursais. Logo, o direito de recorrer seria inerente à estrutura do Judiciário brasileiro. Mas, mesmo para os que admitem um princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, o artigo 518, §1º forra-se à pecha de inconstitucionalidade, na medida em que a garantia absoluta do duplo grau (i.e., garantia de sempre recorrer das sentenças nas instâncias ordinárias) só existiu na vigência da Constituição do Império (1824), por força de seu artigo 158. Referindo-se ao descabimento de apelação nos casos do artigo 34 da Lei n. 6.830/80 e do artigo 4º da Lei n. 6.825/80 e, para mais, à irrecorribilidade dos despachos (artigo 504 do CPC), NELSON NERY JR. anota que "esses artigos não são inconstitucionais justamente em face da ausência de «garantia» [absoluta] do duplo grau de jurisdição. Entretanto, não poderá haver limitação ao cabimento do recurso especial ou extraordinário, como era permitido no sistema revogado (art. 119, §1º, CF de 1969), porque a atual Constituição Federal não estipulou nenhuma restrição" [47]. Mesma lição se aplica ao artigo 518, §1º, do CPC: não há inconstitucionalidade, porque inexiste limitação de acesso às instâncias extraordinárias (i.e., recurso de revista, recurso especial e/ou recurso extraordinário), em caso de violação da Constituição ou da lei federal, ou ainda para uniformização de jurisprudência. Entre nós, o duplo grau de jurisdição só persiste, como garantia processual absoluta, no âmbito processual penal, ut artigo 8º, 2, "h", do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), c.c. artigo 5º, §2º, da CRFB. Não existe, com tal amplitude, no processo civil ou trabalhista.


V. A NOVA EXECUÇÃO CIVIL (LEI N. 11.232/2005) E SEUS REFLEXOS NA LIQUIDAÇÃO E NA EXECUÇÃO TRABALHISTA

A Lei n. 11.232/2005 tratou, entre outros assuntos, da liquidação e do cumprimento das sentenças judiciais. Nesse último aspecto, operou uma verdadeira revolução. Mas principiemos pela liquidação. Dispõem os atuais artigos 475-A a 475-H do CPC:

Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

§ 1º Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de seu advogado.

§ 2º A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes.

§ 3º Nos processos sob procedimento comum sumário, referidos no art. 275, inciso II, alíneas ‘d’ e ‘e’ desta Lei, é defesa a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for o caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido.

Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

§ 1º Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até trinta dias para o cumprimento da diligência.

§ 2º Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor, e, se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362.

§ 3º Poderá o juiz valer-se do contador do juízo, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária.

§ 4º Se o credor não concordar com os cálculos feitos nos termos do § 3º deste artigo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador.

Art. 475-C. Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:

I – determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;

II – o exigir a natureza do objeto da liquidação.

Art. 475-D. Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará o perito e fixará o prazo para a entrega do laudo.

Parágrafo único. Apresentado o laudo, sobre o qual poderão as partes manifestar-se no prazo de dez dias, o juiz proferirá decisão ou designará, se necessário, audiência.

Art. 475-E. Far-se-á a liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo.

Art. 475-F. Na liquidação por artigos, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum (art. 272).

Art. 475-G. É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

Art. 475-H. Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento.

Como se sabe, a CLT pouco diz quanto à fase de liquidação. No artigo 879, caput, prevê as figuras da liquidação por cálculo, por arbitramento e por artigos (sem, todavia, especificá-las quanto à função, finalidade ou procedimento); dispõe que a decisão liquidatária não poderá modificar ou inovar a sentença liquidante, nem tampouco discutir matéria pertinente à causa principal (artigo 879, §1º, com a redação da Lei n. 8.432/92); e manda incluir, nas contas de liquidação, o cálculo das contribuições sociais devidas (artigo 879, §1º-A, com a redação da Lei n. 10.035/2000), instrumentalizando o procedimento para o exercício da competência prevista no artigo 114, VIII, da CRFB. Quanto ao mais, é silente.

Já por isso, admite-se, há muito, a compatibilidade "in genere" entre o modelo processual civil de liquidação e o processo do trabalho [48]. Esse estado de coisas não se altera com a Lei n. 11.232/2005. Todos os dispositivos supra aplicam-se à liquidação no processo do trabalho, exceção feita àqueles flagrantemente incompatíveis. As incompatibilidades são pontuais e quase sempre evidentes. Assim, e.g., não se aplica à liquidação trabalhista o artigo 475-H/CPC, que prevê agravo de instrumento para atacar a decisão de liquidação (evidenciando, aliás a natureza da decisão liquidatária: decisão interlocutória, ut artigo 162, §2º, do CPC); isso porque no processo do trabalho vige o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias (artigo 893, §1º, da CLT); outrossim, o agravo de instrumento só tem lugar, no processo do trabalho, dos despachos (rectius: decisões) que denegam a interposição de recursos (artigo 897, "b", da CLT). Ainda que se admitisse a recorribilidade da decisão de liquidação (que alguns autores, em minoria, tendem a admitir, em alguns casos, considerando-se os efeitos prováveis na execução [49]), o recurso cabível seria o agravo de petição, jamais o de instrumento.

Embora já estivessem presentes no Código de Processo Civil desde a Lei n. 10.444/2002, merecem menção as normas constantes do artigo 475-B, §§ 1º e 2º, relativas à liquidação por cálculos. Se a elaboração da memória de cálculos depender do conhecimento de informações existentes em poder do devedor ou de terceiros (o que é muito comum no processo do trabalho, como, p. ex., quando os cálculos pressupõem a aferição de média de comissões percebidas nos últimos doze meses), o juiz poderá requisitá-los (i.e., requisitar os documentos impressos da empresa, o seu disco rígido, os extratos bancários etc.), estipulando prazo de até trinta dias para a entrega. Conquanto se fale em "requerimento do credor", é pacífico que, no processo do trabalho, a requisição pode se dar "ex officio", diante do que dispõe o artigo 878, caput (execução de ofício), e 879, caput ("... ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação..."), ambos da CLT. Havendo recusa injustificada, o juiz reputará corretos os cálculos apresentados pelo credor, se os dados estiverem em poder do devedor (art. 475-B, §2º, 1ª parte, CPC); ou aplicará a norma do artigo 362 do CPC (diligência de busca e apreensão de coisas e/ou documentos, associada à responsabilização criminal do sujeito recalcitrante por crime de desobediência ― artigo 330 do Código Penal), se os dados estiverem em poder de terceiro (art. 475-B, §2º, 2ª parte, CPC). Observe-se, porém, que a segunda solução não autoriza a prisão em flagrante do terceiro recalcitrante, uma vez que o crime de desobediência é de pequeno potencial ofensivo (cfr. artigo 61 da Lei n. 9.099/95 e artigo 3º da Lei n. 10.259/2001). Ao magistrado restará determinar, se o caso, a condução "sub vara" do terceiro à delegacia de polícia (preferencialmente a uma unidade da Polícia Federal, em se tratando de magistrado trabalhista ou federal comum), e bem assim a lavratura de termo circunstanciado (artigo 69 da Lei n. 9.099/95), para que o conduzido assuma compromisso de comparecimento perante a autoridade judicial competente. Apenas se não o fizer, impor-se-á a prisão em flagrante e/ou a imposição de fiança (artigo 69, par. único, 1ª parte, da Lei n. 9.099/95). Solução melhor, a nosso ver, seria instituir a figura da prisão processual por descumprimento grave e injustificado de ordem judicial, à maneira do que se vê nos países de tradição anglo-saxônica ("contempts of court") [50].

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É na execução, porém, que a Lei n. 11.232/2005 introduziu as mais profundas alterações no modelo processual civil em vigor.

O «processo de execução», como entidade conceitual autônoma, desapareceu quando se trata de obrigação por quantia certa (artigo 475-I, caput, do CPC). O Título VIII ("Do procedimento ordinário") do Livro I ("Do processo de conhecimento") do CPC passa a ter um Capítulo IX (sobre liquidação de sentença, supra) e, na seqüência, um Capítulo X ("Do cumprimento da sentença" ― g.n.). O que era a execução, com foros de autonomia procedimental e científica (a ponto de se falar, em Teoria Geral do Processo, na "ação de execução"), passa a ser uma fase ― a última ― do processo de conhecimento. Essa concepção é bem conhecida dos cultores do processo do trabalho. Nesse nicho, há tempos já se sustentava que a execução não seria um processo autônomo, mas uma fase do processo cognitivo [51], notadamente em face dos artigos 832, 835 ("cumprimento do acordo ou da decisão") e 878 (execução de ofício), todos da CLT ― apesar da citação na fase de execução (artigo 880), que parecia indicar o sentido oposto. Afinal, como explicar a oficialidade da execução trabalhista, a se supor uma ação autônoma de execução e o princípio da inércia jurisdicional? Estaria o juiz a "propor" a ação, em proveito do credor-exeqüente? A saída mais confortável passava, indiscutivelmente, pela negação daquela autonomia.

Aplicando o novo modelo executivo ao processo do trabalho e advogando uma "leitura atualizada" do artigo 880 da CLT, SOUTO MAIOR [52] sugere bastar a intimação postal do devedor, por carta registrada, para que pague a dívida constante do título no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10% (artigo 475-J/CPC). Propõe, além disso, que o regime do artigo 880/CLT não se aplique aos acordos descumpridos (valendo a própria ata de audiência, na qual se formalizou a homologação do acordo, como documento comprobatório de uma "citação" prévia e bastante, feita verbalmente ao devedor). Quanto à primeira tese ("ler" o artigo 880/CLT como mero comando de intimação postal), trata-se de interpretação flagrantemente "contra legem", uma vez que o preceito diz, textualmente, que o juiz "...mandará expedir mandado de citação...". A idéia mereceria ser repensada, de molde a prevenir a insegurança jurídica ou a própria vulneração de direitos processuais fundamentais do réu (como, e.g., o de ser executado segundo o procedimento legal e não ao inteiro alvitre do juiz). De nada adianta uma execução mais expedida que, adiante, veja-se fulminada por nulidades e anulabilidades. A segunda tese, porém, atende bem às garantias inerentes ao artigo 880/CLT, na medida em que o devedor, transigindo, é pessoalmente citado, por agente público (o juiz), de que o acordo deve ser cumprido no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, sob pena de penhora; tudo isso, ademais, é sacramentado em termo, com a assinatura do devedor. O princípio da instrumentalidade dos atos processuais permite afirmar, nessa hipótese, que a "citação prévia do devedor em audiência" faz as vezes do mandado de citação ao executado (artigo 880) e não compromete seus direitos de defesa.

A par disso, importa observar, ainda com SOUTO MAIOR, que a nova configuração da execução por quantia certa (na verdade, "cumprimento da sentença") trouxe duas conseqüências relevantes para o regime jurídico das ações condenatórias correspondentes.

A uma, impõe-se reconhecer que as ações condenatórias de obrigação por quantia certa não são mais meramente condenatórias, mas condenatórias e executivas "lato sensu" [53] (a par da carga declaratória que toda sentença possui), na expressão celebrizada por PONTES DE MIRANDA [54]. Isso porque tais ações, à maneira das ações possessórias e das ações de despejo, passam a dispensar a instauração de um processo autônomo de execução, uma vez que a satisfação das obrigações terá lugar na mesma relação jurídico-processual instaurada inicialmente, com a distribuição ou o despacho do juiz (artigo 263/CPC). Noutras palavras, ao ajuizar-se uma ação condenatória de obrigação por quantia certa, pede-se ao juiz ― explícita ou implicitamente ― mais que a condenação do réu; pede-se a efetividade da tutela, i.e., a satisfação do direito mediante os meios coercivos necessários.

A duas, a transformação da execução por quantia certa em fase de cumprimento da sentença compromete sensivelmente a tese da prescrição intercorrente [55], na esteira do que já dispunha a Súmula n. 114 do TST (contra a Súmula n. 327 do STF). Com efeito, assim como a demora na promoção dos atos e diligências do processo de conhecimento pode, quando muito, gerar a extinção do processo (art. 267, III, do CPC), ou quiçá a perempção (artigo 268, par. único, 1ª parte, do CPC), mas sempre sem afetação das pretensões de direito material (tanto que, mesmo nas perempções, o direito pode ser alegado como defesa: artigo 268, par. único, 2ª parte), igual inteligência tende a informar a "fase executiva" (cumprimento da sentença), agora considerada uma parte da ação plenária. Afinal, um mesmo tipo de omissão não poderia surtir efeitos diversos no bojo do mesmo procedimento, ao ensejo da mesma ação. Pois bem: a síntese dessa tese, a espancar qualquer dúvida sobre o descabimento, em regra, da prescrição intercorrente nas ações trabalhistas, está no recente artigo 475-J, §5º, do CPC:

Art. 475-J. […] "§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte. [g.n.]

Os efeitos são, portanto, de cunho estritamente processual; não afetam o direito material "a se" (fenômeno da decadência) e tampouco a pretensão material que lhe corresponde (fenômeno da prescrição). Ademais, no processo laboral (e era esse o argumento utilizado antes da Lei n. 11.232/2005), o impulso executivo é "ex officio". Logo, por se tratar da mesma relação jurídico-processual, a conseqüência da inércia da parte interessada na fase liquidatária ou executiva, como já era na fase de conhecimento (antes mesmo das alterações em comento), tem de ser meramente processual; e, nos processos trabalhistas, só terá lugar quando o juiz do Trabalho não puder atuar "ex officio" (como, e.g., nas liquidações por artigos).

Para essa regra, divisa-se uma única exceção, pela via do artigo 889 da CLT: a prescrição intercorrente, pelo biênio (artigo 7º, XXIX, da CRFB [56]), em caso de aplicação subsidiária do artigo 40 da Lei de Executivos Fiscais (Lei n. 6.830/80). É que, com a edição da Lei n. 11.051/2004, esse artigo 40 ― que trata da suspensão do curso da execução quando não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (sem curso prescricional) e, após um ano, do arquivamento dos autos respectivos (§2º) ― passou a ter um quarto parágrafo, com a seguinte redação:

§ 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato [g.n.].

Dado o silêncio da CLT a esse propósito, não divisamos razões bastantes para que essa norma subsidiária seja repelida [57]. A bem da segurança jurídica (que é valor republicano inserido no próprio Preâmbulo da Constituição), não pode o indivíduo permanecer por toda a vida à mercê de uma decisão judicial que o desfavoreça, quando o próprio credor não demonstra mais qualquer interesse em ver satisfeito o crédito. Se isso vale até mesmo para a Fazenda Pública ― cujos créditos são, como os trabalhistas, essencialmente indisponíveis e irrenunciáveis ―, fere o bom senso que não valha para o empregado (ou, na via oposta, para o empregador). Aliás, não fosse assim, a CLT não poderia ter eleito a "prescrição da dívida" como uma das poucas matérias alegáveis em sede de embargos à execução (artigo 884, §1º): a não ser a prescrição intercorrente, que outra poderia ser alegada somente em fase executiva (amiúde após o trânsito em julgado, que impede o reconhecimento de prescrição existente à época da propositura da ação e não alegada anteriormente)?

Assim, caberá mesmo ao credor provocar o juízo, na iminência do prazo fatal, requerendo diligências úteis para a localização do devedor e/ou dos bens (artigo 40, §3º, da LEF), de molde a interromper o curso prescricional. Observe-se que, nesse extremo, o juiz já terá exaurido sua atividade persecutória, dando cumprimento ao mandado de impulso oficial; não obstante, as diligências ter-se-ão revelado infrutíferas. A alternativa seria impor ao juízo o dever de perenizar "ad eternum" a persecução patrimonial, valendo-se de rastreamentos on-line (sistema BACENJUD) ou mandados de penhora, sem nem ao menos saber se o interessado ainda vive ou tem sucessores para os fins da Lei n 6.858/80... Pode-se até sustentar essa alternativa; mas seria uma sustentação retórica, por ser certo que, passados os anos, um processo com tais características ― carência de movimentação processual pela parte e exaurimento da atividade oficial de persecução patrimonial ― será simplesmente esquecido nalguma prateleira.

Feitas essas considerações, convém pontuar que a aplicação «em bloco» da nova execução civil no processo do trabalho é, "concessa venia", impraticável. Isso porque, conquanto modesta, há regulação expressa da matéria na CLT e na Lei n. 5.584/70 (artigos 12 e 13), além da remissão preferencial, em caráter subsidiário, à Lei n. 6.830/80 (ut artigo 889 da CLT). Logo, só têm aplicação ao processo trabalhista aqueles preceitos do CPC que não têm correspondência na Consolidação, na Lei n. 5.584/70 ou na Lei de Executivos Fiscais.

Não é esse, e.g., o caso da dispensa de citação do artigo 475-J, caput, do CPC, como antecipamos supra. No processo civil, o devedor condenado a pagar quantia certa não é mais «citado» para pagar ou nomear bens à penhora; incumbe-lhe efetuar o pagamento do "quantum" da condenação em quinze dias, contados a partir do momento em que se lhe dá ciência da quantia exata a pagar. No processo do trabalho, porém, remanesce em vigor o artigo 880 da CLT, que ainda prevê a citação do executado. Sustentar o contrário seria supor que a Lei n. 11.232/2005 teria revogado, nessa parte, a CLT, o que violentaria o modelo legal da execução trabalhista e carrearia à legislação processual civil uma primazia que ela não tem. Conquanto se possa alegar que a "abolição" do mandado de citação do art. 880 esteja de acordo com o espírito do inciso LXXVIII do artigo 5º da CRFB (o que é verdadeiro), deve-se refletir, também, se estaria de acordo com a norma do inciso LIV do mesmo artigo [58]. O que é, afinal, o "procedural due process" (= devido processo legal formal)? Não é ― entre outras coisas ― garantir ao cidadão que a sua execução, civil ("lato sensu") ou penal, faça-se conforme a lei vigente para o seu caso? Nessa linha, o "efeito-surpresa" da supressão do mandado de citação do executado poderia ser, num primeiro momento, devastador. Volta à baila, outrossim, o problema da segurança jurídica: tal supressão significaria a possibilidade de o juiz do Trabalho escolher, dentre três procedimentos-padrão (CLT, LEF, CPC), os atos processuais que fossem mais "efetivos", i.e., os que mais abreviassem a execução. Não se trataria mais de "aplicação subsidiária" dessa ou daquela norma, mas de mera escolha. Discricionária escolha. E, num Estado Democrático de Direito, os fins ― por mais justos e louváveis ― nem sempre justificam os meios. Afinal, amanhã um juiz hipotético poderia também "escolher", dentre os procedimentos em vigor, os atos processuais que mais favorecessem o empregador-executado, pelo custo ou pela demora, propondo alguma "releitura" adequada aos princípios que julgasse mais valiosos (e.g., a livre iniciativa e o direito de propriedade). O que diríamos?

Só nos resta lamentar, nessa parte, o evidente descompasso histórico. O processo do trabalho outra vez é superado pelo processo comum, ao manter a figura do mandado de citação em execução (que, portanto, não pode ser "carta" ou "intimação") como elemento integrante do devido processo legal de execução trabalhista [59].

Há, porém, vários preceitos que podem ― e devem ― ser aproveitados na Justiça do Trabalho.

"Ad exemplum", a norma do artigo 475-J, §3º, do CPC [60] não é incompatível com a norma do artigo 880 da CLT e tampouco com a do artigo 882, pela qual o executado poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida de despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, "observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código Processual Civil". Dir-se-ia que a penhora só poderia vir depois (artigo 883), caso o devedor não garantisse a execução nos termos do artigo 882. Não mais. Isso porque a ordem preferencial do artigo 655 do CPC, à qual expressamente reenvia o artigo 882 (logo, não se trata de aplicação subsidiária, mas direta), não é mais impositiva nas ações condenatórias de obrigação, podendo o credor desde logo indicar bens à penhora, se o devedor não cumpriu voluntariamente a obrigação de pagar no prazo de quinze dias (artigo 475-J, caput). E, tratando-se de processo do trabalho, no qual a execução tem iniciativa e impulso oficiais (artigo 878, caput, da CLT), fica evidente que o próprio juiz pode deliberar sobre os bens e valores a serem penhorados, independentemente da nomeação pelo devedor ou da indicação pelo credor; assim como pode expedir o mandado de penhora e avaliação (que incluirá também a citação, ut artigo 880/CLT, exceção feita aos acordos em que a citação pessoal foi documentada em termo), independentemente do "requerimento do credor" mencionado no caput do artigo 475-J. Com isso, justifica-se, do ponto de vista procedimental, a praxe instituída em muitas varas de proceder "ex officio" ao rastreamento e penhora de contas correntes via BACENJUD, antes mesmo de penhorar qualquer bem nomeado pelo devedor ou indicado pelo devedor (se já não a justificassem, como sempre pensamos, o artigo 655, I, do CPC, c.c. artigo 882 da CLT, e o artigo 11, I, da Lei n. 6.830/80, c.c. artigo 889 da CLT).

O mesmo se diga da multa do artigo 475-J do CPC e da execução provisória nos termos do artigo 475-O do CPC. No Seminário «As Recentes Mudanças do CPC e suas Implicações no Processo do Trabalho» (TRT/15ª, 04.08.2006), os juízes presentes aprovaram, por maioria, as seguintes teses: (1) a multa prevista no artigo 475-J, caput, do CPC (dez por cento) é aplicável ao processo trabalhista; (2) o artigo 475-O do CPC aplica-se ao processo do trabalho e, além de afirmar que a execução provisória far-se-á de modo idêntico à definitiva, ainda possibilita, mediante caução, o levantamento de depósitos em dinheiro (pense-se, e.g., nos depósitos recursais ou nas penhoras on-line), a alienação de propriedade (hastas públicas) e outros atos de executivos que causem gravame ao executado.

Quanto à multa de dez por cento sobre o "quantum debeatur", MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO [61], JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO [62] e ANTONIO NICACIO [63] concluíram pela sua inaplicabilidade ao processo do trabalho, dada a regulação própria da CLT, e também por se tratar de norma impositiva de coerção econômica (= norma penal "lato sensu") que desafiaria interpretação restritiva, nos estritos lindes do processo civil. Divergimos. Parece-nos que a multa do artigo 475-J é perfeitamente compatível com o processo do trabalho, desde que ultimada fora do contexto do artigo 880, caput, da CLT, ou então adaptada à sua forma. Não há, outrossim, nenhum óbice hermenêutico, assim como jamais houve para a aplicação subsidiária da multa por ato atentatório ao exercício da jurisidição (CPC, art. 14, par. único), da multa por litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), da multa por embargos protelatórios (CPC, artigo 538, par. único), da multa por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 601) e das próprias "astreintes" (CPC, 461 e 461-A) [64]. Eis outro ensejo de imprevisão histórica que, para os fins do artigo 769 da CLT, faz as vezes de omissão.

Interessa indagar, contudo, qual o termo "a quo" do prazo de quinze dias para a imposição dessa multa. No caso de acordos descumpridos, feita e consignada a "citação prévia" do devedor no próprio termo (supra), bastará intimá-lo, por via postal, para que pague em quinze dias o importe remanescente acrescido da cláusula penal. Em não o fazendo, seguem-se os atos de penhora sobre o montante devido (inclusa a cláusula penal), acrescido da multa do artigo 475-J, caput, do CPC. Dada a norma do artigo 475-J, §3º, lida em cotejo com o artigo 878 da CLT, e bem assim as normas dos artigos 655, I, do CPC, e 11, I, da LEF, pode-se proceder de imediato à constrição on-line (BACENJUD), pela totalidade. Nem se diga haver "bis in idem" no cúmulo de multas: enquanto a cláusula penal do acordo firmado em juízo tem natureza convencional (é parte integrante de um negócio jurídico processual) e caráter dispositivo, a multa do artigo 475-J tem natureza processual e caráter cogente.

Já se tivermos uma típica sentença condenatória de obrigação de pagar quantia certa, haverá dois caminhos. Quando a sentença prolatada for líquida, deve-se fazer constar, do dispositivo, a cominação do artigo 475-J, caput, do CPC (quanto à multa), de modo que a ciência da sentença (seja por intimação, seja na forma da Súmula 197 do TST) projetará, para o dia seguinte (artigo 184, caput, do CPC), o termo "a quo" do prazo de quinze dias. Essa é a solução ideal, porque o "momentum" da multa em questão não é o da fase de execução, mas o da fase de conhecimento e acertamento (condenação/liquidação). O próprio artigo 475-J, caput, refere o mandado de penhora e avaliação como um ato subseqüente; logo, não estamos falando da fase do artigo 880 da CLT.

Se, porém, a sentença for ilíquida (como é mais encontradiço), haveria que se a liquidar e, em seguida, intimar o devedor para pagar em quinze dias, sob as penas do artigo 475-J, caput, do CPC [65]. Mas, tendo em conta a praxe generalizada de não se dar ciência autônoma das decisões liquidatárias, a solução será inserir expressamente, no texto do mandado de citação, avaliação e penhora (artigo 880 da CLT), a cominação de multa de 10% sobre o "quantum" exeqüendo, para o caso de não se pagar (quitação direta) e nem se depositar o valor em quinze dias, a contar do ato de citação [66]; isso, sem prejuízo da obrigação de garantir o juízo em 48 horas (mediante o próprio depósito ou a nomeação de bens à penhora ― que, como vimos, passa a ser meramente indicativa, não vinculando o credor ou o juiz). Adiante, quando se iniciarem os atos de constrição (e.g., o rastreamento via BACENJUD para penhora on-line), o montante exeqüendo será atualizado pela Secretaria, incluindo-se a multa processual de 10%. Evidentemente que, se os embargos à execução forem mais tarde acolhidos em qualquer instância, a referida multa só poderá incidir sobre o montante exeqüendo tido por correto à época do vencimento do prazo de quinze dias; parcelas ou títulos que tenham sido expurgados daquele montante não poderão servir de base de cálculo para a multa. Nesse sentido, será de rigor recalculá-la, para fazê-la incidir apenas sobre o "restante", analogamente ao que diz o parágrafo 4º do artigo 475-J. O mesmo raciocínio vale em sede de execução provisória, para o caso de sobrevir acórdão, em recurso ordinário ou de revista, que modifique a sentença e reduza o objeto original da execução.

E por falar em execução provisória, o novo artigo 475-O do CPC dispõe:

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

§ 1º No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução.

§ 2º A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:

I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade;

II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

§ 3º Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do art. 544, § 1º:

I – sentença ou acórdão exeqüendo;

II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo;

III – procurações outorgadas pelas partes;

IV – decisão de habilitação, se for o caso;

V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias.

Outra vez, a aplicabilidade subsidiária da norma processual comum baseia-se na compatibilidade lógico-sistemática com o processo do trabalho e no silêncio da CLT, que não trata da execução provisória, exceto pelo artigo 899, caput (a autorizar execução provisória "até a penhora"). Por força do artigo 475-O do CPC, a execução provisória faz-se de modo idêntico à definitiva (como já dizia o artigo 588 do CPC), em autos apartados (carta de sentença ou autos suplementares), admitindo-se inclusive os atos de alienação dominial e os levantamentos de depósitos, mas sempre "por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente". Três são as hipóteses em que esses atos executivos, e outros de que possam resultar graves danos ao executado, tornam-se lícitos em execução provisória: (a) se houver, por parte do exeqüente, caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (artigo 475-O, III); (b) em casos de créditos com natureza alimentar (como são, em geral, os créditos trabalhistas de natureza salarial) ou decorrentes de ato ilícito (como, e.g., as indenizações e/ou pensões relativas a danos materiais e morais decorrentes de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais), até o limite de sessenta salários mínimos (hoje, em novembro de 2006 [67], R$ 350,00 x 60 = R$ 21.000,00), desde que o exeqüente demonstre situação de necessidade (para o que bastará, as mais das vezes, mera declaração firmada pelo trabalhador ou, se analfabeto, a seu rogo); e (c) quando se tratar de execução em que penda tão-só agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (ressalva feita aos casos em que da dispensa possa resultar manifestamente ― a critério do juiz, diga-se ― risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação). Nas situações "b" e "c", a caução é inexigível. E a derradeira hipótese ("c") pode ser estendida, por analogia e subsidiariedade, à execução trabalhista, para os casos de agravos de instrumento pendentes junto ao TST para destrancamento de recurso de revista ou agravo de petição. Atente-se: não estamos dizendo que o agravo de instrumento não tranca a execução, porque seria dizer o óbvio (artigos 897, §2º, e 899, caput, da CLT); estamos dizendo mais: em se tratando de agravo de instrumento interposto perante o TST, são possíveis atos de alienação dominial, levantamentos de depósito e outros similares, independentemente de caução. Caberá ao juiz do Trabalho analisar se esses atos, não caucionados, ensejam ou não risco desproporcional de grave dano, de difícil ou incerta reparação, para o executado. Do ponto de vista da efetividade do processo, o artigo 475-O do CPC introduz alvissareiras novidades; mas há que ter a coragem de experimentá-las.

E quanto ao artigo 899 da CLT, que parece proibir a execução provisória para além da penhora (o que inclui o próprio julgamento dos embargos)? Não torna o artigo 475-O do CPC, especialmente em seu parágrafo 2º, incompatível com o rito celetário? Cremos que não. Mas a discussão é velha e precede as próprias mini-reformas do processo civil, que se iniciaram na década de noventa. Acompanhamos, agora como antes, o pensamento de RODRIGUES PINTO:

[...] atentando-se, sobretudo, para a circunstância de que o processo do trabalho, graças à regra do art. 884, § 3º, da Consolidação, estende os atos de acertamento até o terreno dos atos de constrição, pela possibilidade que abre de discutir-se a sentença de liquidação com os embargos à penhora, não se compreende que tais embargos não possam ser, de logo, levantados, discutidos e julgados na execução provisória trabalhista, com claro repúdio ao princípio da celeridade processual, que é a viga-mestra de todo seu sistema. [...] Portanto, sustentamos que, por aplicação subsidiária da lei formal comum, inteiramente compatível com a índole da trabalhista, também na execução provisória de sentenças proferidas em dissídios individuais se deve ir até o último dos atos de constrição, a sentença que julga a execução, vedada apenas a prática de atos processuais de alienação do patrimônio do devedor [g.n.] [68].

Nesse sentido, aliás, confira-se, "ad exemplum", o Ac. TRT 3ª Reg., AP-3166/98, Seção Especializada, rel. Juíza ALICE MONTEIRO DE BARROS, j. 30.03.1999 [69]. É de se entender, portanto, que a expressão "até a penhora" significa «até o julgamento e/ou destinação do objeto da penhora», ou seja, até a fase da penhora, de efetiva satisfação do crédito exeqüendo, que pressupõe constrição e excussão. Excetuam-se, em princípio, os atos processuais de alienação (RODRIGUES PINTO, supra); mas, consoante a norma do artigo 475-O do CPC, até mesmo esses atos poderão ser praticados, se houver caução bastante e idônea, se a natureza do crédito assim determinar ou se o grau de provisoriedade da execução for residual (agravos de instrumento em tribunais superiores).

Enfim, no que atine aos embargos de execução, o fato de a Lei n. 11.232/2005 tê-los suprimido como ação autônoma nas execuções de quantia certa, introduzindo como sucedâneo a figura da impugnação (artigos 475-J, §1º, e 475-L do CPC), não interfere com o processo do trabalho. A impugnação do artigo 475-L é, sim, um mero incidente de execução; mas, quanto a isso, não há sobressaltos em seara processual-laboral, já que há muito o exeqüente trabalhista pode apresentar impugnação após a garantia da execução ou a penhora, discutindo os próprios cálculos de liquidação (artigo 884, caput, in fine, do CPC). Quanto ao executado, porém, prevalece o artigo 884, §1º, da CLT, ainda em vigor: a CLT não é, nessa parte, formalmente omissa, nem se trata de imprevisão histórica [70]. Os embargos do artigo 884 da CLT continuam, portanto, a existir, com a sua natureza de ação incidental na qual o executado figura como autor [71] (tanto mais agora, quando se passa a entender, no cível como no trabalhista, que a "execução" nas ações de condenação em quantia certa não é uma ação autônoma, mas uma fase de cumprimento sentencial; logo, os embargos não podem ser, como alguém disse outrora, a defesa ou contestação no processo de execução). As matérias que o executado trabalhista pode argüir são, em princípio, aquelas do artigo 884, §§ 1º e 5º, da CLT, e não aquelas do artigo 475-L, I a VI, do CPC (embora algumas dessas matérias sejam de ordem pública, cognoscíveis "ex officio" e, por isso, passíveis de discussão até mesmo nas impropriamente chamadas «exceções de pré-executividade»). Quanto ao fenômeno da relativização da coisa julgada em sede de embargos do devedor (que já havia sido incorporado à CLT, no seu artigo 884, §5º, pela MP n. 2.180/2001), é importante dizer que a sua configuração induz à inexigibilidade do título executivo judicial (veja-se, agora, o §1º do artigo 475-L do CPC, em cotejo com o inciso II do caput); e, desse modo, tem o condão de paralisar a execução. Logo, a inexigibilidade do título, por essa via, acabou se tornando mais uma matéria alegável nos embargos do artigo 884/CLT. Mas a relativização da coisa julgada não pode ser, em absoluto, uma panacéia do calote. Deve-se admiti-la apenas nas hipóteses de decisões proferidas em controle concentrado (i.e., em ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade), sob pena de vulneração à garantia constitucional da coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, "in fine"). SOUTO MAIOR [72] vai além e exige, para o efeito de paralisia executiva, o malferimento a direitos fundamentais consagrados, seja na CRFB, seja na "órbita dos direitos humanos". A tese é interessante, especialmente na perspectiva do princípio da proporcionalidade.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. O "novíssimo" processo civil e o processo do trabalho:: uma outra visão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1235, 18 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9182. Acesso em: 23 dez. 2024.

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