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Questões pacíficas e temas controvertidos sobre o controle concentrado de constitucionalidade

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Agenda 21/11/2006 às 00:00

3. Temas controvertidos sobre o controle concentrado de constitucionalidade

            3.1. Transcendência dos motivos determinantes do controle abstrato

            Há decisão monocrática recente do Supremo Tribunal Federal admitindo que, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a eficácia vinculante das deliberações não cinge-se somente à parte dispositiva do julgado, mas abrange também os próprios fundamentos determinantes da decisão.

            Segundo a processualística tradicional, somente a parte dispositiva das decisões interlocutórias, das sentenças e das deliberações colegiadas é que são abrangidas pela eficácia preclusiva da coisa julgada, possuindo força vinculante sobre os litigantes e, eventualmente, sobre terceiros, no caso de previsão normativa de efeitos contra todos (erga omnes), a exemplo das sentenças proferidas em ações civis públicas.

            Entretanto, em recente decisum singular (Medida Cautelar em Reclamação 2986, de Sergipe, apreciada em 11.03.2005), o Ministro Celso de Mello abriu uma exceção ao entendimento processual acima referido, ao conferir efeitos vinculantes inclusive para os fundamentos determinantes das deliberações da Corte Suprema, em se tratando de demandas de fiscalização abstrata.

            A decisão monocrática indicada possui a seguinte ementa:

            FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA LEGISLAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ QUE DEFINIU, PARA OS FINS DO ART. 100, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO, O SIGNIFICADO DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR. DECISÃO JUDICIAL, DE QUE ORA SE RECLAMA, QUE ENTENDEU INCONSTITUCIONAL LEGISLAÇÃO, DE IDÊNTICO CONTEÚDO, EDITADA PELO ESTADO DE SERGIPE. ALEGADO DESRESPEITO AO JULGAMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA ADI 2.868 (PIAUÍ). EXAME DA QUESTÃO RELATIVA AO EFEITO TRANSCENDENTE DOS MOTIVOS DETERMINANTES QUE DÃO SUPORTE AO JULGAMENTO, "IN ABSTRACTO", DE CONSTITUCIONALIDADE OU DE INCONSTITUCIONALIDADE. DOUTRINA. PRECEDENTES. ADMISSIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

            Segundo o mencionado magistrado:

            Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da "transcendência dos motivos que embasaram a decisão" proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria "ratio decidendi", projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do julgamento, "in abstracto", de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.

            Após expor o tema, no mesmo julgado, o Ministro expõe os motivos de sua decisão, com base na doutrina especializada:

            Na realidade, essa preocupação, realçada pelo magistério doutrinário, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatiza o magistério doutrinário.

            Analisando as razões acima transcritas, verifica-se que a teoria da força vinculante dos motivos determinantes, em sede de controle de constitucionalidade, objetiva exatamente conferir eficácia e utilidade à fiscalização concentrada, conferindo força aos pronunciamentos das Cortes Constitucionais.

            Tome-se por exemplo decisão, em sede de ação direta, que julga determinado ato normativo inconstitucional, sob o fundamento de que ele fere determinado preceito fundamental. A eficácia do dispositivo desta deliberação impediria que outros juízos aplicassem tal diploma legal reconhecido como assimétrico com a Carta Magna, por força do disposto no art. 102, § 2º, da CRFB. Todavia, segundo a processualística tradicional, nada impediria que algum magistrado aplicasse outra norma, igualmente lesiva ao preceito fundamental defendido pelo Tribunal Constitucional, porquanto este outro dispositivo não estaria abrangido pela força vinculante da decisão da Corte, uma vez que não expressamente previsto no dispositivo do acórdão versando sobre o mesmo tema.

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            Exatamente para superar essa problemática, é que o Supremo Tribunal Federal resolveu, embora ainda não tenha firmado orientação firme do Colegiado Pleno sobre a matéria, que os fundamentos de suas decisões, em sede de controle abstrato, possuem igualmente eficácia vinculante perante os demais órgãos dos Poderes Judiciário e Executivo.

            Adotando-se tal entendimento, no exemplo acima mencionado, o magistrado não poderia aplicar a outra norma que, da mesma forma que a já declarada inconstitucional pela Suprema Corte, ofende igualmente ao preceito fundamental tutelado, devendo abster-se de contrariar as balizas decisórias do Pretório Excelso, porquanto também abrangidas pela eficácia erga omnes prevista no art. 102, § 2º, da CRFB, sob pena de autorizar o manejo da respectiva reclamação, via processual prevista nos arts. 13 a 18 da Lei 8.038/1990 ("Art. 13. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público").

            Portanto, embora ainda persista controvérsia sobre a transcendência dos motivos determinantes, é possível concluir que trata-se de instituto que procura assegurar a força normativa da Carta Magna, nos termos em que interpretada e aplicada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de fiscalização abstrata, porquanto veda a violação do conteúdo essencial das decisões em demandas de controle concentrado proferidas por aquela Corte.

            3.2. Cognição Aberta e Arrastamento

            Em sede de controle concentrado de constitucionalidade, as Cortes Constitucionais não estão vinculadas aos fundamentos da postulação (causa de pedir), mas tão-somente ao pedido (preceitos normativos questionados), de modo que podem reconhecer a assimetria dos dispositivos impugnados por outros fundamentos daqueles expressos na petição inicial. Todavia, ainda que adstrito ao pedido, o Tribunal pode abranger, em sua decisão, disposições não expressamente indicadas pela parte, desde que estas estejam subordinadas aos preceitos legais impugnados.

            Chama-se de cognição aberta a possibilidade de a Corte Constitucional, em sede de fiscalização abstrata, poder deliberar sobre o pedido de declaração de (in)constitucionalidade com base em fundamentos distintos daqueles apresentados como causa de pedir pelo autor.

            Assim, tendo em conta tal entendimento, a Corte não está adstrita aos argumentos suscitados pelas partes para declaração da (in)constitucionalidade dos dispositivos impugnados, podendo se valer de outras razões para tanto.

            Sobre o tema, transcreve-se o seguinte trecho da ementa da Medida Cautelar na ADI 2396, do Mato Grosso do Sul, relatada pela Ministra Ellen Gracie, em 26.09.2001:

            [...] 4. ADIN. Cognição aberta. O Tribunal não está adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial. [...]

            Logo, a causa de pedir é irrelevante na via de fiscalização abstrata, em detrimento do princípio processual da correlação.

            Todavia, a Corte Constitucional continua vinculada aos limites da postulação formulado pelo autor da ação, incidindo plenamente o princípio do pedido, de sorte que apenas poderão ser examinados os artigos de lei efetivamente questionados na petição inicial.

            Outrossim, embora seja possível que a jurisdição adote fundamentos diversos daqueles expostos na peça exordial, mesmo que ausentes na causa de pedir invocada, ainda estará adstrito ao pedido deduzido pelo autor da ação direta.

            Todavia, há uma ressalva à esta vinculação ao pedido da parte, consistente na possibilidade de apreciação dos preceitos subordinados àqueles arrolados pelo demandando, segundo a técnica da inconstitucionalidade seqüencial, também conhecida de análise por arrastamento ou por atração.

            Segundo tal método, é possível que a declaração de inconstitucionalidade abranja preceitos não expressamente questionados pelo autor, mas tão-somente quando tais dispositivos lhe forem subordinados, por estrita relação de dependência. Assim, quando o conteúdo de determinado artigo normativo restar esvaziado com a declaração de inconstitucionalidade de outro, tal prescrição também deverá ser abrangida pela decisão judicial. Por isto se diz que o preceito secundário é declarado inconstitucional pela via seqüencial, arrastado pelo reconhecimento da assimetria das disposições questionadas na inicial.

            Exemplificativamente, suponha-se a existência de uma lei, de origem parlamentar, cujo artigo primeiro institua o cargo de assessor do Prefeito e o segundo disponha que a remuneração da função indicada no preceito anterior será de mil reais. Acaso o Ministério Público impugne apenas o artigo primeiro de tal diploma pela via concentrada, em face de flagrante vício de iniciativa, sem sequer mencionar o segundo, mesmo assim ambos poderão ser reconhecidos inconstitucionais, o primeiro diretamente e o outro por atração, na medida em que é simplesmente insubsistente o preceito que estabelece o vencimento de um cargo público inexistente.

            Sobre o tema, veja-se a fundamentação exposta pela Ministra Ellen Gracie no corpo do acórdão da ADI 3645, in verbis:

            Constatada a ocorrência de vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada, reconheço a necessidade da declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no Decreto 6.253, de 22.03.06. Esta decorrência, citada por CANOTILHO e minudenciada pelo eminente Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 437-QO, DJ 19.02.93, ocorre quando há uma relação de dependência de certos preceitos com os que foram especificamente impugnados, de maneira que as normas declaradas inconstitucionais sirvam de fundamento de validade para aquelas que não pertenciam ao objeto da ação. Trata-se exatamente do caso em discussão, no qual "a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto executivo (...) implicará o reconhecimento, por derivação necessária e causal, de sua ilegitimidade constitucional" (voto do Min. Celso de Mello na referida ADI 437-QO). No mesmo sentido, quanto à suspensão cautelar da eficácia do ato regulamentador, a ADI 173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90.

            Todavia, importa ressaltar que a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento não pode ser utilizada para permitir abarcar quaisquer preceitos legais, mas tão-somente aqueles estreitamente dependentes dos dispositivos atacados, sob pena de ferir o princípio da inércia, como bem ressaltou o Desembargador Gastaldi Buzzi, ao apreciar, em julgamento plenário do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a ADI 2004.000630-6:

            No caso sub judice, o postulante sequer relatou a existência da outra norma com conteúdo simétrico, de sorte que deve prevalecer a máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium, impedindo que este Sodalício, em sede de controle in abstracto, declare também a sua inconstitucionalidade, sob pena de afrontar o princípio processual da inércia, prolatando decisão absolutamente incongruente.

            Não se desconhece, entretanto, o voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes na ADIn n. 2.982, noticiado no Informativo n. 352 do Guardião da Constituição Federal, no sentido de estender a declaração de inconstitucionalidade para abranger, além do preceito viciado, também os que a este estão umbilicalmente ligados, o que se convencionou chamar, na jurisprudência brasileira, de inconstitucionalidade conseqüencial, por arrastamento ou atração.

            Tal entendimento, contudo, não pode ser aplicado na espécie, haja vista a presente situação divergir daquela apreciada pelo STF, pois, na hipótese sub examen, os dispositivos que produzem resultados idênticos encontram-se em diplomas diversos, sendo que apenas um deles consta da exordial e é objeto de requerimento expresso. Ademais, o chamado arrastamento pressupõe a subserviência do dispositivo arrastado ao arrastante, o que inocorre in casu, onde ambos possuem força independentemente, figurando em leis autônomas.

            Do exposto, conclui-se que a Corte Constitucional não está vinculada à causa de pedir em sede de fiscalização abstrata, sendo que, muito embora esteja adstrita ao pedido, é admissível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento de preceitos legais que, apesar de não expressamente questionados pelo autor, sejam estritamente dependentes dos dispositivos impugnados, sem que isto fira o princípio da inércia.

            3.3. Ajuizamento simultâneo de ADIs perante o STF e um TJ

            É possível o questionamento simultâneo de determinado dispositivo normativo, pela via da fiscalização concentrada de constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado respectivo, hipótese em que a demanda aforada no juízo estadual deverá aguardar o pronunciamento do Pretório Excelso.

            Com efeito, no caso de ocorrer o ajuizamento de ações diretas tanto perante o STF quanto no TJ local, questionando os mesmos preceitos da legislação estadual em face de normas contidas nas Cartas do Estado e da República (dispositivos paramétricos da Constituição Estadual impregnados de predominante coeficiente de federalidade), deverá ocorrer a suspensão da representação instaurada na corte inferior, até o deslinde da fiscalização abstrata no tribunal de superposição, em face da prejudicialidade da deliberação de maior hierarquia judiciária.

            Sobre tal temática, veja-se o seguinte precedente da Corte Suprema:

            Ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a) e representação por inconstitucionalidade estadual (CF, art. 125, § 2º). A eventual reprodução ou imitação, na Constituição do Estado-membro, de princípio ou regras constitucionais federais não impede a argüição imediata perante o Supremo Tribunal da incompatibilidade direta da lei local com a Constituição da República; ao contrário, a propositura aqui da ação direta é que bloqueia o curso simultâneo no Tribunal de Justiça de representação lastreada no desrespeito, pelo mesmo ato normativo, de normas constitucionais locais. (STF, ADI 3046/SP, Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 15.04.2004).

            Logo, em caso de ajuizamento simultâneo de demandas de fiscalização abstrata perante o STF e os TJs, a ação no foro estadual deverá aguardar a deliberação prejudicial do Pretório Excelso. No mesmo sentido, remete-se ainda à ADI 3482, divulgada no Informativo 319 do STF.

Sobre o autor
Orlando Luiz Zanon Junior

juiz de Direito substituto em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Questões pacíficas e temas controvertidos sobre o controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1238, 21 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9183. Acesso em: 23 dez. 2024.

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