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Intervalo intrajornada e regime 12x36.

O caso concreto como fator de relativização da OJ nº 342 da SBDI-1 do TST

Agenda 23/11/2006 às 00:00

Cuido, neste texto, de perscrutar se haveria a obrigatoriedade de aplicação de intervalo intrajornada nas jornadas em que, mediante ajuste coletivo, ocorre a prática do regime 12 x 36.

Nesse desiderato, tenho a considerar, ab initio, que o regime de labor consubstanciado em 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) de descanso constitui prática um tanto quanto antiga nos estabelecimentos hospitalares e na área de vigilância.

Essa nuance, todavia, a meu ver, não lhe retira o seu manifesto cunho excepcional, na medida em que faz ultrapassar o limite diário de trabalho previsto em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual necessariamente deve ser viabilizado por meio de negociação coletiva, a teor do artigo 7º, incisos XIII e XXVI, da Constituição da República.

Trata-se do fenômeno denominado de flexibilização do Direito do Trabalho, realizado no Brasil por meio de necessária tutela coletiva, como preceitua a Lex Legum.

A negociação coletiva, de fato, constitui o melhor caminho para a prevenção e solução de conflitos trabalhistas, individuais e coletivos, para fins de convivência harmônica entre o capital e o trabalho, supressão de deficiências do contrato individual de labor, fixação de condições específicas e regulamento das relações entre empregados e empregadores, permitindo atender às peculiaridades de cada setor econômico e profissional.

Já tive oportunidade de elaborar artigo doutrinário discorrendo sobre o tema da flexibilização das condições de trabalho, pelo que reputo oportuno transcrever os seguintes trechos:

"... O verbo flexibilizar significa dar elasticidade, flexão, maleabilidade a algo. Nesse sentido, flexibilizar as normas trabalhistas significa dar mais elasticidade às regras que tratam do nexo existente entre patrão e empregado, como uma forma de enfrentar as crises econômicas que vêm assolando o mundo. Basicamente, é isso.

... Vale frisar que, na verdade, a flexibilização do Direito do Trabalho, em nosso ordenamento jurídico, teve início já com a Constituição Federal de 1988, vez que seu eixo, no tocante aos direitos sociais, firmou-se no sentido da valorização da autonomia privada coletiva (atividade sindical), como forma de amenizar a rigidez das normas trabalhistas.

... Como se depreende, a grande questão é conciliar o capital e o trabalho – o que se objetiva há tempos, preservando o respeito à dignidade da pessoa e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, III e IV), como forma de se alcançar o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, a fim de que se concretize a tão sonhada sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I, II e III). Esse é o principal objetivo. Só o tempo, com seu frio julgamento, dirá sobre o nosso êxito." (Flexibilização das Normas Trabalhistas, Ney Stany Morais Maranhão, Jornal Trabalhista – Consulex, Ano XVIII – nº 859, Brasília/DF, 16 de abril de 2001).

Nessa toada, existindo norma coletiva contemplando a compensação de jornada, o empregado que trabalha em escala de 12 horas de serviço por 36 de descanso não faz jus às horas extraordinárias excedentes da oitava nos dias de efetivo trabalho, porquanto não se vislumbra ultrapassada a jornada máxima instituída em sede constitucional, pelo menos quanto ao módulo mensal.

Penso, também, que essa modalidade de jornada, devidamente autorizada pela via sindical, também não comporta a aplicação do intervalo intrajornada estampado no artigo 71 celetista.

É que essa chancela sindical na formulação de norma coletiva pressupõe a negociação de condições em troca de outros benefícios, criando situação global favorável a ambas as partes, sendo essa a tônica inerente aos pactos coletivos de trabalho (conglobalização dos pactos coletivos).

Eis o porquê da importante consideração de que, havendo desprezo de qualquer das cláusulas do ajuste coletivo, pequena que seja, suscita-se natural desequilíbrio no próprio acerto, tout court, considerado como um todo.

Decerto, o sindicato, no uso da prerrogativa constitucional inscrita no art. 8º, inciso III, da Carta Política, atuando como legítimo representante da categoria, na defesa de seus direitos e interesses, detém plena liberdade para celebrar negociações, dentro de um contexto de concessões mútuas e no pleno exercício da autonomia negocial coletiva, na forma do artigo 611 celetista.

Desconsiderar essa dinâmica implicaria frustração da honrosa atuação sindical com vistas à autocomposição dos interesses coletivos de trabalho e anulação do iniludível estímulo constitucional conferido ao tema (CF, artigo 7º, inciso XXVI)

Frise-se, ainda, que o regime 12 x 36, se de um lado acarreta sobrecarga maior de trabalho, por outro viés também possibilita que o empregado dispense maior tempo dedicado à sua família e a seus afazeres sociais, na medida em que dispõe de várias horas consecutivas para desfrute como melhor entender, compensando-se, inclusive, nesse bojo, o próprio intervalo para descanso e alimentação que não lhe seja concedido.

Percebo, nesse contexto, que o comando constitucional sobredito em verdade trouxe nova roupagem à matéria, prestigiando a autonomia privada coletiva, mormente quando a pactuação observa as peculiaridades dos setores envolvidos, concretizando o que GODINHO DELGADO chama de princípio da adequação setorial negociada (Curso de Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 2002, p. 1.296).

Tal prática se sobressai, ainda, como uma medida que, analisada em seu plano macro, afigura-se benéfica ao obreiro, no que faz com que a negociação coletiva em destaque observe os princípios protetivos básicos do Direito do Trabalho e o patamar civilizatório minimamente necessário para o bom convívio em sociedade.

Ademais, sabe-se que determinadas atividades, como as de vigilância, exigem atenção constante, valendo considerar, também, que, em casos como tais, mostra-se inviável à empresa deslocar diversos empregados a inúmeros postos, inclusive pela madrugada, com vistas a cobrir apenas curto lapso temporal em que determinado empregado desfruta do possível intervalo intrajornada concedido.

Trata-se de medida que, como facilmente se infere, revela-se, além de incompatível, também impraticável, motivo pelo qual a negociação coletiva fixa, à vista desse contexto, precisamente, a jornada em 12 x 36, já abarcando, mesmo que implicitamente, essa concepção lógica de patente incompatibilidade/impraticabilidade entre a dinâmica laborativa, a jornada prevista e o intervalo em referência.

Nem se diga, também, acerca do comando constitucional que almeja reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, inciso XXII), pois o labor no regime 12 x 36, chancelado em sede coletiva, não tem o condão, por si só, de produzir o nível de risco que se almeja combater, mormente quando o instituto jornada de trabalho sofreu flexibilização por força de norma de mesmo patamar jurídico (artigo 7º, inciso XIII), o que atrai uma necessária hermenêutica sistemática no tocante a ambas as normas constitucionais envolvidas.

É de bom tom consignar que até a coeva data inexiste qualquer demonstração científica no sentido de que, verdadeiramente, dessa sistemática laboral em estudo decorra qualquer espécie de prejuízo ao obreiro, seja quanto à sua saúde, seja quanto à sua segurança e seja quanto à sua dignidade, pelo que resta incólume, no meu sentir, o comando previsto no artigo 71 consolidado, em todas as suas dimensões jurídicas.

Aliás, a afirmativa sobremodo genérica de que o artigo 71 da CLT cuida de matéria de ordem pública e, por tal razão, seria intocável, mesmo que por negociação coletiva, constitui tese extremamente relativa, cujos contornos estão bem retratados no teor da OJ 342 da SBDI-1 do TST, assim vazada:

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"É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança no trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva" (DJ 22.06.04)

Não se pode olvidar, todavia, que a própria legislação prevê, expressamente, a redução do intervalo intrajornada, desde que observadas as peculiaridades do caso concreto (CLT, artigo 71, parágrafo 3º).

Aliás, no âmbito da jurisprudência, esse enfoque não constitui novidade nem mesmo para o próprio TST, que, por sinal, também flexibiliza norma de ordem pública, à vista, sempre, das especificidades do caso concreto e havendo chancela sindical a respeito, como se constata, por exemplo, do conteúdo de sua Súmula 364, em seu item II, in verbis:

"A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos" (Ex-OJ 258 da SBDI-1 - Resolução 129/2005 – DJ 20.04.05)

Note-se, a propósito, que a OJ 342 é portadora de conteúdo demasiadamente amplo, firmado, vale frisar, ainda no ano de 2004. Ao revés, a matéria cunhada no item II da Súmula 364, acima transcrito, confere relevo às contingências e especificidades de determinados casos específicos e reconhece a riqueza da realidade social em contraponto à generalidade da previsão legal.

Essa reflexão durante longo tempo figurou no mundo jurídico com status de simples orientação jurisprudencial (Ex-OJ 258 da SBDI-1 do TST), todavia em 2005 passou a integrar o corpo de verdadeira súmula, como se viu, demonstrando, se não o acerto, naquele caso específico, mas, pelo menos, o amadurecimento da crença de que o operador do direito nunca deve desprezar a realidade fática que pretende se debruçar. Essa, a meu ver, é a grande contribuição dada pela súmula sobredita..

Releva acentuar, por oportuno, que o adicional de periculosidade lida diretamente com o valor vida, ao passo que o intervalo intrajornada configura instituto que, diretamente, sabe-se, cuida do valor saúde.

Nesse diapasão, um questionamento soa por mais que pertinente: ora, se o TST convalida, de acordo com o caso concreto, a flexibilização de norma que trata do valor supremo – a vida, por que veda tal aplicabilidade quando a referência se destina a um bem que, em tese, nesse cotejo, seria detentor de inferior envergadura axiológica – a saúde, quando as partes sociais, num contexto de concessões recíprocas, coletivamente assim o ajustam?

A "lógica" do TST atrai a afirmativa: quem pode o mais, pode também o menos...

Como se vê, o conteúdo da OJ 342 da SBDI-1 do TST, repito, é extremamente genérico, demonstrando que, em verdade, apenas sinaliza para uma regra geral, nunca uma regra absoluta.

Não estou aqui a trombetear a tese de que tal tema não seja couraçado com matéria de ordem pública. Também não pretendo, com isso, deixar consignada minha concordância quanto àquela flexibilidade proferida pelo TST, tangente ao valor vida – pois, sinto, data venia, que aquela honrada Corte Trabalhista, no particular, foi longe demais...

O que almejo ressaltar, de fato, porém, é que, mesmo imantado com esse caráter especial, o tema, especificamente quanto ao intervalo intrajornada, certamente não se reveste de feição absoluta, inflexível, como alguns lhe pretendem imputar.

Pelo contrário, descortina-se, isto sim, para mim, um genuíno e importante princípio geral: a imperatividade dos dispositivos legais que regulam essa temática, imunes, em tese, a qualquer forma de pactuação, seja de ordem individual, seja de ordem coletiva.

Mas, logicamente, por razões de razoabilidade, há espaço para exceções, à luz de cada caso concreto, que, longe de anular a regra geral, em verdade suscitam sua legitimação, exsurgindo como válidas quando, consultando aos interesses das partes coletivamente ajustadas, não resultam, ao cabo, em qualquer ofensa à saúde obreira.

Bem ao revés, essas hipóteses, pontuais e excetivas, possuem o honroso mérito de amenizar a impessoalidade/generalidade da lei, por conferir tratamento diferenciado a situações que, por razões plausíveis, de fato demandam foco um tanto quanto especial

Essas exceções, por certo, advirão através da prudente análise caso a caso, como se deu, v.g., no seguinte julgado:

"Quando a norma coletiva estabelece condições que não implicam, necessária e objetivamente, ofensa à saúde, à segurança e à dignidade do trabalhador, não se pode concluir que ela – a norma – ofende o parágrafo 3º do art. 71 consolidado. É o que acontece com a negociação que prevê o intervalo intrajornada fracionado – isto é, composto de vários intervalos menores. É sob essa ótica que deve ser examinada a teoria do conglobamento, que, como se sabe, não autoriza a ampla e irrestrita negociação. Mas, no caso concreto, o negociado deve ser preservado, pois ele não colide com normas fundamentais e indisponíveis. Neste caso, portanto, não se decide com ofensa à Orientação Jurisprudencial n. 342/SBDI-1" (TST, ROAA 141515/2004-900-01-00.5, Ac. SDC, 09.03.06, Relator: Ministro José Luciano de Castilho Pereira) (Revista LTr, Ano 70, abril – 2006, p. 486-490).

Destaco, ainda, diversas notícias, extraídas do site do TST, que só corroboram a tese aqui esposada, convalidando a negociação coletiva, homenageando a teoria do conglobamento, ajustando a generalidade da norma às especificidades de cada situação trazida ao crivo judicial e, também, demonstrando a razoável relatividade que permeia a conclusão estampada na OJ 342 da SBDI-1 do TST, como segue:

"TST reconhece validade de negociação sobre jornada de trabalho - Em julgamento unânime, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a possibilidade de flexibilização da lei trabalhista em relação à jornada de trabalho. A decisão foi tomada durante o exame de recurso de revista, relatado pelo ministro Milton de Moura França, em que foi confirmada a validade de acordo coletivo, cuja negociação resultou em aumento da jornada diária em troca da concessão de vantagens aos trabalhadores. "A própria Constituição da República autoriza, expressamente, em seu art. 7º, inciso XIV, a flexibilização da jornada de trabalho", afirmou o ministro Moura França, ao fundamentar seu voto.

A decisão manteve o entendimento anterior firmado pelo Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo (TRT-ES) que afirmou a validade das cláusulas de acordo coletivo de trabalho pactuado entre o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Produtos de Cacau de Vila Velha (ES) e a empresa Chocolates Garoto S/A.

O acerto entre as partes elevou a jornada para oito horas, em turnos ininterruptos de revezamento, sem que as duas horas acrescidas fossem contadas como extraordinárias e independentemente da concessão de intervalo intrajornada inferior a uma hora. Em contrapartida, os empregados da Garoto foram beneficiados com a concessão de 18 vantagens trabalhistas.

... (omissis)...

Após frisar a possibilidade expressa, na Constituição, de flexibilização da jornada de trabalho, o ministro Moura França ressaltou a validade do acordo coletivo e afastou a argumentação da empregada. "Essa forma de autocomposição se traduz claramente no chamado princípio do conglobamento, pois, para a classe trabalhadora obter algumas vantagens, precisou negociar outras, razão pela qual não se verifica o comprometimento do princípio da norma mais favorável ao trabalhador"... (RR 714941/00)" (notícia do dia 18.03.03).

"TST reconhece acordo que reduziu intervalo para descanso - A Subseção de Dissídios Individuais – 1 (SDI – 1) do Tribunal Superior do Trabalho poderá decidir futuramente uma controvérsia interna no TST sobre a possibilidade de flexibilização do intervalo da jornada de trabalho, destinado ao descanso e à refeição do empregado. Uma eventual apreciação da questão pela SDI – 1 serviria para estabelecer uma orientação jurídica comum sobre o tema.

..(omissis)...

Já a Quarta Turma do Tribunal adotou posição diferente sobre o tema. O órgão reconheceu, de forma unânime, a validade de um acordo coletivo sobre intervalo na jornada, independente da previsão de autorização do Ministério do Trabalho. Para tanto, afirmou que os instrumentos de negociação coletiva – acordos e convenções – possuem eficácia direta, garantida pela Constituição Federal e o acerto estipulado deve ser respeitado, no âmbito dos contratos individuais, sob pena de interferência na liberdade de negociação entre as partes.

Relator do julgamento da Quarta Turma, o ministro Milton de Moura França sustentou que "é preciso prestigiar e valorizar a negociação coletiva assentada na boa-fé como forma de incentivo às composição dos conflitos trabalhistas pelos próprios interessados". O processo questionava um acordo coletivo que reduziu de uma hora para trinta minutos a duração do intervalo para descanso e refeição de uma empresa sediada na cidade de Pouso Alegre, Minas Gerais.

... (omissis)...

Segundo a alegação do recurso, o acordo coletivo infringiu o dispositivo constitucional que assegura a redução aos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII). Também foi questionada a não submissão da regra coletiva ao Ministério do Trabalho, prevista na própria cláusula nº 4. Segundo o art. 71 § 3º da CLT, citado nos autos, cabe ao Ministério do Trabalho autorizar a redução do intervalo para descanso e refeição, após consulta ao Departamento Nacional de Higiene e Segurança do Trabalho.

"Não se extrai da referida cláusula que a validade da redução do intervalo para refeição condiciona-se à autorização do Ministério do Trabalho. Na verdade, o que ficou claro é que houve acordo coletivo reduzindo o intervalo em exame", observou o ministro Moura França. "Registre-se, ademais, que o acordo coletivo decorre de trato entre as partes, em que uma delas abre mão de determinado direito em prol da outra. Assim, ignorar cláusula coletiva implica desequilíbrio de todo o pactuado", acrescentou.. (RR – 739383/01)" (notícia do dia 04.04.03).

"TST admite alterar intervalo intrajornada em transporte do RJ - A Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho examinou recurso ordinário em ação anulatória e admitiu hipótese de flexibilização do intervalo intrajornada. A decisão unânime, relatada pelo ministro Luciano de Castilho, foi tomada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, envolvendo convenção coletiva firmada entre empresas e empregados do transporte de passageiros da cidade do Rio de Janeiro. Durante o julgamento, os ministros confirmaram a validade da Orientação Jurisprudencial nº 342 da Subseção de Dissídios Individuais – 1 (SDI-1) do TST.

... (omissis)...

A decisão da SDC, contudo, estabeleceu exceção à regra ao levar em conta as peculiaridades do serviço de transporte coletivo. Empregados e empresas tinham acertado a supressão do intervalo intrajornada de uma hora em troca de intervalos menores de cinco minutos, ao final de cada viagem. A pausa foi condicionada às possibilidades de cada linha e desde que não contrariadas normas de trânsito ou da Secretaria Municipal de Transportes Urbanos. Em troca, os condutores teriam a redução da jornada semanal para 42 horas (sete horas diárias) e adicional de 5% sobre o salário.

... (omissis)...

Em seu voto, Luciano de Castilho registrou a impossibilidade de negociação de direitos que afetem a segurança, saúde e dignidade do trabalhador. Esses "limites intransponíveis", contudo, não foram ultrapassados pela convenção coletiva carioca, que regulou situação para a qual a previsão do art. 71 não consegue um alcance pleno... (RR 141515/2004-900-01-00.5)" (notícia em 14.03.06).

"Relator esclarece decisão sobre intervalo intrajornada - Recente decisão tomada pela Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho tem provocado debates intensos nas primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho. A questão ganhou repercussão por envolver a liberdade das partes – empregadores e empregados – em dispor dos direitos trabalhistas nas negociações coletivas. A SDC admitiu, numa situação específica, hipótese de flexibilização do intervalo intrajornada, destinado ao descanso de quem trabalha mais de seis horas por dia.

... (omissis)...

Luciano de Castilho lembra que o entendimento consolidado do TST aponta para a impossibilidade de negociação coletiva em torno do intervalo destinado a repouso e alimentação dentro da jornada. "É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (artigo 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva", afirma a OJ nº 342.

A decisão da SDC foi unânime e tomada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, envolvendo convenção coletiva firmada entre empresas e empregados do transporte de passageiros da cidade do Rio de Janeiro. As características desse tipo de prestação de serviços justificaram a exceção aberta pelo TST em relação ao intervalo intrajornada, pois não foram afetados os chamados direitos inegociáveis... (ROAA 141515/2004-900-01-00.5)" (notícia do dia 05.05.06).

"Terceira Turma do TST admite exceção à OJ 342 em transporte urbano - Decisão da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, relatada pela ministra Maria Cristina Peduzzi, permitiu a substituição de intervalo intrajornada de motoristas e cobradores da Transporte Coletivo da Cidade de Divinópolis (TRANCID) por descansos no final da linha. As características diferenciadas da profissão permitiram a exceção à jurisprudência do TST, segundo a ministra relatora.

A OJ nº 342 da SDI-1 do TST estabelece que é inválida cláusula de acordo coletivo que reduza intervalo intrajornada, pois pode comprometer a saúde, segurança e higiene do trabalhador. A ministra Maria Cristina esclareceu que "não há elementos nos autos que comprovem a existência de riscos à saúde ou segurança do trabalhador".

... (omissis)...

A decisão da Terceira Turma ressaltou ainda que o acordo coletivo resultou de livre manifestação da vontade das partes, sendo norma autônoma de natureza especial. Já a legislação ordinária, de caráter geral, não se sobrepõe ao que for convencionado. "Os acordos e convenções coletivas de trabalho têm previsão constitucional, atribuindo o legislador importância capital à negociação coletiva, como forma de solucionar os conflitos entre empregados e empregadores", concluiu a relatora (RR – 229/2005 – 057 – 03 – 00.1)" (notícia do dia 18.05.06).

Colho do ensejo, também, para trazer à baila outros julgados, mais específicos, a respeito do tema em debate:

"Diante do que dispõe o art. 7º, incisos XIII e XIV, da Constituição Federal, conclui-se pela validade da cláusula coletiva, no sentido de não conceder ao reclamante o intervalo de uma hora para refeição e repouso, ainda que sujeito à jornada de 12 x 36 horas" (TST, RR 449.470/98, 2ª Turma, Relator: Juiz Convocado Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 20.06.01).

"O sistema de jornada de trabalho 12 x 36 horas é benéfico ao trabalhador e, consolidado em normas coletivas, é largamente praticado por diversas categorias. Justifica a implantação desse sistema o trabalho contínuo, ininterrupto, para ser compensado posteriormente com descanso prolongado, por isso seria ilógico que a empresa designasse um outro empregado para, no meio da noite, substituir o empregado em curto período destinado a refeições, ou lhe permitisse ausentar-se das horas do trabalho. Legitimidade da ausência de concessão de intervalo intrajornada" (TRT 18ª, RO 596-2005-081-18-00-7, Pleno, Relatora: Juíza Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, julgado em 11.07.06).

Por essa mesma senda também trilhou a 2ª Turma do E. TRT da 8ª Região (PA/AP), nos autos do processo 00818-2006-016-08-00-8, em julgado cuja relatoria coube à ilustre Desembargadora Elizabeth Fátima Martins Newman, oportunidade em que a culta magistrada faz pertinentes colocações quanto ao modelo constitucional pátrio, precisamente quanto ao saudável estímulo conferido à negociação coletiva (decisão exarada em 27.09.06)

Consigno, em arremate, que pouco importa, na minha ótica, a existência ou não de menção expressa, na norma coletiva, acerca da não aplicação do intervalo previsto no artigo 71 da CLT, nos casos de regime 12 x 36 praticado com a devida anuência sindical, eis que, como já firmei, essa nuance está implícita mesmo no seio do próprio ajuste coletivo, porquanto fica firmado o labor contínuo de uma ponta a outra dessa jornada especial (07:00h às 19:00h ou 19:00h às 07:00h)

Concluo, pois, por conferir plena validade à pactuação coletiva que não prevê intervalo intrajornada dentro do já conhecido formato 12 x 36 de trabalho, haja vista que tal pausa de regra ressoa incompatível/impraticável com as jornadas costumeiramente disciplinadas por esse regime

De mais a mais, como articulado alhures, ajuste dessa qualidade, alinhavado sem vícios, com tutela sindical e inserido em um contexto de concessões mútuas, encontra pleno respaldo jurídico na linha de raciocínio que se pode extrair das searas principiológica (teoria do conglobamento e princípio da adequação setorial negociada), legal (CF, artigo 7º, inciso XXVI, c/c CLT, artigos 71, parágrafo 3º, e 611) e jurisprudencial (Súmula 364, item II, do TST), abonando-se a tese, lógica até, de que as especificidades de cada caso concreto podem servir, sim, como legítimo fator de relativização da OJ 342 da SBDI-1 do TST.

O tema, porém, à evidência, continua deveras polêmico.

Afinal, vexata quaestio est!

Sobre o autor
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: ney.maranhao@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Intervalo intrajornada e regime 12x36.: O caso concreto como fator de relativização da OJ nº 342 da SBDI-1 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1240, 23 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9195. Acesso em: 22 dez. 2024.

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