1)Conceito e generalidades.
A ação rescisória (1) (2) (3)é uma ação constitutiva, com hipóteses de cabimento taxativas, que tem como escopo a desconstituição da sentença, decisão interlocutória, decisão singular ou acórdão transitado em julgado com julgamento de mérito, e excepcionalmente sem julgamento de mérito, contaminados com vício anulável, e por fim, julgar validamente a matéria constante na decisão rescindenda.
Apesar do artigo 485 do CPC tratar de sentença, por uma interpretação teleológica, conclui-se pelo cabimento de todas as decisões, dentre elas, decisão singular, acórdãos, sentença e excepcionalmente decisão interlocutória,.
Os pressupostos indispensáveis da rescisória, além daqueles necessários para todas as ações comuns, são a existência de sentença de mérito transitada em julgado, e, admite-se, excepcionalmente, sem julgamento de mérito, além das hipóteses de cabimento (4) previstas taxativamente no artigo 485 do CPC. Já no Código de Processo Civil pretérito era possível a rescisão tanto da sentença de mérito quanto das sentenças terminativas sem julgamento de mérito.
A inovação do Código vigente teve, como motivação, o fato de que a as sentenças terminativas sem julgamento de mérito não fazem coisa julgada material, sendo assim, a parte pode obter julgamento válido, via nova ação, sem depender da rescisória para isto. Mas há hipóteses raras de cabimento de rescisória sem o julgamento do mérito, como é o caso da ação que foi extinta sem julgamento do mérito com esteio no reconhecimento da coisa julgada. Neste caso, a parte não poderá ajuizar nova ação tendo em vista os impedimentos do artigo 268 do CPC, sendo assim, caberá a ação rescisória para desconstituir a decisão viciada, se presente as hipóteses de cabimento do artigo 485 do CPC. (5)
A amplitude extrema das possibilidades de desconstituir as decisões de mérito transitadas em julgado acarretaria deturpação na principal característica da coisa julgada, que é a imutabilidade quase absoluta, e consequentemente afrontaria à segurança jurídica da sociedade, sua estabilidade e a paz social. Nas lições de Barbosa Moreira, para proteção da autoridade da coisa julgada, dever-se-ia reduzir o prazo da rescisória para um ano.
Imperioso consignar que Humberto Theodoro Júnior reforça a autoridade da coisa julgada, citando Liebman, afirmando que o Código em vigor qualifica a coisa julgada "como uma qualidade especial do julgado, que reforça sua eficácia através da imutabilidade conferida ao conteúdo da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada material)." Estas qualidades dos efeitos, segundo Liebman, citado pelo autor supra, "são de necessidade social, reconhecida pelo Estado, de evitar a perpetuação dos litígios, em prol da segurança que os negócios jurídicos reclamam da ordem jurídica." (6) (7)
Estas várias características da ação rescisória e de seus efeitos implicaram na restrição de seu cabimento. Nesta esteira, o CPC enumerou, taxativamente, nove hipóteses de cabimento, com o intuito de violar o mínimo a coisa julgada e consequentemente proteger a segurança jurídica e por outro lado, garantir o julgamento válido. Este rol foi ampliado, por medida provisória n° 1.577/97, para anular as decisões das ações de desapropriação.
Dentre estas hipóteses de cabimento da rescisória, "violar literal disposição de lei" (Art. 485, V, CPC) é o tema proposto, no entanto, antes de dissecá-lo, deve-se analisar as generalidades de como interpretar as hipóteses de cabimento da rescisória e sua aplicação em vista das peculiaridades da coisa julgada, da segurança jurídica e da garantia de um julgamento válido.
2)Interpretação genérica das hipóteses de cabimento da ação rescisória.
A liberdade de interpretar concedida ao aplicador do direito pelo nosso ordenamento, no tocante a matéria em questão, é limitada pela necessidade de proteção à coisa julgada e por outra via, necessidade de rejulgamento válido. São duas forças antagônicas que convergem para um mesmo fim, a segurança jurídica. A proteção a coisa julgada está mais direcionada à estabilidade social, com a presunção de que o julgamento foi válido, verdade formal, mas a necessidade de "rejulgamento", escopo da rescisória, questiona a validade da decisão protegida sob o manto da coisa julgada e visa um julgamento válido, verdade real.
Após análise de todos os dispositivos do ítem 1, concluí-se pela excepcionalidade do rejulgamento da decisão transitada em julgado, materialmente. Sendo assim, as hipóteses de cabimento da rescisória previstas no CPC não podem ser ampliadas, por manobras hermenêuticas, sob pena de ferir a coisa julgada e a segurança jurídica. Nem serem restringidas, sem motivo, pelas mesmas manobras, sob pena de ferir o princípio da legalidade e a garantia do julgamento válido pelo Judiciário, por isso, o intérprete deverá utilizar-se da interpretação sistemática, lógica, teleológica, gramatical, autêntica e outras, sem romper os limites acima descritos. (7A-7B)
O legislador praticamente esgotou as hipóteses de fundamental cabimento da rescisória de modo a garantir a autoridade da coisa julgada e a possibilidade de rejulgamento válido, faltou apenas em poucas hipóteses, como o caso da rara admissão de rescisória em decisão sem julgamento de mérito. O movimento hermenêutico não pode ultrapassar os limites impostos pelo ordenamento jurídico e legislativo sob pena de desarmonizar e afetar a estabilidade social. A rescisória é, por natureza, uma excepcionalidade e não cabe ao intérprete alterá-la.
O intérprete terá um mínimo de liberdade para limitar ou estender o cabimento da rescisória em vista da possibilidade ou não de obter-se novo julgamento válido por outro meio. Na hipótese, por exemplo, de citação nula, caberá rescisória por violação a literal disposição de lei processual, no entanto, o intérprete poderá limitar seu cabimento, já que a parte prejudicada poderá alegar tal vício de nulidade absoluta em embargos à execução (art. 741, I, CPC), sem necessitar da rescisória para anular o julgado, que na verdade será nulo. E depois obter novo julgamento válido.
Imperioso deixar consignado que a interpretação dos dispositivos em comento será regida, com o tempo, pelo desenvolvimento ou retrocesso das teorias formalistas, pois quanto mais formalista, maiores serão as presunções e menores as possibilidades de rescindir decisões presumidas válidas, e assim por diante. A melhor posição é a síntese das duas teorias, formalista e não formalista, de modo a proteger tanto a autoridade da coisa julgada, que garante a estabilidade social, quanto a necessidade de julgamento de decisões cabalmente contaminadas de vícios anuláveis, que garante a justiça.
3) Do cabimento da rescisória por violação a literal disposição de lei.
Depois de analisar as generalidades da ação rescisória e da interpretação das hipóteses de cabimento, utilizaremos tais peculiaridades para analisar o tema em questão, que é uma das hipóteses de cabimento da rescisória, prevista no artigo 485 inciso V do CPC, in verbis:
------------Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
V - violar literal disposição de lei.
Este inciso, já previsto pelo Código de 1939, é uma das principais hipóteses de cabimento, por possibilitar a parte obter "rejulgamento" válido, quando prejudicadas por decisões que violaram literal disposição de lei, e estão protegidas sob o manto da coisa julgada.
A expressão "violar literal disposição de lei" não significa apenas da justiça ou injustiça do modo de interpretar a lei, pelas palavras do mestre Humberto Theodoro Júnior, nem de melhor ou pior interpretação da lei, mas é necessário real violação a literal dispositivo de lei.
A palavra "lei" do inciso V deve ser entendida latu sensu, abrangendo a Constituição, a Emenda Constitucional, lei complementar, lei ordinária, entre outras. O legislador em momento algum fez distinção da palavra lei, e onde a lei não faz distinção, não cabe ao intérprete fazê-lo. E, não se pode restringir, nem estender o entendimento dos dispositivos, sob pena de violar a segurança jurídica, estabilidade social e a justiça. (8)
O inciso em exame não diferencia direito material do direito processual, por isso caberá rescisória por violação a literal dispositivo de lei processual ou material. (9)
A expressão "literal disposição de lei" está mais pacificada, mesmo assim, sua aplicação está sendo deturpada como veremos a seguir. Mas antes, devemos verificar questões específicas deste inciso em comento.
Como por exemplo, a desnecessidade de prequestionamento (9A) das normas violadas na decisão rescindenda, já que o inciso V só fala em violação a literal dispositivo de lei, por isso, se a decisão violar a literalidade da lei, independentemente de se referir a esta explicitamente, caberá a ação.
A possibilidade de rescisória em rescisória pelo inciso "V" ocorrerá quando a decisão da primeira rescisória contrariar dispositivo literal de lei. A outra rescisória não poderá ser ajuizada com causa de pedir idêntica da ação originária, mas sim, com causa de pedir originada pela decisão da rescisória anterior. Isto porque a decisão da rescisória é uma decisão como as outras, podendo ser rescindida se ocorrer qualquer hipótese do artigo 485 do CPC. Além disso, a lei não exclui esta possibilidade.
Com relação a causa de pedir da rescisória, cada norma, possivelmente violada, deve ser indicada na inicial pelo autor, como nos ensina Barbosa Moreira, e serão causas de pedir diversas. O órgão julgador deverá julgar apenas as causas pedidas pelo autor, sob pena de julgamento extra petita. (9B)
Por fim, cabe ressaltar os apontamentos do ilustre jurista Theotonio Negrão, onde cola jurisprudência que defende não caber rescisória pelo inciso V, quando a violação a literal dispositivo de lei seja causada por omissão ardilosa da parte interessada na rescisória (RT 625/125).
3.1)Teorias de aplicação do artigo 485 inciso V.
Várias teorias tentam explicar e interpretar a aplicação do inciso V. Todas tem em comum a tendência de "distinguir" o que a lei não distingue, e até mesmo extrapolar o sentido da lei, o que não pode ocorrer pelos fundamentos e limites explanados no ítem 2, a respeito da interpretação.
Uma delas, diferencia lei material de processual, outra teoria (10) é reforçada pelo enunciado da Súmula 343 do STF, e defende que a decisão rescindenda baseada em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais não é suficiente para caber a rescisória pelo art. 485 inciso V, in verbis:
Súmula 343 - Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais.
Esta teoria deverá ser aplicada em quase todos os casos, se as jurisprudências que geraram a decisão não forem contra legem. Mas se foram, não deverá ser aplicada, já que uma decisão, que feriu a lei com base numa jurisprudência manifestamente contrária a dispositivo literal de lei, ou outra decisão, que feriu uma lei sem base em jurisprudência, têm o mesmo vício e poderão ser rescindidas por ação rescisória com esteio no artigo 485 V do CPC.
Outra (11) teoria defende o enunciado da Súmula 343 do STF, mas com restrições quanto à matéria constitucional.
Segundo estas correntes, se a questão for infraconstitucional, deverá se aplicar o enunciado da Súmula 343 do STF, ou seja, caberá rescisória apenas quando houver violação a literal disposição de lei, não sendo o suficiente que a decisão rescidenda tenha como base interpretação controvertida nos Tribunais.
Por outra esteira, se a matéria for constitucional, não se aplica o enunciado da Súmula 343 do STF, por esta ser de ordem suprema, e o simples fato da descisão rescidenda ter como base jurisprudência controvertida nos Tribunais, gera a possibilidade de cabimento de rescisória pelo art. 485, V, do CPC.
Data máxima venia, estas teses não devem prevalecer, como vem ocorrendo em alguns Tribunais, já que não têm fundamentação legal, além de causarem enorme desequilíbrio no ordenamento, pois ferem a coisa julgada ou, então, impedem o julgamento válido, onde deveria obrigatoriamente havê-lo.
Por isso, a tese que deve prevalecer em nosso entendimento é a da aplicação do enunciado da súmula 343 do STF, tanto para matéria constitucional, quanto para infraconstitucional, tanto para direito processual como material, com a ressalva da possibilidade de cabimento da rescisória pelo inciso V contra decisão que teve como fundamento jurisprudência, dominante ou não, contra legem, ou seja, que fere a dispositivo literal da lei. Esta tese descrita acima tem os seguintes fundamentos:
I - A lei em momento algum diferencia direito material de processual, sendo assim, a expressão "lei" se refere a ambos. (11A) Seria válida a restrição da hipótese de cabimento por violação a lei processual, como por exemplo, no caso da citação nula (11B), haja vista a possibilidade de alegar tal vício até em embargos à execução. Em outros casos, onde não há outro meio de se obter julgamento válido, entendemos caber rescisória por violção a literal dispositivo de lei processual (11C), sob pena de se impedir novo julgamento válido, cabível unicamente por rescisória.
II - A expressão "lei", também não diferencia matéria infraconstitucional de constitucional. Somando-se a isto, a possibilidade de cabimento amplificada contra decisões formadas com base em matéria constitucional controvertida, acarretaria muita insegurança jurídica e violação à autoridade da coisa julgada. Esta tese é reforçada, de certa forma, pelo enunciado da Súmula 343 do STF sem aplicação restrita. (12)
Reforçando os tópicos I e II acima referidos, diz o brocardo jurídico, citado por Carlos Maximiliano:" Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus", onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir. (13)
III - Este enunciado da Súmula 343 do STF deve ter aplicação relativa, já que há hipóteses em que a jurisprudência ou até mesmo súmulas podem ser contra legem e ferir a literal dispositivo da lei. Barbosa Moreira diz que a Súmula 512 do E. STF, que exclui o cabimento de honorários advocatícios em mandado de segurança, é contra legem. Outra hipótese de jurisprudência (14) (15) contra legem pode ser facilmente detectada pela ementa do acórdão citado a seguir, do E. Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
AÇÃO
RESCISÓRIA. - CONDIÇÃO DA AÇÃO. A JURISPRUDENCIA CONSAGROU NÃO CABER AÇÃO
RESCISORIA QUANDO, A DATA DA DECISÃO RESCINDENDA, A INTERPRETAÇÃO ERA DIVERGENTE NOS
TRIBUNAIS. URGE, POREM, REGISTRAR UMA EXCEÇÃO, OU SEJA, SE AS ORIENTAÇÕES AFRONTAM
LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
(AR 46/SP - 18/12/1989 - Primeira Seção - Relator Min. Luiz Vicente Cernicchiaro)
Como podemos observar, o enunciado 343 da súmula do E. STF não tem aplicação absoluta. O importante para aplicação ou não da hipótese de cabimento em questão é se a decisão realmente violou ou não a literal disposição de lei, já que, mesmo se a decisão rescindenda tenha se apoiado em jurisprudência controvertida, poderá ter violado dispositivo literal de lei se aquela for contra legem.16
Por outra via, decisão que vai contra súmula ou jurisprudência não é obrigatoriamente contrária a lei ou fere o dispositivo literal da mesma, já que súmula ou jurisprudência não são lei, desta forma, se a decisão rescindenda não ferir a lei, esta deverá prevalecer e a rescisória não ser conhecida.
Esta tese possibilita um maior espírito crítico ao Judiciário, de modo que não fique engessado no entendimento da jurisprudência, mas sim, que se verifique a real aplicação de uma lei.
4)Conclusão.
A última tese é o exemplo ideal de como se interpretar as hipóteses de cabimento do artigo 485 do CPC, já que consegue equilibrar a proteção à coisa julgada, assim como a possibilidade de novo julgamento, pois não amplia nem restringe o entendimento da lei indevidamente. Somando-se a isto, estarão assegurados a finalidade da rescisória, a autonomia do Juiz, a segurança jurídica, o princípio da legalidade, a estabilidade social, assim como a justiça.
Notas
1. Barbosa Moreira define a ação rescisória como: " ... à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada."
2 No entendimento de José Frederico Marques, a rescisória: "destina-se a anular ato estatal plenamente eficaz e com força de lei entre as partes, e não a declará-lo nulo, pois o julgamento coberto pela res iudicata será tão-somente anulável."
3 Humberto Theodoro Júnior citando outros dois autores, explana que:" A ação rescisória é tecnicamente ação, portanto. Visa a rescindir, a romper, a cindir a sentença com ato jurídico viciado. Conceituam-na Bueno Vidigal e Amaral Santos como" a ação pela qual se pede a declaração de nulidade da sentença". Assim, hoje, não se pode mais pôr em dúvida que a rescisória " é ação tendente a sentença constitutiva"."
4 I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
5 Neste sentido, também, a doutrina, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e Pontes de Miranda, e a jurisprudência, como o AR 1.501/RJ da Segunda Seção do TFR, entre outros.
6 Ainda nas palavras de Humberto Theodoro Júnior: " É, em última análise, a própria lei que quer que haja um fim à controvérsia da parte. A paz social o exige. Por isso também é a lei que confere à sentença a autoridade de coisa julgada, reconhecendo-lhe, igualmente, a força de lei para as partes do processo." E, "Tão grande é o apreço da Ordem Pública pela coisa julgada, que sua imutabilidade não é atingível nem sequer pela lei ordinária garantida que se acha a sua intangibilidade por preceito da Constituição Federal (art. 5°, XXXVI)."
7 E como afirma Frederico Marques: "Contra julgamento que passou em julgado, admite, muito excepcionalmente, a lei processual, remédios especiais, que se destinam a anulá-lo."
7A Ad argumentandum, se por exemplo aumentarmos arbitrariamente, sem fundamento legal, as hipóteses de cabimento da rescisória, como fazem os Tribunais no tocante a matéria constitucional, estaremos ofendendo a coisa julgada, que foi formada validamente, e se, por outro lado, restringirmos as hipóteses de cabimento voluntariamente, como é o caso do Enunciado 343 da do STF, estaremos impedindo a parte de pleitear um novo julgamento válido e justo, no prazo de dois anos. Este último exemplo da súmula do STF será melhor abordado no tópico 03.
7B Na hipótese do ítem 1, por exemplo, a ação que foi extinta sem julgamento do mérito com esteio no reconhecimento da coisa julgada poderá ser impugnada via rescisória, já que a parte não poderá ajuizar nova ação tendo em vista os impedimentos do artigo 268 do CPC e que será o único meio de sanar tais vícios. Apesar da lei ser clara em afirmar "a sentença de mérito poderá ser rescindida", por uma interpretação teleológica, a jurisprudência concluiu pelo cabimento, se presente as hipóteses do artigo 485 do CPC. Nesta interpretação, os aplicadores conseguiram atingir o meio termo entre a proteção da coisa julgada e a possibilidade de julgamento válido, já que não havia outra forma da parte obter tal prestação jurisdicional para sanar os vícios.
8 Barbosa Moreira defende que " "lei", no dispositivo sob exame, há de entender-se em sentido amplo. Compreende, à evidência, a Constituição, a lei complementar, ordinária ou delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução (Carta da República), o decreto emanado do Executivo, o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário ... "
9 E Humberto Theodoro Júnior diz que: "O melhor entendimento, a nosso modo de ver, é o de Amaral Santos, para quem sentença proferida contra literal disposição de lei não é apenas a que ofende a letra escrita de um diploma legal; "é aquela que ofende flagrantemente a lei, tanto quando a decisão é repulsiva à lei (erro in judicando), como quando proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos em lei para a sua prolação (erro in procedendo)."."
9A Neste sentido: RTJ 97-669-Pleno, 116/451-Pleno, 116/870-Pleno, outros. Em sentido contrário: Pela citação de Theotonio Negrão, em Código de Processo civil, artigo 485, V, nota 25a:""A afirmação de que para a ação rescisória não há o pressuposto do prequestionamento sofre temperamentos. Não sendo a prescrição agitada no juízo da ação ordinária, não é possível fazê-lo em rescisória." (RT 488/145 e JTA 39/60). Neste sentido, quanto à prescrição: TFR-Pleno, AR 425-RJ, rel. Min. Carlos Madeira, ...".
9B Em sentido contrário: Resp. 7.154/SP - Rel. Min. Ilmar Galvão - STJ - 2ª Turma - publicado no DJU em 03.06.1991.
10 Neste sentido, também, o enunciado 134 do antigo TFR, o enunciado 03 da súmula do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, e no Superior Tribunal de Justiça, como exemplo o AGA 199097/SP de 28/06/1999, entre vários outros julgados.
11 Neste sentido, várias decisões do E. STF, como, por exemplo o RE 101.114/SP de 12.12.1983, RE 103.880/SP de 22.02.1985, e várias decisões do E. STJ, como o RESP 130.890/RS de 16.03.1998, RESP 115.316/DF de 13/10/1997 e RESP 175.406/CE de 21.09.1998, entre outros.
11A Neste sentido, o grande processualista Bernardo Pimentel, nos ensina que:" O que importa para a admissibilidade da ação rescisória é a observância dos permissivos legais, e não o tipo de vício apontado pelo autor."
11B Neste sentido, Resp 7.556-RO - Rel. Min. Eduardo Ribeiro - STJ - 3ª Turma - publicado no DJU em 05.10.90.
11C Neste sentido, AR 107-SP - Rel. Min. Ilmar Galvão - STJ - 1ª Seção.
12 Neste sentido, também, as decisões do E.STF, como o RE 88.328/SP de 28/12/1978, RE 89.824 e RE 89.833, além de decisões do E TRF da 1ª Região, como o aresto do AR 95.01.22163-6/DF de 22.02.1999, e por fim, julgados do Superior Tribunal de Justiça, como o AR 768/SE de 31/05/1999, entre outros.
13 Defende o referido jurista e Ministro que "quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; ... cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas."
14 Neste sentido: "AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ARTIGO 485,INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SÚMULA 343, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE. PRELIMINAR AFASTADA. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. FINSOCIAL E COFINS. JURISPRUDÊNCIA FIRMADA SOBRE O TEMA. RESCISÓRIA PROCEDENTE. Constatando-se flagrante violação a dispositivo de lei, ela tem que ser reconhecida, não se aplicando o rigor da Súmula nº 343, do STF, ainda mais quando a suposta interpretação controvertida se circunscreve a um mesmo tribunal. Pacificou-se a jurisprudência, agora sem voz dissonante, admitindo a compensação dos créditos do FINSOCIAL com a COFINS. Pela violação a literal disposição da lei (artigo 66, da Lei 6.383/91), procede o pedido rescisório." (AR 743/MG - AÇÃO RESCISORIA (1998/0018237-3) - Fonte DJ - DATA:20/09/1999 - PG:00034 - Relator (a) Min. HELIO MOSIMANN (1093) - Revisor (a) Min. DEMÓCRITO REINALDO (1095) - Data da Decisão 26/05/1999 - Órgão Julgador - S1 - PRIMEIRA SEÇÃO) (Grifos nossos).
15 Neste sentido, também, as decisões do E.STJ, como o AR 208-RJ, RESP 171.699-CE (STJ), e do E. STF, como o RE 96.952/PR de 05.11.1982 (STF).
16 Pedimos venia, mais uma vez, para transcrever as lições do Ilustre Jurista e Min. José Carlos Barbosa Moreira, em seu livro Comentários ao Código de Processo Civil, 7ª edição, na página 130, que reforçam nosso entendimento:"... Daí a enxergar em qualquer divergência obstáculo irremovível à rescisão vai considerável: não parece razoável afastar a incidência do art. 485, n° V, só porque dois ou três acórdãos infelizes, ao arrepio do entendimento preponderante, hajam adotado interpretação absurda, manifestamente contrária ao sentido da norma."
Referências bibliográficas
1.MARQUES, José Frederico. Manual de Direito processual civil: volume III. Campinas, Bookseller, 1997.
2.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, arts. 476 a 565. 7ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998.
3.NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 23ª. ed. Malheiros editores, 1992.
4.PIMENTEL, Bernardo - Recursos e ação rescisória. 1. ed. Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 2000.
5.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: volume I. 26ª. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999.