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Os impactos da “uberização” nas relações de trabalho

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Agenda 26/07/2021 às 20:14

3. PANORAMA JURÍDICO DA UberIZAÇÃO NA ATUALIDADE

Tendo em vista que um dos objetivos do presente estudo é analisar a possibilidade de existir vínculo empregatício entre o motorista autônomo e a empresa Uber e plataformas congêneres, deve-se primeiro compreender a doutrina básica que fundamenta o reconhecimento de uma relação de emprego, ou vínculo empregatício. Destarte, neste último capítulo é necessário abordar os elementos que caracterizam a relação de emprego, a problemática da precarização e, ainda, como jurisprudência se posiciona ante o reconhecimento do vínculo entre plataforma e trabalhador, como se passa a expor.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Sobre a relação de emprego, Merçon[80] lembra que o moderno Direito do Trabalho é produto da sociedade industrial e do modelo clássico de interação capital/trabalho, oriundo da indústria, em que um empregador controla o trabalho de seus empregados. Porém, como ressalta o autor, as relações modernas ampliaram este conceito, e as distinções entre empregado e empregador ficaram mais turvas.

No Brasil, os conceitos de empregado e empregador derivam dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não tendo sido revogados ou alterados pela recente reforma trabalhista (BRASIL, 2017).

Tais artigos estão transcritos abaixo:

Artigo 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Artigo 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empa empregador, sob a dependência deste e mediante salário.[81]

Em relação ao empregado, portanto, a doutrina trabalhista brasileira compreende, de modo pacífico, que sua caracterização se dá a partir dos requisitos ou pressupostos previstos (mesmo que não explicitamente) na CLT. A caracterização destes pressupostos será objeto, com maior ênfase, dos tópicos seguintes do estudo, portanto o conceito de empregador é o que merece maior destaque neste momento do trabalho.

Delgado[82] critica o teor textual do artigo 2º anteriormente mencionado, por fazer referência explícita à expressão “empresa, individual ou coletiva”, pois a doutrina já reconhece pacificamente que não é necessária a caracterização de empresa para caracterizar pessoa ou entidade como empregador. E pontua: “[...] define-se como a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuado com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação”.

Alvarenga[83] resume este conceito afirmando que o empregador, em síntese, é o ente que contrata, organiza, dirige e fiscaliza a atividade de produção.

De fato, o caput do artigo 2º da CLT exige, para caracterização do empregador, a assunção dos riscos da atividade econômica, bem como a prerrogativa de admitir, assalariar e dirigir a prestação de serviços. A necessidade de assunção do risco econômico transparece como o requisito mais sólido para caracterização do empregador.

Importante ressaltar, como ressaltado por Delgado[84] que o empregador não tem intuitu personae ou seja, não é um ente vinculado diretamente a uma única pessoa. Se a pessoa que exerce a função de empregadora é substituída por outra (sucessão empresarial, por exemplo), os contratos individuais de trabalho anteriores não são, necessariamente, alterados ou sofrem solução de continuidade.

Contudo, Bastos[85] lembra que, excepcionalmente, pode-se admitir intuitu personae para o empregador, quando a característica intrínseca à atividade do empregador (uma linha editorial de jornal, por exemplo) é modificada radicalmente com a troca pessoal de um empregador.

Além disso, como previsto no §1º do artigo 2º da CLT, podem ser considerados como empregadores “os profissionais liberais, as instituições de beneficência, a associações recreativas e outras instituições sem fins lucrativos, que admitem trabalhadores como empregados”, ou seja, tanto a pessoa jurídica quanto à pessoa física podem ser considerados como empregadores. Existem situações em que o empregador delega funções a um grupo determinado, para exercê-las em complementação da atividade principal a qual se dedica o empregador (terceirização), sem contudo poder eximir-se por completo de sua natureza como empregador.

Ainda, cabe destacar que, não obstante o Direito do Trabalho fornecer instrumentos legais para proteção do trabalhador, não há como supor que haja uma paridade na relação de emprego: a figura do empregador, por deter o poder econômico, será via de regra a parte forte da relação.

Neste sentido, cabe citar o seguinte trecho de Costa e Ternus:[86]

Uma relação trabalhista nem sempre é estabelecida de maneira tão negocial como se apresenta. Normalmente torna-se uma espécie de contrato de adesão, em que os trabalhadores aceitam as condições ali impostas, mesmo que lhes cause prejuízo, por que aparentemente garantem a subsistência do trabalhador. Em decorrência de tal aceitação, que a exposição às condições precárias de trabalho acaba por ser alavancada de parte dos empregadores que dominam a força de capital.

Isso se deve porque nem toda relação de trabalho será uma relação de emprego, ou seja, não ensejará o reconhecimento do vínculo empregatício. A segurança jurídica da relação precisa ser estabelecida com firmeza para garantir a fruição dos direitos citados no parágrafo anterior sem onerar injustamente o empregador.

Adicionalmente, como preceitua o artigo 442 da CLT, em seu parágrafo único, não existe vínculo empregatício entre o tomador de serviços e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.[87]

A doutrina é unânime em afirmar que é necessário o preenchimento de alguns requisitos, ou pressupostos, na ausência dos quais não é possível caracterizar a relação como empregatícia.[88]

Mesmo em relações de trabalho menos tradicionais (como a prestação de serviços por autônomos), se estes pressupostos estiverem presentes, haverá vínculo empregatício em decorrência do princípio da primazia da realidade sob a forma.[89] Estes pressupostos essenciais do vínculo de emprego derivam do caput do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, anteriormente transcrito. Ainda que haja pequenas divergências na interpretação do texto legal, pode-se afirmar que o dispositivo citado estabelece a existência da relação de emprego quando presentes ao menos quatro pressupostos: pessoalidade (“toda pessoa física”), não eventualidade (“de natureza não eventual”), subordinação (“sob a dependência deste”) e onerosidade (“mediante salário”). Há quem considere que existam outros pressupostos, subentendidos no texto legal, como a alteridade (a não assunção pelo empregado dos riscos financeiros da atividade do tomador de serviço).

Passar-se-á a abordar, nos parágrafos a seguir, características inerentes a estes pressupostos.

Quanto à pessoalidade, o termo remete ao fato de que o trabalhador vende sua própria força de trabalho, não podendo fazer-se substituir na execução dos serviços, daí a se dizer que um contrato de trabalho é personalíssimo.[90]

De modo explicativo, pode-se considerar que um empregado não pode mandar o amigo, o vizinho, o pai ou o irmão para trabalhar no seu lugar; e por isso este pressuposto não só produz efeitos na formação do vínculo, mas também na sua extinção, ou seja, não se transmite a herdeiros e sucessores. Nesta senda, Martins[91] considera que se o empregado se faz substituir por outra pessoa, corre o risco de haver formação de vínculo com esta última, ou até mesmo descaracterizar a relação de emprego e configurar uma mera relação de trabalho.

Em reforço a esta percepção, Lolli e Salviano[92] lembram que o trabalho compromete o trabalhador em sua própria pessoa, enquanto destina parte das energias físicas e mentais, próprias, individuais, além do fato de que cada trabalhador difere do outro em sua expressão de personalidade. Portanto, o contrato de trabalho é com o ser humano, o indivíduo de quem se deseja aquele serviço.

Superado este entendimento da pessoalidade em seu sentido mais material, é necessário ainda abordar a segunda vertente do pressuposto pessoalidade: a pessoa do ponto de vista legal.

Nesse contexto, e reportando-se à CLT, o artigo 3º deixa claro que o vínculo é aplicável somente à pessoa física. O empregado não pode ser pessoa jurídica porque o direito do trabalho protege o trabalhador como ser humano, pela energia de trabalho que desenvolve na prestação de serviços.[93]

Os bens jurídicos e éticos tutelados pelo direito do trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.) não podem ser usufruídos por pessoas jurídicas.[94] Como lembra Martins,[95] os serviços prestados por pessoas jurídicas devem ser regulados pelo direito civil. Assim, não há dúvidas a este respeito e há pouca controvérsia quanto ao pressuposto pessoalidade: o empregado deve ser uma única e mesma pessoa, e não pode ser constituído como pessoa jurídica.

O pressuposto da onerosidade refere-se à caracterização da natureza assalariada do trabalho: afinal, o direito do trabalho não protege as relações de trabalho, que, pela sua natureza, sejam gratuitas ou voluntárias.[96] Dito de outra forma, para caracterizar a relação de emprego o empregado tem o dever de prestar serviços ao empregador, e este, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados.

Contudo, o salário não precisa ser, necessariamente, moeda, para caracterizar a onerosidade. Pode ser pago in natura, com alimentos, ou animais, por exemplo. A fundamentação do reconhecimento da onerosidade como pressuposto está diretamente calcada no conceito de trabalho com viés econômico. Quando a oferta do trabalho transcender o objeto de materialidade econômica, não é apto a gerar reconhecimento de relação de emprego.[97]

Como exemplo, duas situações que afastam de imediato o pressuposto da onerosidade são o trabalho voluntário e o estágio. Quanto ao primeiro, o artigo 1° da Lei 9.608, redação dada pela Lei 13.297, de 16 de junho de 2016, prevê que o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Já a Lei 11.788, 25 de setembro de 2008 estabelece que o estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza. Neste sentido, como aponta Simões[98], a obrigação da remuneração é a principal diferença entre a relação de emprego do trabalho voluntário.

Por outro lado, ainda é sujeita a controvérsias a condição que se estabelece quando existe independência econômica do trabalhador, ou seja, ele possui condições de subsistência sem depender da relação de trabalho. Neste caso em particular, condições subjetivas tem de ser levadas em conta para caracterizar que o trabalho é prestado com ânimo econômico, pois do contrário ficaria prejudicado o entendimento de que o trabalho não é, ainda que pago, voluntário, e assim afastar o pressuposto da onerosidade.

Nesta linha de pensamento, pondera Delgado[99] que o elemento onerosidade deve abranger um plano objetivo que envolve o pagamento de parcelas a remunerar o empregado, e um plano subjetivo, onde pode haver análise da intenção contraprestativa, ou seja, o intuito essencial de auferir ganho econômico, ainda que não tenha existido de fato a remuneração.

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Neste sentido, ter havido pagamento de salário ou não é requisito para configurar o pressuposto. É necessário identificar o animus contrahendi (a real intenção do trabalhador ao aceitar a realização do serviço): se for com a intenção de obter ganho econômico a fim de subsistência, o elemento onerosidade está caracterizado.

Do exposto, percebe-se que o animus, ou intenção, é tão ou mais importante que a materialidade do pagamento. Mesmo levando em conta a necessidade desta avaliação subjetiva, fica evidente, até por estar positivado no texto legal, que a onerosidade é um dos requisitos essenciais para a caracterização da relação empregatícia, e que sem ela deve-se entender que a relação de trabalho analisada não é uma relação de emprego.

Quanto ao pressuposto da não eventualidade, o mesmo diz respeito à habitualidade da prestação de serviços ao longo do tempo. O artigo 3º da CLT não fornece maiores esclarecimentos, limitando-se à mencionar que o trabalho deve ser não eventual, e por esta razão é um dos pressupostos que mais gera polêmica na doutrina e jurisprudência.[100]

Talvez a melhor maneira de compreender a não-eventualidade seja definir o que é a eventualidade. No entender de Delgado (2016), existem ao menos quatro teorias para defini-la: a teoria da descontinuidade (trabalho é eventual quando realizado de modo descontínuo); a teoria do evento (trabalho é eventual quando vinculado a um evento ou episódio); a teoria dos fins do empreendimento (trabalho é eventual quando não se inserem nos fins normais do empreendimento); e teoria da fixação jurídica (trabalho é eventual quando não produz vínculo jurídico robusto).

Quando o trabalho não for eventual, portanto, estaria configurado o pressuposto da não-eventualidade. Mas a teoria da descontinuidade, em especial, recebe considerações adicionais dos doutrinadores: conforme Martins,[101] o serviço prestado deveria ser de natureza contínua, mas não necessariamente diária. Bastaria a caracterização da regularidade na prestação dos serviços, por exemplo, pela repetição dos dias e horários em que o serviço é prestado.

Ainda segundo Martins,[102] não há divergência entre continuidade e não eventualidade, uma vez que a palavra contínua deve ser interpretada como não episódica, não eventual, seguida e sucessiva. Nesta interpretação, embora o autor reconheça a necessidade de continuidade, não a define por critérios rígidos, em síntese concordando com o julgado acima citado.

Mesmo inexistindo um dia fixo na semana para prestação de serviços, pode ser configurada a não eventualidade. Contudo, há uma situação particular, cuja caracterização como pressuposto foi estabelecida pela legislação: a dos empregados domésticos, regulamentada pela recente Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, diploma que estabelece a diferenciação entre empregado doméstico e trabalhador doméstico sem vínculo de emprego, utilizando-se como critério o número de dias de prestação de serviços dentro de uma semana (mais de dois dias por semana).[103]

Controvérsias à parte, é pacífica na doutrina pátria a concepção de que somente o trabalho prestado de forma não eventual (mesmo que não contínua de modo inexorável) é que permite reconhecer uma relação como empregatícia.

Prosseguindo, e em conclusão à análise dos pressupostos classicamente considerados no Direito do Trabalho brasileiro, há que se dedicar especial atenção à subordinação.

Mesmo que extremamente relevante, este pressuposto nem sempre se mostra evidente. Delgado[104] ressalta que o conceito não se confunde com sujeição ou submissão pessoal a horários ou a controles diretos do cumprimento de ordens. Esta distinção é importante, pois em muitas situações do trabalho moderno o empregado possui um poder discricionário relativamente grande, sem contudo deixar de estar subordinado.

Por conseguinte, Delgado[105] define subordinação como a circunstância de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, em oposição à autonomia, ou seja, quando o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar.

Carmino[106] considera que, na relação de emprego, o empregador adquire o direito de dispor da força de trabalho nos limites quantitativos e qualitativos estabelecidos. Desse estado de disponibilidade, de estar à disposição, resulta caracterizada a subordinação, que é considerada por muitos doutrinadores como um pressuposto fundamental, que distingue a relação de emprego de outras relações de

Trabalho. Portanto, possui um caráter tão predominante que costuma ser utilizada como elemento decisivo em situações de dubiedade.

Para Albuquerque,[107] existem dois tipos de subordinação, técnica e jurídica: a jurídica (ou hierárquica) diz respeito ao poder de direção e de fiscalização que o patrão tem sobre o empregado, enquanto a subordinação técnica estaria configurada quando trabalhador não pode realizar tarefas de acordo com suas preferências pessoais. Porém, como lembra o autor, há problemas com esta teoria, pois fragiliza a caracterização do vínculo na situação em que empresas contratem experts que não obedecem ordens diretas do empregador.

Silva (2019)[108] cita ainda a subordinação econômica, quando há uma dependência em termos financeiros por parte do trabalhador em relação ao empregador (pressuposto de que o trabalhador possui inferioridade econômica em relação ao empregador).

Desta feita, a subordinação direta ocorre quando uma ordem ou comando é feita diretamente pelo patrão, e indireta, onde entre o empregado e o patrão existirem intermediários. Já a subordinação objetiva ocorre quando o comando é exercido sobre os serviços executados pelo trabalhador, e subordinação subjetiva quando é exercido sobre a própria pessoa do trabalhador.

Delgado[109] acrescenta ainda o conceito de subordinação estrutural: quando o prestador laborativo, sem receber ordens diretas das chefias do tomador de serviços, nem exatamente realizar os objetivos do empreendimento (atividade-meio, por exemplo), acopla-se, estruturalmente, à organização e dinâmica operacional da empresa tomadora, qualquer que seja sua função ou especialização, incorporando, necessariamente, a cultura cotidiana empresarial ao longo da prestação de serviços realizada.

Este conceito é interessante para compreensão do trabalho na dinâmica corporativa do capitalismo moderno. Porém, como lembra Malheiros,[110] em razão do surgimento de formas ainda mais diversas de trabalho neste século, o conceito de subordinação tem se mostrado insuficiente para diferenciar a relação de emprego das demais formas de trabalho, evidenciando a necessidade de uma reconstrução conceitual deste termo.

Por exemplo, a partir do Direito trabalhista italiano, surgiu no final do século XX a teoria da parassubordinação. De acordo Barros,[111] trata-se de uma categoria de subordinação a meio termo entre o trabalhador autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais (atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação).

A parassubordinação refere-se a uma modalidade de trabalho bastante vinculado ao momento contemporâneo, a um mundo altamente digital e dinâmico, em que o empregado presta um trabalho a uma empresa sob alguma espécie de contrato, sem contudo deter todas as liberdades previstas em uma modalidade negocial.

Os elementos caracterizadores da parassubordinação seriam a existência da continuidade, pessoalidade, coordenação e dependência econômica.[112]

Não obstante o reconhecimento da legalidade da parassubordinação, Renault e Medeiros[113] a reconhecem como uma degradação do instituto da subordinação tradicional, onde os trabalhadores apresentam ligeiros traços de autonomia, sem deixarem de ser subordinados.

Esta condição é juridicamente frágil, sujeita à interpretação, podendo desamparar o empregado, que permanece econômica e socialmente do empregador, mas pode ter sua condição reconhecida como “autônomo” a depender do julgador.

Não obstante, a jurisprudência brasileira tem reconhecido a parassubordinação como equivalente à subordinação para fins de estabelecimento da relação de emprego. Abaixo, segue trecho de acórdão recente sobre o tema:

Atualmente, é possível identificarmos três tipos de trabalhadores: os subordinados, que trabalham pessoalmente, de forma não eventual e assalariada, cumprindo ordens emanadas do empregador; os autônomos, assim entendidos os que prestam serviço com ampla autodeterminação, Além da liberdade de organização da atividade, estes estabelecem o preço e não sofrem ingerência sobre o modo, o tempo e lugar da execução, e, por fim, os parassubordinados, que atuam na prestação de serviço de natureza continuada e coordenada, de caráter exclusivamente pessoal, para o atendimento de necessidade ligada à atividade-fim do tomador, não atuando de forma subordinada, mas necessitando observar certas diretrizes. Para estes últimos, o que descaracteriza o vínculo é a ausência de subordinação. Ela é substituída pela de coordenação. Embora siga certas diretrizes do tomador de serviços, o trabalhador parassubordinado conserva a liberdade de organização da própria atividade e assim a autonomia sobre a modalidade, o tempo e o local da execução, podendo trabalhar com ou sem exclusividade. São inaplicáveis para estes os atos de admoestação, como advertência e suspensão. A representação comercial, o agenciamento e a distribuição civis, quando o serviço é executado pessoalmente, são hipóteses de trabalhado parassubordinado.[114]

Desta feita, ainda que a doutrina majoritária esteja direcionada para a consideração dos pressupostos tradicionalmente considerados, e tratados anteriormente, cabe tecer algumas considerações a respeito de outros eventualmente mencionados na doutrina.

Dentre estes, merece destaque a alteridade. O termo alteridade deriva da noção de que os frutos da prestação do serviço são auferidos pelo empregador (o alter, o outro da relação de emprego) e nunca pelo empregado. Para reforçar a teoria de que este pressuposto é válido, cabe lembrar a impossibilidade do empregado suportar prejuízos que culposamente tenha dado causa, sem haver disposição expressa no contrato de trabalho, como previsto no artigo 462, § 1º, da CLT.[115]

Para Martins,[116] o empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. Delgado[117] amplia o entendimento, ao afirmar que a alteridade diferencia de modo decisivo o empregado do empregador: ora, se o trabalhador suportar algum tipo de risco da atividade econômica, não pode ser considerado empregado, posto que o art. 2º da CLT declara tacitamente que o risco pertence, por definição, ao empregador. Os riscos do empreendimento são estranhos à figura do empregado.

Bisinella[118] chama a atenção para o fato de que atividades laborais modernas, como o teletrabalho e o contrato intermitente (além do objeto deste estudo, o motorista de aplicativo), representam desafio ao conceito de alteridade, em especial quando a falta de regulamentação específica sujeita o empregado a custos operacionais que, ao teor exato da lei, só poderiam pertencer ao empregador.

Outro pressuposto considerado em décadas anteriores, mas que modernamente vem sendo desconsiderado, é o da exclusividade (quando o empregado só pode prestar seus serviços para um único empregador). Martins[119] considera que não é requisito do contrato de trabalho, sendo que o empregado, em função das circunstâncias da vida moderna, pode possuir mais de um emprego, e em cada um dos locais de trabalho será considerado empregado.

Esta possibilidade, inclusive, está implícita nos artigos 138 e 414 da CLT, como se pode inferir da leitura do texto original:

Artigo 138 – Durante as férias, o empregado não poderá prestar serviços a outro empregador, salvo se estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato de trabalho regularmente mantido com aquele.

[...]

Artigo 414 - Quando o menor de 18 (dezoito) anos for empregado em mais de um estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão totalizadas.[120]

Da leitura de ambos os artigos acima citados, se depreende, portanto, que a legislação não impõe a exclusividade de prestação de serviços um único empregador, e também não a proíbe, exceto na condição específica prevista no artigo 138 acima mencionado.

Por outro lado, como ressalta Nascimento[121] a exclusividade pode ser aceita como situação excepcional prevista em cláusula do contrato de trabalho, ainda que esta condição possa ser questionada por, teoricamente, limitar o princípio constitucional de direito ao livre trabalho.

A questão ainda é objeto de interpretação controversa no direito pátrio, e a quebra de exclusividade pactuada pode ser até mesmo utilizada como justificativa de demissão por justa causa.

Nesse sentido, contudo, cabem as palavras de Zainaghi:[122]

[...] é permitido ao empregado ter mais de um emprego, ou mesmo exercer, nas horas de folga de um dado emprego, uma atividade por conta própria, o que é até normal hoje em dia, quando os baixos salários obrigam o empregado a buscar outras fontes de rendimentos. Essas atividades, desde que não concorram com a do empregador, nem importem prejuízo ao serviço, não constituem justa causa.

Destarte, pode-se afirmar que a doutrina trabalhista brasileira tem considerado, ao longo de várias décadas, que os pressupostos previstos textual ou implicitamente na Consolidação das Leis do Trabalho são válidos e suficientes para configuração da relação de emprego, bem como os direitos e deveres inerentes às distintas pessoas desta relação. Contudo, frente às novas realidades socioeconômicas, novas formas de prestação de serviços e relações de trabalho, estes conceitos mostram-se, ocasionalmente, insuficientes ou inadequados, ensejando prejuízo às partes.

3.2 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Uma das preocupações dos estudiosos do Direito do Trabalho, ao longo dos últimos anos, é o fenômeno da precarização, compreendido, em apertada síntese, como a mitigação, a privação de direitos conferidos aos trabalhadores ao longo de séculos.

Como visto anteriormente, as relações de labor sempre existiram. Porém, apenas na Revolução Industrial é que surgiram as primeiras normas protetivas, conferindo, por exemplo, limitação à jornada de trabalho. Logo, quando alguma prática compromete a efetividade de direitos consagrados na legislação trabalhista, surge a preocupação com a precarização.

Em suma, A relação de trabalho vem sendo desenvolvida ao longo do tempo de acordo com as necessidades, os interesses e as ferramentas de trabalho desenvolvidas pelo homem.

Anote-se que a prestação de trabalho pode se apresentar de diferentes formas, sendo uma obrigação de fazer pessoal (ou não) sem subordinação (trabalho autônomo), ou como uma obrigação de fazer pessoal e subordinada contudo esporádica e episódica (trabalho eventual), ou ainda como uma obrigação de fazer com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação (relação de emprego clássica) caracterizando portanto, neste último aspecto, a relação jurídica básica assegurada pelos institutos justrabalhistas e regulada por legislação especial. A relação de emprego está alicerçada, enquanto fenômeno sociojurídico, em um conjunto de elementos que configuram este tipo de relação de trabalho.

O processo de globalização, alavancado pelo desenvolvimento científico e tecnológico, promoveu uma aceleração no desenvolvimento das relações no mundo e, consequentemente, uma nova organização social na qual o desenvolvimento de diversas atividades depende cada vez mais da tecnologia.

Neste contexto, as formas de vida e trabalho reestruturam-se, impondo um novo ritmo de desenvolvimento das atividades humanas. As relações de trabalho ganham nova dimensão, com necessidade de redefinição de tempo e espaço. Torna-se inevitável o reconhecimento da relação de trabalho caracterizada pela utilização de tecnologia da informação e de comunicação.[123]

Não bastasse isso, a revolução digital trouxe grandes impactos no mercado de trabalho, tendo em vista que os computadores nos últimos anos têm substituído atividades que anteriormente eram desempenhadas por seres humanos. Dentre as atividades substituídas é possível elencar as transações bancárias, reserva de hotéis, compra de passagens, dentre outros.[124]

Hoje, por exemplo, já é uma realidade o trabalho realizado longe do domínios da organização, teoricamente sem controle de horário e sem o poder exercido sobre a forma pelo qual ele é desenvolvido, é traço característico do trabalho à distância, gênero que compreende o trabalho em domicílio, o teletrabalho, vendedores pracistas e viajantes, além de representantes comerciais.

De fato, as novas configurações do trabalho à distância, e as formas pelos quais ele se manifesta hoje, principalmente devido a utilização de tecnologia de ponta nas grandes empresas, acarretam uma nova organização industrial, com o surgimento de relações de trabalho que apontam para o esgotamento do padrão de crescimento fordista, justificando, portanto que ele se torne objeto de reflexão.

Puglisi[125] chama a atenção para o fato de que há uma tendência, em virtude da Quarta Revolução Industrial, que os trabalhos intelectuais de natureza mais repetitiva sejam substituídos pela robotização. Logo, o perfil do trabalhador tende a mudar para se adequar às exigências do mercado, o que não impedirá, contudo, a redução de postos de trabalho, pois ocorrerá um rompimento com o tradicional modelo de emprego.

Em pesquisa realizada pela Silicon ValleyRising no ano de 2016, fora possível constatar que nos últimos 24 anos os empregos relacionados a tecnologia digital cresceram aproximadamente 31%, o que significa a média de 1,1% ao ano, a taxa em questão pode ser tida como baixa, não porque não houve o crescimento da demanda em tal área, mas os números são desanimadores em razão das terceirizações dos contratos.[126]

A uberização, portanto, se encontra dentre os fenômenos que preocupam doutrina e jurisprudência na atualidade, haja vista a insegurança do trabalhador que, como se verá no próximo tópico, não encontra respaldo na legislação vigente e a jurisprudência majoritária é quanto à inexistência de vínculo jurídico.

Isso se deve porque embora a uberização não represente a diminuição de postos de trabalho, evidencia a informalidade, na medida em que os trabalhadores não possuem segurança jurídica, dada a inexistência de vínculo entre plataforma e prestador de serviços. O trabalho autônomo, consequentemente, configura problemática que precisa ser discutida, mormente quanto à necessidade de regulamentação.

Destarte, há de se reconhecer que a não regulamentação da atividade em comente reflete no Direito do Trabalho, fomentando discussões quanto a classificação dos motoristas de aplicativos e congêneres, que laboram através de plataformas digitais, se são autônomos ou se detém vínculo empregatício. Significa dizer que falta critério legal, para adaptar o trabalho contemporâneo, e que abranja as formas de labor intermediadas por aplicativos, que gera insegurança, sendo imperioso que o Direito se posicione diante destas questões, sob pena de se perpetuarem discussões.

3.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL QUE VERSA SOBRE A UberIZAÇÃO

Dentre as inovações tecnológicas mais difundidas na atualidade, encontram-se os aplicativos de chamada de corridas para celular. Estes aplicativos, desenvolvidos e operados por empresas de tecnologia, na versão “passageiro” permitem que a pessoa “chame” um “carro” no endereço em que se encontra para se deslocar para o destino desejado. Estes aplicativos também estão disponíveis na versão “motorista”, a qual permite ao mesmo estando conectado “receber” a chamada de corrida solicitada pelo passageiro.

Estes aplicativos operam em aparelhos celulares e permitem a conectividade entre passageiro, motorista e empresa configurando assim uma estrutura organizada de recebimento, controle e despacho de chamadas de corridas de passageiros em transporte individual, conhecida como plataforma de compartilhamento de transporte individual.

Assim, estes novos meios tecnológicos possibilitaram uma inovadora estrutura organizacional que proporcionou aos motoristas profissionais, devidamente cadastrados e conectados, a prestação do serviço de transporte de passageiros através da utilização da plataforma do aplicativo e de acordo com os termos de uso.

Aliando os novos contornos legais com a prestação de serviço de motoristas profissionais vinculados a plataformas de compartilhamento de transporte individual de passageiros, atualmente, a discussão em torno do reconhecimento do vínculo de emprego entre motoristas profissionais e empresas de aplicativo de chamada de corridas ultrapassou as fronteiras midiáticas e alcançou a esfera da Justiça do Trabalho.

Através da propositura de reclamatórias trabalhistas, motoristas buscam o reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa proprietária do aplicativo (plataforma), e por sua vez, os direitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego, tipificada na modalidade de teletrabalho.

Como se verá a seguir, com maior riqueza de detalhes, as demandas trabalhistas sustentam o reconhecimento do vínculo de emprego com fundamento nos cinco elementos fático-jurídicos, em especial na subordinação estrutural. Na sequência, veremos que as sentenças prolatadas em duas reclamatórias trabalhistas tiveram decisões divergentes, considerando o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, revelando que a prestação de serviços no caso dos “motoristas de aplicativo" pode assumir tanto autonomia como vinculação em relação ao tomador de serviços.

Em meio a este cenário, além da controvérsia doutrinária anteriormente exposta, a jurisprudência pátria também se mostra divergente ao considerar a questão de subordinação no caso Uber. Por vezes, a interpretação das primeiras instâncias tem sido no sentido de desconsiderar a existência desse pressuposto na relação entre o motorista autônomo e a plataforma, como demonstra a recente sentença proferida pela 1ª vara do trabalho de Florianópolis:

[...] Mesmo admitindo que o objeto social da ré não fosse a mera disponibilização da plataforma/aplicativo (tese da defesa), mas, sim, a prestação de serviços de transporte por meio de parceiros, forçoso concluir que não havia subordinação objetiva ou estrutural (lembro que a subordinação clássica já foi afastada). Explico. Admitindo-se, em tese, que o motorista foi inserido no objeto social do prestador de serviço, ou seja, prestando serviços de transporte de passageiros, a ré nunca poderia contar seguramente com o trabalho do mesmo, pois ele era totalmente autônomo, com amplo poder de determinar, de forma unilateral, quando prestar o serviço, inclusive podendo desligar o aplicativo, deixando de trabalhar por quanto tempo preferisse, não estando à disposição do, em tese, empregador.[127]

Por outro lado, também há registro de decisões de primeiro grau admitindo a existência de subordinação, principalmente na modalidade jurídica, como se depreende da sentença abaixo, da 41ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e que chegou ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos seguintes termos:

[...] A subordinação jurídica é um conceito cultural, de forma que as profundas modificações experimentadas nas relações de trabalho ao longo tempo interferem diretamente na sua concepção. O instituto da subordinação jurídica não pode ser analisado da mesma forma que era no passado, na acepção clássica cunhada no auge do sistema de produção fordista, em que o controle era realizado diretamente - e presencialmente - pelo empregado e seus prepostos. Nessa perspectiva, o conceito de subordinação jurídica deve se adequar à nova realidade social - mormente às modernas formas de organização empresarial. [...] Não existem dúvidas que os motoristas que trabalham com a reclamada possuem maior autonomia quando comparados à maior parte dos empregados. Podem definir os horários e períodos em que irão trabalhar e não são submetidos a ordens ou controle diretos de prepostos da empresa. Todavia, a partir do momento em que se conectam ao aplicativo, o algoritmo mitiga essa autonomia e define como os serviços serão prestados, restando aos motoristas apenas reações controladas. O sistema define o motorista que vai atender ao pedido do passageiro - sem possibilidade de escolha por parte deste, como já dito -, e define os preços das corridas de acordo com a demanda (o chamado preço dinâmico). Nesse mister, o algoritmo também define promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local [...].[128]

Há registro de reconhecimento deste viés por parte de órgãos colegiados de segunda instância, como se depreende do julgado abaixo:

VÍNCULO DE EMPREGO. REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA. Para a caracterização do liame de emprego, é necessário demonstrar a prestação de serviços com pessoalidade, de natureza não-eventual, sob dependência do empregador (subordinação jurídica) e mediante salário (art. 3º da CLT). A configuração da relação empregatícia resulta da conjugação desses elementos fático-jurídicos. Negada a existência de qualquer prestação de trabalho, a prova do vínculo incumbe exclusivamente ao autor, por ser fato constitutivo de seu direito. Lado outro, admitida a prestação pessoal de serviços sob modalidade diversa, ao réu incumbe a prova de ser o trabalho autônomo ou diferente do previsto no art. 3º da CLT, porquanto constitui fato impeditivo ao reconhecimento da relação de emprego. Inteligência dos artigos 818 da CLT e 373 do CPC. [...] Verifica-se, pois, na relação havida entre as partes, o poder de direção da reclamada, conduzindo o modus faciendi da prestação do trabalho. Configurada, pois a subordinação jurídica.[129]

Porém, a tendência predominante dos Tribunais Regionais do Trabalho é não considerar a existência de subordinação, conforme exemplo abaixo:

[...] É possível constatar que a forma de prestação de serviços verificada no caso concreto não segue o roteiro típico das relações subordinadas [...]. Outra questão relevante diz respeito à assunção dos riscos da atividade econômica. Restou incontroversa a responsabilidade do reclamante pela manutenção do seu próprio veículo, abastecimento, despesas com telefone celular e outros. [...] Por isso mesmo, deve ser afastada a tese de existência de subordinação estrutural, porque a reclamada se caracteriza como plataforma digital, que objetiva interligar motoristas cadastrados aos usuários de transporte e não empresa de transporte, propriamente.[130]

Também neste sentido, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:

Vínculo de emprego. Motorista Uber. Subordinação jurídica. A subordinação jurídica é o traço definidor, por excelência, do contrato de trabalho e, havendo a possibilidade de recusa do reclamante em atender a passageiros cadastrados junto à reclamada, fica patente a ausência do mencionado requisito, haja vista que ao empregado não é dado recusar a prestação de serviços para o qual foi contratado, desde que respeitadas as disposições contratuais e legais, motivo pelo qual o vínculo de emprego não deve ser reconhecido. Milita contra o reclamante, ainda, o fato de reter 75% dos valores pagos pelos passageiros, importe que, na verdadeira relação de emprego, inviabilizaria o 48 empreendimento da empregadora.[131]

Outrossim, o próprio Tribunal Superior do Trabalho, em decisão do corrente ano, negou provimento a agravo de instrumento em recurso de revista interposto por um motorista contra acórdão do TRT-3:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. Uber. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia Uber e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante. No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que “o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré”. Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. [...] O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo [...]. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal. VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. [132]

Resta claro, portanto, que a questão do reconhecimento do vínculo trabalhista entre plataforma digital e prestador de serviços ainda divide opiniões, estando longe de se sedimentar porque tanto doutrina quanto jurisprudência divergem quanto à presença da subordinação, a ensejar (ou não), a caracterização da relação empregatícia.

Sobre o autor
Ronie Winckler Gouvea

Auditor de Tributos. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Prática Trabalhista Avançada. Pós-graduando em Direito Público.

Informações sobre o texto

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