1 – É premissa básica e indispensável ao operador e ao estudioso do direito a nítida e perfeita distinção entre o plano do direito material e o plano do direito processual.
2 – Conquanto seja absolutamente necessária uma reaproximação entre os planos do direito material e do direito processual, com o estudo do direito processual à luz do direito material, não se pode olvidar a necessidade de se distinguir de forma clara e científica os dois planos autônomos do direito, visto que tal confusão é fonte de inúmeras distorções no sistema que, muita das vezes, acabam impedindo que a prestação jurisdicional seja efetiva, quando não impede a própria prestação jurisdicional.
3 – O direito processual é essencialmente instrumento de atuação coercitiva do direito material não observado espontaneamente, tendo por conseqüência pragmática solucionar o litígio, solução essa que há de ser exatamente aquela ditada pelo direito material, como se esse fosse espontaneamente observado.
4 – É seguro afirmar que toda pessoa necessariamente já tenha tido contato com o direito material, não é menos seguro afirmar que, sem dados estatísticos precisos, massa significativa de pessoas jamais teve o mínimo contato com regras processuais.
5 – O escopo primordial do processo é a de atuar como método lógico e científico para formulação ou atuação prática da vontade da lei material diante das situações de inobservância espontânea.
6 – Cabe ao processo servir ao direito material, não podendo ser deturpado em barreiras ou obstáculos à pronta e completa aplicação do direito material.
7 – Tão pernicioso para a fiel prestação da atividade jurisdicional quanto o estudo e a aplicação do processo como um fim em si mesmo é não reconhecer precisamente a distinção entre a relação de direito material e a relação de direito processual.
8 – Em todo processo temos a coexistência de duas relações distintas, uma sempre presente em toda e qualquer demanda – relação processual – e outra ao menos sempre afirmada – relação material.
9 – O juiz necessariamente deve sanear exaustivamente o processo desde o seu primeiro contato com a inicial. Ao contrário do catequizado pela doutrina dominante, a fase saneadora do processo coincide com a fase postulatória: ambas iniciam com petição inicial e findam com a audiência preliminar, salvaguardando as hipóteses em que a crise processual seja superveniente a essa fase.
10 – Ao verificar a presença das condições da ação, exerce o juiz uma atividade cognitiva superficial, não exauriente, da própria relação jurídica de direito material.
11 – A análise das condições da ação constitui uma ferramenta processual indispensável que permite ao julgador, de antemão, visualizar uma incontestável improcedência no final do iter processual, ceifando ab inicio, a relação processual absolutamente inócua e impedindo o seu pernicioso e inútil desenvolvimento.
12 – A teoria da asserção (ou da prospectação) é a única que fielmente distingue as duas relações autônomas (a sempre existente relação de direito processual e a sempre alegada relação de direito material) sem, no entanto, afastar o caráter instrumental do direito processual.
13 – O Juiz pode e deve reconhecer a qualquer tempo a falta de uma das condições da ação, contudo, deve fazê-lo sempre à luz dos fatos narrados pelo autor na inicial, sendo-lhe recomendado realizá-lo o quanto antes, preferencialmente já em seu primeiro contato com a inicial.
14 – Quando a relação processual se desenvolve e o juiz detecta ser o autor "carecedor de ação" não com base nos fatos por ele abstratamente alegado na inicial, mas sim com base nos fatos como realmente ocorreram e ficaram provados no decorrer da relação jurídica processual, não há que se falar em utilizar um instrumento processual para se evitar o desenvolvimento de um processo absolutamente desnecessário e inútil, pois o processo já se desenvolveu, foi útil e apto a pacificar plenamente, compondo a lide, concedendo ao réu a tutela jurisdicional efetiva: deve o juiz julgar o pedido do autor improcedente. Entender o contrário é negar o caráter instrumental do processo, é valorizar o instrumento pelo instrumento, e não pelo seu fim que é justamente o de compor a lide, pacificando as relações humanas e impondo a fiel observância do direito material.
15 – Quando o juiz devidamente reconhece previamente a falta de uma das condições da ação, extinguindo o processo antes mesmo de determinar a citação do réu, todos são beneficiados com esse reconhecimento de antemão, inclusive o próprio autor, que não será condenado em suportar os honorários sucumbenciais do advogado do réu.
16 – Antes mesmo da reforma idealizada pela lei n.º 10.352/2001, que acrescentou o § 3.º ao artigo 515 do CPC, já era permitido ao tribunal julgar o direito material (mérito) quando o juiz singular extinguiu o processo sem julgamento do mérito (processo), por força do efeito devolutivo do recurso em sua profundidade. A tão comentada expressão "supressão de instância" decorria diretamente de uma visão distorcida do binômio direito material e direito processual.
17 – Todas as formas processuais são criadas pelo legislador visando aprimorar a eficácia metodológica e científica do processo e, primordialmente, garantir a efetiva participação dos atores na defesa dos direito na situação de conflito. As nulidades, por defeito de forma, como exceção que realmente são, só devem ser reconhecidas quando evidenciado que a defesa da parte sofreu concreta e irreparável lesão.
18 – No julgamento realizado nos tribunais, cabe ao presidente proceder a colheita e o computo dos votos de forma individual e separadamente, primeiro à luz do direito processual, e, caso o recurso seja conhecido, colher e computar novamente o voto de todos os membros à luz do direito material, sendo-lhe vedado o computo heterogêneo de votos.
19 – Em tendo sido suscitado no Tribunal, por um dos seus membros ou pelas partes, mais de um motivo processual para o não conhecimento do recurso, v.g., intempestividade e deserção, também se deve colher e computar os respectivos votos processuais separadamente.
20 – No julgamento dos embargos de declaração o Tribunal também deve observar a dupla análise do recurso, primeiro à luz do direito processual e, posteriormente, à luz do direito material, observando precisamente a terminologia jurídica correta. Na analise desses à luz do direito processual, o tribunal deverá se limitar a verificar a coexistência dos requisitos de admissibilidade pertinentes à espécie, Caso o tribunal, pelo voto da maioria dos julgadores que participarem do julgamento, se convença da presença de todos os requisitos de admissibilidade, o recurso deverá ser conhecido. Uma vez conhecido os embargos, o tribunal deverá julgar o mérito, isto é, verificar se a contradição, omissão ou obscuridade alegada pelo embargante realmente ocorreu e, caso positivo, deverá dar provimento ao recurso sanando o vício alegado, repudiando a impropriedade terminológica consubstanciada no acolheu ou rejeitou.
21 – Na análise processual (à luz do direito processual) dos recursos extraordinários lato sensu não cabe ao tribunal a quo ou aos tribunais de superposição a análise da existência ou não da afirmada contrariedade à Constituição Federal ou à Legislação Federal, o que apenas compete aos tribunais de superposição (nunca ao tribunal recorrido) e num segundo e distinto momento, quando da análise do mérito (à luz do direito material).
22 – Ao verificar que inexiste a alegada contrariedade à Constituição Federal ou à Legislação Federal, o tribunal de superposição deverá, necessariamente, negar provimento ao recurso, sob pena de cometer grave deficiência à correta prestação da tutela jurisdicional (caso não conheça do recurso) advinda justamente do desconhecimento do binômio direito material e direito processual.
23 – Por ser incompatível com a ordem constitucional vigente, mormente com a correta interpretação do texto constitucional conjugada com o entendimento correto da coexistência de dois planos distintos do direito (direito material e direito processual) a Súmula de Jurisprudência número 400 do STF seguramente não mais se aplica.
24 – No julgamento dos recursos extraordinários lato sensu, ao tribunal recorrido cabe apenas e tão somente a análise realizada no plano do direito processual, verificando fielmente e tão somente a presença de todos os requisitos de admissibilidade da espécie. Ao tribunal recorrente, por sua vez, caberá a cognição plena e exauriente do recurso à luz de ambos os planos, cada qual no seu momento específico.
25 – É preciso repensar o Judiciário. E, no desempenho dessa tarefa, é imperativo que se considerem não apenas os operadores do sistema judiciário, mas, sobretudo, os consumidores da Justiça. Não se pode deslembrar que, em um Estado Democrático de Direito, a atuação precípua do Estado, mediante os seus órgãos, há de visar sempre à afirmação da cidadania. De nada adianta conferirem-se direitos aos cidadãos (direito material), se não lhes são dados meios eficazes para a concretização desses direitos (direito processual).
26 – Clama-se, ainda, por operadores conscientes de seu nobre mister: de nada adiante mudanças no sistema processual se não houver profundas mutações na consciência dos operadores desse sistema.
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