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Weber no mundo real/virtual:

o direito à liberdade sem censura

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Agenda 30/12/2006 às 00:00

Weber: a Razão Técnica e o Desencantamento do Mundo

O desenvolvimento racional e seu aprimoramento técnico é parte ativa e móvel do chamado "desencantamento do mundo" (Weber, 1979). Da pedra polida à grande indústria e daí à cibernética e à Inteligência Artificial (IA), o que temos experimentado é uma continuação (em bases renovadas) de um fluxo humano cognitivo e instrumental: o crescimento exponencial da razão.

Trata-se da "razão instrumental" que se dirige à dominação da natureza, do meio social e dos homens (pela ação política), mas também de uma razão explicativa do natural, do social e do humano: do conhecimento que se eleva ao entendimento. Disso também advém o conhecimento que pode se opor à religião, no que Weber denomina de "esfera intelectual":

Devemos notar, porém, que a tensão, autoconsciente, da religião é a maior, e mais fundamentada em princípios, quando a religião enfrenta a esfera do conhecimento intelectual [...] A religião, portanto, considera a pesquisa exclusivamente empírica, inclusive a da Ciência Natural, como mais conciliável com os interesses religiosos do que a filosofia [...] A tensão entre a religião e o conhecimento intelectual destaca-se com clareza sempre que o conhecimento racional, empírico, funcionou coerentemente através do desencantamento do mundo e sua transformação num mecanismo causal (Weber, 1979, pp. 400-401).

Está aí destacada a tensão intelectual.É óbvio que Weber se refere à intelectualização crescente, inclusive quanto à organização, disposição e apresentação dos argumentos religiosos. Pois a religião também faria uso da lógica formal como instrumental explicativo coerente de seus argumentos (o que aumentaria o poder explicativo e de convencimento):

Quanto mais a religião se tornou livresca e doutrinária, tanto mais literária tornou-se e mais eficiente foi no estímulo ao pensamento leigo racional, livre do controle sacerdotal. Dos pensadores leigos, porém, saíram os profetas, que eram hostis aos sacerdotes; bem como os místicos, que buscavam a salvação independentemente deles e dos sectários; e, finalmente, os céticos e filósofos, que eram hostis à fé [...] Não há, absolutamente, nenhuma religião "coerente", funcionando como uma força vital que não é compelida, em algum ponto, a exigir o credo non quod, sed quia absurdum — o "sacrifício do intelecto" [...] A religião redentora defende-se do ataque do intelecto auto-suficiente (Weber, 1979, pp. 402-403).

Da racionalização que permeou a religiosidade também emergiram os céticos e isso trouxe uma racionalização ainda maior (com a crítica). Este processo se fortaleceu porque cresceu o sentido de desvalorização do mundo e com isso um outro desencantamento. A ciência, então, pode advir dessa base racional em que se assentava a "esfera intelectual do desencantamento do mundo". A racionalização e a intelectualização criaram a estabilidade cognitiva necessária à expansão da ciência, e ainda que a interrogação científica venha a produzir exatamente o contrário, pois a dúvida leva ao móvel [33]:

A ciência criou esse cosmo da causalidade natural e pareceu incapaz de responder, com certeza, à questão de suas pressuposições últimas. Não obstante, ela, em nome da "integridade intelectual", arrogou-se a representação da única forma possível de uma visão racional do mundo. O intelecto, como todos os valores culturais, criou uma aristocracia baseada na posse da cultura racional e independente de todas as qualidades éticas pessoais do homem [34]. A aristocracia do intelecto é, portanto, uma aristocracia não-fraternal (Weber, 1979, p. 406).

O homem de ciência tem uma relação com o saber e com a cultura, do mesmo tipo que o homem de poder (especialmente de quem vive "da política") tem pela política: ansiedade, insaciedade, incompletude. O homem comum, inversamente, pode estar saciado, cansado da vida, sem mais motivação ou objetivo para ir em frente; mas o homem da ciência não, pois para ele a compreensão dos significados não se esgota nunca.

Disso resulta a perspectiva de que a compreensão racional do mundo não tem fim, porque a racionalidade deu o passo inicial, sem volta, dessa eterna necessidade, curiosidade que nos conduz para novas bases de conhecimento e de entendimento. Esse desencantamento científico e cultural do mundo ainda trouxe um fardo a ser transportado para o mundo da cultura: "não há como estar saciado", porque em termos culturais é preciso sempre mais.

Mas o homem "culto", que luta para se aperfeiçoar, no sentido de adquirir ou criar "valores culturais", não pode fazer isso. Pode "cansar-se da vida", mas não pode "saciar-se da vida", no sentido de completar um ciclo. A possibilidade de aperfeiçoamento do homem de cultura progride indefinidamente, tal como ocorre com os valores culturais (Weber, 1979, p. 407).

O desenvolvimento técnico e político é fruto disso, dessa marca de largada em que deixamos para trás a saciedade da vida, quando optamos em definitivo pelo móvel da dúvida metódica, ao invés do repouso e da tranqüilidade. O homem da ciência pode cansar-se da vida, até se suicidar, mas não pode saciar-se das explicações racionais, se ele tem, é certo, uma perspectiva cultural:

A "cultura" do indivíduo certamente não consiste na quantidade dos valores culturais que ele reúne, mas numa seleção desses valores [...] Vista dessa forma, a "cultura" surge como a emancipação do homem em relação ao ciclo da vida natural, organicamente prescrito [...] A cultura torna-se cada vez mais um centro absurdo de imperfeição, de inJustiça, de sofrimento, de pecado, futilidade, pois é necessariamente sobrecarregada de culpa, e seu desdobramento e diferenciação tornam-se assim, necessariamente, ainda mais insensatos (Weber, 1979, pp. 407-408).

O processo contínuo, inesgotável de construção do conhecimento, portanto, logo revelaria o outro lado da insatisfação, pois não há glória em ciência, só superação, substituição. Assim, a cultura é emancipação que traz desencanto, certo desvalor e não só desencantamento religioso — e esta mesma condição da racionalização estaria tanto na cultura, quanto na religião:

E não só o pensamento teórico, desencantando o mundo, levava a essa situação, mas também a própria tentativa da ética religiosa de racionalizar prática e eticamente o mundo [...] E em meio de uma cultura que é racionalmente organizada para uma vida vocacional de trabalho cotidiano, dificilmente haverá lugar para o cultivo da fraternidade acósmica, a menos que seja entre camadas economicamente despreocupadas. Sob as condições técnicas e sociais da cultura racional, uma imitação da vida de Buda, Jesus ou São Francisco parece condenada por motivos exclusivamente externos (Weber, 1979, p. 408).

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A racionalização religiosa acirrou esta contradição: desencanto e não só desencantamento. Isto acabou com qualquer possibilidade de uma vida contemplativa. Do neolítico para cá, depois que houve o primeiro aprimoramento político significativo (Lévi-Strauss, 1989), passamos a ver o encontro do vetor técnico com determinados projetos de poder. Mas, a ação social (intencionalidade quanto a meios e/ou fins) sempre foi o diferencial humano. Este gênio criador, movido certamente pela curiosidade, mas igualmente pela necessidade, foi desde sempre um vetor fundamental na fabricação e no aprimoramento do uso técnico. Sem o interesse vivo do homem não há política e nem há técnica, bem como nem há como pensar a racionalização sem a ação social (intervenção humana). A verdade é que a instrumentalização não escolhe uma cor política para seguir.

É verdade que a necessidade (de sobreviver, de aumentar o excedente) sempre impulsionou o desenvolvimento tecnológico (e suas formas sócio-políticas adequadas), mas não se pode desconsiderar o alcance da ação social neste conjunto de determinações. Assim, tanto pesam as determinações sócio-econômicas quanto as variáveis intersubjetivas da ação social: com Weber chegamos à Internet, mas com Stalin não. E este foi o curso que se abriu desse encontro entre a modernidade tardia e a pós-modernidade.


Virtualidades da Modernidade Tardia e Pós-Modernidade

Mas o pós-moderno estaria limitado ao consumismo neoliberal? Parece que a resposta é mais complexa do que um simples sim ou não:

O pós-moderno sem dúvida traz ambigüidades — aliás é feito delas e deve ser criticado e superado. É isso que ele propõe: a prudência como método, a ironia como crítica, o fragmento como base e o descontínuo como limite [...] O anseio de uma Justiça que possa ser sensível ao pequeno, ao incompleto, ao múltiplo, à condição de irredutível diferença que marca a materialidade de cada elemento da natureza, de cada ser humano, de cada comunidade, de cada circunstância, ao contrário dos que nos ensinam a metafísica e o positivismo oficiais [...] Creio que já seria uma vantagem e um alívio que o pós-moderno se apresente como um castelo de areia e não mais como uma nova Bastilha, um novo Reichstag, um novo Kremlin, um novo Capitólio. Apenas um castelo de areia, frágil, incosistente, provisório, tal como todo ser humano. Um enigma que não merece a violência de ser decifrado (Sevcenko, 1987, pp. 54-55).

O projeto arquitetônico da pós-modernidade, ao expor a estrutura, o interior, as amarrações, o liame do "eixo central" de sustentação, revelando aos observadores as armações em aço e o conteúdo mais simples e operacional [35], como é o caso do elevador panorâmico, na verdade, promoveu uma revolução em termos de leitura do real — não era, portanto, um mero efeito de embelezamento. Ao revelar a estrutura de suporte das construções, o projeto pós-moderno dizia ao leitor do real que a essência (assim como a estrutura) pode e deve ser vista, revista, revirada. É interessante notar como forma e conteúdo deveriam vir associados a partir de então, bem como outrora, na modernidade clássica (de Marx e Weber, por exemplo) apareciam em destaque os primos gêmeos da essência e da aparência.

Na configuração atual da sociedade moderna, entretanto, a sociedade de controle impõe ao cidadão cada vez mais o toque de recolher [36] que o obriga a ver-se cada vez mais longe de sua liberdade. Certamente, não como criação de agora, tão recente assim (no fundo é mais uma das muitas criações do liberalismo burguês), mas o Estado de Exceção [37] tem sido constantemente agilizado (contra a liberdade) como arma para se opor aos crescentes atos de rebeldia e/ou ao terrorismo (sem que ninguém fale de terrorismo de Estado). De outro modo, a guerrilha virtual leva um número crescente de países livres a adotarem formas de controle do mundo virtual [38], isto é, na sociedade de controle, mudam-se as formas de ação, mas o controle sobre o mundo real/virtual é muito intenso [39].

O que ainda nos permite concluir que as características centrais da pós-modernidade — a prudência como método, a ironia como crítica, o fragmento como base e o descontínuo como limite — têm sido cada vez mais compelidas para fora da realidade observável. Portanto, o entrono desta modernidade tardia e/ou pós-modernidade está muito recrudescido, empedernido, emparedado, embrutecido: é incrível, mas talvez a pós-modernidade esteja mais sob ameaça do que a própria segurança e regularidade (ordem e progresso) do mundo moderno e de suas utopias. Também é certo, portanto, que tanto o Estado de Exceção quanto os controles virtuais da sociedade de controle devam ser melhor tratados, aprofundados, exatamente como veremos nos capítulos concludentes.

Por essas razões, pretendemos entender como o entorno desse quadro sócio-metabólico desafia os antigos paradigmas da Sociedade Capitalista e as tradições da modernidade [40], além da própria pós-modernidade — em parte, ao menos inicialmente, essa série de desafios se iniciou com a própria pós-modernidade, mas agora também há a somatória de um outro perfil, agora da sociedade de controle, de seus entraves, "entranhamentos" e estranhamentos.

Outro ponto curioso nesta relação entre a irracionalidade moderna (as contradições inerentes ao capitalismo) e a irracionalidade descontínua da pós-modernidade (como vimos, o castelo de areia da pós-modernidade) advém da própria compreensão que Weber realizava da racionalidade moderna (a previsibilidade de fatores previsíveis da vida social):

A conduta humana, afirmava Weber, era tão previsível quanto os eventos do mundo natural: "A previsibilidade’ (Berenchnenbarkeit) dos ‘processos da natureza’, tal qual na esfera das previsões metereológicas, é muito menos acertada do que o cálculo das ações de alguém conhecido por nós". Essa "irracionalidade" (no sentido de que a "vontade livre" = "incalculabilidade") não era de forma alguma um componente específico da conduta humana: pelo contrário, essa irracionalidade, concluiu Weber, era "anormal", na medida em que se constituía em propriedade do comportamento daqueles indivíduos que eram designados como "insanos". Era, portanto, uma falácia supor que as ações humanas não pudessem ser tratadas por generalizações; na verdade, a vida social dependia de regularidades na conduta humana, de tal forma que um indivíduo pudesse calcular as respostas prováveis de outro em relação à sua própria ação [...] isso não implicava que as ações humanas pudessem ser tratadas [...] como fenômenos objetivos [...] A ação teria um conteúdo "subjetivo" não compartilhado pelo mundo da natureza, e a apreensão do sentido das ações de um ator era essencial para a explicação das regularidades discerníveis na conduta humana (Giddens, 1998, pp. 52-53).

A irracionalidade e o descontínuo que sentimos hoje, de modo tão agudo e que nos deixa perplexos, é equivalente à profecia de Marx no Manifesto, de que tudo que é sólido desmancha no ar, mas com tal grandeza e profundidade que, às vezes, sentimo-nos aniquilados em meio à pura barbárie. Ou como diria Weber, notadamente em A Política como Vocação, a descrença só não abate aqueles que perduram no caminho clássico de sua própria vocação:

Somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer "Apesar de tudo!" tem a vocação para a política (Weber, 1979, p. 153).

Neste sentido, esta angústia que sentimos, por estarmos em meio à indefinição do moderno e do pós-moderno — entre a certeza e o indesejável, entre a leveza e a sofreguidão, entre o cristal e a fumaça, entre o robusto e o que se desmancha no ar —, é que dizemos que só sobreviverão os que têm vocação (não como predestinados), mas como persistentes, esforçados, radicais, renitentes até: clássicos, portanto. Estes terão vocação para a vida social.

Porém, é em meio a esta profusão de dados, de sentimentos, de sensações, de emoções, de estranhamento sócio-ambiental, que ainda se movimenta o homem social de hoje, um homem social e muitas vezes não-político, no sentido da ágora dos gregos antigos. O Homem-político de hoje perdeu seu ethos e seu utopos (seu lugar), em virtude de ter-se ampliado para além dos burgos, das cidades de sua origem, do seu enraizamento natural:

Há um termo logicamente associado a um público urbano diverso: "cosmopolita". De acordo com o emprego francês registrado em 1738, cosmopolita é um homem que se movimenta despreocupadamente em meio à diversidade, que está à vontade em situações sem nenhum vínculo nem paralelo com aquilo que lhe é familiar [...] Por causa dos novos hábitos de se estar em público, o cosmopolita tornou-se o homem público perfeito (Sennett, 1988, pp. 31-32).

Aliás, este sentido de homem cosmopolita atual, em oposição ao homem que trabalhava para construir o mundo social ou, então, anteposto ao homem político (da urbanidade, da civilidade antiga) é outro fator curioso, emblemático desta fase em que nos encontramos, entre o moderno e o pós-moderno. De certo modo, esse fluxo também expressa a incontinência entre o social e o político, entre as contradições sociais agudas (Marx) e a desejada "previsibilidade político-administrativa" (Weber). Entretanto, há o desafio certo de reverter o processo que transformou o Outro no Mesmo, nesta mesmice atroz e que vilipendia a própria individualidade, como quer Baudrillard (1990). Lá onde existia o Outro, adveio o mesmo.. . e por isso ainda é tão importante retornar aos clássicos para falar do mundo do trabalho, do mundo social e não apenas do homem-político.

Em meio às críticas da moda, enfim, é preciso retomar exaustivamente os clássicos e não subestimar suas categorias. Assim, ainda diríamos que o homem é o resultado de suas circunstâncias modificadas pela ação social e pelo trabalho.

Entendida a Ação Social (a realidade objetiva que se expressa na subjetividade) no conjunto definido por Weber (1992), como: Ação tradicional: processa-se de acordo com as tradições seculares, usos e costumes sagrados. Ação carismática: inova e não só observa tradições. Funda-se na crença do autor ser dotado de poderes sobre-humanos e sobrenaturais que agem, livremente, sem se reduzir às normas estabelecidas ou tradicionais, mas sim por novas formas, normas e tradições.Ação afetiva: orientada pelas emoções e sentimentos (sentimentalidade). Ação social racional: é causal ou logicamente compatível com os fins propostos. Ação Política: A finalidade ideal da ação política é a instituição ou a perpetuação do poder. A ação política exerce três tipos de dominação: - Dominação carismática: legitimada pela fé e pelas qualidades sobrenaturais do chefe. Dominação tradicional: legitimada pela crença na tradição. Dominação legal: legitimada pelas leis a partir dos costumes, tornando-se possível pela burocracia e pelo direito: organização racional e legal das funções.

Afinal, o trabalho modifica o "mundo natural", o ambiente, o entorno humano, e este movimento e/ou fluxo contínuo transforma o homem (a sua subjetividade, individualidade), e, assim, em convívio com os demais, "o homem que trabalha" passa a constituir o mundo social, como se a natureza, enfim, fosse a partir de então "o mundo natural modificado pela ação humana": a sociedade, portanto, é moldada pelo trabalho que está na base da sua teleologia [41] (um projeto que tem claras intenções) e que orienta a práxis humana (a ação humana em meio à profusão de relações sociais [42]).

Por isso, o homem é indubitavelmente um animal social, na sua gênese e formação, e ainda que seja político na verificação dos resultados seguintes. Enfim, o homem conhecerá as relações de poder — disputará o "mundo natural" em prol de sua subsistência — e isto se dará muito antes de se tornar um "animal político", a partir da Polis grega. O mito de Prometeu (o Patrono do Trabalho) foi entendido pelos gregos como anterior ao mito da política. O Homo sociologicus, do trabalho e da sociabilidade imposta pela sobrevivência (2,5 milhões de anos atrás [43]), foi constituído muito antes do Homo politicus (a partir da ágora grega: há não mais do que cinco mil anos [44]).

Neste sentido é que nos serve a observação de que a própria política (ou o poder) antecede ou até se configura independente dos aparelhos de Estado.

As concepções "substantivas" pressupõem diferenciação institucional concreta dessas várias ordens. Quer dizer, sustenta-se, por exemplo, que a "política" só existe em sociedades que possuem formas distintas de aparelho de Estado, e assim por diante. Mas o trabalho de antropólogos demonstra de modo bastante efetivo que existem fenômenos "políticos" — relacionados com a ordenação das relações de autoridade — em todas as sociedades (Giddens, 1989, p. 27).

A Antropologia Política, portanto, faz uma crítica substantiva e estrutural ao classicismo, a exemplo da máxima de que a política nasceu na Grécia antiga.

Mais do que nunca é preciso re-valorizar a perspectiva sociológica da própria vida social — é preciso insistir na sociologia da vida social, pois é aí que estão nossas chances de revigorar toda forma de sociabilidade. Como vimos, hoje vivemos numa verdadeira janela do tempo, presos ao presente, mas procurando olhar para o mais longínquo (ou simplesmente para ali) a partir das mudanças e das transformações de toda sorte que surgem do olho do furacão; hoje procuramos abrir esta janela do tempo para ver se, em meio à crise, conseguimos visualizar algum lampejo do presente-futuro: não apenas como telespectadores passivos das novelas do presente, mas como atores. Por isso, abrir a janela do tempo, como nosso maior desafio, no presente, ainda exigirá de nós que coloquemos a cabeça para fora, na tentativa de vermos ao menos um palmo à frente do nariz.

Agora, haverá alguma certeza disso? De todo esse projeto de humanização (hominização) o que, de fato, ainda está em vigor? O que ainda oferece conteúdo de esperança para o futuro transformado?

Desse modo, pensando em confrontar, mas sem agredir, passado e presente, é que o trabalho foi disposto a fim de que pudéssemos indagarsubsidiariamente:

- O que trouxe racionalidade para a vida moderna, a própria "racionalidade" (institucionalização da violência e da política), o direito de regulação dos conflitos em torno da conquista e da sucessão da propriedade privada (desde o Código Civil Napoleônico)?

-Em que sentido terá contribuído a evolução do mesmo Estado Moderno que, gradativamente, passou a reconhecer o pluralismo jurídico (dado o pluralismo social e político), despertando-se do monismo jurídico hobbesiano?

-Esta mudança coincidiria com a transformação histórica do binômio direitos/deveres para a articulação direito/liberdades/garantias?

Na sua forma política, podemos dizer que se trata da democracia em forma de rizoma, que se expandiu horizontalmente mas que ainda necessita de muito crescimento longitudinal e de profundidade. De uma democracia que se já tem boa dimensão e visibilidade, mas que necessita de crescimento vertical, de fixação e de aprofundamento.

Em vez de pensar a democracia como uma flor frágil, que se pode facilmente pisar, talvez devamos vê-la como uma planta robusta, capaz de medrar até no terreno mais estéril [...] Nada acontece sem luta. Mas a promoção da democracia em todos os níveis é uma luta que vale a pena empreender e ela pode ser vitoriosa. Nosso mundo em descontrole não precisa de menos, mas de mais governo — e este só instituições democráticas podem prover (Giddens, 2000, p. 91).

A democracia já se fez como rizoma, agora deve se aprofundar como pilão, raiz profunda, que lhe dê sustentação e visão de dentro. Este pilão de socar valores públicos, para além do valor de uso e dos direitos individuais cercados pela propriedade privada. Com isso, poderíamos projetar e pensar em formas ou em códigos de conhecimento aberto, em que mais vale o entendimento. Para a construção coletiva dessa nova totalidade (que abarque em conjunto o mundo real/virtual) é preciso, portanto, que ocorra um profundo "desencantamento do totalitarismo". Também podemos/devemos discutir a oportunidade e alguns mecanismos que sirvam à democracia virtual, da crítica à prática, da resenha e análise política à prestação de serviços públicos, como no caso do site Directorio del Estado: El Portal del Gobierno Electrónico [45].

Estes são alguns dos fatores que poderiam nos levar a indagar sobre a oportunidade ou legitimidade de se falar em termos de uma epistemologia ou ecologia do mundo real/virtual, principalmente a partir da grande rede de comunicação virtual.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Weber no mundo real/virtual:: o direito à liberdade sem censura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1277, 30 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9337. Acesso em: 19 nov. 2024.

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