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O marco legal das startups e a figura do investidor anjo

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O legislador conseguiu introduzir possíveis soluções para problemas que há muito vinham desestimulando o investimento em startups no Brasil.

Resumo: Os investidores anjo são figuras de extrema importância para o fomento das startups que, por sua vez, têm um papel central e estratégico na nova economia mundial, por trazer grande inovação na tecnologia e em seu modelo de negócios. Entretanto, embora o investimento anjo seja indispensável para promover o crescimento significativo do setor, tem-se que o sistema jurídico brasileiro apresenta diversos entraves que desestimulam essa forma de investimento. Este trabalho, portanto, tem como objetivo avaliar se o novo marco legal das startups incentiva de forma satisfatória o investimento anjo, bem como analisar as mudanças promovidas no ordenamento jurídico nacional.

Palavras-chave: startups, novo marco legal, investidor anjo, inovação

Sumário: 1) Introdução; 2) Startups; 2.1) Desenvolvimento das startups e seus desafios; 3) Investimento Anjo; 3.1) Contrato de participação; 3.2) Contrato de sociedade em conta de participação; 3.3) Contrato de Mútuo Conversível em Ações; 3.4) Contrato de Aquisição da Opção de Compra de Participação societária; 4) Novo Marco Legal das Startups e o Incentivo Legal ao Investimento Anjo; 4.1) Ambiente regulatório; 4.2) Segurança jurídica e incidente de desconsideração da personalidade jurídica; 4.3) Liberdade contratual e liquidez dos investimentos; 4.4) Tributação; 5) Conclusão; 6) Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O mundo inteiro está passando, atualmente, pela 4ª Revolução Industrial, também chamada de revolução digital, que teve início, aproximadamente, na passagem do milênio (SCHWAB, 2017).

O seu advento provocou mudanças profundas, de modo que os avanços agora acontecem simultaneamente e de forma extremamente acelerada em todas as áreas de conhecimento, promovendo uma integração jamais vista entre elas (COMEÇOU, 2017).

Trouxe, principalmente, a possibilidade de modelos de negócio inovadores, que permitem um substancial aumento de ganhos e retornos, demandando, contudo, muito menos capital investido para tornar tais negócios uma realidade.

É justamente neste contexto, que clama por mudanças, que nasceram as startups, novas organizações de natureza empresarial caracterizadas por inovar não apenas nos produtos e serviços que oferecem, mas também em seu modelo de negócio.

No entanto, embora as startups sejam indispensáveis para a inserção brasileira nesse novo cenário econômico trazido pela 4ª Revolução Industrial, é perceptível que ainda enfrentam verdadeiros entraves, tanto no âmbito econômico-cultural quanto no meio jurídico, que muitas vezes inviabilizam o crescimento do setor.

Entre os fatores mais importantes para a mitigação de tais dificuldades, que serão abordadas mais a fundo no curso deste trabalho, está o investimento mais expressivo no setor, que pode ocorrer de diversas maneiras, sendo o investimento anjo uma delas.

Os investidores anjo têm um papel fundamental no fomento das startups, uma vez que oferecem não apenas o investimento financeiro, mas também atuam como verdadeiros mentores, eis que são, em geral, eles próprios, empreendedores mais experientes e bem-sucedidos.

Ocorre que, assim como as próprias startups, o investimento anjo também sofre com diversos desestímulos no cenário jurídico nacional, que muitas vezes inibem seu desenvolvimento na escala necessária para a obtenção de resultados favoráveis mais significativos.

Embora a Lei Complementar nº 155, de 2016, que primeiro regulamentou o investimento anjo, tenha trazido importantes avanços, estes foram insuficientes para estimular tal modalidade de investimento no Brasil, uma vez que ainda é possível observar grande insatisfação por parte dos investidores, especialmente quanto aos riscos oriundos da desconsideração da personalidade jurídica, da alta tributação dos rendimentos e da insegurança jurídica decorrente da ausência de uma jurisprudência sólida sobre o tema, entre outros.

Visando a minimização destas dificuldades e ciente da importância em se fomentar o empreendedorismo inovador no Brasil, foi idealizado pelo Congresso Nacional o novo marco legal das startups, que se concretizou pela fusão do PL 146/2019 com PL 249/2020, apensados por tratarem da mesma matéria, culminando na edição da LC 182/21.

Referido marco legal das startups visou trazer medidas de estímulo à criação dessa nova modalidade empresarial e estabelecer incentivos aos investimentos por meio do aprimoramento do ambiente de negócios no País.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a situação atual das startups e sua relação com o investimento anjo no Brasil, destrinchando as principais alterações trazidas pelo novo marco legal, para investigar se a nova legislação de fato trouxe incentivos suficientes para a criação de novas startups no país, sob o enfoque do investimento anjo.

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2. STARTUPS

As startups são definidas pelo art. 4º da LC 182/21, que assim dispõe:

Art. 4º São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

Em síntese, são pequenos empreendimentos que surgem em virtude de uma ideia inovadora, capaz de fazer sucesso e crescer rapidamente, mediante um investimento inicial baixo, porém bastante arriscado, em meio a um cenário repleto de incertezas.

Elas se encontram em posição central e estratégica em relação às transformações trazidas pela chamada nova economia, baseada na tecnologia da informação e na hiperconectividade, frequentemente atuando em um cenário de insegurança e risco.

Seu surgimento se deu na década de 1990, nos Estados Unidos, à época da chamada “bolha da internet”, que acompanhou o nascimento de empresas como Google, Yahoo e Amazon. No Brasil, entretanto, esse modelo empresarial só começou a difundir-se por volta da virada do milênio, ganhando maior força a partir de 2010 (BONFIM, et al. 2018, p. 1).

Entretanto, por mais que representem um modelo de negócio com imenso potencial, capaz de seduzir muitos novos empreendedores, também carregam em seu bojo uma série de desafios. Para superá-los é necessária toda uma gama de habilidades e recursos, que esses novos empreendedores, em regra, não possuem.

Para além disso, deve-se lembrar ainda dos desafios intrínsecos ao cenário brasileiro, notadamente o jurídico. Isso envolve aspectos que abrangem as mais diversas áreas do direito. São problemas envolvendo a falta de incentivos fiscais, a grande burocracia que assola a atividade empresarial, uma legislação trabalhista engessada e altamente burocrática, entre tantos outros.

Exatamente por isso era imperativa uma modernização da legislação pátria sobre o assunto, contexto este que deu origem ao presente trabalho, que analisa a recém-publicada Lei Complementar 182, de 1º de junho de 2021.

Entretanto, antes de abordar os desafios enfrentados pelas startups e suas possíveis soluções jurídicas é preciso realizar uma breve digressão acerca da forma como nascem as startups e como se desenvolvem, de forma a viabilizar maior compreensão acerca do tema.

2.1. Desenvolvimento das startups e seus desafios

Em um primeiro momento, as startups nascem de uma análise mercadológica, identificando-se uma necessidade do mercado. A partir da identificação da ideia, os seus fundadores aplicam, em regra, seu próprio capital, também chamado de capital semente.

Uma vez levantado o capital mínimo essencial, os empreendedores passam por uma fase de experimentação, em que testam a viabilidade técnica e econômica do projeto. É justamente nessa fase gestacional que se inicia a busca por investimentos externos, como por exemplo o investimento anjo.

Superada a fase inicial de captação de investimentos, o produto ou serviço idealizado é lançado no mercado. Neste momento, ou a ideia cresce para se tornar um sucesso, ou acaba morrendo (ALVES, 2013, p. 52).

Para que se tenha uma dimensão das dificuldades enfrentadas pelas startups brasileiras, é interessante observar a seguinte análise estatística efetuada pela Fundação Dom Cabral: pelo menos 25% das startups brasileiras não sobrevivem ao primeiro ano, e mais da metade não sobrevive mais do que 4 anos. Ao verificarmos a taxa de sobrevivência a longo prazo (mais de 13 anos), o número é ainda mais estarrecedor, pois observa-se que 75% das startups brasileiras deixam de existir (NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015, p. 28).

Embora tal taxa de insucesso seja também recorrente em nível internacional, faz-se imperativo diagnosticar, no cenário nacional, suas causas mais relevantes, não só para buscar resolvê-las, como também, e principalmente, para estimular o surgimento de um número bem maior de tentativas. Isso porque é natural neste modelo de negócio um elevado índice de frustração. Assim, com uma maior base de cálculo, o resultado positivo seria também consistente com o verificado nas principais praças do mundo, obtendo-se, em consequência, um aumento de investimentos no setor.

Dentre as causas de tamanha taxa de fracasso, há fatores importantes como a falta de habilidades e competências pessoais, inclusive em gestão de negócios, carência de técnicas comerciais e falta de networking, além de um ambiente regulatório e cultural pouco favorável ao empreendedorismo e das dificuldades naturais em obter capital (SPANIOL MENGUE, et al. 2019, p. 85,87).

Segundo Santos, Tonetti e Monteiro:

“(...) o principal gargalo jurídico para o fomento desse segmento do mercado encontra-se na ausência de um instrumento jurídico que confira, com solidez e possibilidade de multiplicação, ao investidor e ao investido a devida segurança jurídica e enseje menores impactos tributários (SANTOS et al. 2017, p. 19).”

Neste sentido, é relevante analisar as modalidades de investimento existentes no ordenamento jurídico pátrio atual e as dificuldades enfrentadas por cada uma delas, com principal destaque ao investimento anjo, enfoque do presente trabalho.


3. INVESTIMENTO ANJO

Conforme já explicado alhures, as startups contam, em seus estágios iniciais de desenvolvimento, com o investimento “semente”, que, em regra, tem sua origem no capital dos próprios fundadores, seus familiares e amigos (founders, family and friends), também chamados de os 3 F's (HERBST; AGUSTINHO, 2019, p. 249).

Esse investimento nada mais é do que um “pontapé” inicial, necessário para tirar a ideia do papel. A partir daí, uma vez avaliada a eventual viabilidade técnica e econômica do projeto, bem como seu potencial retorno financeiro, dá-se início à busca por outras fontes de capital, capazes de dar andamento ao projeto e expandi-lo, mesmo porque, na maioria dos casos, o capital semente é insuficiente para financiar o empreendimento.

Nesse sentido, existem variadas formas de investimento, dentre as quais destacam-se as seguintes: incubadoras, aceleradoras, venture capital, private equity, crowdfunding, e, é claro, o investimento anjo.

Investidor anjo é a pessoa, física ou jurídica, que faz aportes, com recursos próprios e/ou de terceiros, em empresas que se enquadram como startups. A principal peculiaridade desta modalidade de investimento se dá pelo fato de que o valor investido não integra o capital social da startup, de forma que o investidor não faz parte de seu quadro societário, ao menos em um momento inicial, não possuindo, também, direito de gerência ou voto em assembleia, não sendo, por outro lado, responsabilizado por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, a ele não se aplicando, também, as regras do art. 50 do Código Civil (BRASIL, 2021).

Este tipo de investimento conta com várias vantagens para os empreendedores, se comparado com as demais modalidades de investimento.

Isto porque, além dos recursos financeiros obtidos, o investimento anjo configura o que se denomina smart money. Ou seja, o investidor não apenas faz aportes de capital, mas também atua como verdadeiro mentor da sociedade, uma vez que tais investidores são, na maioria das vezes, empresários experientes e bem sucedidos, que contribuem também com know how, networking e muitas vezes, até mesmo com recintos próprios, espaços físicos ou virtuais aptos ao desenvolvimento de tais atividades (HERBST; AGUSTINHO, 2019, p. 243; SPANIOL MENGUE, et al. 2019, p. 90,92).

Neste ponto, o investimento anjo se diferencia de forma substancial de outras modalidades de investimento, que não contam com este viés de mentoria. É o que ocorre, por exemplo, com o venture capital, mais voltado para sociedades já em fase operacional, ainda que emergentes, com o private equity, que, em regra, tem como alvo as sociedades em fase mais avançada de investimento (SALAMA, 2018, p.14), ou mesmo com o crowd funding, que é caracterizado pela reunião de pequenos investimentos efetuados por uma verdadeira "multidão" de pessoas, com o objetivo de financiar determinada iniciativa ou empreendimento (COCATE; PERNISA JÚNIOR, 2012, p.1).

Não deve, ainda, ser confundido com as ditas incubadoras e aceleradoras de startups que, ao contrário, contam com o aspecto de mentoria, know how e facilitação do empreendimento, mas não realizam aportes de capital, e frequentemente estão vinculadas a instituições sem fins lucrativos ou a instituições de ensino (GITAHY, 2014, s.p.).

No investimento anjo existe ainda a vantagem do investidor, não sendo sócio, não possuir poder de voto ou decisão em reunião de sócios ou assembleia, o que, por si, afasta indesejável ingerência na gestão da startup, conferindo aos fundadores maior autonomia e independência para colocar em prática suas ideias inovadoras.

Urge ressaltar, ainda, que o investimento anjo pode ocorrer por meio de diversas formas contratuais, cada uma com suas peculiaridades e com seus prós e contras.

3.1 Contrato de participação

Tal modalidade contratual de investimento anjo foi instituída pela Lei Complementar 155/2015, consubstanciado pelo contrato de participação, conforme previsto no art. 61-A da LC 123/2006. Tal dispositivo o definiu como o contrato pelo qual o investidor anjo realiza aportes de capital em uma microempresa ou empresa de pequeno porte, com o fim de fomento à inovação e investimentos produtivos. Pela regra acima citada, referidos aportes não são integrados ao capital social da sociedade, e o investidor não será considerado sócio.

Nesta modalidade de contrato, a administração deverá ser exercida única e exclusivamente pelos sócios, sem a ingerência do investidor anjo, que não possui direito a voto em assembleia, mas poderá atuar como um mentor.

Em contrapartida por seus investimentos, o investidor anjo recebe remuneração periódica por seus aportes, que pode ser convertida em participação societária, caso assim seja acordado.

3.2 Contrato de sociedade em conta de participação

Esta modalidade de investimento está tipificada nos arts. 991 e seguintes do Código Civil e consiste em um contrato pelo qual o sócio participante aporta capital próprio no negócio, enquanto a empresa é exercida tão somente pelo chamado sócio ostensivo.

A sociedade em conta de participação é desprovida de personalidade jurídica, e não deve ser registrada na junta comercial, nos termos do art. 993 do CC/02. Entretanto, mesmo que este registro ocorra, não confere personalidade jurídica à empresa.

Em virtude disso, tem-se como consequência jurídica a ausência de titularidade obrigacional, processual ou responsabilidade patrimonial do sócio oculto, em regra, sendo que todos os bens destinados ao exercício da empresa são de única titularidade do sócio ostensivo, assumindo este todos os riscos da atividade (GALIZZI, apud JUDICE et al, 2015, p. 121).

3.3 Contrato de Mútuo Conversível em Ações

O contrato de mútuo conversível em ações é um contrato atípico, pelo qual o investidor empresta recursos financeiros à startup, constando do contrato que o mútuo poderá ser adimplido mediante a transferência de ações da sociedade ao investidor, em um evento futuro, que poderá ser tanto um termo, quanto uma condição a ser preenchida pela startup como, por exemplo, uma transformação societária, sendo livre a pactuação destes elementos acidentais pelas partes (JUDICE et al, 2015, p. 121,122).

Uma vez ocorrido o termo ou condição pactuada, o mútuo poderá ser convertido em ações ou ser pago em dinheiro, à escolha do investidor, sendo esta a grande vantagem deste tipo de contrato.

Ressalta-se que o investidor apenas passa a integrar o quadro societário da startup quando opta pr converter seu crédito em participação.

3.4. Contrato de Aquisição da Opção de Compra de Participação societária

O contrato de opção de compra de participação societária se dá por meio da aquisição pelo investidor do direito de opção de compra da participação societária em um momento futuro, que pode ser um termo ou condição (JUDICE et al, 2015, p.121,122).

Neste caso, quando ocorrido o termo ou condição pactuados no contrato, o investidor terá a escolha de, querendo, adquirir a participação societária, mediante pagamento de um valor pré-determinado no contrato, que frequentemente é simbólico, considerando que já houve um prévio investimento no momento de aquisição do direito.

Optando o investidor por não adquirir a participação societária, valor algum lhe será devido pela startup, justamente porque inexiste mútuo, sendo esta a principal diferença desta modalidade em comparação ao mútuo conversível. O mesmo ocorrerá quando a opção estiver subordinada a uma condição suspensiva que não se implementar, o que caracteriza um grande risco desta modalidade de investimento, que deve ser abordado de forma cuidadosa.

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NONNENMACHER, Bruna Isabela; CARVALHO, Elisa Andrade Antunes. O marco legal das startups e a figura do investidor anjo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6944, 6 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93526. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Una, sob orientação da professora Jéssica Maria Gonçalves da Silva.

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