RESUMO
Na mesma velocidade em que o desemprego cresce no Brasil, cresce também o número de entregadores de delivery, não é uma coincidência, a verdade é que para fugir do desemprego muitos brasileiros recorrem à entrega para não deixar nada faltar em casa, porém a relação aplicativo de delivery e entregador é extremamente problemática já que os aplicativos querem distância de qualquer vínculo com seus entregadores.
PALAVRAS-CHAVE: Aplicativos de delivery. Entregadores. Direito do Trabalho.
1. INTRODUÇÃO
Os aplicativos de Delivery se tornam uma realidade com o passar dos anos, com poucos cliques pode-se obter todos os tipos de comida a pronta entrega, ou, quem sabe, com um pouco mais de cliques, fazer a compra do mês sem sair de casa. Em poucos minutos a buzina avisa que o pedido chegou e o cliente vai retirar o pedido com o entregador, esse que em questões trabalhistas está em um limbo, já que ele não faz parte do restaurante e também não é considerado um empregado do aplicativo por conta da própria política do aplicativo. Essa forma de burlar as leis trabalhistas não são mérito dos aplicativos, até porque outros setores já utilizam meios de evitar a CLT, o problema é que com o número crescente de entregador acabaram se evidenciando o tamanho da exploração envolvida nesse esquema. E a pergunta que fica é: o que acontece se o entregador enquanto fazia uma entra para o restaurante sofre um acidente? Quem vai ampará-lo?
2. CONTEXTO
Durante o período de pandemia os números de novos usuários em aplicativos de delivery duplicou, como consequência o gasto com comida pronta cresceu 149% e o resultado é fácil de calcular, com o aumento dos pedidos houve o aumento das entregas e dos entregadores. Porém aumento de pedidos não significa aumento de salário para quem faz parte desse serviço, isso porque os aplicativos pagam por entrega e o entregador não sabe quanto o cliente pagou, ficando ciente apenas do quanto recebeu. Interessante ressaltar é, que de acordo Fordes, cerca de 30% do valor do pedido, com entrega inclusa, é arrecadada pelo aplicativo.
Dessa maneira tendo uma entrega de 6 km fixada a n reais, que varia dependo do aplicativo, é possível que ao contar todos os gastos o entregador conclua que mesmo se fizer 20 entregas por dia não seja tão lucrativo ao pensar nos riscos, mas é necessário para não ficar desempregado. Olhando a situação é nítido que as complicações como a alta da gasolina, a possibilidade de assalto, as condições climáticas que às vezes não estão favoráveis e as horas necessárias para se alcançar número n de entrega os empecilhos da profissão. E elas são agravadas ao pensar que caso algo ocorra é possível que esses profissionais não tenham direito ao auxílio-doença, já que não tem suas carteiras assinadas e nem mesmo são orientados sobre o assunto.
Em um país com o índice de desemprego batendo os 14,1% estar ganhando dinheiro mesmo sem ter seus direitos garantidos se tornou recorrente, até porque aceitar o trabalho de empregador é tão simples quantos ser um usuário dos aplicativos de delivery. É preciso apenas baixar o aplicativo, cadastra-se como entregador, enviar os documentos necessários e esperar a análise que aprova o seu pedido para começar a trabalhar. Sem a pressão de ser mais um desempregado nas ruas sujeita-se a passar 12 horas trabalhando para ao final do mês receber menos que um salário mínimo, entrando, assim, na ilusão de trabalho.
3. APROFUNDAMENTO
No meio dessa situação precária as leis trabalhistas foram jogadas de lado, visto que a maioria dos aplicativos são estruturados para fugir delas, assim assumindo o menor vínculo de trabalho possível com seus trabalhadores. Porém a pergunta que fica é: seria possível existir um aplicativo de delivery sem os entregadores? Com isso em mente a discussão começa a encontrar um ponto em comum, se a resposta afirma que seria impossível os aplicativos de delivery funcionarem sem seus entregadores é evidente que existe um vínculo empregatício, certo?
A situação no país coloca uma venda nos olhos, visto a necessidade de estar empregado ou de receber um salário para não acabar na miséria, todavia é concebível que essa relação que tanto tenta fugir da CLT está mergulhada nela por sua dependência visível sobre os entregadores. Esse pensamento é levantado nas jurisprudências dos diversos casos antecedentes, onde a justiça foi a favor do entregador, enxergando sim um vínculo empregatício. Por mais que os termos de serviços elaborados para afastar os aplicativos de suas responsabilidades como empregadoras sejam eficientes em não garantir o básico como seguro desemprego, INSS e outros direitos essas mesmos termos de serviços abrem margens para discussão nos tribunais trabalhistas e fora deles.
Visto que apesar dos esforços notáveis dos aplicativos de delivery “uberizar” as relações de trabalho, enfatizando a "inexistência de vínculo empregatício" esse esforço não determinam a relação jurídica já existente entre as partes. Pensando nas leis trabalhistas, é nítido que os artigos 2º e 3º da CLT esclarece bem essa relação:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
4. CONCLUSÃO
Não é de hoje que as relações de trabalho se tornaram complicadas, os direitos foram gradualmente jogados para o lado e essa relação de mão de obra mal remunerada e sem opção se tornou o novo normal para o Brasil. A pandemia acentuou as desigualdades tornando-as visíveis para quem quiser ver, porém mesmos com a verdade escancarada ainda exitem quem diga que o Brasil está bem. Com o desemprego batendo recorde, muitos brasileiros estão a procura de rendem e nesse período difícil muitos recorrem aos aplicativos de delivery que precisam de entregadores.
Contudo, como já foi destacado, os aplicativos de delivery não desejam vinculo com seus entregadores, sendo assim usam dos conhecimentos jurídicos para elaborar termos de usos que os afastem da responsabilidade trabalhista. Olhando ao redor esse cenário de desemprego esse esquema de inexistência de vínculo aumenta as relações de poderes, onde mesmo que o aplicativo diminua a taxa de entrega os entregadores não vão poderem revindicar condições melhores de trabalho. Em julho de 2020, quando houve a greve dos entregadores, essa verdade foi escancarada e alguns aplicativos tentaram disfarças a situação com o gorjetismo, levando a cliente a sentir-se culpado pela condição do entregador.
Infere-se, portanto, a necessidade de conciliar os interesses dos aplicativos e os direitos dos entregadores para que nenhum dos lados sejam fragilizados, assim evitando que as reações de poder interfiram na vida digna do lado mais frágil da relação. É preciso que os patrões vejam seus empregados como pessoa, agindo com eles como seus patrões agem, na grande maioria das vezes, para que os entregadores de delivery também possam exercer seus direitos.
5. REFERÊNCIA
DAU, Gabriel. O aumento dos gastos em aplicativos de Delivery com a pandemia. 2021. Disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/o-aumento-dos-gastos-em-aplicativos-de-delivery-com-a-pandemia/. Acesso em: 11 out. 2021.
VIEIRA, Bárbara Muniz. Entregadores se unem por melhores condições de trabalho nos aplicativos: 'Entrego comida com fome', diz ciclista. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/21/entregadores-se-unem-por-melhores-condicoes-de-trabalho-nos-aplicativos-entrego-comida-com-fome-diz-ciclista.ghtml. Acesso em: 11 out. 2020.
------. IV- É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 2020. Disponível em: https://saipos.com/ifood/taxa-ifood. Acesso em: 12 out. 2020.
ALVARENGA, Darlan; SILVEIRA, Daniel. Desemprego recua para 14,1% no 2º trimestre, mas ainda atinge 14,4 milhões, aponta IBGE. 2021. Disponível em: https://www.google.com/url?q=https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/08/31/desemprego-fica-em-141percent-no-2o-trimestre-diz-ibge.ghtml&sa=D&source=docs&ust=1634215201996000&usg=AOvVaw1B4B-QanSLk65ENjKZJFvU. Acesso em: 12 out. 2021.
SOCIAL, Comunicação. 11ª Câmara do TRT-15 reconhece vínculo de emprego entre motoboy e empresa de delivery por aplicativo. 2021. Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2021/11a-camara-do-trt-15-reconhece-vinculo-de-emprego-entre-motoboy-e-empresa-de-delivery. Acesso em: 13 nov. 2021.
ANDRADE, Leonardo. Justiça do Trabalho reconhece vínculo de emprego entre motoboy entregador e iFood. 2020. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/nj-justica-do-trabalho-reconhece-vinculo-de-emprego-entre-motoboy-entregador-e-ifood. Acesso em: 13 out. 2021.
DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 14 out. 2021.