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Weber e o desencantamento do Direito:

do Estado de exceção e do "direito à exclusão"

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Agenda 22/01/2007 às 00:00

4ª PARTE

Promessas ou saídas possíveis?

Soem como promessas, soem como saídas realmente possíveis, o que importa é não concluirmos esta discussão pelas alegações quer sejam do Terrorismo de Estado, quer sejam do Estado de Exceção.

Vimos como foi preciso superar a luta por autoconservação e ver sua transformação na luta intersubjetiva por reconhecimento, uma vez que é como se Maquiavel e Hobbes tivessem descrito a idade da pedra do Estado Moderno e, com a teoria do Estado de natureza, tivessem pintado de preto e branco o homem pré-histórico [32].

Já no âmbito da luta por reconhecimento, chegamos ao Iluminismo do século XVIII e a alguns herdeiros de segunda ordem, mas de igual grandeza: "...a filosofia social de Marx, de Sorel e de Sartre representa o exemplo mais significativo de uma corrente de pensamento que, contra Hobbes e Maquiavel, carregou teoricamente os conflitos sociais com as exigências do reconhecimento, mas sem nunca poder penetrar realmente sua infra-estrutura moral" (Honneth, 2003, p. 228).

Todavia, o fato é que temos de enfrentar aquele ponto de inflexão da modernidade, subsumindo a ratio em razão instrumental ou em desrazão. Como vimos, no lugar do raciocínio por hipóteses, impôs-se o uso/abusivo do método indutivo e, por isso, parte desta batalha também deve ser a afirmação do método dedutivo.

Ouvindo-se os sujeitos e não só perscrutando o objeto em sua validez, esta seria, indubitavelmente, uma maneira de reaviver as vítimas da razão: "As vítimas da razão instrumental submetem-se ao pensamento lógico, revivendo o ritual mítico do sacrifício, só que agora a vítima se inverte na apoteose do ‘escolhido’; na ciência moderna a natureza como um todo se converte em um conjunto de objetos disponíveis e manipuláveis pela vontade de saber que é vontade de poder" (Matos, 2006, p. 92).

O que levaria esse Outro, enquanto sujeito do conhecimento de si mesmo (da autocrítica à autonomia), a postar-se reflexivamente, criticamente contra a lógica e a manipulação mecânica da razão instrumental (Matos, 2006, p. 93).

Este novo sujeito do conhecimento integrado, global, formar-se-ia a partir do "sujeito homem-natureza"; superando-se o "homem-máquina" reificado pela razão instrumental: "A visão de Adorno é a da não separação sujeito-objeto, no sentido de o homem se relacionar com a natureza entendida, ela mesma, como ‘sujeito" (Matos, 2006, p. 97).

Isto equivaleria, na atual fase da modernidade tardia, a reverter o ponto de inflexão da modernidade precursora (da ratio à desrazão) e, assim, propor um novo e outro ponto de reflexão: "A crítica à razão das Luzes é o melhor serviço que a Razão pode prestar à razão que se alienou de toda significação espiritual em seus procedimentos e conquista da natureza" (Matos, 2006, p. 98).

Este reconciliar-se com a natureza é como perceber-se diante da fragilidade e da prudência da lebre — e mesmo que o homem só se reconheça mais facilmente pela primeira condição, é preciso urgentemente aplicar-se à segunda. Caso contrário, ainda iremos conviver por muito tempo com este estado de exceção latente, fabricando e sendo fabricados por inimigos — desrealizando o real e o Outro:

Já que existe um "estado de exceção em permanência" na contemporaneidade – as guerras tecnológicas desrealizantes – é por haver um "estado de exceção das almas" – em estado de guerra com "inimigos" a serem eliminados. O inimigo é sempre o Outro projetivo, o não-idêntico, o dessemelhante, o bode-expiatório do mal-estar da civilização (Matos, 2006, p. 99).

Deste modo, se passamos a pensar pela via das lutas intersubjetivas por reconhecimento, então, sempre é preciso superar o momento das negatividades (e ainda que se tenha de pontuá-las muitas vezes, visualizá-las em profundidade). Por isso, pensamos em indicar algumas tarefas necessárias, como utopias possíveis, como práxis social sustentada em verbos afirmativos:

Conseqüentemente, é preciso ter uma nova dimensão ou visualizar uma outra dimensão para nossa realidade — muitas vezes é preciso retornar ao passado, aos clássicos, para ali encontrar mais motivação, inspiração e "correição" dos atos que nos faltam. Por isso, é preciso:

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O tecnocrata não está interessado em compreender as coisas por si mesmas em função do entendimento em si mesmo, mas sim em função de ajustá-las {ao quadro do presente}, não importando o quanto este seja alheio à estrutura interior dessas coisas; isso se aplica tanto aos seres vivos quanto às coisas inanimadas [...] O seu comando decidido transformará os homens num conjunto de instrumentos sem objetivos próprios. As forças econômicas adquirem o caráter de poderes naturais cegos que o homem, a fim de poder preservar a si mesmo, deve dominar, ajustando-se a eles [34] (Matos, 2006, p. 36).

A "servidão voluntária" é índice e expressão de um medo. Mas não é medo da morte física, como queria Hobbes, pois, diz La Boétie, os homens se apressam a dar a vida por uma causa, um chefe, uma guerra. Se o medo não é da morte, qual é ele então? Se medo há, é medo da indeterminação que nos habita e que tem, precisamente, sua origem na nossa liberdade. Liberdade de pensamento e vontade de verdade respondiam, no contexto grego, à busca do homem virtuoso, para o quê o exame dialético – o diálogo – era uma Paidéia (Matos, 2006, p. 39).

Se a televisão utiliza um vocabulário de "no máximo 300 palavras", o "Decálogo do Jornalista" prevê um leitor com capacidade intelectual de "dez anos" (Matos, 2006, p 42).

O nazismo – como emblema do mundo administrado – não é um acidente de percurso político, mas o resultado do vitorioso desenvolvimento da ratio, cuja matriz é a ciência moderna – desde Bacon vinculada ao desenvolvimento industrial agressivo, sob auspícios expressamente materiais [37]. Há barbárie, diz Adorno, sempre que se retrocede à violência física e diversas regressões da sociedade (Matos, 2006, p. 44).

...já no próprio conceito de função ou papel, derivado do teatro, prolonga-se a não-identidade dos seres humanos consigo mesmos. Isto é, quando a função é convertida em um padrão social, por essa via se pergunta também que os homens não são aqueles que eles mesmos são, portanto que eles são não-idênticos. Considero repugnante a versão normativa do conceito de papel, e é preciso contrapor-se a ele com todo vigor (Adorno, 1995, p. 178).

...houvesse visitas conjuntas a filmes comerciais, mostrando-se simplesmente aos alunos as falsidades aí presentes; e que se proceda de maneira semelhante para imunizá-los contra determinados programas matinais ainda existentes nas rádios, em que nos domingos de manhã são tocadas músicas alegres como se vivêssemos num "mundo feliz", embora ele seja um verdadeiro horror [...] ou então que um professor de música, não oriundo da música jovem, proceda a análises dos sucessos musicais, mostrando-lhes por que um kit da parada de sucessos é tão incomparavelmente pior do que um quarteto de Mozart ou de Bethoven ou uma peça verdadeiramente autêntica da nova música (Adorno, 1995, p. 183).

Genocídios, racismo, tortura, miséria espiritual e material, fundamentalismos religiosos e guerras constituem-se na cultura fundada sobre o princípio de igualdade e seu aliado – o de origem. Havendo sempre algo de primeiro e uno, cada grupo se vê como o legítimo representante da origem – cujo correlato é identidade sedentária. A origem, no sentido dado pela palavra alemã Herkunft, é, para Nietszche, o tronco de uma raça, uma proveniência; é o antigo pertencimento a um grupo – de sangue, de tradição (Matos, 2006, p. 45).

Citações não contém apenas um saber para ser lido ou ouvido, mas para ser escutado e seguido, constituindo índice de orientação no pensamento. O "conhece-te a ti mesmo" socrático ressoa no "Que sais-je" de Montaigne [...] Sentenças escritas, citações desenhadas: nas primeiras, a autoritas, nas segundas, o exemplum. Em seu entrecruzamento, a máxima moral, arte de buscar a justa vida e o bem viver (Matos, 2006, p. 49).

Sem querer a pretensão de esgotar assuntos tão vastos e complexos, mas salientando suas configurações e contradições, tão envolventes quanto a própria modernidade, nosso objetivo foi apenas de indicar algumas pistas valiosas para o estudo aprofundado desses temas: lutas sociais por reconhecimento; liberdade e autonomia; Razão de Estado; Estado de Direito; Estado de Exceção; Terrorismo de Estado. Ficam, enfim, pistas ou dicas para que se aprofunde esta iniciativa de uma dialética do direito à exclusão.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Weber e o desencantamento do Direito:: do Estado de exceção e do "direito à exclusão". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1300, 22 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9414. Acesso em: 19 nov. 2024.

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