Por Ricardo Russell Brandão Cavalcanti, Defensor Público Federal. Professor do IFPE. Mestre e Doutorando em Direito. Especialista em Ciência Política. E-mail. ricardorecife@yahoo.com.br. @profricardorussell
Introdução
Filha de Bolsonaro entrará em colégio militar sem passar por seleção, diz site[1] é a notícia no sentido de que a filha mais nova de Bolsonaro (05??) vai estudar no Colégio Militar de Brasília sem passar, tal como se exige, por um processo seletivo.
Em verdade, a notícia veiculada não é oficial, pois o Exército ainda não publicou reposta oficial sobre o pleito realizado pelo presidente, que, por sua vez, afirma possuir a filha esse direito por uma questão se segurança[2].
Assim, o presente artigo pretende, por meio de uma metodologia descritiva e exploratória, analisar a viabilidade jurídica do referido pleito presidencial.
1.Dos Colégios Militares
O ensino secundário por meio dos Colégios Militares está previsto no Decreto-Lei 4130/42 nos seguintes termos:
"Ensino Secundário
Art. 32. O ensino secundário é ministrado:
- no Colégio Militar;
- nas Escolas Preparatórias.
Art. 33. O Colégio Militar destina-se a ministrar o ensino secundário, parcial ou totalmente, de acordo com os ciclos do programa oficial do Ministério da Educação, aos orfãos de oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, da ativa ou da reserva, de 1ª classe; aos filhos de oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica; e, excepcionaImente, aos filhos de civís, contanto que os pais do candidato sejam brasileiros natos".
Desta feita, conforme se percebe, os Colégios Militares são instituições públicas de ensino voltadas preferencialmente para os filhos de militares e para os civis em algumas situações específicas e que possuem na sua base de ensino os valores militares, existindo, na atualidade, 14 Colégios Militares no Brasil[3].
Outrossim, não podemos confundir os Colégios Militares com as chamadas Escolas Cívico-Militares, que consubstanciam uma proposta do atual Governo Federal de, mediante a feitura de um termo de adesão, implementar nas escolas públicas da rede regular de ensino uma gestão militar de educação[4].
Entendemos como natural que os Colégios Militares tenham como base os valores militares, desde que respeitadas as diretrizes do Ministério da Educação. Entretanto, enxergamos como algo preocupante o projeto das Escolas Cívico-Militares, pois a rede regular de ensino deve preparar as pessoas para vida, o que nos faz entender que o Governo Federal não deveria se preocupar em ampliar os valores militares de ensino e sim buscar a valorização de pedagogias inovadores para o ensino básico, como, por exemplo, a pedagogia Waldorf, que é voltada para o desenvolvimento individual de cada cidadão, partindo de uma visão antropológica, que valoriza a integração entre os corpos físicos, anímicos e espirituais[5].
De qualquer forma, os Colégios Militares existem e muitas pessoas se interessam em estudar neles, até mesmo por se tratar de um ensino gratuito ou por preços módicos ministrado por agentes públicos concursados.
Sendo assim, deve haver critérios objetivos para o ingresso nas referidas escolas. ´É o que passaremos a analisar no próximo tópico.
2.Do ingresso nos Colégios Militares
A lei 9786/99 prevê o seguinte: "Art. 3º O Sistema de Ensino do Exército fundamenta-se, basicamente, nos seguintes princípios: (...) II - seleção pelo mérito". O já mencionado Decreto-Lei 4130/42, por sua vez, prevê: "Art. 43. § 3º A matrícula no Colégio Militar far-se-á por meio de concurso".
Desse modo, não existe dúvida: o acesso aos Colégios Militares deve se dar por meio de Concurso Público por expressa disposição legal. Não poderia ser de outra forma, uma vez que a Administração Pública é regida pelo princípio constitucional da impessoalidade[6], que veta a concessão de privilégios pelo Poder Público, impedindo o favorecimento de algumas pessoas em detrimento de outras[7], sendo os concursos públicos e as seleções públicas mecanismos que buscam uma seleção objetiva sem a adoção de critérios meramente pessoais.
No mais, não existe qualquer exceção legal para o ingresso sem concurso público para filhas e filhos dos integrantes do alto escalação da Administração Pública, ainda que isso já tenha, de forma ilegal, acontecido[8].
Naturalmente, não estamos aqui afirmando que a filha do presidente não tenha que ter sua segurança preservada, mas isso deve ser feito por intermédio dos profissionais das forças de Segurança Pública, inclusive, do próprio Exército, mas não por meio do acesso a benefícios indevidos.
Outrossim, como filha de um militar da reserva, a filha do atual presidente pode até realizar uma seleção específica para os filhos dos integrantes da dita categoria, ainda que possamos discutir a constitucionalidade da referida possibilidade, mas juridicamente não é possível que ela, tal como se pretende, entre no Colégio Militar pelo simples fato de ser filha do presidente sem passar por qualquer seleção pública.
Conclusão
Os Colégios Militares são uma realidade do nossos país e que ofertam uma educação secundária com base nos valores militares brasileiros, o que realmente é algo no qual se imagina que vá acontecer, diferentemente do que se espera das outras instituições públicas de ensino integrantes de Rede Pública federal, estadual ou municipal.
Tendo em vista a procura por vagas nos Colégios Militares e em virtude da existência de expressa previsão legal e da necessidade de respeito ao princípio constitucional da impessoalidade aplicado ao Poder Público, o ingresso nas referidas instituições de ensino deve de dar por concurso público.
Qualquer outra forma de ingresso, independentemente do cargo exercido pelo pai ou pela mãe de quem pretende uma vaga, é ilegal e inconstitucional, devendo ser anulada pelo Poder Judiciário ou pelo próprio Poder Público em virtude do princípio da autotutela[9].
Por fim, é absolutamente lamentável que o Presidente da República busque indevidamente uma vaga em uma instituição pública de ensino para a sua filha ao mesmo tempo em que realiza cortes no montante de 2,7 bilhões[10] na Educação Pública Brasileira.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto-Lei 4130/42 de 31 de dezembro de 1942. Regula o ensino militar no Exército. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/529216.
BRASIL, Lei 9786/99, de 8 de fevereiro de 1999. Dispõe sobre o Ensino no Exército Brasileiro e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9786.htm
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013.
SITES CONSULTADOS
https://blog.pitagoras.com.br/pedagogia-waldorf/
http://www.eb.mil.br/web/ingresso/colegios-militares/-/
https://escolacivicomilitar.mec.gov.br/
[1]Fonte: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/filha-de-bolsonaro-entrara-em-colegio-militar-sem-passar-por-selecao-diz-site/.
[2]Fonte: https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-pediu-vaga-em-colegio-militar-do-df-para-a-filha-diz-jornal
[3]Fonte: http://www.eb.mil.br/web/ingresso/colegios-militares/-/asset_publisher/8E9mFznTlAQW/content/conheca-os-12-colegios-militar-1?inheritRedirect=false
[4]Fonte: https://escolacivicomilitar.mec.gov.br/
[5]Fonte:https://blog.pitagoras.com.br/pedagogia-waldorf/
[6]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.p.97.
[7]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.p.21.
[8]https://oglobo.globo.com/politica/filho-de-deputada-matriculado-em-colegio-militar-sem-passar-por-concurso-23924921
[9]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2ªed. São Paulo: Método, 2013. P.147.
[10]Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/749955-orcamento-2021-e-sancionado-educacao-economia-e-defesa-tem-maiores-cortes/