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Uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento como entidade familiar no Brasil

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Agenda 27/10/2021 às 14:51

Este artigo teve como questão central se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal.

RESUMO: Este artigo versa sobre as uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento legal no Brasil como entidade familiar, teve como questão central se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal. O objetivo geral do trabalho é demonstrar que as uniões poliafetivas, com base na afetividade e no livre exercício da autonomia privada, devem ser juridicamente reconhecidas como entidade familiar, para que os envolvidos tenham seus direitos fundamentais resguardados. Utilizou-se o método dedutivo. O resultado da pesquisa demonstra que a lacuna legislativa quanto a problemática é suprida pelos princípios constitucionais fundamentais que também embasaram o reconhecimento das uniões homoafetiva o que sedimenta o reconhecimento das uniões poliafetivas. Assim, conclui-se, portanto, que por intermédio dos princípios constitucionais há possiblidade do reconhecimento das relações poliafetivas.

Palavras-chave: Poliafetividade; Constitucionalidade; Reconhecimento.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre as uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento legal no Brasil como entidade familiar.

O questionamento precípuo que se pretende responder no decorrer da pesquisa é se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal.

A pesquisa se justifica no meio acadêmico pelo fato de que a sociedade se encontra em um constante processo de mutação, em todos os aspectos, em especial às satisfações dos anseios emocionais e afetivos, para tanto é essencial que o arcabouço legislativo acompanhe tal evolução de modo que evite lacunas na legislação para fins de atender os jurisdicionados e manter a ordem.

A discussão de um projeto de lei advém da existência de um desejo que lhe contrapõe, tal desejo se faz abundante levando em consideração o grande número de casais buscando o matrimônio que ao menos por ora não foi reconhecido.

Tendo em vista que linhas teóricas giram em torno de que as morfologias familiares atuais não se encontram mais vinculadas ao casamento formal e solene de tempos remotos, no dizer de Dias (2010, p. 1): As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, por se sentirem mais livres, buscam a realização do sonho pessoal sem se sentirem premidas a ficar dentro de estruturas pré-estabelecidas e engessadoras.

Com o surgimento do Estado Democrático de Direito, bem como da promulgação da Constituição Federal (CF/88), elencados no princípio da dignidade da pessoa humana, a estrutura familiar passou a conter maior tutela estatal, mormente, ampliando o conceito de família, por sua vez reconhecendo famílias diversas das tradicionais, deixando claro que não são caracterizadas somente na linhagem biológica, como também na afetiva. A respeito, Madaleno (2015 p. 36), comenta quanto os conceitos tradicionais de família:

A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumenta.

Como cediço, a família tradicional traz sua essência voltada na procriação, contudo, em dias atuais essa essência torna-se recessiva, assim entende Baptista (2014, p. 30): A base da família deixou de ser procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias.

Com essa perspectiva de família moderna ergue uma estrutura familiar chamada poliafetiva, tendo como alicerce a afetividade, o amor e o respeito recíproco entre os integrantes, ou seja, esse vínculo conjugal múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas unindo-se em sentimentos mútuos.

Neste aspecto, Dias (2010, p. 1), assevera sobre a evolução do reconhecimento da entidade familiar: [...] Ocorreu uma verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual foram preservados [...].

Dessa forma, ao se referir às uniões poliafetivas imediatamente torna-se consubstanciado o processo de reconhecimento das uniões homoafetivas julgado procedente por unanimidade em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), embora seja uma natureza de família não pluralista, não foge do preconceito social, o qual foi superado pelos princípios constitucionais da autonomia privada e da dignidade humana.

Assim como as uniões homoafetivas tiveram seu reconhecimento, as uniões poliafetivas também tem seu merecimento, e sobrevindo tal reconhecimento as decisões agregarão volumosamente o direito em geral, mas principalmente o familiar, fazendo com que seja revista as regulamentações legais, as quais são voltadas apenas para os relacionamentos monogâmicos.

Embora que ainda não reconhecida a união poliafetiva, nada impede que os integrantes tenham seus relacionamentos informalmente, neste giro, vendar os olhos para a aparição desses vínculos, não fará com que deixem de existir, por isso é evidente a tamanha importância deste respaldo aos envolvidos direto ou indiretamente.

O objetivo geral do trabalho é demonstrar que as uniões poliafetivas, com base na afetividade e no livre exercício da autonomia privada, devem ser juridicamente reconhecidas como entidade familiar, para que os envolvidos tenham seus direitos fundamentais resguardados.

Os objetivos específicos são: a) compreender com base na doutrina que o conceito de família evolui e se transmuta constantemente; b) averiguar se por meio dos princípios da dignidade humana, autonomia privada e pluralismo familiar, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça da união estável poliafetiva com entidade familiar; c) analisar o posicionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) voltado às escrituras públicas de união civil poliafetivas.

Assim, o primeiro capítulo do presente trabalho será voltado para as estruturas e princípios familiares, o segundo capítulo cuidará do conceito poliafetivo, pluralismo familiar, da semelhança do julgado homoafetivo e os posicionamentos jurisdicionais sobre o reconhecimento da família paralela e seus fundamentos.

Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utiliza-se a metodologia do trabalho jurídico que segundo Bittar (2015, p. 53) é voltada ás instruções práticas para a formatação e a compreensão da engrenagem de técnicas de organização do trabalho jurídico científico. Quanto ao método utilizou-se o dedutivo que corresponde a extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas. (BITTAR, 2015, p. 34), que procedem do geral para o particular, com a técnica exploratória bibliográfica.

O resultado apresentado vislumbra que a lacuna legislativa quanto a problemática é suprida pelos princípios constitucionais fundamentais que por coincidência foram os mesmos embasador no reconhecimento da união homoafetiva o que sedimenta o reconhecimento das uniões poliafetivas.


2 FAMILIA

A origem familiar, de modo direto, está atrelada à cronologia da civilização, visto que se ergueu como um fenômeno naturalista, efeito da carência dos integrantes da sociedade em constituir relações afetivas de maneira estável.

Nesta concepção é importante salientar que a família brasileira primitiva tem como alicerce na sistemática formulada tanto pelo direito romano quanto pelo direito canônico (WALD, 2004, p. 9).

A formação da família romana era constituída por um conjunto de pessoas e bens, os quais eram submissos a um líder, denominando assim o pater famílias, portanto, a comunidade primitiva foi nomeada como família patriarcal onde os membros reuniam-se para cultos religiosos com o intuito políticos e econômicos.

Sobre o assunto, discorre Pereira (1991, p. 23):

Sob a auctoritas do pater familias, que, como anota Rui Barbosa, era o sacerdote, o senhor e o magistrado, estavam, portanto, os membros da primitiva família romana (esposa, filhos, escravos) sobre os quais o pater exercia os poderes espiritual e temporal, à época unificados. No exercício do poder temporal, o pater julgava os próprios membros da família, sobre os quais tinha poder de vida e de morte (jus vitae et necis), agindo, em tais ocasiões, como verdadeiro magistrado. Como sacerdote, submetia o pater os membros da família à religião que elegia.

Gonçalves (2017, p.31), corrobora:

O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional.

Pelos princípios regimentais, o direito romano teve aptidão de estruturar a família, tendo em vista que até aquele momento a família era estruturada através dos costumes, sem regimento jurídico, dessa forma o alicerce da família evoluiu ao casamento já que só existira família se acontecesse o casamento (LEITE, 1991, p. 57).

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A Igreja Católica, por meio do avanço do Cristianismo, passou a disciplinar o casamento reconhecendo-o como um sacramento (CAVALCANTI, 2004, p. 31), dessa forma, incumbiu ao Direito Canônico regular o casamento o qual é o meio exclusivo do advento da família.

Na época imperial só havia reconhecimento do casamento católico (in facie Ecclesiae), em face de que essa era a religião principal no país, sendo assim as partes aptas ao casamento somente seria aquelas que seguiam o catolicismo, primordialmente essa exigência não causou inconveniência em razão de que as pessoas, em sua maior parte, eram católicas. O cenário foi tomando rumo diverso com o desenvolvimento populacional consequente da imigração, o que ensejou o aumento da população não católica. Pessoas que acreditavam em outro entendimento religioso não atendia o requisito para contraírem o casamento, ficando assim impedidas (CAVALCANTI, 2004, p. 31).

Partindo dessa premissa, a igreja possuía domínio absoluto dos regimentos concernentes ao matrimônio, sendo ela única competente para estabelecer regras e condições, tal regimento parte o exposto do Concílio de Trento de 1523 e das Constituição do Arcebispo da Bahia (RIZZARDO, 1994, p. 29).

A partir de então o Estado passou a intervir diretamente fundando o casamento misto e que por meio dele seria possível unir pessoas ligadas a seitas contraditórias, à vista disso no período colônia e imperial brasileiro tinham três maneiras diferentes de casamento: o casamento misto, o casamento católico e o casamento entre pretendentes de seitas divergentes (PEREIRA, 1997, p. 40).

Com a aparição dos colonizadores, na época colônia, ficou comum às relações amorosas oriundo do convívio entre europeus e indígenas, o que ainda não se considerava família tendo em vista que os europeus se fundavam nas normativas ditas pela igreja católica, por sua vez, tal conduta infringia os preceitos religiosos e morais (PEREIRA, 1997).

Em tempos de escravidão, os indígenas por sua resistência fizeram com que os portugueses trouxessem mão de obra africana, com isso, ao se instalarem em território brasileiro principiou uma forte miscigenação proveniente dos costumes, crença e comportamento, que aos olhos do catolicismo era condenável. Após do meio século XVIII com a promulgação da Lei do Marquês / o matrimônio entre pagãos e brancos foi concedido, graças a abolição da escravidão indígena (CHIAVENATO, 1999).

Portanto detecta-se que tanto o Direito Canônico através do regimento de caráter moral elaborado e compulsório pelo catolicismo, no tocante ao outro regimento definido pelos portugueses, mantiveram toda as famílias fiscalizadas e vigiadas (CHIAVENATO, 1999).

O desenvolvimento da família brasileira é decorrência da fusão de culturas e raças quando tentado uma manipulação acentuada e repressiva imposta pela igreja católica, essa apuração é importante para entendimento do avanço da família.

Pelo exposto, tem-se que a família brasileira antes da Constituição Federal de 1988 era protegida por direitos, ainda, conhecida como família patriarcal com destaque na figura paterna onde a mulher era submissa, matrimonialista e patrimonialista, induzida pelo Direito Romano e Canônico.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as estruturas familiares foram reiteradas e não mais baseada aos núcleos idealizados sob o casamento, havendo uma revolução no direito de famílias onde passou a ser tutelada outras uniões, as quais não fossem ligadas tão somente ao casamento e sim à afetividade.

Com isso foi tutelada como famílias as monoparentais e as uniões estáveis, isto porque houve a concepção de que a realidade social não era mais as mesmas, estando em constante transformação, autorizando a aceitação de outros vínculos informais de famílias.

A afetividade tornou-se parâmetro para a estruturação das novas famílias, tendo em vista que não limitou as relações sendo monogâmicas, sobre a pauta afetiva Barros (2010, não paginado), leciona:

O direito ao afeto é a liberdade de afeiçoar-se um indivíduo a outro. O afeto ou afeição constitui, pois, um direito individual: uma liberdade, que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos.

Desse modo, interpreta-se que os motivos que levou a constituir a família desde os primórdios, nos quais os vínculos pautados no matrimônio religioso e na cobiça econômica, a ponto de alcançar à família contemporânea que superou todos os fatores por intermédio da afetividade, sentimento e o amor como meio de junção familiar.

2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Pelo exposto, o conceito de família fugiu dos padrões e vem se reinventado gradualmente conforme a evolução social, as características da família contemporânea é fruto da modernização dos seus núcleos oriundo da proliferação, modernismos e desenvoltura dos avanços sociais.

Dessa forma com o pluralismo de pressupostos do novo conceito da instituição família vai além da fixação dos padrões uniformes, de imediato compreende-se a carência relevante a cada ciclo de vida visto que os núcleos familiares expressão sua identidade individual o que elevando o aspecto afetivo.

Diniz (2008, p. 9), discerne a família em sentido extensivo:

A ligação dos indivíduos consolidada através de laços consanguíneos ou do afeto. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se aquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro).

Em dias de hoje o núcleo familiar conceitua-se envolvendo a disseminação da personalidade de cada integrante e consequentemente aborda novo posicionamento pautado na afetividade, ética e solidariedade.

Tepedino (2004, p. 372), dispõe que:

As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido a arte e a virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor.

Pela explanação exposta absorve-se que o novo conceito de família deve ser entendido como um agrupamento social fundados basicamente do vínculo afetivo.

Sob esse entendimento, Pereira (2002, p. 226-227), cita que A partir do momento em que a família deixou de ser um núcleo econômico e de reprodução, para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela.

Como sustentado, o afeto, agora é referência norteadora do núcleo familiar ademais esse sentimento é critério primordial que constitui laços entre os envolvidos.

2.2 TIPOS DE FAMÍLIA NO BRASIL E AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 NO ÂMBITO FAMILIAR

No século XX a estruturação familiar era regida tão somente pelo casamento marcado pelo pater families que no decorrer de seu enredo sofreu grandes mudanças ensejada pelos novos critérios impostos das relações pessoais (GONÇALVES, 2017).

O cenário ainda se encontra evolutivo, porém de forma lenta, mas visível com o surgimento do conceito contemporâneo e a nova metodologia de regulamentar uma união familiar, voltado a um processo de recognação e adaptação social.

No Brasil, a família atravessou tais alterações e a cada novo momento é motivo para que novas estruturas se reinventem perante novos dados (GONÇALVES, 2017).

Desde os primórdios constata-se diversos meios onde as pessoas procuram vínculo familiar com intuito de construir suas ligações afetivas, cuidando disso a redação da Constituição Federal de 1998 no artigo 226 esclareceu os tipos de famílias, que tanto o casamento religioso quanto o cível, assim como as uniões estáveis e as monoparentais (BRASIL, [2021a]).

Sobre os tipos de família, segue os subtópicos.

2.2.1 Constitucional

Considerando as mudanças constantes do conceito social, acolheram os preceitos modernos ao passo que enfatizou a dignidade da pessoa humana na construção das estruturas familiares, expondo outros princípios orientadores que resultam em constituir essas uniões e dessa forma reconhecer o pluralismo familiar reconfigurando assim a base da família tendo em vista a afetividade.

Com a normativa do artigo 226 da constituição federal de 1988 muda a compreensão da família pelo que dispõe a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição, (GONÇALVES, 2012, p. 33) vindo a reconhecer três tipos de família: a monoparental, a união estável e a matrimonial.

Pereira (2012, p. 30-31), diz:

O Estado não pode mais controlar as formas deconstituição das famílias, pois comporta várias espécies, como o casamento, as uniões estáveis e a comunidade dos pais e seus descendentes (art. 226 da CF). Essas e outras representações sociais da família exprimem a liberdade dos sujeitos de constituírem seu núcleo familiar da forma que melhor lhes convier, e deve sempre ser o espaço de sua liberdade.

A família matrimonial originária do casamento é presenciada desde os primórdios, sob tutela estatal como um meio de alicerçar uma união familiar e ainda à óptica do cristianismo sob a cerimônia religiosa.

O casamento é conceituado por dois aspectos doutrinários, primeiro há os que defendem como um contrato, pela exigência do consentimento e vontade mútua, lado outro, estão os que argumentam como instituição pela incumbência de direitos e deveres.

No dizer de Lisboa (2013, p. 69), casamento é a união solene entre sujeitos de sexos diversos entre si, para a constituição de uma família e a satisfação dos seus interesses personalíssimos, bem como de sua eventual prole.

O pós-modernismo e a estrutura do casamento vêm se sustentando nas divergências doutrinarias, contudo em aspecto amplo o casamento é um contrato formal composto de deveres e direitos bilaterais, decorrência da vontade buscando a igualdade entre os cônjuges.

Marcado pela estrutura monogâmica e imposição religiosa a fidelidade tornou-se um quesito e dever outorgado aos cônjuges em mutualidade, ligada diretamente às relações sexuais, em momentos atuais o casamento está associado ao afeto e à autonomia privada (LISBOA, 2013).

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece os casamentos religiosos, civil e religiosos com efeitos civis, por sua vez o casamento civil é aquele celebrado no Cartório de Registro Civil (CRC) na presença de um juiz e das testemunhas, ato oficializado pelo documento chamado de certidão de casamento.

De outro lado, tem-se o casamento religioso, este é sujeito à variação devido a crença e costumes, realizado perante chefe religioso nos termos de cada doutrina, por si só não são formalmente legalizados necessitando de um registro civil (LISBOA, 2013).

De acordo com o artigo 1.515 e 1.516 do Código Civil o casamento religioso com efeitos civis é sediado por chefe religioso e não sendo obrigatoriamente no cartório, no ato é disponibilizado aos nubentes o termo de casamento o que substitui a certidão, contudo, é necessário o registro em cartório no prazo de até noventa dias (BRASIL, [2021b]).

O Código Civil Brasileiro trouxe a matéria regulamentada para formalizar o casamento, partindo das espécies, pressupostos de sua formalização e seus efeitos.

Corrobora Dias (2015, p.143), com o Código Civil ao dizer que o casamento é baseado em requisitos direitos e deveres dos cônjuges e disciplinas diversos regimes de bens. Também regulamenta o seu fim, ou seja, as questões patrimoniais, que decorre da dissolução do vínculo conjugal, o casamento tanto o seu conceito quanto sua caracterização evoluíram no direito de famílias, chega o caso do divórcio.

Nas constituições antecessoras à de 1988, o casamento detinha a ideologia indissolúvel, e ainda a fidelidade inerente da monogamia imposto pela religião repudiava a violação da obrigação matrimonial e se caso houvesse levaria ao divórcio previsto no artigo 1.567 do Código Civil (DIAS, 2015).

Com essa perspectiva, as mulheres deixaram de ser submissas por estares sendo mais independentes, gradualmente os princípios religiosos e os monogâmicos deixaram de ser elementos norteadores da instituição da família, tornando o afeto um pilar essencial da constituição familiar atualmente.

Embora em épocas pretéritas a união estável se faz presente, porém não reconhecida, a Constituição Federal de 1988 reconheceu tal estrutura afim de que fosse resguardados os direitos dos envolvidos.

Não é novidade que o afeto estabelece união, assim como os tipos de casamentos já mencionados desde o princípio das relações somente atualmente tem sido reconhecido juridicamente como pilar estrutural da família.

E por último a família monoparental a qual tem-se o afeto como pressuposto crucial para se estruturar, resultou do divórcio com a autonomia privada em gerar sua prole sem ligamento com o casamento.

Modelo familiar que parte da figura um chefe de família, o pai ou a mãe, e sua prole, o que se constata gradualmente presente quando declinado a independência da mulher e o pratriarcalismo. Madaleno (2017, p. 5), entende que as Famílias monoparentais são usualmente aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos.

Assim como a união estável a monoparentalidade desde a antiguidade teve existência e passou por mudanças, naquela época a formação dessa entidade familiar era formada compulsoriamente pela morte de um dos cônjuges, hoje vista com outros olhos perante a autonomia privada e a afetividade.

A família monoparental, a matrimonial e a união estável são os três tipos de entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal de 1988 o que evidencia e explora as dimensões criadas pela afetividade quando o intuito é fundar uma família.

Denota-se que a cada época o conceito e definição de família foram tendo transformação conforme a realidade de cada capítulo, hoje o afeto é um composto crucial e norteador da instituição família.

2.2.2 Civil

Com o modernismo e o advento do afeto o que se faz estruturador da família e vínculos pessoais resultou em vários modelos de família no decorrer da metamorfose humana e o Direito de Família.

Esse surgimento dos modelos civis está atrelado com o direito de família sedimentado na autonomia privada e com a proteção da dignidade da pessoa humana, ao passo que o Estado procura tutelar direitos e aparo estatal aos envolvidos, a normatização do direito vigente é voltada tão somente aos modelos expressos na Constituição formalizados pelo vínculo conjugal, o momento social atual consente o reconhecimento das famílias parentais embasadas na ligação biológica ou socioafetiva (DIAS, 2015).

O princípio da dignidade da pessoa humana permitiu que o princípio do pluralismo familiar se instalasse, e as estruturas de famílias tal como as famílias poliafetivas e homoafetivas tem-se infiltrado e estalado gradativamente diante o judiciário.

Sobre o pluralismo Dias (2015, p. 133):

É necessário ter uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação.

Dias (2015), assevera que as entidades familiares vão além das elencadas na Constituição Federal e no Código Civil e traz outros tipos de família como a unipessoal, a mosaica, a anaparental, a paralela e homoafetiva.

Família unipessoal, definida por ser composta de apenas um indivíduo, reconhecer esse molde familiar visa em primeiro plano o resguardo do bem de família àqueles que estão desacompanhados (DIAS, 2015).

Família mosaica, estrutura familiar que também é denominada de reestabelecida, aquela integrada a começar de uma pluralidade das uniões parentais, fruto do divórcio e do novo matrimônio, no qual integrante de famílias diferentes se juntam dando origem a uma nova família (DIAS, 2015).

Família parental, também chamada de anaparental, base familiar estruturada sem a figura dos genitores, instituída apenas pelos irmãos, constata-se ainda ralações entre pessoas que não são parentes, mas que convivem em um mesmo lar, exemplo disso são as amigas que residem juntas (DIAS, 2015).

Família paralelas, descrita por ser aquela que há vínculo entre duas uniões ao mesmo tempo, possuindo vario meios de configuração, ter um casamento e ter uma união estável fora dele simultaneamente, ou ainda, duas uniões estáveis (DIAS, 2015).

Família homoafetiva, núcleo de família onde é voltado à união de pessoas do mesmo sexo tem seus efeitos semelhantes ao da união estável, recentemente reconhecida no âmbito jurídico, é vista como tabu oriundo do preconceito social (DIAS, 2015).

Família poliafetivas, uniões estruturadas entre três ou mais integrantes, núcleo fundado na vontade e no consentimento das partes. Mesmo contrariando os princípios monogâmicos tem sido pauta do âmbito jurídico voltado ao seu reconhecimento.

A família contemporânea não está sedimentada apenas na estruturação de genitores e prole, o afeto atualmente é pressuposto volitivo, norteador e integrador para a preito familiar. Esse modelo familiar apesar de informal, já foi formalizada por contrato em lei, levado em consideração o manifesto do princípio constitucional da autonomia privada e da vontade entre os nubentes em formar família.

Sobre o afeto leciona Pereira (2016, p. 217-218):

O principal sustento de uma relação conjugal está no afeto. E foi assim que a família perdeu sua preponderância como instituição. Sua importância está em ser o núcleo formador e estruturador do sujeito. O afeto tornou-se um valor jurídico, e na esteira da evolução do pensamento jurídico ganhou status de princípio jurídico. Sem afeto, não se pode dizer que há família. Ou, se falta o afeto, a família é uma desordem ou uma desestrutura.

Pelo aludido, a validação dos núcleos de famílias contemporâneas ocorreu pela normativa afetiva validada pelo desejo dos nubentes, tal elemento é hoje considerado fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana centro da subsistência familiar.

2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PLURALISMO FAMILIAR

Com a promulgação da constituição federal de 1988 a família conseguiu ser reconhecida em novas estruturas, as quais na Constituição antecessora eram despercebidas, ou seja, apenas um modelo de família era protegido pelo estado.

Desde que o casamento deixou de ser norteador da família e o único modelo familiar reconhecido, outros modelos de famílias surgiram e buscam reconhecimento, aos olhos de Maria Berenice o pluralismo dos núcleos familiares foi instituído para confrontar o Estado e impor o reconhecimento das diferentes formas de estruturar a família (DIAS, 2015, p. 49).

O pluralismo familiar é equiparado às teses das estruturações de família, dando ao ser humano o poder da escolha facultativa desatrelando assim o matrimonio como único meio de formar a família.

Os novos arranjos de famílias são peculiares e por isso o processo de reconhecimento não está acontecendo da melhor maneira, tendo em vista que a quebra de paradigmas da sociedade não está sendo fácil e os direitos envolvidos são maiores.

Sobre o assunto Pereira (2012, p. 29-30), assinala que:

O Estado não pôde mais controlar as formas de constituição das famílias, pois comporta várias espécies, como o casamento, as uniões estáveis e a comunidade dos pais e seus descendentes (art. 226 da CF). Essas e outras representações sociais da família exprimem a liberdade dos sujeitos de constituírem seu núcleo familiar da forma que melhor lhes convier, e deve sempre ser o espaço de sua liberdade.

Sob a óptica do pluralismo familiar, Dias (2015, p. 133), ressalta que as novas estruturas são construídas pelo afeto, pela busca da felicidade e da diversidade, dando novo entendimento ao Direito das famílias.

Matos (2000, p. 104-105), preceitua:

Deve o Direito Civil, cumprir seu verdadeiro papel: regular as relações relevantes das pessoas humanas colocar o homem no centro das relações civilísticas. [] Uma das consequências práticas de repersonalização vem a ser a nova concepção da família, espelhando a ideia básica da família eudemonista, ou seja, da família direcionada à realização dos indivíduos que a compõe.

Desse modo, é notório que com a revolução das características da família e ainda a implantação do afeto pela constituição, surge novas situações à respeito do pluralismo de famílias, fazendo com que o judiciário seja coagido para o reconhecimento e amparo dos novos modelos de família.

2.4 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O DIREITO DE FAMÍLIA

O Direito de família, elemento de grande relevância para o ser humano e ao avanço da sociedade, requer amparo, desta forma esse amparo é através de princípios, os quais criados para a garantia e eficiência da proteção. Será exposto os princípios com mais repercussão na jurisprudência e na doutrina.

2.4.1 Princípio da dignidade humana

Previsto no artigo 5°, inciso III da Constituição Federal de 1988, objetiva eliminar injustiças sociais e tencionar liberdade à pessoa humana sendo respeitado e resguardado pela jurisdição apesar de suas escolhas, portanto, voltado ao Direito de Famílias esse princípio procura o equilíbrio familiar perante a sociedade, harmonizar e respeitar a escolha pessoal quanto ao gênero de família optada (BRASIL, [2021a]).

Percebe-se que esse princípio é o alicerce para a construção de uma base para cada indivíduo, dessa forma a partir desse entendimento outros princípios são originados para efetivar os direitos regidos na atual constituição.

As novas estruturas familiares em companhia desse princípio efetiva o conceito moderno de família, sendo referência de novos princípios e buscando a sensibilização social ao reconhecimento da facultatividade de cada indivíduo.

2.4.2 Princípio da liberdade

Este princípio tenciona que cada indivíduo faça suas escolhas sem que haja intervenção estatal ou eventual descriminação social, nesse sentido Lôbo (2008, p. 46), considera o princípio da liberdade da seguinte forma:

O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral.

O indivíduo detentor da facultatividade, sem submissão ao padrão, se faz importante vez que torna fácil o rompimento de conceitos pretéritos voltados à família, auxiliando da dissolução dos paradigmas.

2.4.3 Princípio da igualdade

Estabelecido para abolir as diferenças de tratamento entre os cidadãos, no que tange às classes, religiões, etnias e culturas.

Um exemplo próximo de igualdade de tratamento no Direito de família, é quantos aos filhos que embora biológicos ou adotivos, idade, cor, sexo, devem ter o mesmos direitos e tratamento, a Constituição vigente em seu artigo 227, parágrafo 6º, expõem que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, [2021a], não paginado).

Subsidiariamente tem-se o tratamento aos cônjuges, onde ambos construíram igualmente, havendo os direitos e deveres igualitários para erguer a sociedade conjugal.

A família patriarcal, único modelo de família que era admissível, vem se desmanchando pela sociedade, tendo em vista que a figura do homem como chefe de família vem perdendo lugar, quebrando padrões e erguendo novas relações de igualdade de cada modelo familiar.

2.4.4 Princípio da afetividade

No judiciário brasileiro, os laços afetivos são vinculados diretamente aos sentimentos, às emoções e ao amor oriundo das relações familiares, assim é taxado pelos doutrinadores e pela jurisprudência.

Dias (2015, p. 52), comenta sobre a afetividade:

Mesmo que a palavra afeto não esteja no texto constitucional, a Constituição enlaçou o afeto no âmbito de sua proteção. Calha um exemplo. Reconhecida a união estável como entidade familiar, merecedora da tutela jurídica, como ela se constitui sem o selo do casamento, isso significa que a afetividade, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.

O afeto e a afetividade não podem ser confundidos pelos seus conceitos, uma vez que o afeto está relacionado às emoções derivadas dos casos vividos, considerado ainda como fator psicológico, noutro giro, a afetividade de acordo com o direito brasileiro, é a autonomia da vontade no vínculo de família, em outros termos, é a liberdade de estruturar uma família e a submissão dos seus efeitos (VIEIRA, 2012 apud SILVA, 2015).

Atualmente, o princípio da afetividade tem valor jurídico expressivo, o qual foi norteador na concretização dos direitos das relações homoafetivas e ainda na admissão de novos núcleos familiares.

2.4.5 Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade está ligada ao companheirismo, proteção e o compromisso entre os integrantes da união familiar, evidenciando o enaltecimento do afeto, o que é relevante ao Direito de Família.

Conforme o disposto pela Constituição no inciso I do art. 3º vigorante, este princípio é imposição a toda sociedade, sem priorização ou exceção, visando uma essência coletiva fugindo do individualismo (BRASIL, [2021a]).

Insta mencionar que tal princípio foi introduzido apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

2.4.6 Princípio do pluralismo da união familiar

Nos dias atuais a instituição família está atrelada à autonomia dos integrantes, partindo da vontade de que quem e com quem constituir vínculo, impulsionando a liberdade para dar origem a um núcleo familiar, assim sendo, graças às inovações das metodologias de condução dos arranjos familiares, aparecem outros modelos de famílias a quais carecem de proteção do Estado, contudo isso só pode acontecer por intermédio do reconhecimento (DIAS, 2015, p. 49).

Através deste princípio, adquiriu-se direitos, em especial o reconhecimento das relações homossexuais e seus direitos em adotar e outros relevantes no contexto familiar e à evolução na vida social do indivíduo, o reconhecimento dessas modalidades de famílias pelo Estado enaltece os valores da família individual, quebrando assim paradigmas.

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