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A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação

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Agenda 18/11/2021 às 12:00

4. Decreto-Lei nº 406/68, e Atos Posteriores, que Definiram a Lista de Serviços

Como visto acima, no art. 25, II da Constituição de 1967, mantido pelo art. 24, II da EC 1/1969, da proposição que compreende o feixe de regras de competência conferidas ao ente municipal para instituição e arrecadação do imposto sobre serviços de qualquer natureza, é parte também aquela regra para, mediante lei complementar, definir os serviços tributáveis.

Desse modo, a lista de serviços surgiu por conta da edição do Decreto-Lei nº 406/68, contando com 29 itens, sendo, posteriormente, alterado pelo Decreto-Lei nº 834/69, que, suprindo uns e inserindo outros itens, deu nova redação à lista anexa ao Decreto-Lei nº 406/68, ocasião em que novos serviços passaram a ser tributados.

Sob a égide da EC nº 1/69, a lei nº 7.912/84 inseriu na lista o item 67, para abranger os serviços de profissionais de relações públicas. Mais tarde, a Lei Complementar nº 56/87 promoveu alterações na lista de serviços, incluindo, por exemplo, os itens 5 e 6 relativos à assistência médica e congêneres" e "planos de saúde".

Nessa esteira, institucional-definitória e suas formas evolutivas, com fundamento já no artigo 146 da CF/88, a Lei Complementar nº 116/2003, além das regras gerais de tributação do imposto, instituiu novo rol de serviços sujeitos à incidência do ISS, sendo também, por sua vez, alterada, nesse ponto, pelas Leis Complementares nº 157/2016, 175/2020 e 183/2021.

Nesse contexto, nota-se que por ocasião da edição da LC nº 116/2003, ante o disposto no seu art. 10, foram revogados o inciso V, do Decreto-Lei nº 834/69, e a LC nº 56/87, que deram nova redação ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68.

Diante das revogações, suscitou a discussão no sentido de saber se, uma vez revogada a lei posterior, ocorreria a repristinação da norma por ela alterada, que, no caso, consistia na antiga redação do art. 9º, e §§, do DL 406/68.

Todavia, a controvérsia foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, quando da edição da Súmula nº 663, veiculando a seguinte redação: Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição.

Desse modo, uma vez recepcionado pela Constituição, o Decreto-Lei nº 406/68 cumpre a função de lei complementar de que dispõe o art. 146, III, a, da CF/88.


5. Critério Material de Tributação da Atividade Profissional

Visto pelo prisma do direito civil, a teoria da empresa não conseguiu superar a bipartição do direito privado, enquanto legado Napoleônico, clássica nos países de tradição romana. A despeito da mudança dos critérios de delimitação do objeto do Direito Comercial que deixou de ser atos de comércio para exercer atos de empresarialidade , isso não foi, todavia, suficiente para suprimir a dicotomia entre o regime jurídico civil e o comercial. Portanto, de acordo com o Código Civil, continuam devidamente segregadas, ocupando dois polos distintos, algumas atividades econômicas. Nesse diapasão, são atividades civis, por exemplo, a aquelas impedidas de incorrer em recuperação judicial.[15]

Segundo Fábio Ulhoa Coelho:

São quatro hipóteses de atividades econômicas civis. A primeira diz respeito às exploradas por quem não se enquadra no conceito legal de empresário. Se alguém presta serviços diretamente, mas não organiza uma empresa (não tem empregados, por exemplo), mesmo que o faça profissionalmente (com intuito lucrativo e habitualidade), ele não é empresário e o seu regime será o civil. ()

As demais atividades civis são as dos profissionais intelectuais, dos empresários rurais não registrados na Junta Comercial e a das Cooperativas.[16]

Assim, diante do que dispõe o art. 966, caput, do Código Civil brasileiro: considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços.

O Código Civil, no parágrafo único, do mesmo artigo, foi incisivo ao excluir daquele âmbito de circunscrição do conceito classificatório de empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Nessa esteira de positivações, parece não ter o legislador civil deixado dúvida a respeito da dicotomia existente entre as categorias econômicas institucionalizadas pelo direito sob formas distintas que têm, de um lado, a atividade profissional, organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, e, de outro, as atividades econômicas civis, que não se encontram sujeitas ao direito comercial, composta pelos chamados profissionais liberais (advogado, médico, dentista, contador, arquiteto, engenheiro, etc.), os escritores e artistas de qualquer expressão (plásticos, músicos, atores etc.).

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Todavia, a particularidade do conceito, nesse caso, que ainda desafia a doutrina e movimenta os tribunais, diz exatamente com a amplitude da regra prescrita na parte final do parágrafo único, do mesmo dispositivo legal, mediante a qual o profissional se enquadra no conceito de empresário, pelo fato de o exercício da profissão, ainda que intelectual, constituir o denominado elemento de empresa.

A despeito da pluralidade semântica que o enunciado normativo provoca, parece precisa a definição linguística constituída por Fábio Ulhoa Coelho, quando exemplifica:

Imagine o médico pediatra recém-formado, atendendo seus primeiros clientes no consultório. Já contrata pelo menos uma secretária, mas se encontra na condição geral dos profissionais intelectuais: não é empresário, mesmo que conte com o auxílio de colaboradores. Nesta fase, os pais buscam seus serviços em razão, basicamente, de sua competência como médico. Imagine, porém, que, passando o tempo, este profissional amplie seu consultório, contratando, além de mais pessoal de apoio (secretária, atendente, copeira etc.), também enfermeiros e outros médicos. Não chama mais o local de atendimento de consultório, mas de clínica. Nesta fase de transição, os clientes ainda procuram aqueles serviços de medicina pediátrica, em razão da confiança que depositam no trabalho daquele médico, titular da clínica. Mas a clientela se amplia e já há, entre os pacientes, quem nunca foi atendido diretamente pelo titular, nem o conhece. Numa fase seguinte, cresce mais ainda aquela unidade de serviços. Não se chama mais clínica, e sim hospital pediátrico. Entre os muitos funcionários, além dos médicos, enfermeiros e atendentes, há contador, advogado, nutricionista, administrador hospitalar, seguranças, motoristas e outros. Ninguém mais procura os serviços ali oferecidos em razão do trabalho pessoal do médico que os organiza. Sua individualidade se perdeu na organização empresarial. Neste momento, aquele profissional intelectual tornou-se elemento de empresa. Mesmo que continue clinicando, sua maior contribuição para a prestação dos serviços naquele hospital pediátrico é a de organizador dos fatores de produção. Foge, então, da condição geral dos profissionais intelectuais e deve ser considerado, juridicamente, empresário.[17] (Os sublinhados não constam no original.)

Transportando as lições oferecidas para os domínios do direito tributário, sobreleva-se a compreensão do termo no sentido de que, para tributação das atividades profissionais (intelectual, de natureza científica, literária ou artística), se mostra relevante o caráter da pessoalidade na prestação do serviço. Assim, não se mostrando exclusivamente pessoal a atividade exercida, ou não estando presente na prestação o caráter personalíssimo do prestador, e sim fatores que pela lei fogem a essa característica, a atividade é considerada como empresa, por conta do elemento de conexão jurídica que vincula esse fator excludente da pessoalidade àquele critério de materialidade da norma definidora de empresa. E, assim sendo, inexistente o caráter exclusivamente perseguido, não se configura o critério material da norma para fins de tributação na forma de profissionais, mas sim como sendo de caráter empresarial.

Nesse sentido, ao examinar a questão da base de cálculo diversa do preço, Aires F. Barreto foi categórico ao afirmar que:

() consoante o disposto no art. 7º da Lei Complementar n. 116/2003, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço. Esta é a regra geral. Todavia, como persistem válidos e eficazes os §§ 1º e 3º do Decreto-lei n. 406/68, segue-se que prevalece a existência de base de cálculo diversa do preço, para os casos de trabalho pessoal do próprio contribuinte e de sociedades de profissionais.[18] (Os destaques não constam no original.)

E, mais adiante, enfatiza o autor a característica da natureza jurídica do serviço, quando prestado sob a forma de sociedade conformada por profissionais:

É certo que as razões que levam os profissionais que realizam trabalhos científicos e técnicos a se reunir em sociedade são bem distintas dos motivos que pressupõem a constituição de uma empresa.

Enquanto advogados, médicos, costureiras, cabeleireiros etc. reúnem-se em sociedade em busca de oferecer maior presteza e qualidade de serviços com a soma do conhecimento do grupo, bem como dividir despesas e economizar custos, as empresas caracterizam-se essencialmente pela busca do lucro. As sociedades de profissionais, embora possam vir a ter lucro, encontram motivação diversa. Deveras, distintos são os motivos que justificam a constituição de uma sociedade de profissionais e uma sociedade de capitais. Em uma sociedade de profissionais a característica marcante é a reunião de pessoas que possuem profissões afins. Esses profissionais juntos prestarão serviços que poderiam fazer individualmente. ()

O trabalho pessoal e a individualidade do serviço são os timbres marcantes da sociedade de profissionais. Embora reunidos em sociedade, os sócios realizam trabalhos que poderiam ser prestados isoladamente por cada profissional ou sócio. São justamente estes pontos diferenciais que autorizam a tributação minorada para as sociedades de profissionais. Tal tratamento surge como exigência dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.[19]

Diante disso, nota-se que a característica marcante da atividade profissional é justamente o fato de os serviços serem prestados em caráter de pessoalidade, característica essa denotada como propriedade fundamental para constituir o critério material da norma de tributação.

Nesse sentido, foram também as orientações firmadas no âmbito da primeira seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ)[20].


6. Critério Quantitativo da Regra Matriz do ISS Sobre Atividades Profissionais

O critério quantitativo exerce papel relevante na configuração estrutural da regra-matriz de incidência tributária, pois, inserto no consequente da norma padrão de tributação (da categoria geral e abstrata), além de, juntamente com a alíquota (função objetiva), dar a dimensão do quantum devido a título de tributo (função mensuradora), possibilita ainda afirmar, confirmar ou infirmar o núcleo da materialidade descrita na hipótese de incidência do antecedente normativo (função comparativa).[21]

A base de cálculo contribui, ademais, para o fiel cumprimento ao primado Constitucional da capacidade contributiva, conforme assevera Paulo de Barros Carvalho:

(...) é mister que o editor na norma jurídica geral e abstrata respeite a diretriz suprema, porque constitucional, da capacidade contributiva relativa, que pode ser expressa na exigência do tributo nos estritos termos em que a hipótese estipular e a base de cálculo dimensionar.[22]

Portanto, ao instituir o imposto, o legislador ordinário não pode se afastar desses pressupostos que o ordenamento lhe impõe como limites axiologicamente consagrados pelo Texto Supremo.

Nessa esteira, no que toca à tributação do imposto sobre serviços de qualquer natureza, relativamente aos profissionais liberais, diz o Decreto-Lei nº 406/68:

Art. 9º. A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.

§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

(...)

§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

À luz desses enunciados, como dito alhures, recepcionados pela CF/88, sistematicamente interpretados, parece transparente o entendimento no sentido de que, em se tratando de serviço profissional, prestado sob a forma de trabalho pessoal (§1º), relacionados nos itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa[23] (§3º), estabelecida pela Lei Complementar nº 56/87, mediante a forma jurídica de sociedades, a tributação do imposto deverá levar em conta, para fins de dimensão da base de cálculo, à qual se agregará a alíquota fixa ou variável (§1º), o número de profissionais habilitados ao exercício da profissão, independentemente da participação, ou não, destes, na condição de sócios, nos atos constitutivos da sociedade (§3º).

Significa isso dizer que, ainda que o serviço seja prestado por funcionários habilitados ao exercício da profissão, e a prestação se dê sob responsabilidade da sociedade, na mensuração da base de cálculo, todos, sócios ou não, deverão ser levados em conta para fins de composição do critério quantitativo.

Diferentemente do que já foi defendido -- por exemplo, por parte do Município de Curitiba/PR --, a previsão contida no dispositivo supramencionado trata de regra ampla de composição de base de cálculo, especificamente instituída para tributar, pelo ISS, a atividade dos profissionais liberais.

Na oportunidade, o município paranaense, nos autos do RE 236.604/PR, entendendo no sentido da não recepção, pela Constituição de 1988, dos §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL nº 406/68, sustentava que a forma de tributação que reduzia a base de cálculo do ISS dos profissionais configurava uma isenção parcial, por isso, vedada pelo art. 151, III, da CF/88.

Todavia, por ocasião do julgamento, o Relator, Ministro Carlos Veloso, deixou claro que tais dispositivos foram devidamente recepcionados pela Constituição[24], por força da incidência da regra do § 5º do art. 34, do ADCT, porquanto, não se tratando de isenção, mas sim de base de cálculo.[25]

Mais tarde, nos autos do RE 940.769/RS, julgado em sede de repercussão geral, cadastrado sob o tema 918, o Egrégio Supremo Tribunal Federal voltou a enfrentar a questão, ocasião em que fixou a seguinte tese:

É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.

Assim, observadas as definições expedidas em sede de normas gerais, o critério que compõe a regra matriz de incidência tributária do imposto sobre o serviço dos profissionais liberais é requisito que se impõe ao legislador ordinário, quando da instituição e cobrança do tributo, sob pena de incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade.

Não obstante, o dever de observância da regra se impõe também a todos os operadores do direito, seja na condição de aplicadores, em razão do exercício da função de lançamento, seja em função do exercício de adjudicação do direito, pois, ante a força pujante que emana do julgamento do RE 940.769, a tese firmada naqueles autos tem efeitos que, por sua própria natureza, são transubjetivos, porquanto a todos vinculando juridicamente.

Sobre o autor
Valter Gonçalves Carro

Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET/SP. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor Seminarista do Curso de Especialização em Direito Tributário pelo IBET. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRO, Valter Gonçalves. A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6714, 18 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94666. Acesso em: 19 nov. 2024.

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