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A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação

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18/11/2021 às 12:00
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Pode o município, mediante lei ordinária, impor aos profissionais liberais a tributação do ISS com base de cálculo sobre o valor da prestação do serviço, em detrimento da base de cálculo sobre o número de profissionais?

RESUMO: O presente artigo examina a forma de tributação do ISS sobre a atividade dos profissionais, no que diz com os limites da competência municipal para exigir o imposto sobre base de cálculo mensurada pelo valor da prestação. O método de referência é o Constructivismo Lógico-Semântico, pelo qual o ordenamento foi idealmente recortado e seus conceitos descritos a partir dos planos sintático, semântico e pragmático. Concluiu-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, a tributação do ISS sobre atividades profissionais, desenvolvida em caráter de pessoalidade, sob responsabilidade de sociedade, deve se dar pelo número de profissionais, sócios ou não, habilitados ao exercício da profissão, porquanto, ilegítima a fazenda municipal para exigir o tributo sobre o valor da prestação.

Palavras-chave: Base de cálculo fixa. Regime Especial. DL nº 406/68. Elemento de empresa. D-SUP.


Introdução

O Decreto-Lei nº 406/68, pela importância que representa para a tributação do ICMS e do imposto sobre serviço de qualquer natureza - ISS, sempre esteve nas mesas de debates, aparecendo aqui, uma vez mais, em especial para a análise da tributação do ISS sobre as atividades profissionais.

E a razão disso é porque, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 236.604/PR, fixando que as disposições do artigo 9º, §§1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, não configuram isenção, porquanto, tendo sido recepcionado o comando normativo pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, como base de cálculo de tributação do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) dos profissionais liberais, ainda assim se mostra recorrente[1], em especial por parte da Prefeitura Municipal de São Paulo, a exigência do imposto sobre as atividades das sociedades de profissionais (advogados, contadores, médicos, engenheiros, arquitetos, entre outros), com base não no valor que leva em conta o número de profissionais habilitados ao exercício da atividade, mas sim no valor da prestação do serviço.

E o disparate é verificado ainda não apenas em relação aos fatos jurídicos ocorridos posteriormente à publicação da lei municipal que alterou a regra de tributação no Município, mas também de modo a atingir inclusive os fatos pretéritos, no interstício decadencial, em evidente afronta às regras estabelecidas pelo artigo 146 do Código Tributário Nacional.

No entender da Fazenda Municipal, o fato de o contribuinte ter registrado seus atos constitutivos na Junta Comercial, sob a forma de sociedade por cotas limitadas, é motivo suficiente para configuração da sua atividade empresarial, porquanto, o imposto deve ser tributado pelo valor da prestação de serviço.

Assim, diante da discussão que se estabeleceu em função da cobrança realizada, alcançando inclusive os fatos jurídico-tributários pretéritos, mesmo a despeito de os contribuintes já terem as suas atividades tributadas e o imposto recolhido sobre a base de cálculo que leva em conta o número de profissionais, este trabalho será elaborado considerando as disciplinas que envolvem a Hermenêutica Jurídica, tais como interpretação do sistema nacional, a partir da Constituição, passando pelas noções e princípios que norteiam a tributação do ISS, e demais instrumentos normativos infraconstitucionais, para, ao fim e acabo, analisar a questão da (in)competência da municipalidade para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da prestação, em detrimento do valor que leva em conta o número de profissionais.

Registramos, desde logo, que nossas especulações dogmáticas e jurisprudenciais se desenvolverão sob a perspectiva do método do Construtivismo Lógico-Semântico, tal como proposto por Paulo de Barros Carvalho. Ou seja, mediante referencial teórico que permite alcançar o sentido e alcance de cada uma das categorias do objeto analisado, a partir da concepção epistemológica da Filosofia da Linguagem, lógica e racionalmente organizada, e que se exterioriza segundo a teoria comunicacional do direito, considerado no contexto semiótico (sígnico) consistente nos planos sintático, semântico e pragmático.[2]

A propósito do presente trabalho, são precisas as lições de Lourival Vilanova, para quem o jurista é a intersecção da teoria com a prática, da ciência com a experiência.[3]

A expressa menção ao mestre pernambucano se mostra oportuna, na medida em que o objeto do presente trabalho tem como pano de fundo a controvérsia a respeito do conteúdo significativo dos termos utilizados pela legislação como suficiente para a caracterização da atividade de empresa, bem como da forma jurídica social, sob cotas de responsabilidade limitada, por vezes adotadas pelos profissionais, mediante a qual se desenvolve o exercício da atividade, positivada pelo direito civil como intelectual, de natureza científica, literária, cultural ou artística, para fins de tributação do imposto sobre serviços de qualquer natureza ISS.

Assim, o presente trabalho visa analisar os critérios que conformam a regra de tributação do ISS, especificamente no que diz com essas atividades organizadas, sujeitas ao regime jurídico de tributação do imposto sobre serviço de qualquer natureza sob a forma de base de cálculo dimensionada pelo número de profissionais, mas especificamente no que diz com as exigências impostas a essas categorias, qual seja, de ter que se sujeitarem à tributação desse imposto mediante base de cálculo mensurada com base no valor da prestação do serviço.

Antes, porém, é de rigor a fixação de noções propedêuticas para a melhor compreensão do tema a ser tratado, especialmente no que diz com os conceitos e critérios da regra padrão do tributo, de competência dos entes federados, para, ao final, expor as características conceituais e limites impostos pela regra geral de tributação dessa categoria.

Assim, ao final deste trabalho, pretende-se responder à questão sobre quais são os limites jurídicos, aos quais se submete a municipalidade, para, mediante lei ordinária, impor aos contribuintes, classificados logicamente e, por isso, chamados de profissionais liberais, forma de tributação do ISS pelo valor da prestação do serviço em detrimento da base de cálculo sobre o número de profissionais.


2. Conceito de normas no sistema jurídico

Tomamos como premissa o fato de o direito, enquanto objeto da cultura humana, pela linguagem constituído, mediante processo por ele mesmo prescrito, apresentar unidades e princípios que conformam o denominado sistema normativo (ou ordenamento jurídico, consistente no direito posto). Esse conjunto de unidades se relacionam, tanto no sentido horizontal de coordenação, como no da vertical, conferindo assim harmonia e fundamento de validade às suas normas, no propósito específico de regulação das condutas interpessoais.

Todo esse plexo normativo se apresenta, com efeito, sob a forma de textos (premissa ontológica) que se originam de atos de fala prescritivos de conduta (premissa ôntica), cuja apreensão cognoscitiva imprescinde de atividade interpretativa (premissa epistemológica).

A norma, nesse contexto, se apresenta como juízo hipotético de significação, pelo cientista conformada intelectualmente, a partir do texto base do direito, consistindo em vetores que apontam para princípios, os quais, ora como limites objetivos, ora como valores implícitos a serem atingidos, são pelo sistema constitucional consagrados, para realização dos desígnios estatais, em atenção aos anseios sociais.[4]

Os princípios e as regras constitucionais têm, assim, a virtude normativa de fundamentar a edição das normas inferiores, em plena compatibilização vertical, e iluminar a compreensão do direito, como assevera José Eduardo Soares de Melo.[5]

É, portanto, a partir da Constituição, a par de outras regras do sistema possíveis de serem objeto de incidência tributária, que se encontram os requisitos e restrições a serem observados pelo legislador ordinário, ao exercer o seu mister de instituir, em concreto, a regra de incidência tributária, bem como aquelas de natureza sancionatória.

Não obstante, é também no plano constitucional que se alojam limites objetivos, segundo os quais a instituição do tributo deve observância incondicional ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária, consoante princípio consagrado nos artigos 5º, II, e 150, I, da Constituição Federal de 1988, a despeito de, em seu artigo 146, prescrever expressamente que compete à lei complementar a tarefa de dispor sobre os conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (i); regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (ii); e estabelecer normas gerais em matéria tributária (iii).


3. Normas Gerais e os Limites da Competência do ISS

O estudo da competência é momento que antecede à existência mesma do tributo, já que situado no plano constitucional, como assevera Paulo de Barros Carvalho.[6] Daí, a razão de pôr em evidência a compostura do ordenamento jurídico, a partir do seu plano maior de positivação, para o fim de compreensão desse arquétipo jurídico, bem como dos limites que dele decorrem.

No contexto geral, a ordem jurídica no Brasil (Constituição do Estado Federal) é composta por quatro sistemas normativos, sendo eles: (i) o federal, que compreende parte da ordem total, enquanto União; (ii) o nacional, compreendido por parte da ordem total, enquanto Estado Federal; (iii) o das regras estaduais; e (iv) o das regras municipais. O Estado Federal sujeita-se às regras do sistema nacional, aplicável, inclusive, ao ICMS e ao ISS, uma vez que valem em todo território brasileiro, naquilo que diz com as normas gerais de direito tributário. À União, aplicam-se as regras do sistema federal.[7]

A despeito de constarem no artigo 1º da Constituição, mas não participarem com representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, isso dá entender que os Municípios não integram a estrutura federativa. Todavia, a análise sistemática revela que os Municípios são pessoas dotadas de personalidade política, recebem competências constitucionais e mantêm relações de isonomia com a União, Estados e o Distrito Federal.[8]

A densa e rigorosa distribuição de competências impositivas em relação ao ISS, que não é criação da atual Constituição, mas, que vem desde a Constituição de 1967, como assevera o autor, se dá a partir do Texto Maior, bem como pela ação de normas gerais, que, juntas, conferem o feixe de proposições aos entes políticos internos.[9]

Nessa esteira, diante da existência de normas tanto de estrutura como de comportamento, mediante procedimento pelo próprio direito estabelecido, se faz possível a criação de outras normas, classificadas como geral e abstrata, geral e concreta, individual e abstrata e, ainda, individual e concreta, que, inseridas no ordenamento, concretizam a positivação das condutas interpessoais.

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Desse modo, na linha do que leciona Paulo de Barros Carvalho, recortada no plexo das atribuições de que dispõem os entes públicos, competência legislativa é aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo.[10]

A competência, nesse contexto, encontra limitações impostas pela própria estrutura constituída pelo ordenamento jurídico. Dentre os limites impostos pela Constituição para o exercício da competência tributária, de observância obrigatória, estão os princípios, destacando-se, dentre eles, o da legalidade, cujas características demonstram os exatos limites de atuação do outorgado.

Com efeito, em relação ao ISS, verifica-se que desde a Constituição de 1967 artigo 25, II , é competência dos Municípios a instituição desse imposto, mas desde que definido mediante lei complementar[11], sendo tal regra mantida pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu artigo 24, II, e pelo atual texto Constitucional.[12]

Nesse contexto, o artigo 146, da Constituição vigente, exerce o papel de norma de estrutura, interferindo nos limites conceituais delimitadores dos critérios da norma de outorga de competência, conferida ao legislador complementar, para que normas gerais em matéria tributária sejam produzidas, de modo a dispor sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes, União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (I), regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (II), bem como estabelecer os tributos e suas espécies, fatos geradores, base de cálculo, obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência.[13]

Ademais, a norma decorrente do artigo 156, III, da CF, combinada com aquelas do seu § 3º, que dispõe caber ainda à lei complementar fixar as alíquotas máximas e mínimas (I), excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior (II), regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (III), têm eficácia limitada, pois, a apesar de surtir seus efeitos desde a sua entrada em vigor, necessitam de norma colocada a cargo do legislador infraconstitucional, para dar-lhe plena eficácia.

Assim, os titulares da competência tributária, se encontram inexoravelmente vinculados aos ditames das normas de estrutura e, por isso mesmo, não podem se afastar dos limites a eles impostos pelo sistema, sob pena de incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade. De igual modo, também unidos por essa mesma imposição relacional normativa, encontram-se os municípios que, ao expedirem suas regras regulamentares, assim como de aplicação das normas gerais, não podem se afastar dos ditames legais, sob pena de cometerem ilegalidades e inconstitucionalidades.

Nesse sentido, Aires F. Barreto:

Isso significa que os contornos traçados pela Constituição, na outorga de competências tributárias, não podem ser ultrapassados por nenhuma norma infraconstitucional, seja ela lei complementar ou lei ordinária. Por muito maior razão, não podem excedê-los decretos, portarias ou resoluções. Ato legislativo ou administrativo que o faça será inconstitucional ou, respectivamente, ilegal.

Assim, se a competência outorgada for para descrever A, não pode a pessoa política descrever B, nem A1, nem A2, nem A3, mas apenas A. Qualquer exorbitância da competência importa inconstitucionalidade. A edição de normas (legais ou infralegais) que disciplinem a matéria tributária desde as que descrevam a hipótese de incidência e bem assim os sujeitos da obrigação, base de cálculo e a alíquota, até aqueloutras que versam os demais aspectos, periféricos à regra-matriz devem limitar-se aos precisos, rigorosos e estritos termos da outorga constitucional de competência.[14]

Assim, a atuação do ente público, dotado de competência para inovar a ordem jurídica, seja no exercício da atividade legiferante, seja na regulação ou aplicação das normas gerais ao caso concreto, encontra limites bem definidos pelo próprio ordenamento jurídico, que, para além dos limites objetivos, como o da legalidade, irretroatividade das leis, devido processo legal e ampla defesa, etc., impõe-lhes também o respeito a valores maiores que a sociedade espera sejam realizados, tais como o da segurança jurídica, certeza do direito, além daqueles que exigem do ente público atuação segundo o princípio da moralidade pública, eficiência, dentre outros (art.37, CF/88).

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Sobre o autor
Valter Gonçalves Carro

Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET/SP. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor Seminarista do Curso de Especialização em Direito Tributário pelo IBET. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRO, Valter Gonçalves. A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6714, 18 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94666. Acesso em: 19 nov. 2024.

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