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A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação

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Agenda 18/11/2021 às 12:00

7. Forma de Tributação no Âmbito Municipal

No âmbito da legislação municipal, dos municípios que se tem notícia, até mesmo pela expressão e representatividade econômica[26], em boa parte deles, o ISS foi instituído e, em certa medida, obedecendo aos critérios estabelecidos pelo sistema jurídico. Ou seja, pelo menos naquilo que consiste em garantia constitucional do contribuinte, de poder tributar o imposto sobre serviços segundo a perspectiva da regra matriz de incidência tributária instituída, cuja base de cálculo se compõe, ou pelo valor da operação, ou pela soma do número de profissionais liberais, sem amplificação dos critérios da norma de tributação.

Por outro lado, entretanto, tomando-se por exemplo a legislação do Município de São Paulo, outro tanto há que ser dito, já que a situação dos profissionais não tem se mostrado tão tranquila assim.

Isso porque, quando da edição da Lei nº 13.701/03, em seu artigo 15, II e §§ 1º e 2º, foi estabelecido que o recolhimento do ISS, através de base de cálculo fixa, também chamado de regime especial, se daria em relação aos serviços, descritos nos subitens 4.01 -Medicina e biomedicina, 4.02 - Análises clínicas, patologia, eletricidade médica, radioterapia, quimioterapia, ultra-sonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres), 4.06 - Enfermagem, inclusive serviços auxiliares, 4.08 - Terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia, 4.11 - Obstetrícia, 4.12 - Odontologia, 4.13 - Ortóptica, 4.14 - Próteses sob encomenda, 4.16 - Psicologia, 5.01 - Medicina veterinária e zootecnia, 7.01 - Engenharia, agronomia, agrimensura, arquitetura, geologia, urbanismo, paisagismo e congêneres (exceto paisagismo), 17.13 - Advocacia, 17.15 - Auditoria, 17.18 - Contabilidade, inclusive serviços técnicos e auxiliares, da lista do caput do art. 1º, bem como aqueles próprios de economistas, prestados por sociedade, cujos profissionais, sócios, empregados ou não, habilitados ao exercício da mesma atividade, os desenvolvesse de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal.

Por força do originário parágrafo segundo, do mesmo dispositivo legal, entretanto, ficaram excluídos do regime de tributação dos profissionais as sociedades que tivessem como sócio pessoa jurídica (I), fossem sócias de outra sociedade (II), desenvolvessem atividade diversa daquela para a qual estivessem habilitados profissionalmente os sócios (III), tivessem sócio que delas participasse apenas para aportar capital ou administrar (IV), e, por fim, explorassem mais de uma atividade de prestação de serviços (V).

E assim, sob os efeitos decorrentes dessa regra geral de incidência da tributação, os profissionais liberais vinham recolhendo o ISS.

Ocorre que, com o advento da lei nº 15.406, de 08.07.2011, novos critérios foram acrescidos ao §2º, do artigo 15, da Lei nº 13.701/2003, de modo que passaram também a ser expressamente excluídos do regime as sociedades, que: terceirizassem os serviços por ela desempenhados (VI); se caracterizem como empresárias ou cuja atividade constituísse elemento de empresa (VII), fossem filiais, sucursais, agências, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado ou relacionado a sociedade sediada no exterior (VIII).

A alteração, entretanto, tal como plasmada, em especial no que diz com o famigerado elemento de empresa (inciso VII), é despicienda, pois, como visto acima, de duas, uma, ou a sociedade se conforma por sócios que exercem a atividade de empresa, assim entendida como sendo aquela organizada para fins de produção ou circulação de bens ou serviços e, nesse conceito, já se encontraria o elemento de empresa, por conta do que dispõe a parte final do parágrafo único, do art. 966, do CC, porquanto, de qualquer modo, ficando fora daquelas atividades tributadas pelo regime especial ; ou se constitui sob a forma de sociedade civil, assim configurada pelo exercício de atividade profissional liberal é dizer: formada por sócios habilitados para o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que se valendo de auxiliares e colaboradores, em caráter de pessoalidade, e sob responsabilidade da sociedade, tal como disposto pelo parágrafo único do art. 966, do CC, combinado com o art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL 406/68, como pacificado pela jurisprudência do STJ (EREsp 866.286/ES).

Além disso, a Lei nº 16.240, editada em 22.07.2015, ao acrescentar os §§ 10 e 11 ao art. 15, da Lei nº 13.701/03, fez com que o sistema passasse a vigorar com norma segundo a qual as pessoas jurídicas que deixassem de apresentar qualquer declaração relacionada ao regime previsto no artigo 15 seriam consideradas não optantes, porquanto desenquadradas do regime, consoante prazos e condições estabelecidos através de atos de regulamentação administrativos.

A pretensão de instituir obrigação instrumental por meio de ato infralegal, todavia, eiva de vício, tanto a própria lei como o ato administrativo dela decorrente, por não se amoldar às regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico.

Isso porque, ao dispor genericamente sobre uma possível declaração, cingindo apenas a utilizar o termo qualquer declaração, sem, contudo, cuidar em minúcias das características elementares da sua instituição, o ato do legislativo incorreu em afronta direta ao princípio da indelegabilidade, portanto, passível de ser declarado inconstitucional, como assevera Celso Antonio Bandeira de Melo.[27]

Por outro lado, diante da regulamentação do fato delegado, ao assim proceder, o ato administrativo será considerado ilegal, porquanto, nulo, como assevera Roque Antonio Carraza[28].

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Assim, os vícios perpetrados são, portanto, incontornáveis, pois, segundo nosso sistema jurídico, não se pode conceber que obrigação acessória seja instituída por ato infralegal, com fundamento apenas em disposições genéricas de lei.

Todavia, ressalta-se que, mesmo diante de todas as vicissitudes identificadas, a alteração produzida pela lei nº 16.240/2015 ensejou a edição da Instrução Normativa SF/SUREM nº 13, de 18.09.2015. Por ocasião de sua expedição, foi instituída a Declaração Eletrônica das Sociedades de Profissionais (D-SUP), para fins de verificação da regularidade cadastral, contábeis e fiscais do contribuinte, para serem comparados com os requisitos do artigo 15 da Lei nº 13.701/2003.

Dentre os efeitos malévolos desse ato administrativo, destaca-se as disposições do artigo 4º, que dispõe sobre a possibilidade de o contribuinte poder ser automaticamente excluído do seu regime especial de tributação, assim que prestadas as informações cadastrais e transmitida a declaração.[29]

Nesse ponto, é curioso notar que, a despeito do desenquadramento automático, não havia previsão para que o contribuinte pudesse sequer impugnar a decisão eletrônica, nem tampouco a data de notificação para tanto, fato esse que veio acontecer somente com a publicação da Instrução Normativa SF/SUREM nº 8, de 24.05.2021, para surtir efeitos a partir de 1º de junho de 2021, pelo que, o ato demonstra ser, além de ilegal, também contrário ao ditames constitucionais relativos ao necessário respeito ao devido processo legal e às garantias dele decorrentes, bem como ao contraditório e a ampla defesa (art.5º, LIV e LV, CF/88).

Além disso, o parágrafo único, do mesmo artigo 4º, dispõe que, sendo o caso de desenquadramento automático, o contribuinte fica obrigado ao preenchimento de todas as informações, para fins de cálculo do ISS, com base no valor das prestações, relativamente aos cinco anos anteriores (prazo decadencial), contados da entrega da declaração[30].

A regulamentação, entretanto, tal como positivada, se choca com as regras dispostas pelo artigo 146 do CTN, na medida em que referido artigo veda que as modificações nos critérios jurídicos atinjam fatos pretéritos.[31]

Nesse sentido, ao tratar do ato de lançamento, enquanto fato jurídico tributário, Paulo de Barros Carvalhos leciona que:

as regras que determinam os atos de aplicação do direito ao caso concreto, chamamos de atos formais, serão as de vigência atual, na data da celebração do ato de lançamento, ou da norma expedida pelo particular, ao passo que as atinentes ao relato do evento, bem como as determinadoras da relação jurídica que se instala por virtude da constituição do fato, estas serão as que estiverem em vigor na data do evento.

Mantenhamos presentes esses dois pontos da sequência temporal, imprescindíveis para a boa compreensão do fato jurídico tributário: i) a data atribuída à realização do evento relatado no enunciado denotativo e ii) a data da constituição jurídica do fato, isto é, o dia em que o sujeito competente, após emitir a regra individual e concreta, deu ciência de seu conteúdo ao sujeito destinatário. Salientemos que os efeitos serão sempre futuros: o recuo ao passado ou a atenção para o presente são opções quanto à seleção das normas aplicáveis.[32] (O destaque não consta no original)

Assim, carece de fundamento de validade o enunciado protocolar consistente no fato jurídico tributário constituído com base em norma geral e abstrata inserida no ordenamento jurídico após a ocorrência do evento. Nesse contexto, por não encontrar fundamento em norma válida no sistema, ao tempo da ocorrência do evento, o fato jurídico que constitui a relação jurídico-obrigacional é ilegal, porquanto, passível de ser anulado.

Outro ponto conflitante, decorrente das alterações acima mencionadas, diz com a forma de empresa, quando constituída mediante cotas de responsabilidade limitada, com registro na Junta Comercial. No entender da Fazenda Municipal, o fato é passível de desenquadramento do contribuinte do seu lídimo regime de tributação.

Ocorre que a interpretação, nesse ponto, também é abusiva, em relação às formas estabelecidas pelo direito, como já sinalizado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao entender que o sistema jurídico não veda que os profissionais se organizem em sociedade por cotas limitadas.

Nesse sentido, as decisões, tanto da primeira como da segunda turma, do colendo Superior Tribunal de Justiça, sinalizado no sentido de que, em regra, nas sociedades formadas por profissionais intelectuais para a exploração da profissão não está presente a organização dos fatores de produção, necessária para a configuração do caráter empresarial.[33]

Isso porque, como consignado na ementa, o próprio Código Civil, em seu artigo 983, admite que uma sociedade simples se constitua como uma sociedade limitada. O fato, por si só, de ela utilizar esse tipo societário não a descaracteriza como sociedade simples se o seu objeto não for empresarial.

Nesse contexto, também se mostra relevante o entendimento da Corte Superior no sentido de que o fato de a sociedade ser constituída como simples limitada não implica na sua forma de tributação, por não interferir na responsabilidade pessoal atribuída pela lei que regulamenta a profissão[34].


8. Conclusão

Assim, diante do que foi exposto, respondendo objetivamente à questão inicial colocada, sobre os limites jurídicos a que está sujeita a municipalidade para, mediante lei ordinária, impor aos profissionais liberais a tributação do ISS com base de cálculo sobre o valor da prestação do serviço, em detrimento da base de cálculo sobre o número de profissionais, conclui-se que o sistema jurídico tributário brasileiro é expresso quanto à forma de tributação do imposto sobre serviços de qualquer natureza, incidente sobre a atividade profissional intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desenvolvida em caráter de pessoalidade, e sob responsabilidade de sociedade, calculada com base de cálculo mensurada pelo número de profissionais, sócios ou não, habilitados ao exercício da profissão, uma vez que, diante do que positivado pelo ordenamento jurídico brasileiro, tais atividades econômicas são exclusivamente de natureza jurídica civil, e não empresarial organizada para fins de produção e circulação de produtos ou serviços, porquanto, ilegítima a competência da fazenda municipal para exigir o tributo sobre o valor da prestação.

Sobre o autor
Valter Gonçalves Carro

Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários IBET/SP. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor Seminarista do Curso de Especialização em Direito Tributário pelo IBET. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRO, Valter Gonçalves. A (i)legitimidade da competência municipal para exigir dos profissionais liberais a tributação do ISS sobre o valor da operação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6714, 18 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94666. Acesso em: 19 nov. 2024.

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