Resumo: O feminicídio foi inserido no Código Penal por meio da Lei n. 13.104/15, como uma qualificadora de homicídio, motivada pelo ódio contra as mulheres ou crença na inferioridade da mulher, cuja característica central do delito é o fato de a vítima pertencer ao sexo feminino. Referido delito ocorre, em sua maioria, num contexto de violência doméstica/familiar e em razão do menosprezo ou discriminação à condição da mulher, que pode ser combinado com condutas relativas à violência sexual, tortura e/ou mutilação da vítima, seja antes ou depois de sua morte. Trata-se de um tema de grande importância, posto quehouve um crescimento significativo de feminicídio durante a pandemia de COVID-19, mormente pela necessidade do isolamento e distanciamento social. A metodologia utilizada é uma pesquisa bibliográfica que busca seus fundamentos na legislação brasileira, como a Constituição Federal de 1988 e o Código Penal,bem como em artigos e periódicos. Através do presente estudo, foi possível constatar queo isolamento social contribuiu para o crescimento do número de feminicídios e, também,se observou a necessidade de se desenvolver medidas eficazes a esse problema social, tais como a criação de canais de denúncia online, aliados à uma severa punição dos agressores, além de uma intensa conscientização social, como forma de se garantir o direito constitucional à vida e à dignidade da pessoa humana, vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Feminicídio. Pandemia. Isolamento social. Violência. Direito à vida.
1. Introdução
O feminicídio pode ser compreendido como uma qualificadora ao crime de homicídio e é configurado quando a vítima é determinada por pertencer ao sexo feminino, sendo submetida a morte, que poderá ser seguida ou antecedida de outras práticas violentas, tais como mutilações, abuso sexual, entre outros.
Desta forma, o presente trabalho tem como finalidade destacaro aumento do número de ocorrências do feminicídio, sobretudo durante o isolamento e o distanciamento sociais, em virtude da pandemia decorrente do COVID-19. É válido ressaltar a importância do desenvolvimento de medidas ligadas à facilitação da denúncia, inclusive de forma eletrônica, bem como uma punição mais severa aos agressores, além da necessária conscientização da sociedade quanto a esse crime.
Destaca-se que a violência pode se manifestar de diversas formas, prejudicando a vítima não apenas física, mas emocionalmente, causando enfermidades, danos psicológicos e até mesmo a morte. Nesse contexto, é inegável que a mulher, em muitos casos, se encontra em uma situação de maior vulnerabilidade, seja pela idade, dependência econômica e compleição física, dentre outros e, em virtude do isolamento social, houve um alargamento do tempo de convivência das vítimas com os agressores. Deste modo, justifica-se a realização dessa revisão bibliográfica no intuito de contribuir para a literatura acadêmica com dados que reforcem a importância da conscientização quanto ao feminicídio e sua denúncia, de forma a coibir novas práticas desse crime.
Este trabalho foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica, na qual foram utilizadas leis inseridas no ordenamento jurídico brasileiro, como a Constituição Federal de 1988 e o Código Penal, bem como em artigos e periódicos provenientes de sites como: Conjur, Conteúdo Jurídico, Âmbito Jurídico, entre outros. O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: Duarte (2020), Oliveira (2020), Okabayashi et. Al (2020), entre outros.
Diante disso,pergunta-se: a pandemia causada pela Covid-19 possui relação com o aumento do número de crimes relacionados à violência doméstica?
2 Violência doméstica: conceito e origem
A Constituição Federal possui como um de seus princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana, que pode ser compreendido como um vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico. A Carta Magna assegura, ainda, o direito à vida, à igualdade, à segurança e a vedação de toda e qualquer discriminação (art. 5º, caput, inciso V e X; art. 6º).
Nos últimos anos, houve um aumento significativo quanto ao índice de violência, sobretudo com relação às mulheres. Desse modo, observa-se a ocorrência de várias formas de violência contra a mulher, principalmente no âmbito doméstico. A esse respeito, Ritt e Ritt (2020) explicaram:
Especificamente à violência contra a mulher e à violência doméstica, há uma explicação suplementar para a sua grande ocorrência no Brasil. Ela não está ligada somente à lógica da pobreza, ou à desigualdade social e cultural. Também está ligada diretamente ao preconceito, à discriminação e ao abuso de poder que possui o agressor com relação a sua vítima. A mulher, em razão de suas peculiaridades, compleição física, idade, e dependência econômica, está em uma situação de vulnerabilidade na relação social (RIT; RIT, 2020).
Ainda, Ritt e Ritt (2020) afirmaram que a violência praticada contra a mulher possui aspectos históricos que, por vezes, são justificados em virtude da cultura patriarcal que definia a mulher como propriedade do homem. Dentre as formas de violência contra a mulher, destaca-se o feminicídio que, de acordo com Carvalho (2020), é uma espécie de violação aos direitos humanos mais fundamentais, como o direito à vida, à segurança, à dignidade e a integridade psicológica e física.
De acordo com Duarte (2020), o conceito de feminicídio surgiu por volta de 1970, cujo objetivo é dar ênfase à violência sistemática, a opressão, a discriminação e a desigualdade contra as mulheres. Referidas condutas, em casos mais graves e intensos, tinham como consequência a morte.
Conforme lecionou Oliveira (2017), o feminicídio foi proferido publicamente pela primeira vez no Tribunal Internacional de Crimes Contra as Mulheres, através de um depoimento prestado por Diana Russel, em Bruxelas.
Oliveira (2017) destacou que o feminicídio se diferencia dos demais crimes de ódio em razão de não estar relacionado a nenhum outro fator senão ao gênero da vítima, pouco importando sua etnia, religião, raça ou orientação sexual.
A Lei Maria da Penha, editada em 2006, representou um grande avanço, avanço quanto à busca pela redução da impunidade e da violência contra a mulher. Nesse mesmo contexto, a lei que regulamentou o feminicídio surgiu a partir de uma recomendação feita pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre violência contra a mulher, tendo entrado em vigor em 10/03/2015, como sendo uma qualificadora do crime de homicídio (art.121, §2º, VI, do Código Penal), prevendo uma pena de reclusão de doze a trinta anos. No mesmo sentido, o feminicídio foi tipificado em outros países da América Latina.
O Código Penal assim o descreve:
Art. 121. Matar alguém:
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015).
Portanto, o feminicídio caracteriza-se como um crime hediondo, sendo definido no Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio, praticado contra mulheres, pela razão de ser a vítima do sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar, além do menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
O feminicídio se difere do femicídio, porquanto esse último ocorre quando o homicídio tem como vítima uma mulher e, o primeiro, ocorre quando o homicídio é praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, desprezando a vítima por razões de gênero.
Segundo Okabayashi et. Al (2020), a violência contra a mulher pode ocorrer de formas distintas, tais como a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral. No Brasil, observou-se que o índice da violência contra a mulher tem aumentado anualmente, de modo que a maioria dos casos têm como agressor o companheiro ou ex-companheiro, na própria residência da vítima.
O artigo 5° da lei 11.340/2006 expressa desta forma a que se referem os tipos de violência contra a mulher.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006)
Segundo um levantamento do Datafolha encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o índice de crimes violentos caiu na rua e aumentaram as agressões dentro de casa. Uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano no Brasil, durante a pandemia. As agressões dentro de casa passaram de 42% (2019) para 48,8% (2021) (PAULO, 2021).
2.2 A pandemia causada pelo Covid-19 e suas medidas profiláticas
Em dezembro de 2019, houve a propagação de um vírus causado pelo coronavírus (Covid-19), que se dissemina de forma rápida, alcançando diversos países de todo o mundo. Nesse diapasão, em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o surto da COVID-19 como um caso de Emergência de Saúde Pública de importância internacional e, ainda, em março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada como uma pandemia.
Com o objetivo de conter a disseminação, medidas preventivas e repressivas foram adotadas, tais como uma maior frequência na lavagem das mãos; utilização de desinfetantes a base de álcool; utilização de máscaras para cobrir o nariz e a boca, bem como a vedação de aglomeração, por meio de medidas de isolamento, quarentena, realização de exames médicos e testes laboratoriais, vacinação e outras medidas profiláticas.
Nesse diapasão, com a necessidade da adoção de medidas de distanciamento social, observou-se um aumento significativo do índice de denúncias relativas à crimes relacionados à mulher. De acordo com Okabayashi et. al (2020), o aumento dos casos de feminicídio está diretamente relacionado à pandemia, que determinou o isolamento social para se evitar a disseminação do vírus. Isso porque, além da redução do acesso aos serviços de apoio à vítima, estas se mantiveram por maior tempo dentro de seus lares, juntamente com os agressores.
2.3 A correlação do feminicídio com as medidas sanitárias adotadas em virtude da Covid-19
Carvalho (2020) destacou que a pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) gerou muito impacto em todas as áreas da sociedade, tendo atingido diferentes grupos de pessoas das mais variadas formas, gerando, inclusive, um aumento nas desigualdades sociais e regionais. Assim, houveconsequências econômicas, tais como o aumento do índice de desemprego, bem como respostas sociais, pois, com a redução do convívio social, houve impacto negativo direto aos crimes cometidos contra as mulheres.
Nesse contexto, explicou Siqueira et al., (2020):
Atualmente, com 90 países em confinamento, quatro bilhões de pessoas estão agora se abrigando em casa para se proteger do contágio viral. O lar, que deveria ser o abrigo de tranquilidade e segurando, tem se tornado em um ambiente hostil às mulheres. Apesar de homens e mulheres estarem em reclusão em condições de dividir as tarefas domésticas e cuidados com filhos e idosos no ambiente familiar, é nítido que o acúmulo e a sobrecarga do trabalho doméstico alcançam de maneira desigual o sexo feminino, provocando cansaço mental e emocional, físico que ocasiona um enfraquecimento do sistema imunológico possibilitando uma maior vulnerabilidade a diversas doenças, até mesmo à COVID-19 (SIQUEIRA et al., 2020).
Impende salientar que a restrição de circulação e convivência social contribuíram para impossibilitar que as vítimas buscassem ajuda ou formalizassem uma denúncia. Carvalho (2021) ressaltou que a imposição do isolamento fez com que as vítimas de violência permanecessem em suas residências por um longo período, convivendo com o seu agressor, em um momento de intensa insegurança e dificuldade financeira.
Nesse mesmo sentido, é o que ensinaram Rit e Rit (2020):
E, diante deste cenário de mortes e outros problemas sociais que a pandemia está causando, um especificamente está chamando a atenção das autoridades, a do aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher. As muitas circunstâncias e medidas adotadas pelas autoridades como forma de combate ao novo coronavírus, como o isolamento social, contribuíram de forma exponencial para que a violência contra a mulher aumentasse, assim como também o aumento dos números de feminicídio (RIT; RIT, 2020).
Portanto, dentre as consequências do coronavírus, destacou-se o aumento no número de feminicídios, mormente pela determinação do isolamento social como medida de contenção do vírus, além dos aspectos econômicos e financeiros, tais como desemprego, entre outros, que causaram impactos negativos e o desencadeamento de estresse no ambiente familiar. Segundo Arcoverde; Acayaba (2020) Entre janeiro e julho deste ano, os feminicidios atingiram a marca de 101 casos, 12% a mais do que os 90 registros feitos no mesmo período de 2019. É o maior número da série histórica, iniciada em 2016, para este período. Sendo assim, observou-se, ainda, que o feminicídio ocorre muitas vezes em virtude de uma cultura patriarcal.
Assim, torna-se imprescindível a conscientização da sociedade quanto ao direito à igualdade, assegurado constitucionalmente, bem como à adoção de medidas que correspondam a uma resposta jurídica e social, com vistas a reduzir o índice de crimes praticados contra a mulher, além do desenvolvimento de canais de denúncia online, sobretudo durante o período em que houve a restrição da prestação de serviços de assistência às vítimas.
3 A RELAÇÃO JURIDICA DO FEMINICÍDIO
Feminicídio decorre de um ato doloso, podendo ser homicídio simples ou qualificado. O crime decorre da prática contra a mulher, em virtude do gênero feminino. As circunstâncias ocorridas nos crimes de feminicídio possuem grandes aspectos culturais, uma vez que a mulher apresentava um papel de fragilidade dentro do corpo social. Nos tempos remotos, a violência contra mulher não detinha de regularização jurídica, levando o sexo masculino a presumir autonomia no que se refere à mulher.
Assim sendo, expressa Campos (2015. P. 7)
Em geral, são crimes premeditados, originados do machismo culturalmente enraizado na sociedade. Não há perda do controle ou injusta provocação da vítima, mas uma atitude consciente de negação do direito à autonomia feminina. O reconhecimento da violenta emoção nesses casos configura tolerância estatal a crimes machistas e sexistas, pois não pode haver violenta emoção quando a motivação é impedir a autodeterminação feminina, conduta tão bem expressa na frase se não for minha não será de ninguém
Aplicação da lei n° 13.104/2015 origina-se do alto índice de assassinatos a mulheres, colocando o Estado brasileiro a se posicionar ao ocorrido. Crimes contra mulheres sempre tiveram grandes incidências no corpo social, todavia, apenas após a promulgação da lei é que veio a ocorrer a aplicação da pena de reclusão.
Conforme Nunes (2018. P. 4)
A Lei do Feminicídio vêm como uma resposta à inércia do Estado diante dos mais temeroso quadros de violência doméstica, considerando os números alarmantes que ainda fazem parte da realidade brasileira. Mulheres ainda continuavam sendo espancadas, ofendidas moral e sexualmente no próprio âmbito familiar, e a necessidade de segurança à ser dada pelo Estado é mais que primordial.
A desigualdade de gêneros interposta por questões históricas e culturais reafirmam o alto índice de mortes advinda do sexo feminino. De acordo com Feminino (2015) Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos o crime foi praticado pelo parceiro ou ex. A consumação do crime ocorre com freqüência com uso de armas.
Destaca-se a ocorrência de assassinatos com mulheres negras, tais acontecimentos decorrem pelo histórico fragilizado das mulheres negras no corpo social. Conforme o site Jornalismo preto e livre (2021) Segurança Pública apontam que duas em cada três vítimas de feminicídio em 2020 são mulheres negras, o que representa 61,8% das mortes. Das demais vítimas, 36,5% são brancas, 0,9% amarelas e 0,9% indígenas. O fato de a mulher negra ter sido relacionada a questões desonrosas ao longo dos anos criou-se a percepção que crimes em desfavor ao sexo feminino não traria impunidades, nem tampouco penalidade cabível.
A introdução da humanidade apresentava correlação com o patriarcado, termo que advém do homem ao possuir exclusiva autonomia sobre a mulher. A construção do ideal nos tempos remotos configurava a mulher como a imagem submissa e sem nenhum respaldo jurídico para lhe acolher.
Assegura Nunes (2018 p. 7)
É inaceitável que mulheres sofram pelas agressões de homens cobertos pelo ódio, pelo sentimento de posse, pela visão patriarcal, envoltos pelo machismo, e mantenham-se amedrontadas pelo receio de não conseguirem obter uma resposta eficaz vindo de quem as deve proteger: o Estado. Calar-se não é uma opção, e diante dos mapas de violência, a eficácia da lei têm-se tornado de enorme valia.
Demonstra Ortega (2015) Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher Cumpre destacar as diferenças entre femicidio e feminicidio, portanto o feminicio ocorrerá nos homicídios contra mulher, já o feminicidio nos crimes pela razão de ser o polo passivo o sexo feminino.
Ratifica-se a diferença entre a lei Maria da Penha e o feminicídio, sendo assim, a lei nº 11.340/2006 apresenta mecanismos para proteger a mulher, por meio de medidas protetivas. Em contrapartida, o feminicídio ocorre nos casos de homicídio contra mulher. Discorre Wagner (2019) a Lei Maria da Penha é um sistema de proteção à mulher contra violência doméstica. O feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio, que torna a pena de homicídio mais grave caso o assassino tenha cometido o crime pelo fato de a vítima ser mulher. Ambas as leis foram criadas com o intuito de regularizar as agressões contra a mulher, mas possui diferenças quanta aplicabilidade.
Anteriormente à promulgação da lei nº 13.104/2015 não havia regulamentação clara quanto ao homicídio contra mulher, ocorrendo inclusão genérica do artigo 121 do código penal. Todavia, no dia 09 de março de 2015, decretada pela Presidente Dilma Rousseff, a lei nº 13.104/2015 passou a ser vigente em todo o território Brasileiro.
Conforme uma pesquisa realizada pelo site G1, em 2020 houve um crescimento nos casos de feminicídio, em comparação aos outros anos apurados por meio de pesquisa, assim como apresenta a imagem 01. Os números apresentados não decorrem de um índice exato, uma vez que muitas ocorrências de feminicídio não são apuradas.
Discorre o parágrafo IV do artigo 1° da lei n° 13.104/2015
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (BRASIL. 2015)
15% dos homicídios de mulheres cometidos por companheiros ou ex não foram classificados como feminicídio em 2020, diz Anuário.
Fonte: G1 (2021)
O feminicídio possui regulamentação na lei nº 13.104/2015, cuja penalidade dispõe a reclusão de 15 a 30 anos. De acordo com o código penal, a reclusão consiste nos crimes em que apresenta condenações mais severas, em contrapartida, a detenção é aplicada em condenações mais leves. A lei nº 13.104/2015 regulamenta o agravamento da pena nos casos em que a vítima se encontrar grávida, for menor de 14 anos, maior de 60, ou alguma deficiência mental.
Neste sentido, esclarece o artigo 7º da referida lei nº 13.104/2015.
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos três (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (NR)
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 , passa a vigorar com a seguinte alteração: (BRASIL, 2015)
De acordo com os preceitos legais, o crime de homicídio passou a configurar como hediondo. Nesta conjuntura, cumpre destacar que o crime hediondo possui na esfera jurídica os crimes em que caracteriza sensação de repulsa no corpo social. Determina a lei que os crimes hediondos são inafiançáveis, insuscetíveis de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória.
Expressa o parágrafo XLIII da carta magna a respeito dos crimes hediondos, sendo assim, observa-se:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (Regulamento) (BRASIL, 1988)
Determina a lei que os crimes hediondos são considerados hediondos: tortura; tráfico de drogas; terrorismo; homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; genocídio; falsificação; corrupção ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e feminicidio.
Nos casos de homicídio dentro do âmbito familiar é necessário que a mulher preste atenção nos atos do autor. Os acontecimentos não ocorrem sem dar-se-á algum tipo de sinal. A lei Maria da Penha detém medidas protetivas para a vítima e também seus dependentes. Neste sentido, destaca-se que a Lei Maria da Penha é aplicada para prevenir o feminicídio. Há muitos casos em que se a vítima tivesse tomado alguma providência o homicídio não teria ocorrido. De acordo com a imagem 02, os parceiros das vítimas apresentam algum sinal, fazem ameaças.
30% das mulheres dizem que já foram ameaçadas de morte por parceiro ou ex; 1 em cada 6 sofreu tentativa de feminicídio, diz pesquisa
Fonte: G1 (2021)
A cultura introduzida ao Brasil detém a idealização que a mulher possui obediência ao homem, quando não ocorre desta forma, o sexo masculino pressupõe a idéia que poderá tomar as atitudes cabíveis. A mulher nos tempos passados não detinha voz, ou visibilidade. Contudo, nos dias atuais a mulher passou a desenvolver na sociedade uma visibilidade maior, competindo de igual para igual com os homens no mercado de trabalho e até mesmo sendo asseguradas pela Carta Magna de 1988.
No artigo 226 da Constituição Federal é expresso que a Mulher tem a mesma autonomia que o homem ao que se refere à criação da família. Em vários artigos da Constituição Federal é expressa a autossuficiência da mulher.
À vista disso, regulamenta o parágrafo 5° da Constituição Federal (1988) § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. A evolução da sociedade idealizou um sentimento de raiva daqueles que acreditavam que o lugar da mulher detinha limitações.
Neste tocante, indaga-se que o feminicído se refere ao ato de homicídio no momento em que ocorre a descriminação do sexo feminino, pode ocorrer no seio familiar, ou em qualquer ambiente. A grande maioria das incidências do feminicídio decorre em laços em que há relações afetivas, onde a vítima possui vínculo.
Sendo assim, observa-se o seguinte:
Nessa perspectiva, o assassinato de mulheres pode ser realizado por pessoas próximas das vítimas, como namorados, maridos e/ou companheiros, outros membros da família ou por desconhecidos. Tais circunstâncias contribuem para a determinação das seguintes tipologias: a) feminicídio íntimo é o tipo mais frequente, em que o homicida mantinha ou manteve com a vítima relacionamento íntimo ou familiar. (OLIVEIRA; COSTA; SOUZA, 2015. p. 2)
Importante frisar que o feminicídio não se detém apenas da morte contra mulher, mas sim nos casos em que a ocorrência do homicídio ocorreu pelo ódio, desprezo e misoginia em desfavor a mulher, não sendo configurada em qualquer ato de homicídio a configuração do feminicídio.
Esclarece o Protocolo Feminino (2021. p. 1)
Embora todos os feminicídios possam ser qualificados como homicídios nos termos da legislação penal vigente nos países da região, nem todos os homicídios de mulheres podem ser qualificados como feminicídios. Ainda que a morte de uma mulher possa ser violenta como, por exemplo, em um acidente de trânsito , o motivo do ato pode não estar relacionado à sua condição de mulher, ou não estar motivado por razões de gênero, como quando a morte de uma mulher se apresenta, por exemplo, como consequência do furto de seu veículo.
No crime existe o termo consumado e o tentado, sendo assim, o consumado tem a configuração da consumação do crime. Todavia, o crime tentado o agente não obteve êxito em matar a pessoa. No crime de feminicídio, em alguns casos o agente não consegue concluir o homicídio, nestas ocasiões a vítima por ter medo continua naquela relação. Embora a vítima tenha a chance de ir à delegacia, a mesma dispõe de receios, uma vez que o individuo a remeta com ameaças. De acordo com a imagem 03, 90% das mulheres entrevistadas discorrem que permanecem nas relações em decorrência do medo.
30% das mulheres dizem que já foram ameaçadas de morte por parceiro ou ex; 1 em cada 6 sofreu tentativa de feminicídio, diz pesquisa
Fonte: G1 (2021)
O feminicídio poderá ocorrer de duas formas, sendo por violência doméstica ou em decorrência da descriminação do sexo feminino. A lei regulamenta que as relações entre cônjuges resultantes de homicídio poderão ser configuradas como feminicídio. De acordo com a página da UOL (2021) Violência doméstica; Misoginia e discriminação de gênero, que podem incluir violência sexual e física, pois, nesses casos, as mulheres são vistas como objetos O fato é que as mulheres nos dias atuais decorrem de amparo jurídico ao seu favor, podendo buscar ajudar a uma delegacia mais próxima.
Nos tempos passados as mulheres não detinham de tamanho amparo legal, neste sentido, salienta-se que o sexo feminino busque ajuda a primeiro momento de quaisquer tipos de violência, para que possam prevenir futuras agressões que poderá resultar a morte.
4 CONCLUSÃO
Diante do exposto, foi possível analisar as formas de violência praticadas contra a mulher, destacando-se entre elas, o feminicídio. Portanto, o feminicídio, que é uma qualificadora do crime de homicídio, também pode ser conceituado como flagrante violação de direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana.
Ainda nesse sentido, foi possível compreender que nos últimos anos houve um aumento significativo no índice de ocorrências do feminicídio, sobretudo durante a pandemia causada pela Covid-19, que resultou em desemprego, impactos socioeconômicos e no isolamento social, dificultando a realização de denúncias e restringindo ou, até mesmo eliminando os centros de atendimento às vítimas de forma presencial.
Além do mais, ao longo do trabalho foi contextualizado a questão jurídica a que se refere o feminicídio, informando ao leitor acerca da penalidade incumbida ai individuo que realizar tal crime ilícito, sendo determinado por lei como crime hediondo.
Deste modo, concluiu-se que é de suma importância conscientizar a sociedade quanto à necessidade de se garantir uma igualdade não meramenteformal, mas substancial, posto que, por vezes, as violências praticadas contra a mulher são decorrentes de uma cultura patriarcal.
Ainda, torna-se necessária a adoção de medidas preventivas, no que se refere à realização de denúncias, sobretudo de forma online, mormente pela necessidade do distanciamento e isolamento social, com vistas a se alcançar efetividade quanto à punição do agressor e assegurar a dignidade da pessoa humana.
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Abstract: Femicide was included in the Penal Code through Law n. 13.104/15, as a qualifier of homicide, motivated by hatred against women or belief in the inferiority of women, whose central characteristic of the crime is the fact that the victim is female. This offense occurs, for the most part, in a context of domestic/family violence and due to contempt or discrimination to the woman's condition, which can be combined with conducts related to sexual violence, torture and/or mutilation of the victim, either before or after of his death. This is an issue of great importance, since there was a significant increase in femicide during the COVID-19 pandemic, mainly due to the need for isolation and social distance. The methodology used is a bibliographical research that seeks its foundations in Brazilian legislation, such as the Federal Constitution of 1988 and the Penal Code, as well as in articles and periodical. Through this study, it was found that social isolation contributed to the growth in the number of femicides, as well as the need to develop effective measures to address this social problem, such as the creation of online reporting channels, allied to a severe punishment of aggressors, in addition to intense social awareness, as a way to guarantee the constitutional right to life and dignity of the human person, an axiological vector of the entire legal system.
Key-words: Femicide. Pandemic. Social isolation. Violence. Righttolife