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Poder familiar compartilhado

Agenda 20/02/2007 às 00:00

O poder familiar consiste no conjunto de atribuições que os pais detêm relativamente aos filhos, a fim de garantir-lhes uma formação pessoal saudável. Em verdade, não se trata tecnicamente de um "poder", mas do exercício de uma gama de deveres, que habilitam os pais a criar a prole com responsabilidade. É, em síntese, um instituto protetivo.

Assim é que a nova terminologia adotada pelo Código Reale — "poder familiar" no lugar de "pátrio poder" — ainda suscita severas críticas da doutrina especializada. Se por um lado a mudança condiz com a igualdade de gêneros preconizada pela ordem constitucional vigente, por outro, traz ínsito o ranço da subjugação, como se ainda houvesse, na comunidade familiar atual, lugar para comandantes e comandados, o que é uma impropriedade.

O que existe entre pais e filhos hoje não é relação de poder, mas sim de autoridade. Autoridade exercida em prol da construção salutar da personalidade dos filhos e da preservação da dignidade deles, o que apenas pode ser alcançado em um ambiente de igualdade, onde todos os participantes da equação familiar sejam valorados de forma equivalente.

É certo que nem sempre foi assim. Até aproximadamente meados do século XX, as relações familiares radicavam-se em pilares patriarcais, a partir dos quais se erigia uma estrutura eminentemente piramidal. O pai, então chefe da sociedade conjugal, do alto de seu poder e do topo da pirâmide, governava os rumos da família sob sua batuta. Após os influxos libertários da revolução sexual e do reconhecimento da força de trabalho da mulher, a família ganhou novas feições. Na rejuvenescida família da era contemporânea, as mulheres têm atividade profissional intensa e os homens participam mais do cotidiano doméstico. Assim, pode-se dizer que as mulheres foram lançadas no espaço público, enquanto os homens foram trazidos para o espaço privado.

Na esteira de tais alterações sociais, o direito cuidou de se adaptar aos novos modelos estabelecidos, alçando à cogência constitucional várias alterações significativas, entre as quais a isonomia conjugal, que culminou por influenciar no surgimento de um instituto paritário de proteção dos filhos incapazes: o poder familiar. Em conformidade com o que dispõe nosso Código Civil, o poder familiar é exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, circunstância que não se altera com eventual separação do casal. Logo, o poder familiar é compartido entre os genitores.

Com efeito, se nossa ordem jurídica prima pela proteção integral das crianças e adolescentes, mais que coerente que os pais exerçam, ambos, o poder familiar. Afinal, quatro olhos vêem melhor do que dois, propiciando uma proteção mais eficaz ao filho comum, estejam os pais juntos ou separados.

Os pais de hoje estão mais perto dos filhos, porque já não existe um espaço pré-determinado e compartimentado para cada qual na instituição familiar. Os pais e as mães contribuem para a manutenção do núcleo familiar de forma igualitária, misturando papéis, alternando responsabilidades, complementando as lacunas mútuas. Ambos os genitores têm, pois, plenas condições de exercer ativamente o poder familiar.

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E assim devem seguir agindo, mesmo em caso de ruptura da sociedade conjugal. Primeiro, em razão do disposto na lei (art. 1.632 do Código Civil) e, depois, porque a presença de ambos os pais na formação dos filhos é indispensável. Não é justo nem moralmente aceitável que um pai dedicado e cioso de seus deveres parentais seja simplesmente defenestrado do cotidiano de seu filho, apenas porque a relação matrimonial do casal foi desfeita.

Se a família atual surge em um contexto social diverso daquele que há pouco vigorava, se hoje a comunidade familiar nasce e se desenvolve em um ambiente que privilegia o afeto e o respeito à dignidade de seus membros, se na atualidade, enfim, a família se constrói de forma especial, é esperado que ela também se desconstrua diferentemente.

É preciso que genitores e operadores do direito estejam atentos ao momento social em que as separações e os divórcios atuais estão eclodindo e passem a dar atenção redobrada ao instituto do poder familiar. Exercê-lo de forma ampla e efetiva implica co-responsabilidade na educação integral do filho, sendo irrelevante qual dos genitores detenha a guarda da criança.

Infelizmente, o que se vê na prática é que o cônjuge guardião é sempre quem, de fato, exerce sozinho o poder familiar, quando essa situação só deveria se verificar em casos patológicos de suspensão ou destituição da autoridade parental. Tal costume vicioso afronta a lei e prejudica os filhos, que são aviltados em seu direito, constitucionalmente assegurado, de ampla convivência familiar (art. 227 da Constituição Federal).

O genitor guardião não é melhor do que o não-guardião. Apenas, e de forma não definitiva, exerce a guarda de um filho que não pode ser partido em dois, como na parábola de Salomão. Morar com um dos pais constitui somente um ajuste necessário às circunstâncias de fato criadas pelos próprios genitores. Isso, de forma alguma, faz presumir que aquele com quem o filho habita é mais importante, penalizando-se o outro genitor com um distanciamento muitas vezes irrecuperável. Agir assim é uma violência, principalmente contra as crianças envolvidas no conflito.

O poder familiar no Brasil é compartilhado e precisa ser melhor compreendido, deixando de ocupar o lugar frio que lhe reserva um artigo de lei para passar a ser uma questão de atitude daqueles que realmente se esmeram pela felicidade dos filhos, mesmo que para isso tenham que aturar um indigesto e indesejado ex-cônjuge.

Sobre a autora
Raquel Pacheco Ribeiro de Souza

promotora de Justiça em Belo Horizonte (MG), especialista em Filosofia do Direito, coordenadora da Comissão de Legislação do Instituto Brasileiro de Direito de Família - seção Minas Gerais (IBDFAM/MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Raquel Pacheco Ribeiro. Poder familiar compartilhado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1329, 20 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9516. Acesso em: 22 dez. 2024.

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