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Análise jurídica sobre o fenômeno do arquivamento indireto no processo penal brasileiro

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Agenda 04/02/2024 às 14:26

Mesmo sem estar regulado em lei, tem pleno amparo constitucional e efetividade real o arquivamento indireto.

Resumo: O presente trabalho tem como tema a Análise jurídica sobre fenômeno do arquivamento indireto no processo penal brasileiro objetivando discorrer sobre as características dessa criação jurisprudencial realizada pelo Supremo Tribunal Federal, a sua aplicação (por analogia, com o art. 28. do Código de Processo Penal), bem como suas consequências sobre o inquérito policial e a ação penal advinda (ou não) dos atos persecutórios realizados pela autoridade policial. Em breve estudo, no qual são citadas doutrinas, jurisprudências e argumentos de acordo com a lei vigente e doutrinadores renomados, demonstrou-se que, mesmo sem estar regulado em lei, tem pleno amparo constitucional e efetividade real o arquivamento indireto, solucionando assim, as divergências entre Ministério Público e o Juízo quando estes discordam quanto à competência para acolher, processar e julgar algum ilícito penal.

Palavras-chave: Inquérito policial. Arquivamento Indireto. Arquivamento Implícito. Fenômeno Jurídico. Conflito de Competência. Declinação de Competência.

Sumário: 1. introdução; 2. análise à natureza do inquérito policial no ordenamento jurídico brasileiro; 2.1 características do inquérito policial; 3 aspectos gerais de procedimentos para a instauração do inquérito policial; 3.1 dos prazos para conclusão do inquérito policial; 3.2 do inquérito e seu valor probatório no ordenamento jurídico brasileiro; 3.3 do arquivamento (direto) do inquérito policial; 4. o fenômeno jurídico do arquivamento indireto e seus conceitos; 4.1 conceito de arquivamento implícito e as diferenças do arquivamento indireto; 4.2 os efeitos do arquivamento indireto (por analogia com o artigo 28 do código de processo penal); 4.3 posicionamentos jurisprudencial do arquivamento indireto; conclusão; referências.


1. INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho é “Análise jurídica sobre o fenômeno do arquivamento indireto no processo penal brasileiro”, tendo como base uma criação jurisprudencial realizada pelo Supremo Tribunal Federal que demonstra conhecimentos norteados em Direito Processual Penal e Constitucional sobre o tema, em especial as consequências efetivas do arquivamento indireto do inquérito policial.

A problemática surge da seguinte questão: como ocorre a efetivação do arquivamento indireto do inquérito policial e quais são seus efeitos sobre a ação penal?

O tema foi escolhido em decorrência da curiosidade e interesse pessoal sobre o conflito que surge quando o Ministério Público declina de sua competência para denunciar crimes que entende não serem de sua seara específica e o juiz natural assenhoreia entendimento contrário ao Parquet, com o propósito de esclarecer como se efetiva a criação jurisprudencial operada pelo Supremo Tribunal Federal, conhecida como “arquivamento indireto”. Esta visa nortear e dirimir os conflitos de competência acima indicados, os quais serão tratados no decorrer deste trabalho acadêmico.

O objetivo geral do presente trabalho é investigar os efeitos do arquivamento indireto do inquérito policial e seus reflexos na ação penal, visando esclarecer como se concretiza no processo penal brasileiro esse fenômeno do arquivamento indireto.

Os objetivos específicos são explicitar sobre como se processa a declinação de competência no processo penal quando Ministério Público e Juiz divergem nesse ponto, e analisar os prazos para a conclusão do inquérito policial, investigando aspectos gerais para instauração do inquérito policial.

Para elaboração deste trabalho foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica por meio de documentos normativos e doutrinários de renomados autores, tais como Guilherme Nucci, Norberto Avena, Eugênio Pacelli, entre outros. Ademais, foram pesquisados e sites jurídicos que permitiram trazer informações atuais sobre o assunto e que incluíram na parte documental, legislações e jurisprudência consolidada dos tribunais superiores. Esta abordagem de fontes combinadas permitiu uma metodologia descritiva e seguida de uma breve análise crítica.

Para promover a melhor compreensão do tema, a estrutura do presente trabalho foi dividida em quatro seções:

A primeira seção: visa definir o conceito, a natureza, o início histórico e as características do inquérito policial.

A segunda seção: apresenta os procedimentos para instauração, os prazos para conclusão, o valor probatório e o conceito de arquivamento direto do inquérito policial.

A terceira seção: apresenta a criação e o conceito do arquivamento indireto, o conceito do arquivamento implícito, as diferenças em relação ao arquivamento indireto e os efeitos do arquivamento indireto no processo penal (por aplicação analógica com o art. 28. do CPP)

A quarta seção: apresenta o posicionamento jurisprudencial das cortes superiores que delineiam as feições do arquivamento indireto no inquérito policial.


2. ANÁLISE À NATUREZA DO INQUÉRITO POLICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Conceitua-se o inquérito policial como um método preliminar da ação penal, chefiado pela autoridade policial, objetivando a coleta preambular de provas, a fim de esclarecer as possíveis formas de execução de um ilícito penal e seus prováveis agentes.1

Sua finalidade principal é fornecer subsídios claros para o convencimento do Ministério Publico acerca da existência ou não dos delitos investigados, além da “colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime, bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação privada”.2

O inquérito policial possui natureza puramente administrativa (por consequência, inquisitorial e não obrigatória), não tendo o condão de, por si só, iniciar a persecução penal, que poderá ser deflagrada ou não pelo órgão estatal acusador.3

O termo “inquérito policial” tem sua primeira definição exposta na Lei 2.033 de 20 de setembro de 1871 e no Decreto 4.824 de 22 de novembro de 1971, que consistiam em todos os procedimentos legais possíveis e necessários para que determinado crime fosse devidamente elucidado, expostas suas formas praticadas, seus autores formalmente apontados e sua produção realizada pela polícia judiciária.4

A natureza administrativa do inquérito policial advém do fato de ser um procedimento meramente preparatório, formador da opinião do representante do Ministério Público, sendo, até certo ponto, um ato discricionário da polícia judiciária.5

É um mero instrumento de informações preliminares, com objetivo profilático enquanto o Estado-Juiz não exerce sua jurisdição, “do que resulta a certeza da desnecessidade do inquérito se, sem ele, se obteve já o fim a que se destina – apurar a existência de uma infração penal, apontar os que participaram de sua execução”.6

Nesse mesmo sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar apontam cristalinamente:

2. “O inquérito policial vem a ser o procedimento administrativo, preliminar; presidido pelo delegado de polícia, no intuito de identificar o autor do ilícito e os elementos que atestem a sua materialidade (existência), contribuindo para a formação da opinião delitiva do titular da ação penal, ou seja, fornecendo elementos para convencer o titular da ação penal se o processo deve ou não ser deflagrado.”7

Interessante deslindar que, nessa fase apuradora não incide, ainda, a pretensão acusatória. Porém, o inquérito policial retém todos os atributos de procedimento, guardando uma continuidade lógica e racional para a sua devida instauração, evolução e fechamento. Não obstante, tal ferramenta não possui rigidez draconiana, devendo ostentar uma maleabilidade na medida do necessário, ou seja, não existe uma ordem pré-fixada e inflexível.8

Isto posto, percebe-se que o inquérito policial possui consenso majoritário (senão, total) entre os mais renomados doutrinadores e juristas brasileiros9, no que tange ao entendimento de sua natureza jurídica.

2.1. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

O entendimento predominante na doutrina penal brasileira é que o inquérito policial é um mecanismo preliminar (pré-processual), meramente administrativo, carreado pela polícia judiciária com o objetivo inicial de coletar indícios de provas para aclarar a possível consumação de um tipo penal e seus autores.10

Nesse diapasão, Guilherme de Sousa Nucci esclarece:

3. “E, pelo fato de ser apenas preparatório, possui características próprias, tais como o sigilo, a falta de contrariedade da defesa, a consideração do indiciado como objeto de investigação e não como um sujeito de direitos (ver a nota 41 ao art. 6.º), a impossibilidade de se arguir a suspeição da autoridade policial que o preside, a discricionariedade na colheita das provas, entre outras.”11

Por sua natureza administrativa, normalmente é operacionalizado antes do impulso do Estado-Juiz, devendo o magistrado, neste momento pré-processual, quedar-se imune à qualidade das provas colhidas:

Somente intervindo para tutelar violações ou ameaça de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para, mediante provocação, resguardar a efetividade da função jurisdicional, quando, então, exercerá atos de natureza jurisdicional.12

Relevante ponderar que, jamais o comando do inquérito policial pode ser guiado pelo magistrado, o que configuraria ferir de morte o sistema acusatório acolhido pelo ordenamento jurídico pátrio, podendo o juiz requerer somente a abertura do inquérito, conforme art. 5.º, II, do CPP16. De outro lado, “também não poderá presidir o inquérito policial o Ministério Público, conforme se pronunciou o Plenário do STF ao deliberar, em sede de repercussão geral, acerca do Recurso Extraordinário 593.727/MG (j. 14.05.2015).17

Porém, no caso dos inquéritos civis (presididos pelo promotor de justiça) nos quais surjam evidências de prováveis tipos penais é permitido que o Ministério Público inicie a persecução penal, sendo inclusive “obrigado a adotar essa providência em face do princípio da obrigatoriedade, consubstanciado, entre outros dispositivos, no art. 39, § 5.º, do CPP, do qual se infere que o Órgão Ministerial deve promover a ação penal se estiver munido das informações necessárias ao oferecimento da denúncia”.18

Por ter essa roupagem inquisitorial, não está submetido ao exame do contraditório e ao exercício da ampla defesa, devendo transcorrer de forma sigilosa até o momento que seus atos forem reduzidos a termo. A partir desse momento, será possível o acesso pelos advogados do investigado a todos os atos já praticados no curso da investigação policial para atuação da defesa.20

As ações penais, de forma geral, são antecedidas pelo inquérito policial. Este fato, porém, não condiciona a obrigatoriedade da indispensabilidade de tal inquérito, mas apenas que as ações penais, legalmente ofertadas pelo órgão acusador e devidamente acolhidas pelo juízo competente, podem coexistir sem a averiguação pretérita realizada pelo ente investigador “do que resulta a certeza da desnecessidade do inquérito se, sem ele, se obteve já o fim a que se destina – apurar a existência de uma infração penal, apontar os que participaram da sua execução”.22

A dispensabilidade do inquérito policial funda-se na possibilidade de o órgão acusador encontrar outros meios de coleta de provas para início e/ou processamento da ação penal, formando assim a sua própria convicção quanto à materialidade, tipicidade e autoria dos delitos possivelmente praticados pelo réu, pois seu “conteúdo é meramente informativo, se já dispuserem o Ministério Público (na ação penal pública) ou o ofendido (na ação penal privada) dos elementos necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa-crime (...)”.23

Isso quer dizer que, no início da investigação e no seu curso, cabe ao delegado proceder ao que tem sido chamado pela doutrina de juízo de prognose, a partir do qual decidirá quais providências são necessárias para elucidar a infração penal investigada. A este juízo, mais tarde, quando finalizada a investigação, sucederá o juízo de diagnose, momento em que o delegado, examinando o conjunto probatório angariado, informará, no relatório do procedimento policial, as conclusões da apuração realizada.25

Importante demonstrar que a discricionariedade e a oficialidade do inquérito policial não se contradizem nem se contrapõe, pois o “última refere-se à obrigatoriedade de instauração do inquérito em face da notícia de um crime que autoriza o agir ex officio do delegado, enquanto a primeira concerne à forma de condução das investigações (...)”.26

Desta forma, essa característica preservadora tem o objetivo de “evitar imputações infundadas ou levianas. Tal linha de pensamento, ao fim e ao cabo, importa em afastar a clássica função unidirecional da investigação criminal, voltada exclusivamente para a acusação.”30

Sendo assim, tal função preservadora do inquérito policial tem o objetivo cristalino de “extirpar, logo de início, dúvidas frágeis, mentiras ardilosamente construídas para prejudicar alguém, evitando-se julgamentos indevidos de publicidade danosa.”31

Importante salientar que as provas colhidas durante o curso do inquérito policial não possuem valor probante absoluto, já que não foram submetidas ao contraditório, cerceando a ampla defesa do acusado, segundo menciona Norberto Avena:

ficando sua utilização como instrumento de convicção do juiz condicionada a que as provas nele produzidas sejam renovadas ou ao menos confirmadas pelas provas judicialmente realizadas sob o manto do devido processo legal e dos demais princípios informadores do processo.32

Destaque-se que tais indícios de provas servem apenas como possível fundamentação para a formação da convicção do magistrado acerca da tipicidade, materialidade e autoria do réu, não estando o juiz obrigatoriamente vinculado aos fatos expostos exclusivamente nas peças inquisitoriais para embasar seu convencimento e exarar sua decisão.33


3. ASPECTOS GERAIS DE PROCEDIMENTOS PARA A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

As balizas para o início do inquérito policial estão delineadas no art. 5º do Código de Processo Penal “as quais dependem, sobretudo, da natureza do crime a ser investigado – crime de ação penal pública incondicionada ou condicionada e crime de ação penal privada.”34

O ponto em comum para o despertar dos atos investigativos converge sempre para a “notitia criminis, assim compreendida a notícia da infração penal levada ao conhecimento da autoridade policial”35, podendo ser de cognição direta (quando a própria autoridade policial toma ciência diretamente dos possíveis ilícitos praticados por meio de suas atividades rotineiras de investigação e prevenção, de cognição indireta (provocada) quando, por exemplo, uma vítima comunica ao órgão investigativo ter sofrido a ofensa perpetrada por algum ilícito penal ou ainda de cognição coercitiva, quando “na hipótese de prisão em flagrante delito, em que a autoridade policial lavra o respectivo auto”.36

Guilherme Nucci esclarece, acerca da ação penal pública, que:

É aquela cuja iniciativa cabe ao Ministério Público, dividindo-se em incondicionada e condicionada. Enquanto a primeira não exige a participação da vítima, solicitando expressamente a atuação do Estado, a segunda não prescinde da representação, que é a manifestação do ofendido para ver apurado o fato criminoso e punido seu autor.37

Quando o tipo penal se amolda aos limites da ação penal pública incondicionada, o Código de Processo Penal positiva que o inquérito policial deverá ser iniciado, de ofício, por meio de portaria, independente da instigação dos interessados, contendo “o objeto da investigação, as circunstâncias conhecidas em torno do fato a ser apurado (dia, horário, local, etc.) e, ainda, as diligências iniciais a serem realizadas”.38

Além da portaria, outra forma de se iniciar o inquérito policial de uma ação penal pública incondicionada é por meio de requisição do juízo ou do Ministério Público. Destaque-se, quanto à instauração de inquérito requestada pelo juiz ou pelo Ministério Público, há divergência doutrinária acerca da submissão do delegado de polícia ao atendimento de tal requisição.39

De um lado, parte dos doutrinadores entende que a requisição feita pelo Parquet ou pelo magistrado não possui escora legal, não devendo a autoridade policial atuar, pois, submetendo-se às vontades pessoais de autoridades outras, estaria ferindo o sistema acusatório devidamente instituído no Brasil.40

Por outro prisma, parte dos mestres percebe que o delegado “não pode se recusar a instaurar o inquérito, pois a requisição tem natureza de determinação, de ordem, muito embora inexista subordinação hierárquica”.41

A forma seguinte para inaugurar a investigação policial com objetivo de apurar ilícitos de ação penal pública incondicionada é por reinvindicação da vítima ou de seu preposto legal o qual deverá conter, sempre que possível, a narração do fato, a individualização do indiciado, as razões de convicção ou presunção da autoria e o rol de testemunhas (art. 5.º, § 1.º, do CPP)”.42

Em posição antagônica à solicitação do juízo e/ou do Ministério Público, não retém o sentido de ordenamento estatal, configurando somente um pedido trivial que pode ser prontamente rejeitado pelo delegado de polícia, se esse não perceber clara tipicidade penal dos fatos indicados pelo solicitante.43

Nesse mesmo diapasão, Eugênio Pacelli esclarece luminosamente:

O Código de Processo Penal permite à autoridade policial a recusa de instauração de inquérito quando o requerimento do ofendido ou seu representante não apresentar conjunto indiciário mínimo à abertura das investigações, ou quando o fato não ostentar contornos de criminalidade, isto é, faltar a ele quaisquer dos elementos constitutivos do crime. Em tais hipóteses, caberá recurso ao órgão competente na estrutura administrativa da polícia (art. 5º, § 2º, CPP).44

Para terminar, quanto aos delitos de ação pública incondicionada, é possível a deflagração das investigações por meio do auto de prisão em flagrante, ainda que o art. 5. do CPP não o aponte claramente como sendo método iniludível “de instauração de inquérito policial, dispensando a portaria subscrita pelo delegado de polícia”.45

Quanto aos ilícitos com tipicidade ajustada aos limites da ação pública condicionada, o inquérito policial pode ser instaurado mediante representação do ofendido ou de seu representante legal, por requisição do juízo e/ou do Ministério Público ou, por fim, pelo auto de prisão em flagrante. Na representação, “a vítima ou seu representante legal autoriza o Estado a desenvolver as providências necessárias à investigação e apuração judicial dos crimes que exigem essa formalidade”.46

Não é uma formalidade draconiana na produção da representação, bastando a presença indiscutível do propósito de se obter a apuração da responsabilidade sobre o ilícito penal supostamente praticado pelo acusado. “Pode ser oferecida diretamente ao delegado de polícia, ou, então, ao Ministério Público e ao próprio juiz de direito, que, nesse caso, requisitarão o inquérito ao delegado. Se realizada de forma oral, será reduzida a termo (art. 39, § 1.º, do CPP)”.47

É meritório salientar que o direito à representação está submisso aos efeitos da decadência, como muito bem esclarecido por Norberto Avena:

O direito à representação está sujeito à decadência. Assim, se não for exercido pelo respectivo legitimado no prazo legal de seis meses contados da ciência quanto à autoria do fato, ocorrerá a extinção da punibilidade (arts. 103. e 107, IV, do CP e 38 do CPP). Sendo a vítima menor de 18 anos, a representação deverá ser feita pelo seu representante legal, no mesmo prazo. Não o fazendo, nem por isso ficará a vítima definitivamente privada de manifestar sua vontade em ver apurada a infração penal, pois, para ela, o prazo de seis meses começa a fluir a partir da data em que atingir 18 anos de idade. São prazos, portanto, que se contam separadamente – um, o prazo da vítima, outro o prazo de seu representante –, entendimento este que coincide com a previsão da Súmula 594 do STF, ao dispor que os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.48

Na representação realizada pelo juiz ou pelo Ministério Público, é fundamental que ocorra previamente um pedido da vítima ou de seu representante dirigida ao órgão solicitante “a qual deverá acompanhar o ofício requisitório endereçado ao delegado”.49

Nesse ponto, há uma divergência doutrinária, conforme clareado por Norberto Avena:

Entendimento oposto, qual seja, o de que o inquérito não pode ser iniciado mediante requisição do juiz ou do promotor nos crimes de ação penal pública condicionada importaria em tornar letra morta a regra do art. 39. do CPP, ao dispor que o direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.50

Por último, do inquérito policial que foi iniciado por meio de uma prisão em flagrante, “deduz-se que a lavratura do flagrante nos crimes de ação penal pública condicionada à representação exige que a vítima ou seu representante estejam presentes no momento da formalização do auto de prisão e manifestem perante a autoridade policial a vontade de ver apurada a infração penal.”51

Não muito comum, mas possível de ser utilizada como forma de abertura de um inquérito policial, é a requisição por parte do Ministro da Justiça, que, “em determinadas hipóteses, a instauração da ação penal condiciona-se à existência de prévia requisição do Ministro da Justiça. Evidentemente, este condicionamento da ação penal, quando presente, alcança também a instauração do inquérito policial.”52

Os limites para esse tipo de requerimento são bem exíguos, conforme se aponta a seguir:

Note-se que, nos crimes de ação privada, o inquérito policial terá seu início por requerimento da vítima ou de seu representante, por requisição do juiz ou do Ministério Público ou por prisão em flagrante, como já exposto acima. Por requerimento da vítima (ou seu representante) o art. 5.º, § 5.º do CPP aponta que a “autoridade policial somente poderá instaurar o inquérito mediante requerimento de quem tenha qualidade para o ajuizamento da queixa-crime, isto é, o ofendido ou seu representante legal (art. 30. do CPP)”.54

Tal requisito é uma formalidade essencial para a abertura das investigações, sem o qual surge a possibilidade de ser impetrado um Habeas Corpus, por parte do acusado, objetivando o trancamento da apuração policial.55

Quanto ao prazo decadencial, Norberto Avena esclarece mais uma vez:

Considerando que nos crimes de ação penal privada o ajuizamento da queixa-crime deve ocorrer antes de se esgotar o prazo decadencial de seis meses contados do dia em que a vítima ou demais legitimados dos arts. 30. e 31 do CPP tomarem ciência de quem foi o autor do crime (arts. 103. e 107, IV, do CP e 38 do CPP), este mesmo prazo deve ser observado para fins de requerimento de inquérito. Afinal, se o inquérito policial visa à obtenção de elementos que permitam o desencadeamento da ação penal e se, quanto a esta, já se operou a decadência do direito, não há, logicamente, razão plausível que autorize a instauração de procedimento investigatório no âmbito policial.56

No caso da vítima (ou seu representante legal), ter requerido ao juiz ou ao Ministério Público a abertura das investigações quanto ao suposto crime praticado, “nada impede que procedam estas autoridades à requisição de inquérito, acostando o requerimento a elas endereçado ao ofício requisitório”.57

Para concluir, em caso de flagrante delito, as ações penais privadas poderão ter seus inquéritos policiais iniciados “desde que, à semelhança do que ocorre nos delitos de ação penal pública condicionada, a vítima autorize ou quem a represente ratifique a sua lavratura no prazo máximo e improrrogável de 24 horas contado da prisão”.58

3.1. DOS PRAZOS PARA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial possui prazo definido no ordenamento jurídico para o seu término, sendo “em regra, em 10 dias, quando preso o indiciado, ou em 30, quando solto. Na Justiça Federal, o prazo é de 15 dias, estando preso o acusado, podendo, todavia, ser prorrogado por mais 15, chegando, então, a 30, nos termos do art. 66. da Lei nº 5.010/66. Se estiver solto, o prazo segue a regra comum, ou seja, será de 30 dias”.59

As exceções se apresentam quando as investigações se debruçam sobre ilícitos pertinentes a tóxicos, onde se prevê:

(...) prazo de 30 dias para o encerramento do inquérito, quando preso o indiciado, ou de 90, quando solto, conforme disposto em seu art. 51. Segundo o parágrafo único do aludido dispositivo, esse prazo poderá ser duplicado pelo juiz, mediante representação da autoridade policial (ou requerimento do Ministério Público, acrescentaríamos nós), sempre justificada.60

Já nos crimes contra a economia popular, o prazo será de 10 dias, estando ou não o investigado preso. Importante esclarecer que tais prazos são meramente administrativos, não obrigando o encerramento definitivo das investigações ou seu possível arquivamento.61

Quanto à competência para determinar a prorrogação do encerramento dos prazos inquisitoriais, o ordenamento brasileiro lança sobre o judiciário tal responsabilidade. Porém, “deve-se observar que o inquérito se dirige exclusivamente à formação da opinio delicti, isto é, do convencimento do órgão responsável pela acusação”.62

Acerca deste controle judicial do inquérito, Eugênio Pacelli elucida magistralmente:

Por isso, inadmissível e inconstitucional, por violação ao princípio acusatório, a regra trazida com a Lei nº 11.690/08, que, dando nova redação ao art. 156. do CPP, prevê a possibilidade de o juiz determinar, de ofício, diligências probatórias no curso da investigação criminal (art. 156, I, CPP). (...) E é justamente a preocupação com a proteção de interesses públicos relevantes, como o direito à tutela da imagem, bem como com a efetividade da jurisdição penal, que justifica a adoção do sigilo na elucidação dos fatos (art. 20, CPP).63

À vista disso, o juiz só pode se manifestar durante a fase investigatória se for como “juiz das garantias individuais, no exercício do controle judicial de legalidade dos atos administrativos”.64

3.2. DO INQUÉRITO E SEU VALOR PROBATÓRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O inquérito policial não pode ser utilizado como fonte única e concreta de formação de provas, haja visto que tais alegações não foram submetidas ao crivo do contraditório, o que só pode ocorrer em juízo, conforme Nucci explicita:

A Constituição Federal, através dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, seria maculada quando uma prova, possível de ser concretizada em juízo, fosse antecipada para a fase extrajudicial, valendo, posteriormente, como meio de prova contra o réu.65

O inquérito policial é um dos meios que o Estado se utiliza para obtenção de informações iniciais sobre a autoria e materialidade do suposto ilícito praticado.66 Importante destacar a diferença que Renato Brasileiro de Lima faz entre elementos informativos e prova:

Diante da nova redação do art. 155. do CPP, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do inciso LV do art. 5o da Constituição Federal. (...). De seu turno, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa.67

Nesse diapasão, a jurisprudência pacificada nos tribunais brasileiros aponta que o inquérito policial possui valor probante relativo:

ficando sua utilização como instrumento de convicção do juiz condicionada a que as provas nele produzidas sejam renovadas ou ao menos confirmadas pelas provas judicialmente realizadas sob o manto do devido processo legal e dos demais princípios informadores do processo.68

Nesse contexto, o juiz e o Ministério Público não estão vinculados aos indícios de provas apresentadas pelo delegado de polícia e, consequentemente, não estão obrigados a iniciarem a ação penal, pelo simples fato de que tais indícios ainda não foram submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa69.

3.3. DO ARQUIVAMENTO (DIRETO) DO INQUÉRITO POLICIAL

Por ser o titular de toda e qualquer ação penal, o Ministério Público tem a competência exclusiva de, se assim entender, requisitar o arquivamento do inquérito policial, não sendo “atribuição da polícia judiciária dar por findo o seu trabalho, nem do juiz, (...), concluir pela inviabilidade do prosseguimento da colheita de provas.”70

Apenas nos casos em que o Ministério Público ordena o arquivamento do inquérito sem nenhuma fundamentação plausível é que o Juiz pode se manifestar “fazendo a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça para que, nos termos do art. 28. do Código de Processo Penal, possa dar a última palavra a respeito do caso”.71

Por outra perspectiva, no caso de as investigações terem sido completamente estéreis e o Ministério Público ainda assim insista com a continuação das investigações (com o único objetivo de prejudicar o investigado ou outra pessoa qualquer) “é possível a concessão de ordem de Habeas Corpus para trancar a investigação por falta de justa causa. Esta situação, no entanto, deve ser sempre excepcional”.72

O inquérito é um mecanismo de exercício de poder estatal, valendo-se de inúmeros instrumentos que certamente podem constranger quem não mereça ser investigado. O indiciamento, como já se viu, é mais grave ainda, pois faz anotar, definitivamente, na folha de antecedentes do sujeito a suspeita de ter ele cometido um delito. Por tal razão, quando se perceber nítido abuso na instauração de um inquérito (por exemplo, por fato atípico) ou a condução das investigações na direção de determinada pessoa sem a menor base de prova, é cabível o trancamento da atividade persecutória do Estado. Entretanto, é hipótese excepcional, uma vez que investigar não significa processar, não exigindo, pois, justa causa e provas suficientes para tanto. Coíbe-se o abuso e não a atividade regular da polícia judiciária.73

O inquérito policial jamais pode ser utilizado como forma de humilhação, perseguição ou coação que se alargue fora das balizas normativas e constitucionais, conforme magistralmente explicado por Guilherme Nucci.74

Por sua natureza administrativa, inquérito policial só poderá ser arquivado por meio de ato administrativo complexo, estando submisso à manifestação do Ministério Público e depois encaminhado para homologação pelo juiz.75

Importante esclarecer que “Havendo discordância quanto ao pedido de arquivamento (caso o juiz não concorde com o arquivamento), o juiz deve remeter os autos ao Procurador Geral, nos termos do art. 28, CPP”.76

Ocorrendo o arquivamento do inquérito policial nos termos do art. 28. do CPP, tal fato obstrui a abertura da ação penal quanto aos fatos investigados (todavia não fazendo coisa julgada material) desde que não surjam provas novas.77

Eugênio Pacelli elucida que esse tipo de arquivamento é denominado arquivamento direto:

Concordando ele com o pedido formulado pelo órgão do Ministério Público, será determinado o arquivamento dos autos, somente podendo ser reabertas as investigações a partir do surgimento de novas provas, isto é, de provas não integrantes do acervo recolhido durante o inquérito (art. 18, CPP). Tal modalidade de decisão denomina-se arquivamento direto, com eficácia preclusiva típica de coisa julgada formal, na medida em que impede, diante daquele conjunto probatório, a rediscussão ou novas investidas sobre os fatos78.

Nesse patamar, fica claro que é impossível, após o arquivamento do inquérito policial, o descerramento das investigações79, novos debates e até mesmo novas arremetidas sobre os episódios já devidamente esquadrinhados.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Fernandes. Análise jurídica sobre o fenômeno do arquivamento indireto no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7522, 4 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95462. Acesso em: 18 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Estácio do Ceará. Professora Orientadora: Cristiane Dupret. 2021.

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