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Processo administrativo de trânsito:

da autuação à cassação da CNH

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Agenda 04/03/2007 às 00:00

3. NOTIFICAÇÃO E DEFESA DA AUTUAÇÃO

O exercício da defesa prévia, como o instituto era conhecido na vigência do antigo Código Nacional de Trânsito (CNT), teve disciplina estabelecida, respectivamente, pelas Resoluções nº 568/80, 744/89 e 829/97, tendo esta última vigorado, segundo nosso entendimento, até a edição da Resolução nº 149/03, quando foi tacitamente revogada. Após a edição do CTB, abalizadas vozes negaram, por muito tempo, a existência do instituto ante a suposta lacuna do texto legal. Ocorre que o artigo 314 do CTB deu plena eficácia à Resolução nº 829/97, a qual prescrevia em seu artigo 1º que:

O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado (grifo meu) 10.

Diga-se mais ainda. Com a alteração efetuada pela Lei nº 9.602/98 no inciso II do § único do artigo 281, restou evidente no texto legal a existência da dupla notificação: esta, relativa à notificação da autuação, e a constante do artigo 282, atinente à notificação da imposição da penalidade. Ainda que não se tenha sido erigida pelo CTB à categoria de recurso próprio, apresenta esta todas as nuances daqueles institutos, uma vez que seu deferimento propicia o imediato arquivamento do auto de infração. Apesar de todo o arcabouço jurídico existente, capitaneado pelo inciso LV do artigo 5º da CF/88, os motoristas brasileiros foram sumariamente destituídos de tão importante direito por mais de cinco anos.

E ainda continuam sendo face à consolidação da jurisprudência no sentido de que a autuação in facie do infrator, excluída tão somente a situação em que esta seja de responsabilidade do proprietário e o mesmo não esteja conduzindo o veículo, deve ser considerada como a primeira notificação, iniciando-se a partir daí o prazo de 30 dias para apresentação da defesa da autuação, desprezando por isso mesmo a regra contida no § 3º do artigo 3º da Resolução nº 149/03, a qual não exime o órgão de trânsito de expedir aviso informando ao proprietário do veículo os dados da autuação e do condutor identificado.

Equívoco expressivo comete nossos doutos julgadores e os eminentes conselheiros do CONTRAN. Desconhecem esses ilustres personagens que o início do processo administrativo para imposição de penalidade só irá se iniciar se a autoridade de trânsito julgar o auto de infração consistente e regular, pois caso contrário este será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Portanto, o proprietário do veículo somente poderá apresentar a defesa da autuação quando esta for julgada válida pela autoridade de trânsito e encaminhada para sua ciência, ocasião então que se iniciará o prazo para apresentação do recurso. Qualquer entendimento em sentido oposto se chocará frontalmente com os sagrados princípios da ampla defesa e do contraditório e, com certeza, causará sérios prejuízos aos administrados.

Findo o julgamento do auto de infração pela autoridade de trânsito, deve esta expedir, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do cometimento da infração, a notificação da autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (art. 281 do CTB e art. 3º da Resolução nº 149/03), devendo ser frisado que para infrações comprovadas por sistemas automáticos não metrológicos, tais como o avanço do sinal vermelho do e semáforo e parada sobre a faixa de pedestre, a notificação da autuação (e da imposição de penalidade) deverá conter, obrigatoriamente, a informação de que a infração foi comprovada por meio do uso daqueles sistemas.

A expedição da notificação se fará por meio de remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência do julgamento da autuação (aplicável à Defesa da Autuação, por analogia ao contido no caput do art. 282). Note-se que o CTB é claro ao impor aos órgãos e entidades de trânsito o dever de assegurar efetiva ciência ao proprietário do veículo, situação excepcionada tão somente no caso de devolução da notificação por desatualização do endereço do destinatário.

Ocorre que, inobstante tal fato, exorbitando de seu poder regulamentar, o CONTRAN estipulou que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação da autuação à empresa responsável por seu envio, confrontando-se com a legislação maior e prejudicando claramente os administrados, uma vez que é consabido que esta entrega se faz por meio do conhecido AR (Aviso de Recebimento), o qual é restituído ao emitente após três tentativas de entrega.

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Verifica-se que grande parte dos proprietários de veículos trabalha durante o período comercial, ocasião em que suas residências se encontram vazias, sendo cientificados tão somente, na imensa maioria das vezes, quando do licenciamento do veículo, tolhendo-se seus direitos inarredáveis de contraditório e ampla defesa pelo transcurso dos prazos de recursos. E nem se diga que a publicação de edital em jornal de circulação local e/ou regional ou em Diário Oficial possa suprir tal lacuna, haja vista que seria ilógico e indevido impor ao proprietário de veículo acompanhar diariamente essas publicações.

Talvez uma solução intermediária para esse impasse seja a previsão contida na Deliberação nº 01/04 do CETRAN/SP 11, a qual prescreve que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação à empresa responsável pelo seu envio, no endereço constante nos registros do órgão expedidor do CLA, situação esta que aparenta ser mais condizente com o preconizado no CTB, deixando-se de utilizar o famigerado AR.

Outra questão a ser posta se relaciona com as matérias a serem ventiladas na defesa da autuação. A Deliberação nº 01/04 do CETRAN/SP e várias portarias de órgãos e entidades de trânsito cingem o campo de abrangência da defesa da autuação aos aspectos formais do auto de infração, sem adentrar ao mérito da imputação, restringindo inadvertidamente o alcance postulado pela Resolução nº 149/03, que não limita a abrangência do instituto. E nem poderia ser diferente, uma vez que a limitação imposta fere mortalmente o princípio da ampla defesa.

Igual entendimento é ressaltado pelo CETRAN/SC na Resolução nº 008/2004 12, a qual veda expressamente a discussão acerca do mérito da infração, tendo, a par do entendimento ofertado pelo jurista Alessandro Samartin Gouveia, em interpretação autêntica, confundido inconsistência com irregularidade do auto de infração (artigo 8º, § 1º).

Nessa seara deve ser registrada e aplaudida a iniciativa dos preclaros Conselheiros do CETRAN/RJ, os quais fixaram entendimento no sentido de que "uma vez conhecidos elementos fáticos e/ou jurídicos capazes de proporcionar a análise das alegações apresentadas pelos recorrentes, as autoridades de trânsito - estaduais ou municipais, in casu específico - são obrigadas a promoverem decisões de mérito nos processos de DEFESA DA AUTUAÇÃO (defesa prévia), regularmente interpostos na forma do §2º. do artigo 3º. da Resolução CONTRAN nº. 149/2003" (Parecer nº 01/2005. Relator: Dr. Antônio Sérgio de Azevedo Damasceno. Acesso em: 04 jul. 2006).

Para abrilhantar o esmero da decisão acima adotada, tomo a liberdade de transcrever excerto do voto lavrado na Ata da 14ª Seção Ordinária daquele órgão:

Ao proceder o julgamento da defesa da autuação, decerto precedida de uma minuciosa análise da consistência ou regularidade do auto de infração, a autoridade de trânsito não poderá furtar-se em avaliar as alegações oferecidas pelo recorrente - proprietário e/ou condutor do veículo infracionado - sobre o não cometimento da infração contestada; e, inclusive, das razões que o levaram, inesperadamente, a cometê-la.

(...) É oportuno relembrar que os valorosos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público têm manifestado, inúmeras vezes, o seu posicionamento quanto à ilegalidade das decisões alcançadas em processos administrativos, cujos acusados não tenham sido assegurados o exercício dos ditos princípios constitucionais. Veja-se, por exemplo, o enunciado da Súmula 127 do STJ  Superior Tribunal de Justiça , documento que contém registrado o seu entendimento quanto a que "é ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento da multa, da qual o infrator não foi notificado".

Ora, se a Constituição Federal preceitua que "são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (alínea "a", do inciso XXXIV, do artigo 5º. da CRFB); não será por demasiado relembrar que aos ocupantes de cargos, empregos e/ou funções públicas, investidos sob qualquer das formas admitidas em lei, cumprem estreita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mandamentos esses estabelecidos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Ante ao exposto, Senhores Conselheiros, por entender que as decisões alcançadas nos processos de defesa da autuação (defesa prévia), regularmente interpostos às autoridades de trânsito estaduais e municipais, devem ser precedidas de minuciosa avaliação quanto às alegações e às provas apresentadas pelo recorrente, e

Considerando os enunciados das Súmulas nºs. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, e o princípio da inafastabilidade, previsto no inciso XXXV do art. 5º. da Constituição da República Federativa do Brasil, verbis:

  • Súmula 346 do STF: "A Administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."

  • Súmula 473 do STF: "A Administração pode anular seus próprios atos, quanto eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

  • Inc. XXXV do art. 5º. CRFB: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"

Considerando a responsabilidade objetiva conferida aos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, conforme preconizado no §3º. do artigo 1º. do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, ipsis litteris:

CTB ," Art. 1º.

§ 3º. Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro."

VOTO pela OBRIGATORIEDADE DAS AUTORIDADES DE TRÂNSITO ESTADUAIS E MUNICIPAIS, sob pena de nulidade dos seus atos, PROMOVEREM DECISÕES DE MÉRITO nos processos administrativos instaurados para apuração das responsabilidades dos proprietários ou condutores de veículos infracionados, regularmente notificados para a apresentação de defesa da autuação, na forma do artigo 3º., caput, e seu §2º., da Resolução CONTRAN nº. 149/2004 13.

A conclusão acima exposta também é reforçada pelo escólio do jurista Alessandro Samartin Gouveia, que assevera:

A primeira situação a ser examinada decorre da apresentação tempestiva da defesa prévia. Sabemos que o prazo para interposição da defesa prévia é de trinta dias contados da data em que o suposto infrator tomou ciência da autuação. E ele poderá impugnar todas as matérias atinentes ao auto de infração, desde a existência do AIT até a existência da infração.

Pois bem, com a interposição dentro do prazo, nasce para o autor da defesa prévia o direito de ter todos os seus pedidos e fundamentos examinados e julgados pela autoridade de trânsito que julgar o AIT. Por exemplo, se o suposto infrator alega a inexistência do auto de infração de trânsito porque o agente autuador não era agente da autoridade de trânsito, esse argumento não poderá ser relevado pela autoridade julgadora, sob pena de infringência direita ao princípio da ampla defesa, porque a não apreciação da matéria implicará em sérios danos à defesa do suposto infrator.

Portanto, temos, pela tempestiva apresentação da defesa prévia, a necessária vinculação da decisão da autoridade julgadora, sob pena de nulidade da decisão de imposição de penalidade. Salientemos que só não será necessário o enfrentamento de todas as razões da defesa prévia se, com a procedência de uma delas, as demais restarem prejudicadas, mas, mesmo nessa hipótese, tal circunstância deve ser expressamente referida no julgamento.


4. DA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA POR ESCRITO

A penalidade de advertência por escrito poderá ser imposta no caso de infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa. Para Waldyr de Abreu a advertência é uma pena substitutiva da pena de multa leve ou média, de caráter essencialmente educativo, aplicável a critério da autoridade e desde que o condutor tenha bom prontuário, observando que a penalidade de multa anteriormente imposta deva apresentar decisão definitiva dentro do prazo a ser considerado (doze meses) 14.

A doutrina remansosa indica que esta não é uma faculdade concedida à autoridade de trânsito, mas sim um direito público subjetivo do infrator, desde que as circunstâncias objetivas ali estatuídas se façam presentes.

Questão controvertida a ser desvendada pelo intérprete da norma em comento se refere ao momento de sua imposição, ou seja, se esta deve ser aplicada após o julgamento do auto de infração pela autoridade ou após pedido expresso do infrator na análise da defesa da autuação. Sabe-se que a maioria dos órgãos e entidades de trânsito, sob o manto de alegações absurdas e questionáveis, preferem impor a penalidade de multa ao revés da advertência por escrito, mesmo porque em nenhum momento há o efetivo julgamento do auto de infração e as notificações de penalidade são impressas indistintamente, sob os auspícios da informática.

Cumpre-nos, nesse aspecto, parabenizar os eminentes conselheiros do CETRAN/SC que, percebendo a lacuna legislativa e a oposição das autoridades de trânsito em impor a referida penalidade, em afronta ao princípio da motivação dos atos administrativos, assentaram entendimento, por meio do Parecer nº 016/2005, no sentido de que nas decisões hipoteticamente sujeitas à imposição da advertência, a autoridade de trânsito tem o dever de motivar o seu ato, esclarecendo ao infrator o motivo pelo qual optou por advertir ou multar, sob pena de tornar o ato nulo, caso não proceda dessa forma 15, situação esta a que me filio por entender ser a mais coerente com a intenção do legislador. O referido parecer culminou, em 13 de junho de 2005, na publicação da Resolução nº 010/2005, a qual estabelece, ipsis literis:

(...)

Art. 1º Nas hipóteses em que o Código de Trânsito Brasileiro prevê a aplicação de penalidade de advertência, a autoridade de trânsito deve justificar o motivo pelo qual deixou de fazê-lo.

Art. 2º As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações e o Conselho Estadual de Trânsito considerarão em suas decisões a falta de motivação do ato da autoridade de trânsito que deixar de aplicar a penalidade de advertência, sujeitando esse ato ao reconhecimento da nulidade 16.

(...)

Entendimento contrário possui o eminente jurista Arnaldo Luis Theodosio Pazetti, para o qual não pode a autoridade de trânsito impor, de ofício, a referida penalidade, devendo esta ser solicitada pelo infrator, assentado no seguinte entendimento:

Embora a redação do supracitado artigo não tenha explicitado, entendemos não ser possível a conversão de ofício da penalidade de multa em penalidade de advertência por escrito, pois, embora tal conversão, em tese, fosse benéfica em virtude de se afastar a aplicação de penalidade pecuniária, o infrator poderia entender que, no seu caso, seria preferível arcar com o valor de uma multa leve ou média ao invés de ver lançada uma advertência por escrito em seu prontuário.

Havendo solicitação da conversão por parte do infrator, a autoridade de trânsito poderá (na realidade deverá, caso não fundamente o motivo do indeferimento do pedido de conversão) aplicar a penalidade de advertência por escrito, desde que o interessado encontre-se nas hipóteses previstas no artigo 267, ou seja, desde que não tenha praticado a mesma infração, de natureza leve ou média, nos últimos doze meses, e a autoridade de trânsito entender esta providência como mais educativa 17.

Sobre o autor
Benevides Fernandes Neto

Oficial da Polícia Militar em São José do Rio Preto/SP, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES NETO, Benevides. Processo administrativo de trânsito:: da autuação à cassação da CNH. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1341, 4 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9557. Acesso em: 15 nov. 2024.

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