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Para não dar asas à irresponsabilidade

Agenda 07/03/2007 às 00:00

Muito tem sido dito e escrito sobre a ação da Red Bull no dia 16 de janeiro de 2007, às margens da cratera aberta acidentalmente na obra do metrô paulistano. Acredito, entretanto, que não seria demais voltar ao assunto para uma análise do ocorrido sob o prisma do que dita a legislação e as normas éticas que regulam a publicidade no Brasil.

A reflexão parece interessante na medida em que a ação de marketing foi além de um desvio ético, de um procedimento de mau gosto, caracterizou, isso sim, verdadeira infração à legislação vigente no país. Legislação, aliás, que deve, ou deveria, ser conhecida e observada pelos cidadãos em geral, e pelos publicitários, em particular. É o respeito às regras impostas à publicidade que garantirá a manutenção e a ampliação do mercado de trabalho aos anunciantes e às agencias. Quanto mais infrações, mais e mais graves os deslizes, maiores serão as pressões da sociedade para que a legislação seja endurecida, e que se imponha limites à publicidade comercial. É fato.

Sucintamente, a polêmica tem origem na visita de três promotoras da empresa no local do acidente. Enquanto bombeiros e outros profissionais se dedicavam ao trabalho de resgate de possíveis vítimas, moças bonitas, bem trajadas, maquiadas e, enfim, com cara e pique de festa, faziam, sorridentes e de câmaras fotográficas em mãos, a distribuição da bebida energética da empresa aos que ali estavam.

O estarrecimento da opinião pública com relação ao ocorrido, ao suposto aproveitamento de uma oportunidade dramática e triste para a promoção de um produto, nos revela, em verdade, que se está diante de verdadeira publicidade abusiva, nos termos do artigo 37 § 2º do Código de Defesa do Consumidor que assim determina:

Art. 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Necessário se faz esclarecer que o artigo 37 § 2º do Código, traz alguns exemplos do que seriam as publicidades abusivas, mas, como dizem os estudiosos da matéria: a lei não traz um conceito do que seja uma publicidade abusiva, mas quando nos depararmos com uma, teremos a certeza de que ela assim deverá ser classificada.

Trocando em miúdos, o Código condena a utilização dos dramas humanos, dos medos, das tragédias, das condições desfavorecidas de determinadas pessoas, como tema ou gancho para a criação de mensagens publicitárias ou ações de marketing.

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Com base no texto legal, a empresa poderia ser chamada à prestar contas à sociedade, poderia ter de indenizar a coletividade, ou um indivíduo que se sentisse lesado, pela conduta desrespeitosa da empresa com relação ao acidente do metrô.

Interessante destacar, ainda, que a defesa apresentada por meio de nota oficial também não se mostrou suficiente para afastar a responsabilidade da empresa com relação ao ocorrido. As funcionárias que atuam pela empresa o fazem segundo os treinamentos recebidos, de acordo com as determinações de seus superiores, devendo a empresa, e isto é certo, responder por todo e qualquer ato que as mesmas pratiquem no exercício de suas funções.

Por fim, parece interessante destacar que também o Código de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) veda, de forma veemente, ações desse tipo, sendo muitas as passagens nesse sentido.

Em seu artigo 2, por exemplo, traz expressamente a mensagem de que "todo anúncio deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social", no artigo 5º determina-se que "nenhum anúncio deve denegrir a atividade publicitária ou desmerecer a confiança do público", e no artigo 6º dize-se que a "publicidade deve estar em consonância com os objetivos do desenvolvimento econômico, da educação e da cultura nacionais".

E há mais. No artigo 19, há menção expressa de que a "atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, ás instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar". Por fim, o artigo 34, "condena a publicidade que (...) revele desrespeito à dignidade da pessoa humana e à instituição família".

Como se vê, a escolha inadequada de oportunidades para se realizar ações promocionais, ou até mesmo o uso despreocupado das ferramentas de marketing, são muito mais do que tropeços da condução dos negócios e/ou da comunicação da empresa, podem trazer conseqüências ainda mais graves do que danos à imagem da instituição, da marca. Trata-se de conduta contrária à legislação que regula a publicidade comercial no Brasil, trata-se de infração grave ao Código ético da profissão (o Código de Auto-Regulamentação Publicitária).

O mercado consumidor, as organizações civis, as autoridades e, principalmente, a concorrência acirrada entre as empresas não mais perdoarão deslizes desse tipo. Está aqui mais um desafio ao mercado publicitário: a lei!

Sobre a autora
Valéria Barini De Santis

Advogada, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIS, Valéria Barini. Para não dar asas à irresponsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1344, 7 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9569. Acesso em: 24 nov. 2024.

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