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Democracias e autocracias: um olhar para as instituições políticas

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Agenda 20/01/2022 às 23:55

O que são instituições políticas?

Com a compreensão do que são democracia, autocracia e instituições, voltamos para o ponto em que regimes e instituições interagem: as instituições políticas. Dentro do funcionamento de um sistema político, uma série de instituições são postas para moldar a relação entre os indivíduos dentro da arena política. Nesse contexto, as instituições servirão como mediador da relação entre representantes e representados, entre diferentes poderes (horizontal e verticalmente), entre o Estado e os cidadãos, e entre indivíduos privados. É justamente por ser o elo entre os líderes políticos e a sociedade civil que as instituições são fundamentais para definir o regime político. A relação entre classe política e sociedade pode ser diversa, variando desde uma relação de dependência mútua e harmoniosa, até uma relação de expropriação e dominação. E é dessa maneira que o regime político importa para a vida do cidadão e da cidadã comum. Estamos falando aqui de uma diferença considerável: enquanto um regime pode ser definido por instituições políticas que permitem que a classe política preste contas a população, em que os cidadãos tem a capacidade de livremente escolher seus líderes através de eleições e onde as liberdades individuais são garantidas por leis, um outro regime pode ser marcado por escolha de líderes entre círculos de elites reduzidos, com pouca transparência do processo político e perseguição a minorias. Essa é a diferença principal entre democracias e autocracias. Mas é possível ainda falar em variações dentro desses dois pólos, a partir da variação das instituições políticas.

Em um modelo democrático representativo, Manin (1997) afirma que existem quatro instituições que costumam ser constantes. Eles são:

  1. Os que governam são apontados por eleições em intervalos regulares;
  2. As tomadas de decisão dos que governam contém um grau de independência dos desejos do eleitorado;
  3. Aqueles que são governados podem expressar suas opiniões e vontades políticas, sem que eles sejam sujeitos ao controle daqueles que governam;
  4. Decisões públicas devem passar pelo julgamento do debate.

Considerando todas as instituições características e fundamentais para implementar os ideias democráticos, ao redor do globo existem importantes variações dentro dessas instituições democráticas, como mostra Lijphart (1999). Ao fazer uma análise de 36 democracias, Lijphart (1999) mostra importantes variações institucionais. Ele divide todos os países analisados em dois grandes grupos: o modelo de Westminster e o modelo consensual. Enquanto a primeira representa um governo da maioria, mais bem utilizado em países homogêneos e com sistemas parlamentaristas; o segundo representa um governo formado por meio de negociações, com o objetivo de representar a pluralidade de um dado país, geralmente em países presidencialistas. Assim, algumas diferenças emergem em suas instituições políticas. Aqui, focaremos em: (1) sistemas partidários, (2) sistemas eleitorais, (3) formação de gabinetes, e (4) relação entre os poderes Executivo e Legislativo. Antes, destacamos que essa diferença entre sistemas de governo, por si só, já pode acarretar impactos importantes. De acordo com Juan Linz (1985), as chances de uma democracia ser estável é muito maior em um sistema parlamentarista do que em um sistema presidencialista. Uma ressalva, no entanto, foi feita pelo próprio autor. Essa afirmação não deve ser lida como se nenhuma democracia presidencialista conseguisse obter estabilidade; nem que todas as democracias parlamentaristas seriam estáveis. Ainda assim, muito da interpretação de Juan Linz (1985) se dá justamente pelas diferenças que vamos debater a seguir.

A primeira diferença institucional entre democracias majoritárias e consensuais se dá no seu sistema partidário. De acordo com Lijphart (1999), essa é a diferença mais comuns entre os dois modelos de democracia. Enquanto em democracias majoritárias, típicas de sistemas parlamentaristas, existe uma coesão partidária, com um número enxuto de partidos; o modelo consensual tem uma grande fragmentação partidária. Em seu trabalho sobre democracia, Anthony Downs (1957) afirma que enquanto os partidos tendem a ser mais semelhantes entre si em sistemas bipartidário, eles buscam ser ideologicamente distantes em sistemas multipartidários.

O tópico de sistemas partidários está diretamente ligado à questão da formação de gabinetes. Com governos majoritários de partido único, os governantes em modelos majoritários conseguem montar seu gabinete inteiramente de membros do próprio partido. Em governos formados em democracias consensuais, com maior fragmentação partidária e menor domínio do líder do Executivo, é preciso que se estabeleça coalisões para que o governo possa funcionar. Assim, uma maioria artificial é montada e as pautas não ficam travadas no Legislativo (Lijphart, 1999). Um ponto importante de diferença é o momento em que as coalisões são formadas. Enquanto no presidencialismo em sistemas multipartidários faz com que as coalisões sejam formadas antes das eleições ocorrem, com promessas de cargos futuros em caso de vitória; as coalisões em modelos parlamentares são mais casuais, feitas após o resultado das eleições ser conhecido, dando ao futuro governo a oportunidade de montar uma coalisão com o número mínimo necessário para que se possa governar.

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A diferença a seguir é justamente a que dá nome ao esquema desenhado por Lijphart (1999): o sistema eleitoral. O modelo majoritário de democracia costuma ter como regra o sistema eleitoral majoritário simples. O caso mais clássico desse modelo é o Reino Unido, que possui um sistema eleitoral conhecido como First Past the Post (FPTP), em que se exige maioria simples. Como cada distrito eleitoral elege apenas um membro para o Parlamento, aquele que tiver o maior percentual de voto estará eleito. Em um sistema de maioria simples, como o do Reino Unido, é possível ser eleito com menos de 50% dos votos. Um dos argumentos contrários a tal modelo segue a Lei de Duverger (1964), que afirma que dado tempo o suficiente, todo país que adota as regras de FPTP será levado ao bipartidarismo. Outras críticas incluem: possibilidade de manipulação dos distritos eleitorais (gerrymandering); desperdício de alto número de votos; baixa representatividade; e dificuldade para eleição de políticos de partidos menores. Já nos modelos com distritos uninominais que exigem a maioria absoluta, como no caso da França, há um segundo turno nos distritos em que nenhum dos candidatos conseguiu obter ao menos 50% + 1 dos votos.

Por sua vez, em democracias consensuais, é comum que o sistema eleitoral seja o de representação proporcional (Lijphart, 1999). A expectativa de tal sistema eleitoral é a de que a pluralidade da sociedade consiga ser representada no Legislativo. Além disso, há a preocupação de garantir a correspondência entre os votos recebidos pelos partidos e sua representação (Nicolau, 2004). No caso do Brasil, especificamente, os representantes da Câmara Baixa são eleitos por meio do sistema proporcional de lista aberta. Isto é: o eleitor pode indicar sua preferência não só para o partido, mas também para um candidato específico. O cálculo de distribuição de cadeiras se dá pelo método DHondt. Para saber como a distribuição se dará, primeiro é preciso calcular o quociente eleitoral: número de votos válidos dividido pelo número de vagas. Assim, é possível saber quais partidos terão direito às vagas. Em seguida, a distribuição dos assentos se dá pelo quociente partidário: número de votos válidos do partido dividido pelo quociente eleitoral. Apesar de o sistema proporcional garantir uma maior representação das minorias presentes em uma sociedade, ela também recebe críticas. A principal crítica se dá ao enfraquecimento do elo entre representante e representados (IDEA, 2005). Como mais de um representante é eleito em cada distrito (no caso do Brasil, cada estado é um distrito), há maior dificuldade de se fazer cobranças.

Finalmente, a última variação institucional que vamos analisar é a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. Segundo Lijphart (1999), o modelo majoritário possui um predomínio do Executivo sobre o Legislativo. Isso se dá pelo fato de o modelo de governo parlamentarista estar associado a sistemas bipartidários (ou multipartidários com dois partidos preponderantes) que geram governos majoritários com maior facilidade do que o modelo presidencialista. Dessa forma, o primeiro-ministro que, por regra, é antes eleito pelos seus constituintes como Membro do Parlamento (MP) tem mais espaço no Legislativo, conseguindo fazer com que suas pautas andam sem grandes problemas. Por sua vez, no sistema democrático consensual presidencialista existe a tendência de maior equilíbrio na relação entre os poderes. Com um congresso mais fragmentado, o presidente se vê obrigado a ceder espaço para a inclusão de pautas caras aos deputados. Apesar disso, algumas ferramentas permitem um forte poder legislador ao presidente (Linz, 1990). No caso do Brasil, isso é visível desde a ratificação da Constituição de 1988 (Limongi e Figueiredo, 2001). Alguns exemplos, são: exclusividade de iniciativa, poder de editar medidas provisórias com força de lei e a faculdade de solicitar urgência para os seus projetos (Limongi e Figueiredo, 2001).

Dessa discussão sobre variações institucionais, o que emerge é que nenhuma democracia é igual a outra. Suas instituições possuem como norte os valores e concepções da democracia liberal, mas cada caso apresentará uma combinação de instituições mais ou menos apropriadas para o contexto da sociedade específica.

E o mesmo vale para autocracias. Ainda que amplamente definidas por pluralismo limitado, existem variações de instituições políticas dentro de regimes autoritários. Lembremos que a maneira de acessar o poder, uma maneira não democrática, livre e justa, é o que distingue as autocracias das democracias. É justamente atentando para as maneiras com que líderes autoritários são escolhidos e acessam o poder que Geddes (1999) elabora uma das tipologias mais utilizadas para diferenciais autocracias. A autora dividiu as autocracias entre personalistas, monárquicas, militares e de partido único. Desde essa primeira definição, se compreendia que o tipo da autocracia iria ter consequências para a duração e perspectivas para democratização para cada tipo. Alguns anos depois, Geddes, Wright e Frantz (2014) mantém os tipos possíveis de autocracia, mas elaboram os critérios para definição de um determinado regime. O regime seria definido por regras básicas formais e informais que determinam que interesses estão representados na grupo da liderança autoritária e em que medida esses interesses constrangem o ditador (Geddes, Wright e Frantz, 2014, p. 314).

Outro exemplo de tipologia de regimes políticas que concentra as atenções para as instituições é a Regimes of the World (Luhrmann, Lindberg, 2018). Essa categorização compreende que democracia e autocracia são polos distintos e opostos de regimes políticos, mas abre espaço para subcategorias que apresentem características mistas. A Figura 2 ilustra a conceitualização do Regimes of the World, dividindo os regimes do mundo entre Autocracia Fechada, Autocracia Eleitoral, Democracia Eleitoral e Democracia Liberal. Atentemos para as subcategorias do meio, autocracia eleitoral e democracia eleitoral. O que as diferenciam?

Figura 2: Regimes of the World

Fonte: Luhrmann, Lindberg (2018)

Para responder a essa pergunta, cabe retomarmos o foco que o conceito minimalista schumpeteriano de democracia dá às eleições, criticando-o. Como sabemos, conceito minimalista de democracia entende que o critério mínimo para conceituar um regime como democrático é a existência de eleições como método para escolha dos líderes políticos. Mas segundo Schedler (2002), ao olhar apenas as instituições eleitorais, um pesquisador mais desavisado poderia fazer com que modelos de autocracias eleitorais fossem classificadas como democracias. Isso porque grande parte de regimes autoritários contemporâneos repressivos se autodeclaram como democráticos (Achen e Bartels, 2016). Desde o fim da Guerra Fria, com a vitória do modelo liberal sob a cortina de ferro comunista, os custos de ser percebido como autoritário no cenário internacional escalaram consideravelmente. Por essa razão, diversos estudos apontam o crescimento vertiginoso a partir da década de 1990 de autocracias que realizam eleições, ainda que não limpas e justas (Schedler, 2006, 2013; Levitsky, Way, 2010; Kendall-Taylor, Frantz, 2015), como uma maneira de simular o jogo democrático em um regime fechado. Fisman e Golden (2017), no entanto, acreditam que a regra da alternância no poder apresentada por Przeworski e coautores (2000) é o suficiente para superar tal problema. Isso porque democracia é um regime em que partidos perdem eleições (Przeworski, 1991), enquanto no autoritarismo eleitoral são exclusivamente os partidos de oposição que as perdem (Schedler, 2002). Dessa forma, ainda que autocracias realizem ou clamem realizar eleições, é o caráter limpo e justo de uma eleição, ou seja, a real competição política que é permitida no pleito, que irá distinguir uma democracia eleitoral (uma democracia de menor qualidade, se comparada com uma democracia liberal) de uma autocracia eleitoral (uma autocracia que permite mais competição, pelo menos, que uma autocracia fechada).

Dessa maneira, percebemos como são as instituições, e o seu caráter de facto e não somente de jure, que definem os regimes políticos. Desde a diferenciação básica entre democracias e autocracias, até as diferenciações de tipos de democracias e de autocracias. Quando olhamos especificamente para os regimes híbridos em que a distinção entre democracia e autocracia não é clara, devemos atentar para suas instituições políticas. As instituições políticas são as regras do jogo político, e se esse jogo pode ser acessado de maneira plural e transparente, a diferença na vida do cidadãos tende a ser gritante - a diferença entre viver em um regime autoritário e um regime democrático.

Por fim, cabe retomarmos a noção de que se as instituições políticas definem o regime, mudanças nas instituições podem ocasionar mudanças no regime. Discutimos isso anteriormente para os casos em que líderes eleitos deturpam as regras do jogo e tornam sua derrota em pleitos futuros menos provável, mas o inverso também é verdadeiro, no processo de democratização de países autoritários. Boese et al. (2021) ressalta, por exemplo, que a ordem institucional de liberalização é importante para o processo de abertura política. Analisando 371 episódios de democratização no período de 1900 a 2019, os autores encontram um padrão importante: nas transições bem-sucedidas, as primeiras instituições que foram reformadas foram aquelas relacionadas ao sufrágio e aos partidos políticos. Em seguida são realizadas reformas relacionadas ao acesso à informação e à liberdade de expressão e, por último, medidas que garantam eleições limpas.

Sobre os autores
Ian Rebouças Batista

Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador Visitante na Universidade de Notre Dame, EUA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Ian Rebouças; LINS, Rodrigo. Democracias e autocracias: um olhar para as instituições políticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6777, 20 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96040. Acesso em: 22 nov. 2024.

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