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Aborto: o direito à escolha da mulher como uma questão de ordem social

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Agenda 23/02/2022 às 14:23

3. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº442

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF, é uma ação proposta diretamente no STF a qual possui como objeto leis e atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais, inclusive anteriores à Constituição Federal, que ofendam ou ofereçam risco à preceito fundamental (BRASIL, 1999). Sua previsão legal está disposta na Constituição Federal, especificamente, no artigo 102, §1º (BRASIL, 1988), e a eficácia de sua aplicabilidade é regida pela Lei n. 9.882/1999 (BRASIL, 1999).

Evilázio Vitor de Souza Santos, em seu artigo Controle de Constitucionalidade Preventivo (2020, p. 431) afirma que, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a ADPF é considerada como um dos mais amplos instrumentos de controle de constitucionalidade na via concentrada, e também, que possui caráter subjetivo, uma vez que seu objetivo central é analisar o seu cabimento contra proposta de emenda constitucional tendentes a abolir cláusula pétrea.

Sobre sua importância, Gilmar Mendes Ferreira destaca, em sua obra Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (2011, p. 31), que a ADPF amplia o controle de constitucionalidade, dando a necessária ênfase à defesa dos preceitos fundamentais, especialmente nos casos ainda não amparados pelos outros meios de controle concentrado de constitucionalidade.

De acordo com a Lei n. 9.882/1999, existem dois tipos de ADPF: autônoma e incidental. A ADPF autônoma está prevista no artigo 1º, caput, da referida lei, é aplicada em hipóteses de controle de constitucionalidade abstrato. Segundo Santos (2020, p. 432), deve ser utilizada quando as demais ações constitucionais não forem cabíveis, ou não se mostrarem idôneas para afastar ou impedir a lesão a preceito fundamental. Já a ADPF incidental, encontra sua previsão no artigo 1º, I, da mesma norma, e sua aplicação se dá sobre litígios já existentes (processos judiciais em curso), pois tem início a partir de controvérsia judicial instaurada no âmbito do controle concentrado, seguida de deslocamento da questão constitucional para julgamento do Supremo Tribunal Federal pela via abstrata (SANTOS, 2020, p. 432).

Nos termos da lei normativa, são considerados como legitimados para propor ADPF os mesmos atores elencados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, estando divididos em legitimados universais aqueles que não precisam demonstrar a pertinência temática e legitimados especiais aqueles que, por lei, precisam demonstrar o interesse de agir (BRASIL, 1999; BRASIL, 1988).

Os efeitos do julgamento da ADPF são considerados como: a) ega omnes: os efeitos se estendem a todos independentemente de manifestação em processo; b) vinculante: as decisões tomadas em sede de ADPF vinculam todo o Poder Judiciário e a Administração pública federal, autárquica e fundacional em caso de descumprimento da ADPF, cabe um recurso de reclamação direto ao STF; e, c) ex tunc: os efeitos da decisão retroagem a data da edição do ato dito como inconstitucional lesivo a preceito fundamental contudo, cabe a modulação dos efeitos com base no artigo 11 da lei normativa. (BRASIL, 1999)

3.1 Conceito de Preceito Fundamental

Para compreender melhor sobre a ADPF, é preciso conceituar o que é considerado como preceito fundamental. Em seu trabalho Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e as controvérsias de cabimento (2016, p. 36), Jhulliane Soares da Silva destaca que a Lei n. 9.882/1992 não especificou quais normas são consideradas como preceitos fundamentais, cabendo ao STF se pronunciar em cada caso concreto. Dessa forma, a autora defende que preceitos fundamentais devem ser considerados, além dos princípios existentes na Constituição Federal, toda norma qualificada como fundamental. Em suas palavras, pode se falar que a ADPF é um mecanismo vinculado à proteção dos preceitos constitucionais considerados fundamentais (SILVA, 2016, p. 37).

Os autores Daniel Alexandre Duarte e Thaísa Haber Faleiros, defendem, no artigo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (2019, p. 8), que não há como apresentar um conceito fechado acerca de preceito fundamental, diante o vasto rol exemplificativo existente. Silva (2016, p. 38), afirma que os princípios fundamentais integram os preceitos fundamentais, sendo aquele um gênero deste; sendo assim, considerando o conceito dos princípios fundamentais, entende-se que os preceitos fundamentais é o conjunto de normas que assegurem a estabilidade do ordenamento democrático, ou seja, todos os preceitos constitucionais de natureza fundamental.

3.2 ADPF n. 442

A ADPF n. 442, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) em março de 2017, e ainda em trâmite, busca, perante o STF, o reconhecimento e autorização para a realização de aborto até a 12ª semana de gestação sem que haja penalidades em razão da conduta praticada. Segundo destaca Daniela Serra de Mello Martins, em seu trabalho ADPF 442 e o aborto como direito no Brasil (2019, p. 44), ao questionar a receptividade ou não dos artigos 124 e 128 do Código Penal pela Constituição Federal, se contesta a legitimidade da criminalização da interrupção da gestação, ou seja, do aborto induzido ou voluntário no Brasil. A autora defende que:

as razões que levaram à criminalização do aborto, em 1940, não estão de acordo com a ordem constitucional atual. Dessa forma, criminalizando-o diversos preceitos fundamentais são violados, sejam eles: a dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição da tortura ou do tratamento desumano ou degradante, da saúde, do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (MARTINS, 2019 p. 44)

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Desta forma, como destaca Benedito Torres Neto em seu artigo A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez (2020, p. 47), a ADPF 442 propõe que alguns direitos da mulher, em especial autonomia, a liberdade, a dignidade, o direito ao planejamento familiar, precisam ser considerados sobremaneira quando colididos com o direito à vida dos não nascidos.

Diante da importância e grande controvérsia do tema, a Ministra Rosa Weber, relatora da ação, realizou uma audiência pública, a qual foi dividida em dois dias: dia 03.08. e 06.08.2018, das 8h40 às 12h50 e das 14h30 às 18h50. Na solenidade, conforme relatório de transcrição da audiência, a Ministra Cármen Lúcia destaca que a discussão sobre o assunto não trata somente sobre algo que diz respeito não apenas à vida da pessoa humana, mas à vida de toda a sociedade e da sua compreensão, e, claro, na sequência disso, da sua dinâmica sobre algo que diz respeito à concepção, ao nascimento, à vida e à morte (BRASIL, 2018, p. 4).

Por sua vez, a Ministra Rosa Weber enfatizou na abertura da audiência pública que a fim de oferecer uma resposta jurisdicional adequada ao problema jurídico que nos é submetido, seja qual for o resultado, indispensável é a busca das informações e dos esclarecimentos necessários e pertinentes, o que ensejou a convocação desta Audiência Pública (BRASIL, 2018, p. 8). Durante a audiência pública, foram ouvidos mais de 60 expositores, os quais trouxeram seus argumentos e pontos de vista sobre o assunto debatido.

A expositora Doutora Maria de Fátima Marinho, integrante do Ministério da Saúde, enfatizou, em sua fala, que as mulheres que desejem interromper a gestação, na maioria das vezes, seguem o caminho do aborto induzido, por muitas vezes, de forma insegura, com seus riscos e consequências (BRASIL, 2018, p. 20), e que o aborto começa a se apresentar como terceira causa de morte, por causa direta, da mulher (BRASIL, 2018, p. 21). Já segundo a expositora Maria de Fátima de Souza, também integrante do Ministério da Saúde, evidencia que Apesar da carga ser grande, independente da classe social, quem mais sofre é a classe mais vulnerável, são as mulheres mais pobres (BRASIL, 2018, p. 25).

Em sua fala, o expositor Doutor Rosires Pereira de Andrade (representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - Febrasgo) discute sobre a situação da mulher quando decide não prosseguir com a gestação, e destaca que quando a mulher procura um atendimento no hospital e não pode seguir adiante com uma gravidez, ela precisa de cuidado médico para as suas decisões, não da Polícia (BRASIL, 2018, p. 40).

Em contraponto a este posicionamento, em especial quanto à discussão acerca do marco inicial da vida, a Doutora Ângela Vidal Gandra da Silva Martins (representante da União dos Juristas Católicos de São Paulo - Urjucasp), defende que não cabe ao Direito estabelecer, de forma pragmática e sob sabe lá que critério e de forma arbitrária, também, quando começa a vida, como não cabia ao Direito determinar que um escravo era res (BRASIL, 2018, p. 387). Nas palavras da Doutora Edna Vasconcelos Zilli (representante da Associação dos Juristas Evangélicos Anajure), envolve princípios e direitos fundamentais caríssimos e que não podem ser conduzidos de maneira leviana por aqueles que buscam apenas adquirir direitos, de acordo com a sua conveniência (BRASIL, 2018, p. 410).

Apesar da grande importância do tema, e do exaustivo trabalho realizado na audiência pública, a ADPF encontra-se aguardando julgamento pelo STF. A decisão sobre tal discussão é de extrema urgência uma vez que trata de assuntos relacionados ao direito tanto do feto quanto a mulher gestante (MARTINS, 2019, p. 49).

3.2.1 Principais questionamentos divergentes na ADPF n. 442

No decorrer da ADPF n. 442, foram levantados vários questionamentos divergentes acerca da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Como pode-se observar das pequenas transcrições feitas, não há um consenso acerca da discussão. O maior questionamento daqueles que estão contra a procedência da ação é em especial quanto à inobservância da garantia fundamental à vida ao feto. Ou seja, no conflito entre direitos da mulher e do feto, a superproteção dispendida à mulher em desproporção à baixa proteção dispendida ao feto (TORRES NETO, 2020, p. 52).

De acordo com Priscila Ramos, em seu artigo Aborto: argumentos favoráveis e contrários à descriminalização (2018), em síntese, foram apresentados na ADPF n. 442 os seguintes argumentos favoráveis: a) o direito à vida a partir do nascimento: não há previsão expressa que de todos os direitos fundamentais devem ser estendidos ao embrião; b) dignidade da pessoa humana e direitos reprodutivos das mulheres: o poder de decidir sobre a continuidade da gestação está intimamente ligada ao direito reprodutivo da mulher; c) população feminina atingida pela criminalização: de acordo com levantamentos feitos, a criminalização do aborto afeta, em sua maioria, mulheres negras e indígenas, com baixo grau de estudo, e recursos financeiros precatórios; d) o atendimento dessas mulheres pela rede pública de saúde: os efeitos gerados pelo aborto inseguro provoca grandes gastos e transtornos na rede pública, grande parte dos procedimentos realizados de forma insegura culminam em graves sequelas às mulheres, o que demanda uma atenção maior da saúde pública, tanto com recursos financeiros, tanto com recursos humanos; ainda, existe um grande estigma acerca da mulher que realiza aborto, fazendo com que esses profissionais da saúde tratem as mulheres com certo descaso, e muitas vezes, acabem por denunciá-las às autoridades.

Com relação aos principais pontos controversos, a autora destaca: a) a supervalorização da autonomia reprodutiva da mulher: havendo previsão legal para a proteção do nascituro desde a concepção, não se pode falar em supervalorização do direito da mulher em detrimento ao direito à vida do feto; b) aborto não é de competência exclusiva da mulher: o genitor também tem o direito de decidir sobre a continuidade ou não da gravidez; c) a vida não ocorre em etapas: não se torna ser humano por etapas, uma vez concebido, já existe um ser humano com desenvolvimento, o qual é dependente da mãe para se desenvolver, contudo, não é parte da mãe; d) Síndrome Pós-aborto (SAP): a realização do procedimento do aborto pode causar traumas enormes nas mulheres, as quais podem desenvolver sérias síndromes, e um programa adequado de planejamento familiar poderia auxiliar na prevenção de gravidez indesejada (RAMOS, 2018).

Ainda, Ramos (2018) enfatiza que:

Independente do posicionamento adotado, um fato é perceptível: abortos ainda acontecem e as mulheres que os provocam, ou os consentem, são de várias idades, classes sociais e estados civis. Muitas são inclusive mães. Portanto, deve haver um cuidado para não criar um estereótipo da mulher que aborta (RAMOS, 2018).

Sobre tal celeuma, Tenner Aires Rodrigues, Quésia Postigo Kamimura e Adriana Leônidas de Oliveira, no trabalho Legalização do aborto no Brasil (2021, p. 31432) defendem que a discussão sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez é entendida como uma forma de garantir que a mulher possa exercer seu direito constitucional de liberdade e autonomia, vindo ao encontro das necessidades apresentadas pelo sistema de saúde público com as complicações decorrentes do aborto inseguro.

3.2.2 O aborto até a 12ª semana de gestação

O vocábulo nascituro, conforme apresentado por Flávio Tartuce em sem trabalho A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro (2007, p. 90) tem sua origem no latim nasciturus, ou seja, aquele que está destinado a nascer. De acordo com as o autor, o nascituro é o resultado da concepção, tendo apenas uma existência uterina e biológica, sendo que na ordem jurídica apenas possui direitos reflexos. Ou seja, estando ainda no ventre materno, o feto não é considerado como um ente apto (vitalis) dentro do cenário fisiológico.

De acordo com Isabela Graciana de Sousa Canhoni, Talita Guimaraes Coelho, Daniela Oliveira Gonçalves, no trabalho A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação (2018, p. 68), para a bioética, se o fim da vida é caracterizado com a morte cerebral, o início da vida também é verificado a partir do início da atividade cerebral. Até a 12ª semana de gestação o feto não possui seu sistema nevoso completamente desenvolvido, fato essencial para a viabilidade da vida humana.

Dessa forma, as autoras defendem que, sendo realizado até a 12ª semana de gestação, o aborto não estaria ferindo o direito à vida do feto, uma vez que, somente após esse período, é que a vida passa de uma existência puramente biológica para uma vida essencialmente humana:

Com isso, demonstra-se a necessidade de ponderação, entre a garantia do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, para com a gestante, mulher, ser humano, em pleno exercício de seus direitos, sendo considerada perante lei, igual aos demais; frente ao direito de uma possibilidade de vida, o feto. Ser vivo esse, dotado de vida biológica e potencial vida humana, como logo se depreenderá do instituto da Biogenética. Importante se faz lembrar que a defesa aqui aludida do aborto não se dá de forma desordenada, é vinculada ao lapso temporal de inexistência de atividade cerebral ao feto carregado pela gestante (Canhoni; Coelho; Gonçalves, 2018, p. 62-63).

Neste sentido, Simone Mendes Carvalho e Graciele Oroski Paes, no trabalho As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino uma abordagem sociológica (2014, p. 557), defende que existência do feto é meramente biológica, decorrente somente da atuação de reações químicas, não havendo reconhecimento ainda no campo jurídico. Tanto é fato, que os reflexos jurídicos acerca de sua existência estão condicionados ao seu nascimento com vida.

De acordo com as autoras, somente a partir da comprovação do nascimento com vida é que poderá se falar em sujeito com plena capacidade de direitos e obrigações na esfera civil. Portanto, o nascituro trata-se daquele que possui vida em potencial, existindo uma faculdade desta se desenvolver ou não, ou seja, o desenvolvimento completo e nascimento não está plenamente assegurado. Assim, uma situação em que reina a hipotética pretensão à vida não pode ser mais valiosa do que a vida da gestante, que já não se encontra mais no campo da hipótese, mas, sim, da realidade (CARVALHO; PAES, 2014).

3.3 Razões sociais para a extensão da possibilidade do aborto para outras situações

Como já mencionado, via de regra, a prática abortiva é considerada como um delito. Mas o que é negligenciado nesta discussão, é que o aborto clandestino é algo corriqueiro. A maioria das mulheres que optam por não levar a gravidez em frente se submetem, seja por falta de informação, seja também por medo de represaria da sociedade e das pessoas mais próximas (como familiares), a condições perigosas para a realização do procedimento. Muitas, ainda, desconhecem as consequências penalizadoras da realização e prática de um aborto (CARVALHO; PAES, 2014).

É preciso sempre destacar que a realização do aborto de maneira clandestina muitas vezes ocorre sem que sejam observadas todas as recomendações e protocolos de segurança necessários, ocorrendo situações em que, em decorrência de complicações, pode resultar no óbito da gestante. (CARVALHO; PAES, 2014).

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto, realizada em 2016, Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro (2016, p. 656) apontam que mais de 4,7 milhões de mulheres brasileiras já realizaram um aborto na vida. Nestes números, não estão contidos o quantitativo de abortos ocorridos de forma espontânea.

Sobre essa situação, a discussão já data de anos atrás. A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, na Cidade do Cairo, Egito, já destacava a importância de dispender um olhar mais atencioso acerca da saúde mental da mulher que passava por um procedimento de aborto clandestino. Em seu trabalho, Tania Patriota (2012, p. 65) aponta as ações estabelecidas naquela época, as quais ainda se fazem muito carecidas de atenção atualmente:

Uma vez que o aborto inseguro é uma grave ameaça à saúde e à vida da mulher, deve-se promover a pesquisa para a compreensão e melhor abordagem das determinantes e das consequências do aborto induzido, inclusive seus efeitos na fecundidade subsequente, na saúde reprodutiva e mental e na prática anticoncepcional, assim como a pesquisa sobre o tratamento de complicações do aborto e de pós-aborto (PATRIOTA, 2012, p. 65).

Dessa forma, Karla Ferraz dos Anjos et al (2013, p. 511-512) enfatizam que a clandestinidade na prática abortiva, além de comprometer a saúde da mulher, pois, quando o procedimento não resulta na morte da mulher, na maioria das situações, deixam sequelas permanentes e irreparáveis, poderá impactar na superlotação do sistema de saúde. Ainda, não se discute a fundo de quão maléfico será a repercussão do procedimento na esfera pessoal e familiar dos envolvidos.

O número de atendimentos à mulher após o aborto clandestino é alto. Cerca de 50% (cinquenta por cento) das mulheres que recorrem à prática abortiva clandestina necessitam de atendimento médico junto ao sistema de saúde em momento posterior, em razão de complicações que surgem na fase de recuperação. Se o aborto por opção da mulher não fosse considerado um crime, consequentemente as intervenções médicas posteriores seriam reduzidas, uma vez que os procedimentos não seriam realizados de forma clandestina, mas sim dentro de todos os protocolos de segurança necessários (ANJOS et al, 2013).

Interessante ponto ressaltado por Santos (2013, p. 1533-1534) é que o abordo clandestino tem sua maior incidência entre mulheres que possuem baixa escolaridade, baixa renda e, na sua maioria, são de descendência negra. Essa constatação não causa espanto quando se percebe que essa é a classe da sociedade que mais carece de informação e atenção, e, também, sobre quem recai o maior peso dos serviços domésticos. Verifica-se, dessa forma, que a sociedade está diante de um grande problema de justiça social. Uma mulher com melhor condição financeira dificilmente se submeterá a um procedimento clandestino. Diante disso, é correto afirmar que o aborto clandestino é considerado um grande problema de saúde pública brasileira.

Apesar de cruel, em muitos países e também por parte da sociedade brasileira, o aborto é visto como uma forma de controle de natalidade, que causa reflexo direto no aumento do índice de pobreza da população. Contudo, para que a prática surtisse o efeito esperado, é necessário que o procedimento seja feito com todas as precauções e cuidados que a situação exige (SANTOS, 2013, p. 1535).

Dessa forma, a reflexão apresentada por Canhoni, Coelho e Gonçalves (2018, p. 58-72), apontam que a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação proporcionará a essas mulheres, melhores condições de atendimento e tratamento, trazendo reflexos positivos em suas vidas, e, em consequência, na sociedade como um todo, já que muitas vezes, elas se vêm entre a morte e a prisão.

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