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Procedimento de dúvida

Agenda 04/04/2007 às 00:00

O procedimento de dúvida ocorre sempre que uma pessoa não concorde em satisfazer uma "exigência" do notário ou do registrador, insistindo no protocolo do documento apresentado.

Também ocorrerá dúvida quando o notário ou registrador negarem registro ou averbação e o apresentante insistir no ato.

Como veremos nas explicações abaixo, a dúvida é um procedimento administrativo que não impede a utilização do processo judicial para dirimir eventual lide entre o notário ou registrador e o apresentante de um documento.

Para que se tenha uma melhor visão do assunto, faremos a explanação do procedimento de acordo com a Lei 6015/73, comentando e explicando seus artigos.

Deve ser ressaltado o fato de que o procedimento de dúvida pode ser utilizado em qualquer tipo de serventia, seja ela notarial ou registral.

Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:

I - no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida;

Il - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas;

III - em seguida, o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de 15 (quinze) dias;

IV - certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título.

-Antes de maiores comentários, deve-se dizer que, se o apresentante requer a suscitação de dúvida pelo oficial, o documento deve ser protocolado para que se resguarde eventual direito.

-"Dúvida" é um procedimento de natureza administrativa. A dúvida é formulada pelo oficial, a pedido do apresentante. O Juiz corregedor dos serviços decidirá a dúvida, dizendo se é cabida ou não a exigência feita pelo oficial, bem como se o título deve ou não ser registrado pelo delegado.

-Tal procedimento também deve ser instaurado pelo oficial se ele não tiver certeza do ato a praticar. O importante é verificar que a dúvida é suscitada pelo oficial. Também pode ser suscitada pelo substituto indicado pelo próprio delegado.

-Não é aceita a "dúvida inversa"; na qual a parte a suscita diretamente ao Juiz. O que a parte pode fazer é reclamar – no sentido de representar - ao Juiz que o oficial não suscitou a dúvida ou não cumpriu com alguns de seus deveres. Ressalte-se que alguns Tribunais de Justiça aceitam o procedimento da "dúvida inversa", atitude com a qual não concordamos, visto que para esses casos cabe o procedimento da "reclamação".

-O procedimento da dúvida não pode ser utilizado para decidir se há ou não duplicidade de registro do imóvel, sendo que nesses casos deve ser utilizada a via judicial. É que, embora decidida por um Juiz, a dúvida é um procedimento administrativo.

-Para entender o que é "dúvida", faz-se necessário o entendimento do que seja "exigência". "Exigência" é o requerimento do oficial para que a parte faça a complementação da documentação apresentada para a realização do registro; ela deve ser feita por escrito.

-A "exigência" deve dizer respeito a elemento formal. O oficial não faz exame da substância do negócio jurídico contido no título.

-Pelo Princípio da Economia Procedimental, todas as exigências devem ser feitas de uma única vez; como exceção há as exigências relacionadas com a documentação apresentada após anterior exigência. Mas, se o oficial perceber tardiamente que deve fazer novas exigências, elas devem ser cumpridas; sendo que nesse caso a parte pode representar ao Juiz sobre eventual desleixo do delegado.

-No procedimento de dúvida, o oficial não tem o dever de notificar, fora da serventia, o apresentante para que ele cumpra exigências. Quando a parte comparecer à serventia lhe serão passadas as exigências.

-Como a lei não dá o prazo para que o oficial faça as exigências, entendemos que o prazo deve ser aquele que possibilite ao apresentante o cumprimento das mesmas dentro do prazo total de 30 dias do protocolo; é que o registro deve ser feito dentro de 30 dias do protocolo para que se mantenha a ordem de precedência.

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-A dúvida surge do direito do apresentante poder impugnar as exigências do oficial. Pode alegar que a documentação apresentada já é suficiente para o registro, ou alegar a impossibilidade do cumprimento; nesse caso, se o oficial não aceitar a impugnação, deve haver a suscitação de dúvida.

-Se o oficial entender que não há como cumprir legalmente uma determinação judicial, ele suscitará a dúvida ao Juiz corregedor dos serviços. Já no caso do oficial simplesmente não entender o teor da ordem judicial, não haverá suscitação de dúvida, e sim um mero pedido de explicações dirigido ao juízo prolator da decisão.

-O oficial não é parte interessada para recorrer da decisão do Juiz que julga a dúvida. Podem recorrer o MP e a parte, mesmo se esta não impugnou; sendo que o meio se dá por apelação.

-O M.P. e a parte também podem apresentar embargos declaratórios. Mas não cabe recurso especial, nem extraordinário, nem agravo. Walter Ceneviva ensina que cabem embargos infringentes.

-O apresentante deve entregar a impugnação à dúvida ao próprio Juiz, no prazo de 15 dias, que a decidirá. O oficial remete a dúvida ao Juiz e notifica a parte do prazo para apresentar a impugnação, sendo que o apresentante é que deve ir ao cartório para receber a notificação.

-Walter Ceneviva entende que a impugnação deve ser feita através de advogado, tendo em vista que a "questão foi posta em Juízo". Discordamos de sua posição por entender que a dúvida é um procedimento administrativo e não judicial. Aliás, até certos processos judiciais prescindem de advogados, como por exemplo os do Juizado Especial da Lei 9099/95, nas causas que não excedam 20 salários mínimos.

-A impugnação pode ser feita pelo apresentante ou por qualquer terceiro que tenha interesse na lavratura do registro. Defendemos que o terceiro possa impugnar, levando-se em conta que – segundo o artigo 202 desta lei – ele pode apelar.

-Se o apresentante não impugnar, os autos irão diretamente ao Juiz para sentença. Se houver impugnação, haverá vista ao MP.

-As decisões da Corregedoria-Geral de Justiça têm caráter normativo, devendo ser obedecidas pelos oficiais.

-O procedimento de dúvida é tão aberto que o órgão julgador pode dizer que o fato suscitado pelo oficial é improcedente, mas que o registro não deverá ser feito por outro motivo que conste dos autos.

Art. 199 - Se o interessado não impugnar a dúvida no prazo referido no item III do artigo anterior, será ela, ainda assim, julgada por sentença.

-Mesmo no caso de não ocorrência da impugnação, a dúvida será julgada pelo Juiz, sendo que nesse caso não haverá vista ao M.P.

Art. 200 - Impugnada a dúvida com os documentos que o interessado apresentar, será ouvido o Ministério Público, no prazo de dez dias.

-Como já dito, o MP só será ouvido antes da sentença se houver impugnação.

Art. 201 - Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de quinze dias, com base nos elementos constantes dos autos.

-O MP só poderá requerer documentos e fazer seu parecer como fiscal da lei. Não cabe pedido de audiência ou outro meio de prova.

Art. 202 - Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

-O oficial não pode apelar. Ele nem participa da fase de apelação. É que o oficial não terá qualquer prejuízo seja qual for a decisão final no procedimento de dúvida. Se a decisão gerar prejuízo para o oficial, percebe-se que o procedimento de dúvida foi utilizado quando não deveria.

-Terceiro prejudicado é a pessoa que, não sendo o "interessado", será atingida pelo registro, ou pelo não registro, do título. O terceiro pode, inclusive participar do procedimento em primeira instância. Mas para participar do procedimento, ele deve provar o seu interesse na decisão.

-O terceiro só pode fazer alegações que estejam ligadas a seu interesse, podendo pedir retificação, bem como o cancelamento, do registro.

-O órgão de segunda instância é definido pela lei de organização judiciária estadual. Segundo o parágrafo 3º, do artigo 8-A da Lei 6.739/79, se o interessado for a União, suas autarquias e fundações, a apelação será julgada pelo TRF.

§ 3º Nos processos de interesse da União e de suas autarquias e fundações, a apelação de que trata o art. 202 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será julgada pelo Tribunal Regional Federal respectivo.

-A apelação devolve à segunda instância toda a matéria suscitada na dúvida, sendo que as razões podem ser oferecidas em apartado da apelação. Como já dito, no procedimento de dúvida o efeito devolutivo é visto com um alargamento não compatível com os processos judiciais: a segunda instância pode julgar "extra ou ultra petita".

Art. 203 - Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:

I - se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;

-Essa consignação no Protocolo se faz por "anotação". Como a matéria notarial e registral está em reconhecível processo de maturação, faz-se necessário o correto uso dos devidos termos técnicos.

II - se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo.

-Se a dúvida suscitada pelo oficial for julgada improcedente, fica resguardada a ordem de precedência do apontamento.

-Se, após a suscitação da dúvida, advém lei nova, aplica-se a lei vigente à época da prenotação.

Art. 204 - A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente.

-Esse artigo diz que a decisão administrativa não faz coisa julgada material. A decisão não vincula terceiro, mesmo que ele tenha participado do procedimento como "terceiro prejudicado".

-Processo judicial pode ser usado para desfazer a decisão do Juiz corregedor no processo de dúvida. O MP não tem legitimidade para tal ação.

Art. 205 - Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.

-Se for suscitada a dúvida, primeiro ela deve ser decidida. Aqui a prenotação não perde seu efeito se a dúvida não for dirimida em 30 dias.

-É importante perceber que a prenotação não será cancelada. O direito de precedência é que será perdido; passados os 30 dias, o direito de precedência não retroagirá à data do protocolo.

- Como já dito, é o interessado que tem que comparecer na serventia para ver se há exigências. Se houver, ele deverá cumpri-las dentro do prazo de 30 dias contados do protocolo, e não da notificação de que deve cumprir exigências.

Se em vez de cumprir as exigências o apresentante manifestar discordância e requerer a suscitação de dúvida pelo oficial, deixa de ter importância o prazo de 30 dias. O que valerá será a decisão do procedimento de dúvida. Se procedente, o título não será registrado enquanto não cumpridas as exigências. Se improcedente, o título será registrado.

Art. 206 - Se o documento, uma vez prenotado, não puder ser registrado, ou o apresentante desistir do seu registro, a importância relativa às despesas previstas no art. 14 será restituída, deduzida a quantia correspondente às buscas e a prenotação.

Ou seja, o apresentante só receberá pelo que ainda não foi feito.

Se o oficial devolve o título ao apresentante sem suscitação de dúvida, e este nada faz no prazo de 30 dias do protocolo, a prenotação não mais gerará o direito à precedência.

Art. 207 - No processo de dúvida, somente serão devidas custas, a serem pagas pelo interessado, quando a dúvida for julgada procedente.

"Dúvida julgada procedente" é a decisão de acordo com o que dizia o oficial.

Não há honorários advocatícios.

Qualquer que seja a decisão, o oficial não pagará custas. Lembre-se: no procedimento de dúvida, o oficial não tem qualquer interesse no teor da decisão; ele não terá prejuízo, qualquer que seja o teor da decisão

Se a dúvida é julgada procedente, o interessado deve pagar as custas. O valor de tais custas forenses deve ser estipulado por lei estadual.


BIBLIOGRAFIA:

1 – CENEVIVA, WALTER. LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS COMENTADA. EDITORA SARAIVA, 2005.

2 - BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina, prática e jurisprudência, 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

3 - CAMARA, ALEXANDRE FREITAS.LIÇOES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, V.1. LUMEN JURIS - RJ

4 - THEODORO JR., HUMBERTO. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, Volume 1 (2006) FORENSE

5 - CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975, 2ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2004.

6 – Lei 6015/73.

7 - DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registro de Imóveis, 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

Sobre o autor
Ronaldo Santos de Oliveira

juiz federal do TRF da 1ª Região, especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), mestrando em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Ronaldo Santos. Procedimento de dúvida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1372, 4 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9681. Acesso em: 24 nov. 2024.

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