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Anotações ao teletrabalho no Poder Judiciário

Agenda 06/04/2022 às 10:24

Há consenso que o teletrabalho no Poder Judiciário realizou o que há de melhor em termos de acesso à Justiça proporcionando aos advogados dos mais diversos e longínquos rincões realizar sustentação oral sem despesas de locomoção, como transporte, alimentação e outras. Gerou o aumento dos números de feitos julgados e acelerou a prestação jurisdicional.

O serventuário da Justiça que não poucas vezes mora em municípios vizinhos das metrópoles, com inúmeras despesas (dentre elas alimentação, transporte, vestimentas...) pode permanecer em sua residência para realizar o trabalho, o que ocorreu e ocorre com resultados expressivos e mais que satisfatórios.

É verdade sabida que a economia em termos de custos de energia elétrica, de internet, de papel e outros insumos no período das restrições de trabalho presencial pelo Poder Judiciário representou altos valores.

As presentes anotações dizem respeito à aplicação, por isonomia, do que consta in A responsabilidade do empregador pela infraestrutura do teletrabalho,[1] de autoria de Antonio Capuzzi,[2] em relação aos servidores do Poder Judiciário, quer concursados ou comissionado, em especial quando sustenta que

O artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela lei 13.467/17, prevê que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição e fornecimento dos equipamentos tecnológicos necessários à prestação do trabalho remoto (rectius: teletrabalho) serão previstas em contrato escrito. O risco do empreendimento é de responsabilidade do empregador, à luz do artigo 2º, caput, da CLT; portanto, este deve adquirir ou fornecer os equipamentos tecnológicos para o regular desempenho do labor na modalidade teletrabalho. Por equipamento, compreende-se qualquer objeto ou ferramenta necessária para a atividade laboral, como tablet, computador e smartphone.

Sustenta o respeitado autor que situação passível de verificar-se no cotidiano é a de o trabalhador possuir equipamento tecnológico pertinente à realização do trabalho na modalidade teletrabalho. Em verdade, hodiernamente, como regra geral, os computadores, tablets e smartphones permitem o uso de uma infinidade de programas, com a viabilidade de serem utilizados, simultaneamente, tanto para uso pessoal como para uso profissional. Nessa toada, segundo ele, não há transferência do risco do empreendimento para o empregado. Eventual contrato escrito, com a previsão de que, para o desempenho do teletrabalho, serão utilizados equipamentos tecnológicos de propriedade do trabalhador, desde que com a anuência deste e mediante o pagamento de um valor mensal.

Ademais, também prevê o artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição ou fornecimento da infraestrutura necessária para o teletrabalho deverão constar em contrato escrito.

Assevera,

No particular, a infraestrutura indispensável para o desempenho do teletrabalho abarca desde a estação de trabalho (incluído o mobiliário) até eventuais softwares (programas de computador). Aplica-se à infraestrutura o mesmo raciocínio esposado no tópico anterior, ou seja, caso o trabalhador possua a infraestrutura em seu domicílio (estação de trabalho) ou, mesmo, softwares em seu instrumento telemático, a utilização não caracteriza transferência do risco do empreendimento para o empregado (artigo 2º, caput, da CLT), desde que haja previsão contratual por escrito, referendada, naturalmente, com a anuência obreira e mediante o pagamento de um valor mensal.

Seguindo a mesma lógica, afirma o festejado autor que o multicitado artigo 75-D, caput, da CLT, consagra que as disposições relativas à responsabilidade pela manutenção dos equipamentos tecnológicos para o desenvolvimento do telelabor têm de estar previstas em contrato. No mais, no tocante à manutenção dos equipamentos tecnológicos para a atividade telelaboral, a assunção dos riscos do empreendimento (artigo 2º, caput, da CLT) imputa ao empregador a responsabilidade em arcar com os custos relativos à preservação das ferramentas utilizadas.

Na Justiça do Trabalho e é de se ressaltar, como o faz, julgado em processo submetido à apreciação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a 8ª Turma manteve a condenação,  em primeiro grau, a título de aluguel de notebook, de determinada empresa que não forneceu equipamento telemático para o desempenho do teletrabalho, fazendo com que o trabalhador tivesse de utilizar o próprio notebook para o seu desempenho.[3] Na sentença, Rodrigo Trindade, registrou que o autor fez uso de seu notebook sem a devida contraprestação por parte da reclamada, não havendo dúvida de que a utilização do equipamento se mostrava indispensável à realização do trabalho.[4]

Com fulcro na vedação legal de repasse dos riscos do empreendimento ao empregado, fixou o aluguel no valor único de R$ 1.500,00, por quase três anos de uso do computador por parte do trabalhador em prol do empregador.

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Portanto, é justo entender que por isonomia, tanto o trabalhador regido pela CLT, como o servidor, quer estatutário ou comissionado, deverá ser celebrado pacto, por escrito, em que o empregador se compromete a pagar um determinado valor, em periodicidade definida, a título de aluguel de equipamento tecnológico. Referido valor, que deverá ser compatível para tanto, se destina a locar a ferramenta e, consequentemente, compensar eventuais gastos com manutenção que o trabalhador possa vir a dispender.[5]

São despesas que foram arcadas pelos serventuários, sem contraprestação durante o período do isolamento social decorrente da pandemia, objeto do presente debate jurídico, o dever do empregador em reembolsar gastos do teletrabalhador ativado em home office com energia elétrica e internet banda larga.

O autor esclarece,

No caso de energia elétrica, é presumível que o empregado tenha gastos extras para o desempenho do teletrabalho, visto que a utilizará para o funcionamento de computador, impressora, ar-condicionado, ventilador etc. Em vista disso, deve haver a restituição dos custos extras despendidos pelo trabalhador, desde que demonstrados efetivamente em reclamação trabalhista. Os gastos ordinários pertencem ao empregador e eventuais custos extraordinários são imputados ao empregador, aplicando-se analogicamente o artigo 23, inciso XII, da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações), que descreve como responsabilidade do locatário quitar as despesas ordinárias de condomínio e do locador as despesas extraordinárias.

(...) Por outro lado, a possibilidade de indenização empresarial pelos gastos pessoais e residenciais efetivados pelo empregado no exercício de suas funções empregatícias no interior de seu home office supõe a precisa comprovação da existência de despesas adicionais realizadas em estrito benefício do cumprimento do contrato, não sendo bastante, em princípio, regra geral, a evidência de certa mistura, concorrência, concomitância e paralelismo entre atos, circunstâncias e despesas, uma vez que tais peculiaridades são inerentes e inevitáveis ao labor em domicílio e ao teletrabalho. (...) Agravo de instrumento desprovido. (AIRR - 62141-19.2003.5.10.0011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 07/04/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2010)17.

Entendemos que o teletrabalho é um caminho de economia, de excelentes resultados e que o retorno ao sistema presencial significa um retrocesso ao que somente gerou avanços no Poder Judiciário.

Manter o Poder Judiciário à disposição dos seus colaboradores os equipamentos necessários, como computadores e impressoras é o mínimo para gerar condições de adequadas de trabalho, não acarretando despesas excessivas, posto que tais colaboradores já custeiam as despesas decorrentes de uso de eletricidade e de internet para o desempenho da função.

No mais, é o que dispõe a legislação!


Notas

  1. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalha-trabalhista/337657/a-responsabilidade-do-empregador-pela-infraestrutura-do-teletrabalho

  2. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor em cursos de graduação e pós-graduação. Palestrante da Comissão de Cultura e Eventos da OAB/SP. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SP. Advogado trabalhista.

  3. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário: 0020405-15.2015.5.04.0028. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Embora seja possível a caracterização das duas condições especiais da atividade, de risco potencial à integridade física e à saúde do trabalhador empregado, e, por consequência, o ajuizamento de ação em relação aos adicionais de insalubridade e de periculosidade, e a despeito de ser possível a declaração judicial do direito a ambos os adicionais, não é possível, por expressa vedação legal, impor ao empregador o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade de forma acumulada. Aplicação da súmula 76 deste Tribunal. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES PROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE FATO IMPEDITIVO AO DIREITO DO EMPREGADO. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. Provada a identidade de funções entre o equiparando e o paradigma e ausente qualquer fato impeditivo ao direito do empregado - cujo ônus de prova, diante de alegação expressa, incumbe ao empregador -, são devidas diferenças salariais decorrentes de equiparação salarial, na forma do art. 461 da CLT. HORAS EXTRAS. EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. NÃO SUJEIÇÃO DO TRABALHADOR À EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 62, I, DA CLT. Sendo a atividade externa realizada pelo empregado compatível com a fixação e controle de jornada, não há falar na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, sendo devidas ao trabalhador as horas extras laboradas. Recorrente: Tim Celular S.A.; Zopone-Engenharia e Comércio Ltda. Recorridos: Zopone-Engenharia e Comercio Ltda.; Tim Celular S.A.; Oi S.A. - Em Recuperação Judicial; Ubirata Ribeiro Domingues. Relator: João Paulo Lucena, Data de Julgamento: 05.10.2017, 8ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 02.12.2019. 

  4. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista: 0020405-15.2015.5.04.0028. Diante do exposto, e de tudo o mais constante nos autos, rejeita-se a preliminar e julga-se procedente em parte os petitórios dos processos movidos por Ubirata Ribeiro Domingues aforado em face de ZOPONE-Engenharia e Comercio LTDA, Tim Celular S.A. e OI S.A. Reclamante: Pedro Omar Oliveira da Rocha. Reclamado: WMS Supermercados do Brasil LTDA. Juiz do Trabalho Rodrigo Trindade de Souza. 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS. Data da publicação: 10.11.2016. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019. 

  5. A propósito, há jurisprudência nesse sentido: 1. RESTITUIÇÃO DE VALORES. MANUTENÇÃO DE COMPUTADOR PORTÁTIL ("NOTEBOOK"). CONTRATO DE LOCAÇÃO - As partes ajustaram contrato de aluguel de computador portátil, estabelecendo obrigação do autor em manter o equipamento em perfeitas condições de uso. Cumpria, pois, ao autor manter o equipamento em bom estado de modo a servir ao uso a que se destinava e a mantê-lo nesse estado pelo tempo de vigência do contrato, obrigação anexa ao contrato de trabalho, em conformidade com o que estabelece o artigo 566, inciso I, do Código Civil - CC. Despropositada, assim, a pretensão de restituição dos valores efetivamente gastos a esse título. 2. SALÁRIO PRODUÇÃO. HABITUALIDADE NO PAGAMENTO. NATUREZA REMUNERATÓRIA RECONHECIDA - O pagamento habitual de salário produção evidencia a natureza remuneratória da parcela devendo integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. Recurso provido. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Recurso Ordinário: 0024944-87.2015.5.24.0021. Recorrente: Telemont Engenharia de Telecomunicações S/A. Recorrido: Gabriel Pereira Mendes. Relator: Francisco das Chagas Lima Filho. Data de Julgamento: 17.05.2017, 2ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019. 

Sobre o autor
José Sebastião Fagundes Cunha

Desembargador do TJPR Presidente da 3ª Câmara Civil Tributário / Relações de Trabalho Doutor pela UFPR Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Informações sobre o texto

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