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Abandono de plenário no júri: exercício da defesa ou irregularidade

Agenda 02/05/2022 às 16:00

Meras discordâncias em torno da condução de ato ou da gestão da prova não justificam o abandono de plenário quando o sistema processual prevê mecanismos hábeis a enfrentar a questão.

A questão do abandono do plenário pela defesa, no procedimento especial do Tribunal do Júri, não é propriamente nova, porém, a verificação de aparente tendência à maior frequência em sua ocorrência, falas ameaçando sua prática durante a realização do ato processual, entre outras circunstâncias atuais, fazem a temática ganhar novos contornos e demandar apreciação técnica específica.

Com efeito, no Tribunal do Júri, vigora a plenitude defesa, importante conquista civilizatória, a qual objetiva garantir equilíbrio entre as partes do processo, a partir da verificação do forte desequilíbrio estrutural existente em favor da acusação. Não há dúvidas que a plenitude de defesa traz conjunto importante de possibilidades de atuação e de construção hermenêutica, em favor da maior habilitação da defesa, chegando mesmo a limitar alguns conteúdos normativos infraconstitucionais, como os da denominada lei Mariana Ferrer, situação detalhada no artigo de minha autoria "A aplicabilidade limitada da lei Mariana Ferrer no júri", disponível em revistas acessíveis via consulta eletrônica.

Por outro lado, a plenitude de defesa não significa não presença de limites, pois, deve estar articulada, em seu exercício, com o restante dos princípios e garantias constitucionais, conforme explicitado no artigo "Reflexões sobre os Limites ao Direito de Defesa no Processo Penal Brasileiro", publicado na Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, v. 17, p. 129, 2021.

A partir das premissas anteriores, o abandono de plenário é um instrumento que pode ser inserido como decorrência da plenitude de defesa, mas, seria incorreto afirmar que necessariamente o é, pois, fundamental avaliar, no caso concreto, se ocorreu em situação efetiva, na qual sua necessidade se fazia presente para preservar o próprio exercício defensivo ou se ocorreu abuso na sua prática, não permitindo que a hipótese se articule com o restante da estrutura constitucional, em especial no que tange ao devido processo legal e ao contraditório.

Submetida à temática a esta perspectiva, a primeira indagação é se a situação concreta apresentada é de impedimento do exercício da defesa ou de mera discordância da defesa com o conteúdo decisório de determinada matéria.

A dicotomia acima destacada é fundamental, pois, ainda que haja decisão que, sob a perspectiva da defesa, esteja incorreta ou gere nulidade do julgamento, ela por si só não legitima o abandono do plenário, não sendo igualmente legítima a ameaça de realizá-lo, a fim de constranger o Juiz presidente a decidir de outra forma ou mesmo a parte contrária a renunciar seu entendimento.

O abandono de plenário é medida extrema, a qual se legitima quando a defesa é submetida a um quadro real de bloqueio, por exemplo, a parte contrária com suas interrupções contínuas impede que haja efetivo exercício da defesa, não havendo atuação do Magistrado ou mesmo não conseguindo ele impedir o procedimento. Outro exemplo, é a parte contrária agredir física ou moralmente a própria pessoa do defensor, entre outras situações extremas que legitimam, em nome da preservação do direito de defesa, seja abandonado o plenário.

Meras discordâncias com entendimento em torno da condução do ato ou da gestão da prova não justificam o abandono de plenário, na medida em que matérias passíveis de registro em ata para posterior discussão em sede recursal, ou seja, o sistema, dentro da observância do devido processo legal e do contraditório, prevê mecanismos hábeis a enfrentar a questão, não podendo, portanto, o ato de deixar o plenário ser utilizado como instrumental de barganha para constranger os demais sujeitos do processo a agir como deseja a parte em questão.

Diferente é, por exemplo, ser requerido o registro em ata de determinada situação e o Magistrado impedir ou obstaculizar que se realize. Nessa situação ocorre bloqueio ao exercício da defesa, com claro impedimento de que situação de seu interesse possa posteriormente ser suscitada, justificando o abandono do plenário, pelo total impedimento do exercício defensivo.

Assim, os limites são muito claros, se, por um lado a plenitude de defesa possibilita um vasto campo de atuação defensiva, o abandono do plenário do júri somente se mostra legitimado quando o bloqueio à defesa é de tal sorte que o sistema processual não encontra dentro de seus normais mecanismos, inclusive recursais, possibilidade de correção.

Não é, igualmente, o argumento de que o ato praticado pode influir no julgamento, conduzindo a uma condenação, suficiente para estabelecer a necessidade de deixar o plenário, pois, na sistemática do artigo 593 inciso III do Código de Processo Penal, as hipóteses nulificadoras do julgamento, posteriores à pronúncia, são passíveis de recurso e reconhecida a nulidade, mesmo que havida condenação, esta será afastada.

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A única exceção seria, houvesse automática prisão da pessoa, com início do cumprimento da pena, caso houvesse condenação, como já pretendeu parte minoritária da Jurisprudência e, em alguma medida, o conhecido Pacote Anticrime, mas, o atual avanço da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que a prisão imediata após a condenação, em consonância ao regramento constitucional, é totalmente bloqueada, esvazia a possibilidade do abandono de plenário, com base no simples argumento da existência de risco de condenação.

Em síntese, deixar o plenário legitima-se quando a situação é extrema, na qual a defesa fica bloqueada, sem que haja no sistema normativo possibilidades de correção, dentro do devido processo legal.

Assim sendo, a regra de fixação de multa ao profissional que impede a realização do julgamento deve ser avaliada dentro destas características, indagando se a situação que motivou o ato era passível de correção, por exemplo, pela via recursal ou era extrema, como os já citados exemplos de bloqueio à argumentação da parte por interrupções constantes, ataques ofensivos, não registro das ocorrências em ata, legitimando totalmente o impedimento da continuidade do ato, em atenção ao princípio da plenitude defesa, não permitindo qualquer sanção ao Advogado que, em última análise, terá agido como garante do próprio Estado Democrático de Direito.

Sobre o autor
Adel El Tasse

Professor de Direito Penal em cursos de graduação e pós-graduação, professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e no Curso Cers, mestre e doutor em Direito Penal, coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais e membro do Conselho de Direitos Humanos do Município de Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL TASSE, Adel. Abandono de plenário no júri: exercício da defesa ou irregularidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6879, 2 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97221. Acesso em: 21 nov. 2024.

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