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Crimes hediondos, regime prisional e questões de direito intertemporal

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Agenda 12/04/2007 às 00:00

3. CONCLUSÕES

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São as seguintes as conclusões que se tiram de todo o exposto, data maxima venia:

A – É perfeitamente constitucional estabelecerem-se regras diferenciadas no tocante ao tempo de cumprimento de pena para a progressão de regime nos crimes hediondos e figuras equiparadas em relação aos demais delitos, o que não ofende o princípio da individualização da pena. Muito pelo contrário, assevera a vontade da Constituição de estipular um tratamento mais severo para os condenados por este tipo de crime;

B – Essas novas regras, 2/5 (dois quintos) ou 3/5 (três quintos), conforme se trate de réu primário ou reincidente, respectivamente, ao invés de 1/6 (um sexto), que é a regra geral para os demais crimes, têm plena aplicação aos crimes hediondos e figuras equiparadas praticados antes da vigência da Lei nº 11.464/07 [27], posto que se constitui em novatio legis in mellius em relação ao sistema anterior, que, na redação original da Lei nº 8.072/90, impunha o regime integralmente fechado ao cumprimento da pena por crime hediondo ou figura equiparada. Não há ofensa ao princípio da isonomia, posto que os novos condenados, que praticarem este tipo de crime após a entrada em vigor da Lei, também estarão sujeitos às mesmas regras;

C – As conclusões anteriores se baseiam na afirmação de que era perfeitamente constitucional a norma que impunha o regime integralmente fechado para o cumprimento das penas oriundas de crimes hediondos ou figuras equiparadas, já que toca à Lei regular a individualização da pena, nos exatos termos do art. 5º, XLVI, da Constituição Federal. E também na afirmação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, produziu somente efeitos no caso concreto e não erga omnes ou, muito menos, eficácia vinculante.

D – Exceção deve ser feita em relação ao crime de tortura, que, desde sua Lei, a Lei nº 9.455/97, já admitia a progressão de regime, concedida com base nas regras gerais do art. 112 da Lei de Execução Penal (1/6 de pena cumprida). Neste ponto, a inovação legislativa (2/5 ou 3/5 da pena como pressuposto da progressão) constitui-se em novatio legis in pejus, não podendo surtir efeito retroativo e só podendo alcançar as condenações por crime de tortura que venha a ser praticado após a vigência da Lei nº 11.464/07 (29 de março de 2007).

E – Caso o Supremo Tribunal Federal venha a editar Súmula Vinculante para emprestar efeitos erga omnes à decisão tomada no mencionado Habeas Corpus nº 82.959, ficará inviabilizada a aplicação das novas regras da progressão de regime (2/5 ou 3/5 de cumprimento da pena) aos crimes hediondos e figuras equiparadas cometidos antes do dia 29 de março de 2007, em relação aos quais, aí sim, terá que reinar a regra de progressão de regime disciplinada no art. 112 da Lei de Execuções Penais (cumprimento de 1/6 da pena), pelas mesmas razões que levam a idêntica disciplina, independente de vir ou não a Súmula Vinculante, no caso de crime de tortura.

No mais, resta-nos torcer, agora, que os Juízes de Execução Penal em todo o Brasil, ao serem chamados a examinar a possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos e figuras equiparadas, não se esqueçam dos requisitos subjetivos necessários à concessão da medida, examinando o mérito do condenado antes de conceder o benefício, na forma do art. 112, caput, da Lei de Execuções Penais, aplicável à espécie em sua parte final, recorrendo, se necessário, ao exame criminológico, na forma do parágrafo único do citado dispositivo, tema que, aliás, ficou ressalvado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal no fatídico julgamento do Habeas Corpus nº 82.959.

E esperar, por derradeiro, que prevaleça entre eles o entendimento estampado na Súmula nº 715 do Supremo Tribunal Federal [28], que explicita que a base de cálculo para o cômputo da fração de cumprimento da pena que habilita a progressão de regime e outros benefícios, em caso de condenações que superem os 30 anos, é o total da pena bruta e não a pena unificada do art. 75 do Código Penal [29], que se destina única e exclusivamente a contagem do tempo total de cumprimento da pena, caso esses trinta anos cheguem antes do que chegaria o cálculo dos benefícios prisionais feito sobre a pena bruta.

Do contrário, ter-se-ia uma inusitada e iníqua situação: imaginemos que duas pessoas sejam condenadas pela prática de crimes hediondos ou equiparados, uma a 30 anos de prisão; outra, no total, a 300 anos de prisão. Fosse a progressão de regime ser calculada com base no total unificado de trinta anos, ambas sairiam da prisão, em tese, cumpridos 12 ou 18 anos, conforme primários ou reincidentes (2/5 ou 3/5 da pena, respectivamente). Tal situação representaria desconfortável afronta ao princípio da igualdade, porque poderia tratar, por hipótese, um criminoso que cometeu "apenas" um crime e por ele foi condenado a 30 anos de prisão, da mesma forma do que seria tratado outro criminoso que cometeu dez crimes daquela espécie em concurso material, sendo condenado a 300 anos. E sairiam juntos da prisão, na certeza de que um crime só é que não compensa; já dez, sim!

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Não se diga que calcular o benefício da progressão sobre os 300 anos constituir-se-ia em burla ao dispositivo constitucional que veda a prisão perpétua, eis que pressuporia que o condenado teria que viver 120 ou 180 anos, conforme o caso, para ter direito à progressão. Isto porque não seria necessário esperar tanto tempo assim, já que, de uma forma ou de outra, sairia ele após o cumprimento de 30 anos, o que chegaria primeiro do que a perspectiva de progressão, fazendo com que este condenado ganhasse 90 ou até 150 anos, conforme o caso, o que já seria um benefício e tanto, estando para lá de bom!


4. REFERÊNCIAS.

GOMES, Luiz Flávio. Lei 11.464/07: Liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.03 abril. 2007..

MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464/2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Artigo publicado no site Jus Navigandi, Teresina, ano 11, boletim nº 1377, de 09 de abril de 2007, disponível no site www.jus.com.br, acessado em 09 de abril de 2007.


Notas

01 É que, como se sabe, a Lei de Tortura previu a possibilidade de progressão de regime, para o crime de tortura, já que, no dispositivo citado, estabeleceu que o regime fechado seria, tão-somente, para o início do cumprimento da pena. Tentou-se, com apoio em grande parte da Doutrina, principalmente a escola paulista de direito processual, exportar a regra para os demais crimes hediondos e figuras equiparadas, a partir da suposta observância de uma norma de simetria que teria sido estabelecida pela Constituição para esses delitos, mas o Supremo Tribunal, até então, colocava as coisas no seu devido lugar, explicitando que o princípio a resolver o conflito era o da especialidade, que recomendava estabelecer que para a tortura poderia haver progressão, diante da permissão da Lei específica, o que não contaminava a proibição genérica, da Lei de Crimes Hediondos, para os outros crimes hediondos e figuras equiparadas, os quais permaneciam com o regime de cumprimento de pena integralmente fechado.

02 BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, LXVI – "a lei regulará a individualização da pena..." (grifo nosso).

03 Dados extraídos da INTERNET, do site do Supremo Tribunal Federal: www.stf.gov.br, acessado em 09 de abril de 2007.

04 Vide: GOMES, Luiz Flávio. Lei 11.464/07: Liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.03 abril. 2007..

05 BRASIL, Constituição Federal, art. 102, § 2º – "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)".

06 Vide texto citado na nota de rodapé nº 5.

07 BRASIL, Constituição Federal, art. 52 – "Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal".

08 BRASIL, Constituição Federal, art. 103 A – "O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei".

09 Já que, depois daquele julgamento, aposentaram-se, dos Ministros que proferiram voto, Nélson Jobim e Carlos Velloso. E está em vias de se aposentar o Ministro Sepúlveda Pertence, este último responsável por um dos 6 (seis) votos que derrubaram o anterior entendimento da Corte.

10 O que não significa dizer que a vedação da progressão o desatendesse completamente ou, ainda que desatendesse, que não seria constitucional fazer, como era feito antes – o que se insiste em reafirmar!

11 O que, aliás, chamava a atenção, em seus votos favoráveis à progressão de regime, o Ministro Carlos Britto.

12 BRASIL, Lei nº 8.072/90, com redação dada pela Lei nº 11.464/07, art. 2º, § 2º – "A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente".

13 BRASIL, Código Penal, art. 4º – "Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado".

14 BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, XL – "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

15 Cf. artigo citado.

16Ibidem.

17 MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464/2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Artigo publicado no site Jus Navigandi, Teresina, ano 11, boletim nº 1377, de 09 de abril de 2007, disponível no site www.jus.com.br, acessado em 09 de abril de 2007.

18 BRASIL, Código Penal, art. 2º, parágrafo único – "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

19 Vide nota de rodapé nº 15.

20 Cf. extrato do julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, disponível no site do Supremo Tribunal Federal, www.stf.gov.br, acessado em 10 de abril de 2007.

21 Cf. íntegra do voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Habeas Corpus nº 82.959, disponível no site do Supremo Tribunal Federal, www.stf.gov.br, acessado em 10 de abril de 2007.

22 Seja por já possuir, em virtude de ser oriunda do Plenário e discutir Lei em tese, como querem alguns, ainda que no controle difuso; seja pela superveniência de Súmula Vinculante que venha a emprestar o pretendido efeito erga omnes àquela decisão.

23 Art. 112 da Lei de Execuções Penais.

24 BRASIL, Lei nº 9.455/97 – "O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado".

25 O que não significa dizer que, até então, não fossem compatíveis o sistema de vedação à progressão de regime, estabelecido como regra para os crimes hediondos e figuras equiparadas, com a possibilidade de progressão em relação à tortura somente, por força do princípio da especialidade, entendimento que vingou ao longo de 9 anos na Jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal (desde o advento da Lei de Tortura até o julgamento do Habeas Corpus nº 82.959).

26 Cf. artigo citado na nota de rodapé nº 18.

27 A Lei em questão entrou em vigor no dia 29 de março de 2007.

28 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Súmula nº 715 – "A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução".

29 BRASIL, Código Penal, art. 75 – "O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. § 1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. § 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido".

Sobre o autor
Marcelo Lessa Bastos

promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, doutorando pela Universidade Gama Filho, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Marcelo Lessa. Crimes hediondos, regime prisional e questões de direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1380, 12 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9734. Acesso em: 23 dez. 2024.

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