5. ASPECTOS RELACIONADOS A FORMAÇÃO DO FUTURO OPERADOR DO DIREITO
Em relação ao processo de formação dos operadores de direito, serão traçados alguns argumentos referentes a algumas críticas de autores referência na área, que trazem ideias a respeito de novas maneiras de fazer o direito, sem perder sua base fundamental que é o arcabouço legal. Como bem ressalta Fux (2000), a alusão ao ensino jurídico traz a lume a crise instalada no ensino desta ciência, que se fundamenta nas leis e na concepção simbólica de justiça. Este tem sido um veículo que se transmite ao estudante de direito, o fenômeno jurídico a sua dupla configuração, a saber: o sistema de leis e a configuração dos conflitos decorrentes da não realização espontânea do direito.
A severa, porém, procedente crítica, lastreia-se na prática diuturna de o estudante pensar o direito como um conjunto de preceitos, tornando-o prisioneiro do tecnicismo e sujeito passivo de constatações, ao invés de atuantes indagador. Inegável, portanto, que o produto deste processo de fabricação deste profissional resulte na formação de positivistas os quais nas atividades jurídicas exercidas hão de revelar a obscuridade de suas culturas e o absenteísmo de suas sensibilidades (FUX, 2000).
Plauto Ferraco, citado por Fux (2000), nas suas digressões leciona: “esta situação denota mais do que uma lacuna importante no aprendizado jurídico. É ela indicativa de que o ensino funciona como um sistema fechado em que gravitam conceitos jurídicos, cultivados com elevado grau de abstração que o afasta dos dados sociais reais, a tal ponto que os juristas se tornam prisioneiros do tecnicismo que engendram”. Complementando este raciocínio, Fux (2000) questiona:
O pensar estritamente dogmático, engessado pelo reducionismo lógico-formalista, faz escapar ao estudante de direito a ratio essendi da matéria prima que adquire nas faculdades e que se destina à solução dos “multifários dramas humanos”. Como formar homens sensíveis, justos, críticos, se o estudo do Direito se perfaz em circuito fechado, onde a contemplação da norma estática encerra a um só tempo o juízo de valor e o juízo da realidade?
Alberto Warat tem uma visão critico-reflexiva da ciência jurídica. Estudioso da psicanálise, principalmente lacaniana, teve seu pensamento atravessados por algumas ideias da psicanálise, principalmente no que se refere a postura deste sujeito que se encontra em formação e o papel do seu mediado, o docente. O autor, Luis Alberto Warat é argentino radicado no Brasil, Bacharel em Direito e Doutor pela Universidade de Buenos Aires, Professor titular Doutor dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação – DPC, da Universidade Federal de Santa Catarina, nas Áreas de Atuação: Direito e Psicanálise, Filoestética e Direito e Epistemologia da Complexidade (CASA WARAT, 2007).
Para Warat, o direito se restringe ao seu fundamento tecnicista e engessado, pautado no estudo de leis sem considerar aspectos humanizados na formação. O autor aponta para uma forma mais “aberta” e crítica para se olhar para esta ciência. Ele traz alguns termos para respaldar seu pensamento como é o caso do “surrealismo jurídico” que, segundo Warat (1988), trata-se de analisar a dogmática jurídica a partir de uma desconstrução que se dá no entrelaçamento entre Direito e Arte, perpassando pelo amor tendo como método o surrealismo jurídico.
Segundo o autor, o surrealismo, como uma compreensão carnavalizada do mundo, reintroduziria o valor das ilusões e metáforas banidas pela hiper-realidade dos pós-modernidade. A linguagem jurídica estereotipada com proposta de sua substituição pela linguagem jurídica carnavalizada do ensino e do estudo do Direito, pautados em neuroses narcisistas e defesas maníacas, bem como a contraproposta de o professor converter o saber pelo diapasão das práticas de pensamento e dando-o "para satisfazer a dúvida do aluno que é sempre, no fundo, um pedido de amor, a fuga da fadiga dos estereótipos, a renúncia a este monstro que é o último significado" (WARAT, 1988).
Assim como vivemos numa sociedade onde tudo é transformado em mercadoria temos uma vida jurídica onde tudo é convertido em lei. Os sonhos do capitalismo viram sempre mercadorias (WARAT, 1988).
A relevância desta obra está na proposta de uma pedagogia subversiva à instituída nos cursos de Direito, primado da erudição acadêmica do saber jurídico, a qual se faz ocorrer na relação professor-aluno, pela imaginação pedagógica fundada no desejo, no amor, na poesia e no prazer, mostrando ao aluno que ele próprio tem a possibilidade de ser o produtor de suas necessidades e dos meios para atingi-las, portanto, sustentada na pragmática da "poesia da ternura como ato inaugural da política de resistência às formas de totalitarismo”.
Outro termo muito utilizado pelo autor é “a carnavalização” do direito, em sua obra “A ciência jurídica e seus dois maridos”. A obra em questão propõe a carnavalização, estilo narrativo, polifônico e multiplicador de metáforas. O uso epistemológico da sedução na forma mais evidente, através da apropriação simbólica da personagem Dona Flor, de Jorge Amado, como representação da Ciência Jurídica, e dos seus dois maridos como designação de duas posturas epistemológicas antagônicas.
As autoras Cavallazzi e Assis (2017), retrata bem a obra de Warat, a ciência jurídica e seus dois maridos. Elas ressaltam que para o autor a importância da epistemologia crítica desenvolvida por Warat, reside no alargamento das fronteiras da pesquisa jurídica para além da normatividade e da abertura do campo de revisão dos valores epistemológicos que legitimam a produção de dogmas, ou seja, verdades jurídicas consagradas e, portanto, inquestionáveis (WARAT, 2004).
A carnavalização se presta a descoberta das fissuras da racionalidade moderna, pois, “no campo do saber é preciso envelhecer as verdades instituídas para que se abra o campo para a presença do novo” (WARAT, 2004). A carnavalização waratiana se apresenta como estratégia para superar o normativismo jurídico, fruto das análises realizadas principalmente na década de 80, como a obra “A pureza do poder: uma análise crítica da teoria jurídica” (WARAT, 1983).
O postulado da pureza metodológica de Hans Kelsen e sua pretensa despolitização é desnudado por Warat, principalmente quanto à perpetuação no senso comum teórico dos juristas. Seguindo a proposta de Warat, os juristas são chamados a trabalhar no campo da marginalidade, da ambivalência como oportunidade para renascer (WARAT, 2004).
As autoras Cavallazzi e Assis (2017), citando Warat dizem que nesta perspectiva, Warat alerta que não se deve refutar a razão jurídica, mas os excessos de uma racionalidade que se tornam arbitrários, para tanto é necessária à abertura dos profissionais do direito aos sentimentos. Warat vai além da crítica e propõe uma revolução na “pedagogia oficial da modernidade” em que a relação entre professor e aluno é carregada de soberba e distanciamentos afetivos.
Na opinião das autoras, Warat busca uma nova maneira de ministrar aulas que seja inversa à ideia do professor autista que ignora ou detesta os alunos, assim como o juiz que detesta as partes, o médico que detesta os pacientes. Professores que preparam um roteiro de aula inalterável em nome da seriedade.
Portanto, a narrativa de Warat, ao aliar a perspectiva epistemológica e pedagógica, expande a audição dos seus alunos e leitores para a escuta sensível das ruas que gritam Dionísio, nos convidando para carnavalizar os sentidos com vistas à alteridade que permita a ampliação dos direitos dos marginalizados (CAVALLAZZI e ASSIS, 2017).
O caminho, sabe-se, é árduo; por ele passaram as mentes mais privilegiadas da humanidade, de Platão a Kant, em prol da disseminação dessa virtude que é a justiça; é o grande valor sob o qual repousam as perspectivas do terceiro milênio e desafiar a sensibilidade dos homens sob a forma de indagação: o que é Justiça?
Por ora, nem a pergunta e nem a resposta, mas a certeza de que um novo tempo se avizinha e que vamos de encontro a ele, com a fé que nos tranquiliza a alma, com a serenidade de que lutamos em prol do bem e da verdade e com a independência de consciência que nos legou o poeta Fernando Pessoa: “Não se pode servir à sua época e à todas as épocas ao mesmo tempo; nem escrever para homens e deuses o mesmo poema” (FUX, 2000).
Por fim, como o próprio autor fala, continuaremos na luta pela busca do melhor que uma ciência, neste caso, as jurídicas, possam se tornar para oferecer um arcabouço de formação que abarque as necessidades sociais que o momento histórico pede.
6. A NOVA “CONSCIÊNCIA JURÍDICA”
Neste último tópico, serão abordadas algumas ideias a respeito do processo de “reencontro”, ou mesmo do novo olhar que embasa os procedimentos no judiciário sob os aspectos do direito sistêmico.
Enquanto o direito tradicional empregava um perfil profissional respaldados na dinâmica “ganha-perde”, este profissional de hoje, atravessado por outras formas de saber e fazer o direito, busca realizar seu trabalho com objetivos além da aplicação das normas técnicas, engessadas. Ele busca também pacificação na construção de soluções, pautados numa dinâmica de “ganha-ganha”, em que as partes, empoderadas, se tornam conscientes de seus conflitos e buscam resolvê-los de maneira que todos os envolvidos estejam ao final satisfeito, e de fato com a questão resolvida.
Diante deste aspecto resta apontar não só a mediação e conciliação, que já são métodos alternativos eficazes, mas como prioridade deste trabalho, ressaltar tamanha efetividade do uso da técnica de constelação familiar para resolver conflitos de forma pacífica e definitiva. E como já demonstrado, esta técnica se encaixa em todas as áreas do direito e, pode promover harmonia nos sistemas envolvidos nas lides, como também contribuir para o movimento de pacificação social.
Temos vários autores que apontam para esta nova direção, além do próprio propulsor da técnica no judiciário, Sami Storch, que trouxe resultados consistentes e concretos em suas pesquisas como, por exemplo a autora Adhara Campos Vieira, precursora nos tribunais de Brasília-DF. Há que se falar também dos aspectos relacionados na própria formação destes sujeitos, os operadores das leis, cabe ressaltar a nova postura que assumem diante destas demandas sociais emergentes. Assim, vale exaltar o papel fundamental que as universidades da área exercem não só no processo de formação destes sujeitos, mas também sua função social diante da sociedade.
Com todas estas mudanças as instituições de ensino superior em direito devem buscar se aprimorar com seus profissionais como todo, e abrir mais espaço para matérias e projetos que se respaldam neste novo olhar. Ainda se vê de forma tímida matérias nas áreas de métodos alternativos de resolução de conflitos e menos ainda a introjeção do conhecimento do direito sistêmico.
O que se almeja é que esta parte do direito que ganha cada vez mais espaço no cenário brasileiro e mundial, possa também ser vista com a devida importância, assim como a própria parte de conteúdo tecnicista, base legal, que fundamenta as ciências jurídicas. Allures, é possível construir uma ciência mais humanizada, com mais celeridade na resolução de suas controvérsias e com resultados mais eficazes. Deste modo, torna-se possível pensar na organização do caos que se tornou, ao longo dos anos, o sistema jurídico brasileiro, abarrotado de processos que não “andam” e, quando chegam ao seu fim, nem sempre satisfazem as partes envolvidas.
Para além dos aspectos abordados, cabe ainda trazer uma breve explanação a respeito desta nova “consciência jurídica” que avança no campo do Direito. Este termo foi usado e delimitado pela autora Ana Cecília Bezerra de Aguiar (et al., 2018), na identificação destas novas demandas do Direito, tais como o Direito Sistêmico, que abrange toda a temática trazida por Hellinger, o criador desta ciência fenomenológica, lançando um novo olhar humano no âmbito das ciências jurídicas, sinalizando para grandes avanços e vantagens na resolução de conflitos judiciais.
Sabemos que “olhar para o novo” pode ser, para alguns, uma ameaça à suposta ordem estabelecida e, por isso, ainda se enfrenta muita resistência dos profissionais da área em relação a aplicação sistêmica das constelações no Direito. Então, o que se poderia traduzir aqui como uma “nova consciência jurídica”? Segundo Aguiar (et al, 2018), é a aplicação de práticas mais humanizadas voltadas para resultados mais eficazes e céleres. É o olhar e a consciência de que por trás de todo conflito existe uma história que o gerou, e que, na maioria das vezes, pode ser resolvida sem deixar rastros de angústia, tristeza e insatisfação, o que pode, certamente, gerar novos conflitos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este estudo, é importante ressaltar que a ciência jurídica, ainda que tradicional e uma das mais antigas, se coloca em movimento e em constante busca de atualizações doutrinárias, legais e de prática para abarcar as questões emergentes da sociedade. É notável que o direito não consegue sempre alcançar a velocidade e dinamicidade com a qual a sociedade evolui, mas sempre busca instrumentos válidos para solucionar suas questões.
O estudo se propôs compreender esta demanda social respaldada pelos princípios do Direito Sistêmico, que tem sido recepcionada a prática jurídica como mais uma alternativa para solucionar controvérsias evitando, assim, a judicialização da questão, amenizando o abarrotamento do judiciário. Foi possível perceber que a iniciativa do Juiz Sami Stoch, partiu de uma perspectiva pessoal, mas que numa visão ampliada serviu como alternativa para amenizar razoavelmente a evolução considerável da judicialização de ações. Percebe-se também que vários tribunais aderiram ao procedimento por meio de projetos e voluntários, alcançando resultados positivos, como é o caso do tribunal de Goiânia, que inclusive recebeu premiação. Também se fazem presentes neste processo, as comissões de Direito Sistêmico por todo Brasil, dentro das OABs.
Este movimento busca maior conhecimento e compreensão desta prática que vem transformando a área jurídica. São promovidos cursos, palestras e debates que possibilitam melhor entendimento das dimensões que este instrumento pode alcançar como possibilidade de alternativa para resolver lides.
Ademais, coube ressaltar que não é unanime a utilização das constelações nos tribunais, menos ainda a incorporação dos princípios sistêmicos à prática jurídica, restando ainda algumas críticas polêmicas acerca de situações específicas, como é o caso da violência doméstica e divórcio com guarda de filhos. Alguns profissionais se posicionam de maneira contrária a esta aplicação expansiva das constelações sistêmicas, criticam inclusive seus princípios que se respaldam em aspectos “controversos” diante da realidade apresentada, tornando a aplicabilidade da lei uma alternativa ainda mais “segura” e “sólida”, segundo estes. Contudo, conspícuo que a busca por uma atuação dinamicamente mais humanizada, voltada para as partes envolvidas no conflito, não é de hoje, muitos outros já haviam apontado críticas construtivas e até utópicas em função da atuação “engessada” do profissional do Direito, como demonstrado nas palavras de Alberto Warat.
Neste sentido, ainda há de se falar de uma nova consciência jurídica, termo cunhado pela autora Aguiar, e também consciência social, pois, todo profissional que respalda sua prática na dinâmica social, tem por finalidade e objetivos se adequar a realidade que se apresenta, podendo em meio a infindáveis arcabouços teóricos, construir práticas resolutivas, pacíficas e que atinjam os objetivos a que se propôs, apaziguar e criar soluções para as relações humanas que se encaminharam para o conflito. Afinal, à Ciência Jurídica cabe o papel social não só de aplicabilidade da lei, mas também de pacificação das relações conflitosas nas mais diversas áreas, e aos operados das leis, habilidades que propiciem uma atuação eficaz e satisfatória para todos os envolvidos, evitando, deste modo, novos conflitos.
Diante do exposto, é notável a expansão deste movimento, de forma geral, a cultura de paz aplicada por meio de resoluções alternativas pacíficas de solução de conflitos, de maneira mais específica, a aplicabilidade das Constelações Familiares no âmbito jurídico, e incorporação de seus princípios como mais uma maneira de olhar para o conflito humano. Deste modo, os operadores de Direitos estão se instrumentalizando de maneira tal, que o seu papel e função como promotores de “justiça”, tenha um leque maior de possibilidades.