Direito Sistêmico: uma nova perspectiva para o processo de formação do profissional de Direito

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Resumo:


  • O Direito Sistêmico, influenciado pelas constelações familiares de Bert Hellinger, representa uma abordagem inovadora na resolução de conflitos jurídicos, promovendo uma cultura de paz e soluções pacíficas.

  • Embora não seja uma prática unânime nos tribunais brasileiros, o Direito Sistêmico tem ganhado espaço e demonstrado resultados positivos na promoção de acordos e na redução da litigiosidade excessiva.

  • A formação dos profissionais de Direito deve evoluir para incluir abordagens humanizadas e eficazes na resolução de conflitos, alinhando-se às demandas sociais contemporâneas e contribuindo para a transformação do sistema jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. REALIZAÇÃO DO DIREITO SISTÊMICO NO BRASIL

A técnica criada na Alemanha, denominada Constelação Familiar, está contribuindo para tribunais de 11 estados brasileiros. O primeiro exemplo a ser citado é o TJRJ - Tribunal Regional do Rio de Janeiro, a saber:

O juiz da Vara de Família André Tredinnick participa do Projeto de Desenvolvimento no Centro Judiciário de Soluções de Conflitos no fórum regional. O magistrado já trabalha com o método terapêutico das Constelações Familiares nas sessões de conciliação ou mediação, aplica a técnica dois meses antes de uma audiência, onde estimula os envolvidos a refletir sobre seus vínculos familiares. O objetivo da prática é que sejam interrompidos os comportamentos repetitivos que geram conflitos, possibilitando a conversa entre os litigantes, que frequentemente resulta em acordo. Para as primeiras experiências do projeto, cerca de 300 processos com temas semelhantes sobre questões como pensão alimentícia e guarda dos filhos foram selecionados em 2016. Pelos resultados preliminares da pesquisa. O índice de aprovação da técnica foi de quase 80% das audiências. Além disso, 86% das audiências realizadas após as Constelações Familiares resultaram em acordos (TJRJ).

Outro pioneiro na postura sistêmica é TJPR - Tribunal Regional do Paraná. Este Tribunal capacitou profissionais para atuarem com as constelações sistêmicas junto ao Centro Judiciário de Soluções de Conflitos, como ferramenta para conciliação e mediação.

A técnica não substitui as mediações, nem o atendimento psicológico, é utilizada nos casos pré-processuais, no decorrer de ações judiciais, ou mesmo após encerramento. A execução pode ser postulada pelas partes, pelos procuradores, assim como encaminhadas pelo juiz de direito (TJPR).

Não se pode deixar de falar do TJDFT - Tribunal Regional do Distrito Federal. Com o objetivo de reduzir a excessiva judicialização das divergências e elevar a celeridade processual, este tribunal implementou o Projeto Constelar e Conciliar, que inclui as Constelações como método alternativo.

Para as primeiras experiências dos Projetos, usou 48 processos. Desses processos, 19 formou acordo, o que representa 43%. As ações eram sobre guarda de família, divórcio litigioso, inventário e alimentos. Os critérios utilizados foram: antiguidade (mais antigo e com instrução avançada) por serem mais conflituosos, com temas semelhantes e que já tinham sido realizados outras audiências sem êxito (TJDFT).

A precursora da iniciativa no TJDF Adhara Campos Vieira, além deste projeto também toma frente em demais projetos da área. A autora afirma a eficácia do uso da Constelação como meio alternativo de soluções pacíficas, a saber:

Em vista do trabalho realizado, pode-se dizer que a Constelação é bom recurso que pode ser utilizado pelo Poder Judiciário, que tem por excelência função de dirimir controvérsias. O emprego da Constelação Sistêmica e Familiar amplia a cidadania e o direito constitucional de acesso à justiça, em harmonia com os ditames com o novo rito de processo civil, que reforça o caráter instrumental do processo em resolver conflitos, sem perder de vista a satisfação das partes com a solução dada ao litígio (VIEIRA, 2018).

Por fim, é notável o trabalho do TJGO - Tribunal Regional do Estado de Goiás. Através do Projeto Mediação Familiar aplicado pelo Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC), rendeu primeiro lugar na categoria Tribunal Estadual avaliado pelo CNJ.

A prática consiste no exercício da mediação familiar sob a perspectiva interdisciplinar e multidirecional envolve, profissionais e acadêmicos do direito e da psicologia. O juiz Paulo Cesar Alves das Neves, coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJGO e idealizador do projeto. Alicerçada na Teoria Geral dos Sistemas, na Fenomenologia, no Psicodrama e na Constelação Familiar, a prática existe desde abril de 2013 e já atendeu 256 famílias de Goiânia e região metropolitana em conflitos que envolvem divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos e regulamentação de visitas. De acordo com o magistrado, o índice de solução é de aproximadamente 94% das demandas. O juiz afirma que, além de reduzir o número de ações judiciais, a prática também minimiza a possibilidade de novas divergências nos casos já tratados, permite manter os laços afetivos dessas famílias e reduzir a possibilidade de sofrimento, principalmente de crianças e adolescentes. Segundo Neves, há casos que se resolvem na primeira sessão, mas o número de atendimentos vai depender do grau de ressentimento e mágoa dos envolvidos (TJGO).

As experiências das regiões que estão utilizando o método foram identificadas nos seguintes Tribunais Regionais: Rio de Janeiro, Paraná, Distrito Federal, Goiás e Bahia. Os projetos desenvolvidos estão sendo conduzidos por Juízes da Vara da Família, ou de profissionais que já estão atuando no judiciário como mediadores, conciliadores e psicólogos, capacitados pelo próprio tribunal ou por recursos próprios. O método de Constelações Familiares está sendo aplicado antes das sessões de mediações ou conciliações, as experiências demonstram que, desta forma, estimula-se os envolvidos a chegarem a um acordo.

Além dos tribunais trabalhando com a iniciativa de projetos, colocando em prática esta alternativa de resolução de conflitos, alguns conselhos também começaram a criar comissões de direito sistêmico, além de proporcionar cursos e eventos acerca da temática.

3.1 A expansão das comissões de direito sistêmico no país

Em 12 de abril de 2017 foi expedida a portaria de criação, na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Florianópolis/Santa Catarina, da primeira Comissão de Direito Sistêmico do país e do mundo. Atualmente somam 53 Comissões em doze Estados, além do Distrito Federal - que trabalham no desenvolvimento de novas habilidades para o exercício de uma advocacia baseada na Cultura da Paz.

Para se obter maior clareza acerca do movimento de expansão das Comissões na Casa do Advogado, postulo que em nove Estados, além de Santa Catarina e mais o Distrito Federal, já tem Comissões Estaduais, são elas: em Belo Horizonte/Minas Gerais - criada em 10/08/2017; no Rio de Janeiro/Rio de Janeiro - criada em 13/12/2017; em Campo Grande/Mato Grosso do Sul - criada em 10/01/2018; em Curitiba/Paraná - criada em 04/07/2018; em Maceió/Alagoas - criada em 31/07/2018; em Recife/PE criada em 23/01/2019; no Distrito Federal criada em 23/01/2019; em Salvador/BA criada em 08/02/2019; em Belém/PA criada em 12/02/2019; em Cuiabá/MT criada em 22/02/2019 (SCHLIECK, 2020).

Portanto, são 10 Comissões Estaduais, 01 no Distrito Federal e tem mais 42 Comissões no país, nas seguintes Subseções: Balneário Camboriú/SC criada em 19/06/2017; Itajaí/SC - criada em 20/06/2017; Tatuapé/SP - criada em 01/08/2016; Juazeiro do Norte/CE - criada em 27/08/2017; Araranguá/SC - criada em 25/09/2017; Lapa/SP - criada em 03/10/2017; Itajubá/MG - criada em 07/11/2017; Franca/SP - criada em 17/11/2017; São Carlos/SP - criada em 06/12/2017; Ribeirão Preto/SP - criada em 01/01/2018; Jaraguá do Sul/SC - criada em 31/01/2018; São José dos Pinhais/PR - criada em 20/02/2018; Sorocaba/SP criada em 09/04/2018; São Sebastião do Paraíso/MG - criada em 24/04/2018; São Caetano do Sul/SP criada em 04/05/2018; Joinville/SC criada em 05/06/2018; Uberlândia/MG - criada em 13/06/2018; São José dos Campos/SP - criada em 14/06/2018; Olinda/PE criada em 02/07/2018; Ipiranga/SP - criada em 04/07/2018; Pinheiros/SP - criada em 16/07/2018; Santo Antônio da Platina/Paraná criada em 02/08/2018; Mogi das Cruzes/SP- criada em 03/08/2018; Rio do Sul/SC - criada em 08.08.2018; Jabaquara/SP - criada em 09.08.2018; Rio Grande/RS - criada em 10.08.2018; Santa Maria/RS - criada em 19.09.2018; Barra da Tijuca/RJ - criada em 25/09/2018; Caxias do Sul/RS - criada em 05/10/2018; Olinda/PE - criada em 00/10/2018; Poços de Caldas/MG - criada em 17/10/2018; Laranjeiras do Sul/PR criada em 14/11/2018; Sumaré/SP - criada em 09/01/2019; Cotia/SP - criada em 17/01/2019; Tubarão/SC criada em 25/01/2019; Divinópolis/MG - criada em 28/01/2019; Londrina/ PR criada em 30/01/2019; Bauru/SP criada em 01/02/2019; Votorantim/SP - criada em06/02/2019; Taboão da Serra/SP criada em 07/02/2019; Santos/SP - criada em 26/02/2019; Passo Fundo/RS - criada em 28/02/2019; Blumenau/SC criada em 07/03/2019 (SCHLIECK, 2020).

Em especial no Estado da Bahia, onde tudo começou, já é notável a presença desta prática, sobretudo em comarcas maiores. No entanto algumas outras comarcas, menores, também se propuseram aderir de forma comedida e tímida os princípios e práticas do Direito sistêmico. A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-BA sediou, no dia 9 de novembro, o workshop de Direito Sistêmico, com o professor Sami Storch. O evento foi uma realização do Hellinger Schule, em parceria com a Faculdade Innovare. O curso foi destinado a estudantes de Direito, advogados e advogadas (TJBA, 2018).

Outro curso foi Noções Básicas de Direito Sistêmico e Constelações Familiares na Resolução de Conflitos teve início na quinta-feira e encerramento na sexta-feira. Magistrados e servidores reuniram-se para as aulas na Universidade Corporativa (Unicorp) do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), unidade coordenada pela Assessoria Especial da Presidência II Assuntos Institucionais (AEP II). A condução dos trabalhos esteve sob responsabilidade do Juiz de Direito Sami Storch, Titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Itabuna.

Com intuito de fornecer visão clara e sistêmica dos relacionamentos humanos, a capacitação forneceu fundamentos acerca do que sustenta o trabalho das constelações familiares e como pode ser aproveitado pelos profissionais da justiça, envolvidos no âmbito da resolução de conflitos e conciliação, conforme esclareceu Sami Storch (TJBA, 2019).

A prática de Constelações Familiares está alinhada ao novo Código de Processo Civil e às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Resolução CNJ nº 125/2010 estimula os chamados meios consensuais de solução de controvérsias, inclusive como forma de disseminar a cultura de pacificação social. A Resolução nº 225/2016, do mesmo Conselho, por sua vez, incentiva a abertura para abordagens transdisciplinares, inovadoras e sistêmicas, desapegadas do legalismo estrito e das funções tradicionalmente reservadas ao magistrado. Nesse contexto, os tribunais brasileiros vêm acolhendo e disseminando de forma exponencial as práticas de Constelações Familiares e de Direito Sistêmico (TJBA, 2019).

No oeste da Bahia, já se observa instituições particulares como é o caso da Câmara de Arbitragem e Mediação do Oeste da Bahia, como alguns profissionais aderindo aos princípios do Direito Sistêmico (CAMOB, 2018). Diante do exposto, é conspícua a expansão deste movimento, de forma geral, a cultura de paz aplicada por meio de resoluções alternativas pacíficas de solução de conflitos, de maneira mais específica, a aplicabilidade das Constelações Familiares no âmbito jurídico, e incorporação de seus princípios, como mais uma maneira de olhar para o conflito humano. Deste modo, os operadores de Direitos estão se instrumentalizando de maneira tal, que o seu papel e função como promotor de justiça, tenha um leque maior de possibilidades.

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4. DISCUSSÕES ADVERSAS SOBRE A UTILIZAÇÃO DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES NO JUDICIÁRIO

Todavia, como toda e qualquer nova demanda social diante de uma prática já cristalizada, enfrenta críticas, que por vezes se fazem importantes para promover reflexões e discussões construtivas. Em alguns sites aleatórios é possível encontrar alguns não-adeptos da ideia, que questionam sua aplicação e possíveis consequências. Como é o caso, por exemplo, de uma advogada que cita em seu artigo a seguinte colocação:

[...] contudo, além das constelações familiares, outros institutos são constantemente citados nesses contextos, como as ordens de amor. Com isso, estamos incluindo no Direito sistêmico o pensamento sistêmico, que por vezes são coisas divergentes. Como exemplo, cito a questão da guarda. Existem dois princípios sistêmicos sobre isso que asseveram que os filhos devem ficar com o cônjuge que mais valorize o outro cônjuge neles; e que aquele que rompe o relacionamento não deve ser recompensado com a guarda dos filhos. Bert continua afirmando que "na experiência concreta é o pai que, com mais frequência valoriza a mãe nos filhos" e que "caso a mulher deseje a guarda, pode merecer esse direito se aprender a valorizar nos filhos as qualidades do ex-marido. Por fim, ele faz a ressalva de que se ambos se valorizassem por igual não precisariam recorrer ao divórcio ou não brigariam pela guarda dos filhos [...]. Tendo tudo isso em conta, é necessário ter cuidado com a aplicação dos conceitos sistêmicos na seara jurídica. Ambos os conteúdos têm os seus pontos de aproximação e suas diferenças que devem ser consideradas. Isso se deve ao fato de que o conhecimento sistêmico é muito mais do que uma ferramenta isolada como as constelações. É toda uma rede de conceitos e princípios. Aplicá-los com reducionismo pode causar conflitos jurídicos (VANELLI, 2020).

Outro questionamento vem de operadoras do Direito, que questionam a fuga de aplicação pura da norma jurídica, que segundo elas, seria uma fuga, como mostrado a seguir:

[...] de uma forma geral, a aplicação do Direito está diretamente ligada a leis positivadas, princípios e regras formais que devem ser obedecidos pelas pessoas integrantes da sociedade para manutenção da ordem, sob pena das consequências jurídicas. Por que, ainda assim, as pessoas são dirigidas a confrontar as leis ou a não evitar as consequências de sua transgressão? A aplicação da lei, ainda que da melhor forma possível, geralmente não atenua o conflito existente, sem contar que há a permanência do mesmo e não raro observamos a sua ampliação e o advento de outros conflitos adjacentes (ARAÚJO e MILHOMEM, 2019).

Questiona-se, ainda, a cientificidade da abordagem:

A terapia não é reconhecida pela comunidade científica e não há ainda estudos que comprovem sua eficácia. No entanto, o método foi reconhecido oficialmente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) desde março de 2018 como uma prática complementar de saúde. Ela é uma das 29 terapias alternativas complementares ofertadas pela saúde pública (incluindo aromaterapia, hipnoterapia e terapia de florais). Isso significa que cidadãos podem buscar esses tratamentos de forma gratuita através do Estado. "Evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares", explica um comunicado publicado no site do Ministério da Saúde (MANSSUR, 2020).

Gabriela Manssur, promotora de justiça e membro do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo (GEVID), conduz grupos reflexivos para homens agressores e disse que deseja introduzir a constelação familiar entre as mulheres vítimas de violência, bem como com os homens autores da agressão, em paralelo ao processo que corre na Justiça.

O juiz e a promotora concordam que se deve sempre priorizar a condição das vítimas antes da aplicação do método e, que ele não servirá como um "perdão judicial". Ele também não evita que o agressor não seja condenado pelo que fez. Storch defende essa questão, afirmando:

A vítima não deve ser obrigada a nada. Isso já deu margem a polêmicas, porque dependendo de como pessoas aplicam o método pode dar problema em expor a vítima a uma situação de insegurança. Reconheço que existem críticas, porque não tem uma regulamentação, e tem gente fazendo de tudo quanto é jeito (STORCH, 2010).

A promotora Gabriela Manssur explica:

Não é uma composição civil, não é um perdão judicial, não é algo que vá retirar a aplicação da Lei Maria da Penha, mas é algo paralelo a ser aplicado, no meu entendimento, quando há grupos reflexivos de homens e os homens já estão muito mais trabalhados, desconstruídos e conscientes para que eles possam dar um passo adiante (MANSSUR, 2020).

O projeto da promotora, denominado Tempo de Despertar, foca na ressocialização do autor de violência contra a mulher e atualmente tem um Projeto de Lei em trâmite no senado Federal para tornar obrigatório nesses casos:

Quando um homem tem uma dificuldade com a própria mãe, ele tende a projetar essa dificuldade com a mulher. A mulher, quando tem uma dificuldade com o pai, também tende a projetar no homem. Isso não foi o Bert Hellinger que descobriu, as situações se repetem geração após geração. Como é que se cura isso? Reconhecendo a importância do complementar. Não tem nenhuma relação de superioridade", responde. Agora, tem sim uma relação de responsabilidade de cada um. Alguém que se acomoda como vítima vai só acusar e não vai sair do lugar. Ela pode ficar só atacando os outros, assumindo uma postura mais raivosa que os próprios agressores. A constelação tira a pessoa desse lugar de vítima efaz com que cada um olhe para sua própria dignidade e reconheça sua própria força. Nem sempre quem se apresenta como vítima é apenas vítima. Existe um trabalho, uma lição de casa, para todos aí. Homens e mulheres (MANSSUR, 2020).

O juiz também diz que a prática é perfeitamente cabível entre casais homoafetivos que vão à Justiça em casos de adoção de crianças. No entanto, o magistrado diz que, no caso de adoção, é preciso reconhecer uma hierarquia dos pais biológicos. "Todos têm um pai e uma mãe, que são os pais biológicos. Essa é a origem da vida, o mais vital que vem em primeiro na vida de todos (STORCH, 2010). Um casal homossexual que se considera suficiente, que é suficiente ser filho de duas mães ou filho de dois pais, a criança sente que falta alguma coisa. Tem alguém essencial na vida dela que não está sendo reconhecido. Então, não se trata de discriminar homossexualidade ou o que cada um quer fazer da sua criança.

Na dinâmica mediada pelo Juiz, as mães representantes de cada criança que foi abusada pelo réu, foram orientadas através da constelação a reconhecer a ausência do pai na vida das filhas. "A exclusão do pai deixou as filhas vulneráveis e expostas ao crime sexual, sujeitas a facilmente aceitar e até mesmo buscar a atenção e o carinho de pessoas transtornadas", escreveu Storch (2010). O réu também estava presente na dinâmica, mas não pessoalmente e sim representado por um ator.

É claro que isso não reduz a responsabilidade do autor do crime, não substitui a atuação policial e judicial em relação a ele, nem elimina a necessidade de uma eventual abordagem punitiva, que deve ser acompanhada de algum tratamento que possa levá-lo a uma transformação positiva. Mas é necessário olhar também, e principalmente, para as vítimas e os que estão sujeitos a tornar-se vítimas, e buscar os recursos necessários para que se fortaleçam e possam sair da condição de vulnerabilidade (STORCH, 2010)

Em contraposição à adesão da prática ao Judiciário, alguns veem a psicoterapia com ceticismo e periculosidade, quando aplicada pela Justiça brasileira, sem qualquer evidência da eficácia científica da prática. Raquel Marques, presidente da Associação Artemis, alega:

Qualquer tipo de terapia pressupõe a vontade de a pessoa fazer, de poder fazer a escolha de um terapeuta de confiança. É um processo de autoconhecimento. Quando isso vem de maneira externa, com uma intenção meio instrumental de resolver um problema do próprio Judiciário, é complicado (MARQUES, 2020).

Através da Associação Artemis, uma ONG que defende os direitos das mulheres e luta pelo combate à violência doméstica, Marques recebeu diversos relatos de mulheres que passaram por conciliações que empregaram técnicas da constelação familiar. Segundo Marques, diversos deles eram confusos ou vinham com uma crítica feminista a respeito da interpretação do constelador, ao caso trazido em juízo. Em alguns casos como o de alienação parental e de abuso, a ONG avalia como "muito preocupante" sua aplicação, por receber relatos de consteladores afirmando um lugar de submissão da mulher.

Paulo Almeida, advogado, mestre em Psicologia pela USP e diretor do Instituto Questão de Ciência, acredita que os fundamentos da constelação familiar reproduzem ideias machistas sobre o lugar da mulher e do homem, a saber:

A constelação familiar promove a noção de uma hierarquia patriarcal rígida, induz um papel servil da mulher em relação ao marido e culpabiliza a mãe em casos nos quais os pais abusam sexualmente de filhas, entre outros pontos controversos que colocam a mulher como fonte de boa parte das instabilidades em qualquer constelação disfuncional dada (ALMEIDA, 2020).

Almeida pontua a falta de capacitação técnica para se tornar um constelador, e ressalta que qualquer abordagem relacionada à saúde mental é muito delicada e por isso, exige a experiência do profissional. "Como a constelação familiar parte de pressupostos errôneos e ideologicamente carregados, há o risco de mobilizar pessoas em situação fragilizada para acordos que não fariam sob circunstância diversa (ALMEIDA, 2020). O autor continua: “mas, à parte da manifestação de um risco latente, a mera utilização de uma prática sabidamente carente de fundamentação científica para influir em um procedimento da justiça é algo temerário. Infelizmente nota-se um crescimento expressivo da utilização da constelação familiar” (ALMEIDA, 2020).

Ambos os entrevistados apresentaram um receio em ver a terapia sendo aplicada em casos judiciais, numa situação onde as partes já estão fragilizadas, afirma Marques (2020):

“tem muito assédio para que você aceite qualquer coisa oferecida durante uma conciliação, para que o processo seja extinto, eu mesma sou prova disso. Agora, no caso da constelação, usar um componente de manipulação psicológica é brutal. É o uso de um instrumento aleatório para resolver o afogamento da Justiça, mas a custo de quê?".

A convite do Ministério Público de São Paulo, uma atriz, denominada aqui como P.Z., compareceu em uma reunião sobre constelação familiar quando estava movendo um processo de curatela da mãe. Sua experiência foi mista. O chamando foi realizado, da mesma forma, para seu tio, parte contrária no processo. Ambos compareceram a uma sala na Vara de Família no Fórum de Ipiranga e participaram de uma reunião com 40 a 50 pessoas, ligadas a outros casos. A atriz relata, a saber:

Veio como um convite, mas o advogado falou que era melhor ir porque seria levado em consideração se a pessoa está disposta realmente a resolver as coisas. [...] por estar anexado ao processo, pareceu quase uma intimação.

Em resposta a reportagem e ao depoimento da fonte, a respeito de sua experiência com constelação familiar no Fórum do Ipiranga, em São Paulo, a promotora de justiça cível Patrícia de Carvalho Leitão entrou em contato com o TAB para esclarecer alguns pontos sobre o Projeto MPSP-SISTÊMICO - IPIRANGA, registrado na plataforma de projetos do Ministério Público de São Paulo em 2017.

Neste tópico, é interessante compreender, que diante de uma mudança de paradigmas sempre haverá um público que aceitará e irá aderir as novas teorias e práticas, e terão o grupo de resistência, que discordará. No entanto, não cabe julgar se existe um ponto de vista correto ou errado. O diálogo se torna rico quando há a possibilidade de discussão, cujo objetivo deve ser enriquecer a prática, que está destinada ao “consumidor” final, as partes envolvidas no conflito. Então, diante de mudanças emergentes, é importante a reflexão crítica para construção de uma prática profissional pautada em resultados eficazes, que neste caso seriam a resolução, de forma pacífica dos conflitos. O contexto atual está demonstrando um judiciário abarrotado de processos, que demora até anos para serem solucionados definitivamente, deste modo, levando ao descrédito total da empregabilidade de “justiça” e eficácia da atuação dos agentes incumbidos de “conduzir” o sistema jurídico. Por fim, cabe a ressalva que prudência deve sempre levada em consideração, seja qual for a nova dinâmica a ser empregada. A ciência jurídica deve estar em movimento, se conduzindo em direção a evolução social, para que possa respaldar a resolutividade dos conflitos emergidos diante da complexidade do drama existencial humano.

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Projeto de Pesquisa apresentado em 2020 à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I do colegiado de Direito do Centro Universitário Dom Pedro II (UNIDON), como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientadora: Nislane Magalhães.

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