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A abstrativização no controle difuso de constitucionalidade

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3 A ABSTRATIVIZAÇÃO NO CONTROLE DIFUSO

A doutrina sempre reconheceu que, em se tratando de controle na via difusa, a decisão não tem autoridade de coisa julgada nem se projeta para fora do processo no qual foi proferida, ou seja, os efeitos da decisão afetam somente as partes envolvidas no litígio, e exclusivamente dentro do processo. Ocorre que alguns doutrinadores, bem como alguns julgados do STF, vêm rumando para uma nova forma de interpretar os efeitos resultantes da declaração de inconstitucionalidade na via difusa, qual seja, a atribuição efeito erga omnes para as declarações de inconstitucionalidade do STF (LENZA, 2011, p. 257).

A abstrativização é uma tendência do Supremo Tribunal Federal em aplicar a teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença, ou seja, quando os fundamentos da decisão ultrapassam o interesse da causa, transcendendo-a, passando assim a ter relevância para todos, atribuindo efeito vinculante à decisão sobre a constitucionalidade, mesmo que se tratando de controle difuso. (LENZA, 2011, p. 256)

Percebe-se que há uma movimentação direcionada para objetivação (ou abstração) do controle difuso, que se verifica pela utilização de instrumentos que até então era tidos como característicos do controle concentrado. (BARRETO, 2009, p 179).

Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 79) afirma que não se trata de uma aproximação entre o difuso e o concentrado, uma vez que a semelhança em procedimentos e as adaptações nos sistemas são características de um controle híbrido, não demonstrando movimento significativo de aproximação, mantendo a dicotomia clássica.

Considerando a novel perspectiva da abstrativização, o papel do Senado Federal no controle difuso passaria ao simples dever de tornar pública a decisão proferida pelo STF.

[...] se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar a conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal, para que publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente não é (mais) a decisão do Senado que confere a eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte tem essa força normativa (MENDES, 2011, p. 1167).

Gilmar Ferreira Mendes (2011, p. 1168), afirma que a nova interpretação do artigo 52 X se trata de uma mutação constitucional, ou seja, uma reforma constitucional sem expressa modificação de texto. Lenio Streck não vê a questão sob a mesma perspectiva, para este, o artigo 52, inciso X da Constituição não pode deixar de ser aplicado, sob pena de enfraquecimento da força normativa da Constituição, lembrando que a não aplicação de uma norma é, de certo modo, uma forma incorreta de aplicá-la, a participação do Senado ocorre na qualidade de representantes do povo, cuja atribuição constitucional não é meramente de dar publicidade à decisão do STF. (STRECK, 2007, p. 7).

Como se vê, a questão não é pacífica, os argumentos e a fundamentações, tanto daqueles que se mostram adeptos à abstrativização, quanto daqueles que se apresentam contrários, são bastante pertinentes e sólidos, razão pela qual, sobre estes argumentos e fundamentações, doravante será discorrido.

3.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À ABSTRATIVIZAÇÃO

Os argumentos sustentados pelos adeptos da abstrativização são: a força normativa da constituição, os princípios da supremacia constitucional e a aplicação uniforme aos destinatários, a transcendência dos motivos determinantes da decisão, o STF como guardião e intérprete máximo da constituição, além dos dispositivos legais e julgamentos que se inclinam neste sentido, ostentando ainda uma possível economia processual, celeridade e efetividade dos processos (LENZA, 2011, p. 258).

3.1.1 A Força Normativa da Constituição

A força normativa da Constituição é um princípio de Direito Constitucional inspirado nos ensinamentos de Konrad Hesse, na obra intitulada de A Força Normativa da Constituição (Die normative Kraft Verfassung) escrita em 1959, que ganhou relevante destaque no cenário jurídico. O princípio consiste na idéia de que os aplicadores da norma constitucional devem, na solução dos conflitos, conferir máxima efetividade para a Constituição. (BRUM, 2010, p. 67)

A obra de Hesse foi escrita em contraposição a Ferdinand Lassale, que defendia a idéia de que a Constituição Jurídica de um Estado era um simples pedaço de papel se nela não estivessem estampados os fatores reais de poder, relativos ao contexto histórico da sociedade (LASSALE, 2004, p. 67-69).

Contrariando Lassale, Konrad Hesse (1991, p. 25) afirma que

A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia, ela não está condicionada simplesmente por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis, que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição.

O contemporâneo Alexandre de Moraes (2011, p. 16) afirma que a força normativa da Constituição é uma regra interpretativa da Carta Magna, onde, dentre as várias interpretações possíveis, deve-se adotar sempre aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

3.1.2 A Supremacia Constitucional e a Aplicação Uniforme

A supremacia da constitucional é uma consequência da rigidez da Constituição, onde a Carta Magna é colocada no vértice da ordem normativa, sendo a lei suprema de um Estado, criando e estruturando os poderes e as normas fundamentais de modo que nenhuma outra disposição legal possa confrontá-la (SILVA, 2009, p. 45).

Assim, em qualquer ocasião que seja submetida, a Constituição deve sempre ser considerada norma superior, e no que tange a interpretação dos textos normativos, “[...] não se dá conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se para explicação dos conceitos opera sempre ‘de cima para baixo’, o que serve para dar segurança em suas definições” (BASTOS, 2002, p. 172). O princípio da supremacia constitucional coloca a Constituição no topo da hierarquia normativa, não admitindo possibilidade de normas ou interpretações que maculem esta ordem.

Quanto a aplicação uniforme aos destinatários, Souza (2008, p. 9) explica que:

Invoca-se uma manifesta economia processual que a tendência pode ensejar, pois se teria [...] a declaração de inconstitucionalidade de uma lei em sede de controle difuso, mas com efeito erga omnes, não sendo exigido das pessoas que se encontrem na mesma situação jurídica, que estas ingressem em juízo para que obtenham o mesmo efeito prático já obtido pelo primeiro demandante.

A abstrativização, nos termos supracitados, traria uma uniformidade na aplicação das normas Constitucionais aos destinatários, uma vez que, pessoas em igualdade de condições jurídicas não necessitariam acionar o judiciário, pois já haveria uma posição consolidada do STF, o que, em tese, traria economia processual, contribuindo para maior celeridade do judiciário e aplicação isonômica da Constituição aos cidadãos.

3.1.3 A Transcendência dos Motivos Determinantes da Decisão

Um dos mais relevantes argumentos da abstrativização é a transcendência dos motivos determinantes da decisão. Transcender, na definição léxica, é “Ser superior, exceder, ultrapassar, ir além, elevar-se, distinguir-se superior.” (BUENO, 2000, p. 649).

Os motivos determinantes da decisão, segundo Fredie Didier Jr, apud Brum (2010, p. 68) “São os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão. Consiste na ratio decidendi, essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto”. Destas concepções surge a teoria inspirada no direito alemão, da qual Gilmar Ferreira Mendes (2011, p. 1400) é defensor, de que a eficácia da decisão do Tribunal ultrapassa o caso singular de forma que os princípios oriundos da parte dispositiva, e os fundamentos determinantes que versam sobre a interpretação constitucional devem ser observados por todos.

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Assim sendo, os motivos determinantes de uma sentença deixam de ser aplicados somente no caso concreto, e por meio dos princípios que embasam a fundamentação da decisão, passam a irradiar efeitos para julgamentos de casos futuros (BRUM, 2010, p. 70)

3.1.4 O STF – Guardião e Intérprete Máximo da Constituição

O STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e dentre as suas atribuições se destacam a guarda e defesa da Constituição, suas atribuições do estão previstas no artigo 102 da Constituição. (LENZA, 2011, p. 666). Embora esteja constitucionalmente destinado ao exercício da jurisdição constitucional, o STF não é e nem se converte em Corte Constitucional, conforme assevera Oscar Dias Correa apud José Afonso da Silva (2008, p. 558), pelo fato de que não é único órgão apto a conhecer da matéria Constitucional, uma vez que o Brasil juntamente com o controle concentrado, adota também o sistema difuso. Dessa forma, embora o STF não seja uma Corte Constitucional, possui autoridade máxima quando se trata de matérias e assuntos relativos a Carta Magna, razão pela qual suas decisões ganham especial atenção.

O STF é o órgão máximo do Poder Judiciário, possui a incumbência de atuar na proteção da Constituição, e assim, ganha também a atribuição de intérprete maior, uma vez que o exercício de guarda implica também o de interpretá-la, fundamentando as decisões tomadas, e estabelecendo a força normativa da Constituição. (LENZA, 2011, p. 148)

Segundo Brum (2010, p. 67)

Existindo várias interpretações quanto a um texto constitucional haverá, via de consequência, um enfraquecimento do ‘principio de supremacia da Constituição’, destarte, deve o Supremo Tribunal Federal pacificar os entendimentos, fortalecendo, desta forma, as normas constitucionais e aplicando-as de forma igualitária a todos os destinatários.

É de suma importância da existência de uma pacificação de entendimentos, quando diante de várias formas de interpretação de algum dispositivo constitucional. A interpretação do STF vem fortalecer a supremacia constitucional e fornecer a garantia que as normas serão aplicadas a todos, de forma isonômica, haja vista existir uma unidade de interpretação, garantindo assim a segurança jurídica.

3.2 DISPOSITIVOS LEGAIS INCLINADOS À ABSTRATIVIZAÇÃO

Embora a abstrativização no controle difuso ainda não esteja consolidada, não se pode ignorar a existência de uma estrutura legal que indica certo direcionamento no sentido da abstrativização ou objetivação dos efeitos no controle difuso.

3.2.1 Da Declaração de Inconstitucionalidade Pelos Tribunais

Primeiramente cabe destacar o artigo 97 da Constituição, segundo o qual:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

O artigo indica que os tribunais podem declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, sendo para tanto, observada a reserva de plenário, ou seja, a maioria absoluta dos seus membros. Ocorre que, caso já exista manifestação do próprio tribunal ou do STF entendendo pela inconstitucionalidade da lei, o órgão fracionário não estará obrigado a submeter a arguição para o plenário, nos termos do parágrafo único do artigo 481 do Código de Processo Civil, conforme segue:

Art 481. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes os do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (BRASIL, Lei 5.869/73 Código de Processo Civil).

O órgão fracionário do tribunal está vinculado a decisão do pleno ou do STF, sendo que a decisão do STF afasta a presunção de constitucionalidade da norma ou do ato, de modo que os órgão fracionários dos tribunais podem acolher a declaração para os casos concretos, sem necessitar submeter a questão para o plenário do seu Tribunal. Este posicionamento indica a equiparação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do controle difuso com os efeitos do controle concentrado. (MENDES, 2011, p. 1137)

Streck (2004, p. 458) questiona a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 481 do CPC, pois para o doutrinador, é aceitável, e até mesmo positivo, quando o órgão fracionário dispensa o incidente de inconstitucionalidade ancorado em uma decisão do plenário do STF, porém, quando o incidente é dispensado em razão de decisão do próprio tribunal causa uma vinculação jurisprudencial, ou seja, corre-se o risco de estar consolidando no tribunal uma interpretação constitucional que pode não ser a do STF.

3.2.2 Da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário e dos Processos Paradigmas

O grande número de processos levou o STF a adotar alguns procedimentos chamados “jurisprudências defensivas” na tentativa de barrar o processamento de recursos extraordinários e agravos. (MENDES, 2011, p. 1145). Neste contexto, a Emenda Constitucional nº 45 instituiu a denominada “repercussão geral” (Artigo 102 § 3), tentando resgatar o caráter original do recurso extraordinário, qual seja, funcionar como elemento de uniformização do sistema jurídico (MENDES, 2011, p. 1148).

Nas palavras de Barreto (2009, p. 182) “A comprovação da repercussão geral é a imposição de uma filtragem qualitativa para apreciação do recurso extraordinário”. Dessa forma, ao apresentar o recurso o recorrente deverá, preliminarmente, demonstrar a existência da repercussão geral. Importante mencionar a previsão do artigo 543-B § 1º do CPC (BRASIL, Lei 5.869/73 Código de Processo Civil) referente aos procedimentos a serem adotados quando houver multiplicidade de recursos fundamentados em idêntica controvérsia, o texto do referido parágrafo diz:

§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até pronunciamento definitivo da Corte.

Gilmar Mendes (2011, p. 1149) denomina este procedimento como sendo uma “[...] cooperação entre as instâncias ordinárias e extraordinárias para aquelas hipóteses em que se verificar multiplicidade de recursos [...]”. Os processos selecionados nos termos do § 1º supracitado, são chamados pela doutrina de processos paradigmas, sendo que, quando julgado o mérito do recurso de um processo paradigma, os demais recursos sobrestados serão apreciados, pelos tribunais ou turmas, onde poderão ser declarados prejudicados ou, poderá o tribunal retratar-se, conforme parágrafo 3º do artigo 543-B do CPC.

As medidas adotadas trazem um novo formato ao recurso extraordinário, com objetivo de garantir efetividade no julgamento de questões constitucionais pelo STF, e faz com que as decisões nos processos paradigmas irradiem seus efeitos para outros processos sob o mesmo tema, mesmo antes de o entendimento ser sumulado pelo STF, demonstrando mais uma etapa do processo de objetivação. (MENDES, 2011 p. 1153)

3.2.3 Das Súmulas Vinculantes

Outra inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 foi a súmula vinculante, nos termos artigo 103-A da Constituição. As súmulas vinculantes possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demais órgãos, de modo que se iguala a uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade, e somente ao STF é dada competência para editá-las. (BARRETO, 2011, p. 181).

A edição de uma súmula vinculante em uma situação onde se envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, confere interpretação vinculante, ou seja, a administração pública e os demais órgãos do Poder Judiciário deverão observar a matéria sumulada, independentemente de manifestação do Senado, tornando ainda mais obsoleto o instituto da suspensão da lei pelo Senado. (MENDES, 2011, p. 1007-1008).

Um exemplo interessante e pertinente é a Súmula Vinculante nº 26, visando pacificar os questionamentos acerca da progressão de regime em crimes hediondos, o STF, inspirado em precedentes de casos concretos da via difusa, editou a referida súmula para que os efeitos da decisão fossem estendidos a todos e vinculativos aos demais órgãos do judiciário e a administração pública.

3.2.4 Das Súmulas Impeditivas de Recurso

Outro dispositivo legal que possui estreitamento com a abstrativização é a súmula impeditiva de recurso, prevista no artigo 518, § 1º do CPC. A súmula impeditiva de recurso consiste na não admissão e não conhecimento de um recurso baseado em uma temática frente a qual a instância superior já fixou entendimento por meio de súmulas de jurisprudência dominante. (PINHEIRO, 2009, p. 2).

Nota-se que o dispositivo legal, embora não tenha caráter vinculante aos demais órgãos do judiciário, possibilita que o magistrado não receba recurso quando a decisão estiver em consonância com súmula ou jurisprudência do STF ou STJ, ou seja, o entendimento do STJ e STF ganha proporções abstratas, demonstrado a tendência do ordenamento à abstrativização.

3.3 JULGADOS

Alguns julgamentos do STF, em sede de controle difuso de constitucionalidade, ganharam maiores dimensões ao reconhecer a transcendência dos motivos determinantes da decisão. Recurso Extraordinário 197.917, referente a ação que versava sobre o número de vereadores do município de Mira Estrela/SP, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes proferiu voto no sentido atribuir efeito vinculante resultante da ratio decidendi que fundamentou o julgamento do precedente, no mesmo sentido foi a manifestação do Ministro na Reclamação nº 4.335/AC, sobre a progressão de regime do apenado em crimes hediondos, cuja decisão se deu no habeas corpus nº 82.959/SP (LENZA, 2011, p. 258).

3.3.1 O Caso do Município de Mira Estrela – RE 197.917/SP

O referido recurso tinha por objeto a definição de critérios para fixação do número de vereadores, proporcional ao número de habitantes, no município paulista de Mira Estrela. Partindo do pressuposto que o Recurso Extraordinário é instrumento do controle concreto, sua decisão deveria, via de regra, irradiar efeitos inter partes. Entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseado na decisão do STF, fixou regra para o número de vereadores, a ser observada por todos os municípios brasileiros, editando, para tanto, a Resolução 21.702/2004 (BRUM, 2010, p. 72-73).

A Resolução do TSE foi alvo de ações diretas de inconstitucionalidade, ancoradas no principio da harmonia e independência entre os poderes, anuidade da lei eleitoral e autonomia dos municípios para fixação do número de vereadores. As ações foram julgadas improcedentes pelo STF, em decisão baseada na transcendência dos fundamentos que deram suporte ao julgamento, bem como no principio da força normativa da Constituição, objetivando afastar divergências interpretativas (BRUM, 2010, p. 73).

A questão do número de vereadores restou esclarecida com a Emenda Constitucional nº 58/2009, que alterou o artigo 29, IV da Constituição, fixando, de forma expressa, o limite máximo de vereadores, em uma escala estabelecida de acordo com o número de habitantes do município, afastando assim os questionamentos e dúvidas suscitados com a redação anterior.

3.3.2 A Progressão de Regime em Crimes Hediondos – HC 82.959/SP

A Lei 8.072/1990 determinava que, nos crimes hediondos, o cumprimento da pena deveria se dar integralmente no regime fechado. Surgiu então do habeas corpus (HC) 82.959, que questionava a referida lei, sob fundamento da individualização da pena. O HC, sem sobra de dúvidas, possui natureza de controle concreto, ou seja, qualquer decisão, segundo a doutrina tradicional, teria efeito inter partes, até a resolução do Senado, suspendendo a norma, nos termos do artigo 52 X da Constituição. Porém, de forma inovadora o STF atribui efeitos erga omnes à decisão ao admitir a transcendência dos motivos determinantes da sentença, e afastar o obstáculo que impedia a progressão do regime, qual seja, os artigo 1º e 2º da Lei 8.072/1990, que restaram declarados inconstitucionais (BRUM, 2010, p. 74).

Ocorre que no Estado do Acre, o Juiz da Vara de Execuções Penais de um determinado município indeferiu o pedido da Defensoria Pública para progressão do regime dos apenados por crimes hediondos, sob fundamentação de que a decisão do STF somente passaria a ter eficácia erga omnes após resolução do Senado. Diante desta decisão a Defensoria Pública ingressou com a Reclamação nº 4.335, onde o Ministro relator julgou procedente o pedido e firmou posição no sentido de que a manifestação do Senado tem apenas o escopo de dar publicidade à decisão do STF. (MENDES, 2011, p. 1168).

Através da Súmula Vinculante nº 26, o STF fixou o entendimento, e declarou a inconstitucionalidade do Artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

3.4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ABSTRATIVIZAÇÃO

Os argumentos contrários a abstrativização são: a ausência de dispositivos constitucionais que permitam a implantação desta sistemática, a existência da súmula vinculante como meio legítimo para que o STF consolide seu entendimento, a tentativa indevida de alteração do texto constitucional, o Senado como órgão competente para suspender a lei ou ato declarado inconstitucional, o desrespeito aos legitimados do Artigo 103 da Constituição, a lesão aos direitos fundamentais, a diminuição da participação do Poder Legislativo e a hipertrofia do Judiciário perante os demais poderes.

Lenza (2011, p. 259) afirma não se filiar a teoria da abstrativização, e entende que o STF possui um instrumento legítimo e eficaz para fazer valer suas decisões, que são as súmulas vinculantes, além disso, em se tratando de controle difuso, destaca que não existem dispositivos e regras para implementação do efeito abstrato. O efeito erga omnes da decisão somente foi previsto para o controle concentrado e para a súmula vinculante, diante do controle difuso prevalece a regra do art. 52, X da CF/88, de modo que não havendo suspensão da lei pelo Senado permanece válida e eficaz (LENZA, 2011, p. 258).

Uma das consequências da abstrativização é o desrespeito aos legitimados do artigo 103 da Constituição, considerando que a carta magna estabelece o rol de pessoas para as quais foi atribuída legitimidade ativa nas ações que versem sobre controle constitucionalidade, reconhecer os mesmos efeitos para a ação concreta (difusa), onde qualquer um do povo pode incidentalmente provocar o controle, é um desrespeito não só ao artigo 103 da Constituição, mas aos legitimados lá descritos. Outra desvantagem da abstrativização é o risco de se elevar o Poder Judiciário a um status de superioridade em face aos demais Poderes, dada a possibilidade de retirar normas do ordenamento jurídico, na apreciação de qualquer processo de inconstitucionalidade que lhe chegasse por via incidental (LIMA, 2007, p. 02-03)

Quanto à mutação constitucional do Artigo 52, X da Constituição, opõe-se que, nos termos defendidos, não ocorreria mutação constitucional, mas sim uma tentativa de alteração do texto constitucional, que não implica apenas em interpretação do dispositivo, mas sim em uma alteração indevida (BARRETO, 2009, p. 194-195).

Afastar a competência do Senado e reduzir sua participação ao caráter de apenas tornar público o entendimento do STF, retirar do processo de controle difuso a participação dos representantes do povo, situação esta que não está prevista na Constituição, ou seja, inexiste dispositivo constitucional que permita do STF atribuir eficácia erga omnes aos julgados em sede de controle difuso sem a participação do Senado. Há também uma consequência negativa em face aos direitos e de garantias fundamentais, pois fere os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, resultando em uma lesão aos direitos fundamentais, além disso, se trata de um descumprimento de norma constitucional, que fragiliza a própria força normativa e integridade da Constituição (STREK, 2007 p. 07-08)

A abstrativização, é uma tese perigosa e inconstitucional, é perigosa no sentido de que diminui a atividade Poder Legislativo, na figura do Senado, e aumenta de sobremaneira o Poder do STF no processo de controle difuso. (NERY 2010, p. 193)

Para aqueles que não admitem a mutação e a abstrativização, a única forma possível para alteração do artigo 52, X é através de um processo de emenda constitucional, já que se trata de uma mudança formal e material. Estes vários aspectos de transformações no controle de constitucionalidade, mesmo que ao final não se configure a mutação constitucional, evidenciam a necessidade de reforma desse dispositivo, para que possa estar adequado a dinâmica social e jurídica da atualidade. (BARRETO, 2009, p. 194).

3.5 DA RELAÇÃO: EFEITO ERGA OMNES BRASILEIRO E STARE-DECISIS NORTE AMERICANO

A doutrina aponta para uma aproximação ou relação entre a nova perspectiva da abstrativização no controle difuso, irradiando efeitos erga omnes, com o stare decisis[2] do Direito Norte Americano. Os sistemas jurídicos de grande parte dos países são baseados no common law, de origem anglo-saxã, ou civil law, de origem romano-germânico. A grande diferença entre estes dois sistemas está na ausência ou na presença de normas positivadas. O common law é um sistema que se constrói através dos chamados precedentes, já o civil law baseia em leis escritas e codificadas, porém, nos últimos tempos verifica-se uma troca de influências entre estes dois sistemas. A Emenda Constitucional nº 45, que instituiu a súmula vinculante é um exemplo brasileiro desta aproximação. No mesmo sentido em que os sistemas jurídicos aproximam-se, ocorre também a aproximação entre o instituto americano do stare decisis e a eficácia erga omnes. (BARRETO, 2009, p. 177-180),

A atribuição de efeitos erga omnes (oponível contra todos) em sede de controle difuso de constitucionalidade, no direito brasileiro, assemelha-se aos efeitos das decisões proferidas pela Suprema Corte, no direito norte-americano, razão pela qual se fala na aproximação dos sistemas.

3.6 A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Na Reclamação n° 4.335 o Ministro relator considerou-se ter ocorrido mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição, defendendo a posição de que a eficácia erga omnes das decisões em controle difuso prescindem de resolução do Senado, e que a manifestação do órgão Legislativo passaria a ostentar tão somente o caráter de publicidade. O voto do relator foi acompanhado pelo ministro Eros Grau, já os ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa posicionaram contrários a tese levantada. A Reclamação ainda está pendente de julgamento. (BARRETO, 2009, p. 181).

Luis Roberto Barroso (2008, p. 122), em sentido semelhante ao posicionamento de Gilmar Mendes, defende que a competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos.

Lenio Streck critica a chamada mutação constitucional do artigo 52, X da Constituição, segundo o doutrinador, o que se denominou mutação é na verdade a atribuição de um texto por outro, construído pelo STF. (STRECK, 2007, p. 2)

A nova interpretação que se quer dar ao artigo 52 X não se trata de mutação constitucional, uma vez que a mutação é um processo de interpretação natural da CF e não pode ser construída de maneira forçada é um processo de mudança de paradigma e em hipótese alguma um argumento ou justificativa para mudar Constituição, além disso, o limite da mutação constitucional é o próprio texto da Constituição. (NERY 2010, p. 197)

Nota-se a divergência entre os doutrinadores e até mesmo entre os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal. A Reclamação 4.335, que traz à baila a reforma constitucional sem expressa alteração de texto, ou mutação constitucional, está pendente de julgamento conforme citado anteriormente.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIPIEVSKI JÚNIOR, José Mário. A abstrativização no controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6896, 19 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97671. Acesso em: 22 dez. 2024.

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