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Comentários à reforma do Judiciário (XVII).

Propostas pendentes (PEC nº 358/2005 e apensos)

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Agenda 04/05/2007 às 00:00

MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS:

No âmbito dos órgãos extrajudiciais de solução de conflitos, a PEC 358/2005 enuncia o respaldo constitucional à arbitragem, inclusive no âmbito das relações de trabalho:

"Art. 98. (...)

I – (...)

(...)

§ 3º Os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei."

"Art. 116-A. A lei criará órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho e tentar conciliá-los, no prazo legal.

Parágrafo único. A propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7º, XXIX."

De início, cabe notar a impropriedade técnica das redações.

Com efeito, o proposto parágrafo 3º ao artigo 98 é norma autônoma e distinta das regras pertinentes aos Juizados Especiais e aos Juizados de Paz e ensejaria, quando menos, ter sido incluso em dispositivo próprio.

Em total desatenção à Lei Complementar nº 95/1998, que regulamentou o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, o constituinte derivado inseriu parágrafo dissociado do tema contido no artigo, conforme enuncia o artigo 11, III, da referida norma complementar. Ou seja, cada artigo da norma deve restringir-se a um único assunto ou princípio e os parágrafos devem envolver aspectos complementares da norma enunciada no caput ou exceções à regra por este estabelecida.

No entanto, como pretender que solução autônoma de conflitos, como se situa a arbitragem, possa compreender exceção ou regra complementar aos Juizados Especiais? Na verdade, os interesses descritos no parágrafo 3º do artigo 98 sequer estão limitados aos mesmos parâmetros dos Juizados Especiais.

Como chegou a propor a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, melhor teria sido posicionar o dispositivo como ressalva à atividade jurisdicional estatal, inserindo a norma como parágrafo ao artigo 92, ou mesmo como artigo próprio (o que não seria difícil, ante agora a possibilidade de inserir novo artigo entre outros, pela mera aposição de letra que o distinga do anterior, conforme admite o artigo 12, III, "b", da LC 95/1998).

Com relação ao proposto artigo 116-A, embora pudesse estar coligado como parágrafo do dispositivo que resultasse do citado § 3º do artigo 98, por afinidade de matéria, ainda que persistindo sua inserção junto aos dispositivos próprios da Justiça do Trabalho, como a definir-lhes uma exceção constitucional ou a esclarecer o mesmo objeto de competência, no campo extrajudicial, não há razão para constar como dispositivo novo, com o acréscimo de letra, já que o artigo 117 da Constituição, desde a EC 24/1999, encontra-se revogado.

Por isso, quando menos, a melhor técnica conduziria à correção da redação, para que o dispositivo ocupasse o vazio do artigo 117, ao invés de ser inserido como novo artigo entre o atual 116 e aquele que nada contém.

a) arbitragem em geral:

Conquanto muito criticada, notadamente por aqueles que confudem a arbitragem como uma atividade em afronta ao Poder Judiciário, por desconhecerem a verdadeira natureza jurídica do instituto. Com efeito, a atividade arbitral pressupõe o exercício de vontades pelas partes envolvidas no litígio, estipulando em ato nitidamente contratual, a cláusula compromissória, a submissão da controvérsia a terceiro que, autorizado por lei, decide o caso, num exercício quase-jurisdicional, já que sujeita a arbitragem ao controle jurisdicional, ainda que não se possa rever o conteúdo de suas decisões, em estando regulares os procedimentos adotados desde sua deflagração até a prolação da sentença arbitral. Nisso, a dupla natureza jurídica da arbitragem. [03]

Não por menos, inclusive compreendendo a arbitragem como instituto historicamente arraigado no Direito brasileiro, ainda que a partir do Código de Processo Civil de 1973 menos valorizado por uma indevida exigência homologatória por parte dos Juízes para a validade das decisões arbitrais, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Agravo em Sentença Estrangeira nº 5.206/Espanha, reconheceu a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, consubstanciada na Lei nº 9.307/1996. [04]

Excluída, pois, agora, a partir do novo parágrafo 3º do artigo 98 da Constituição Federal, apenas a possibilidade de arbitragem quando envolvida entidade pública, a via privada da solução de conflitos ingressou em seara segura, embora fosse razoável que certos excessos de alguns árbitros e comissões arbitrais, invocando a autoridade própria de Juízes e Tribunais, inclusive prerrogativas e uso indevido das Armas da República, a confundir a sociedade como se fossem órgãos do Estado, também devessem ser enunciadas.

Nesse sentido, a AMB, em dispositivo que colaborei na redação, chegou a propor parágrafo para o artigo 92 da Constituição sugerindo a vedação do uso das denominações próprias dos órgãos do Poder Judiciário por quem não o integrasse, assim impedindo que árbitros usassem os símbolos da República e o título de Juiz, ou que os colégios arbitrais invocassem a condição similar de Tribunal. A mesma proposta permeia agora o Estatuto da Magistratura, onde poderá impedir o uso indevido de símbolos e denominações estatais, evitando a confusão que permeia na sociedade quanto a serem ou não Juízes e Tribunais aqueles que exercem a atividade arbitral.

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Não por menos, vários defensores da arbitragem enunciam a necessidade de perfilar mudanças culturais para a plena adoção do instituto, tanto para repelir entraves históricos ainda arraigados na sociedade, como para evitar o desvirtuamento indevido em prol de instituição despropositada de certos "tribunais arbitrais", como se órgãos do Estado ou entidade mercantil embora com suposto objetivo de solucionar conflitos. [05] Assim, excluídos os vícios e excessos enunciados, a arbitragem emerge como forma de permitir ao Judiciário enunciar o Direito naqueles casos mais controvertidos, sem lhe retirar jurisdição, como equivocadamente acreditam alguns, enquanto as partes elegerem, mediante contrato, a possibilidade de resolverem seus litígios pela via privada e técnica, eis que sempre sujeita a arbitragem ao exame judicial, quanto a eventuais nulidades que prejudiquem o procedimento eleito ou a decisão adotada.

De certo modo, pois, afastadas tais impropriedades meramente formais e a necessidade de certas correções infraconstitucionais para a melhor regulamentação do exercício da atividade de árbitro no País, a PEC 358/2005 constitucionaliza a decisão do Excelso Pretório, ao instante em que afasta em definitivo as discussões acerca da Lei nº 9.307/1996, permitindo compreender a aceitação em definitivo do instituto da arbitragem como modelo de solução extrajudicial de conflitos colocado à disposição dos interessados, sem que isso afete, de qualquer modo, as competências constitucionais do Poder Judiciário, até porque é perante este que os eventuais vícios da arbitragem realizada ou prometida se resolvem, à luz do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. [06]

Logicamente que a referência contida na parte final do proposto parágrafo 3º do artigo 98 resulta na recepção da Lei nº 9.307/1996 que dispõe sobre a arbitragem, já que não há indicativo de divergência de conteúdo do instituto constitucionalmente acolhido em relação àquele disciplinado pela norma infraconstitucional anterior.

Não tenho dúvidas de que muitos colocarão a falha técnica decorrente da inserção da norma no parágrafo 3º do artigo 98 como a ensejar que a arbitragem autorizada teria campo restrito. Mas então teria que ser admitido que a disciplina abrange tanto os Juizados Especiais quanto os Juizados de Paz, e a inaplicabilidade em relação a atividades não-jurisdicionais não emergeria maior sentido.

Por isso, o conteúdo normativo deve ser compreendido à luz do conjunto sistêmico da Constituição, reconhecendo que a inserção do dispositivo como parágrafo do artigo 98 quando muito guarda a relação com institutos que visam descongestionar as vias jurisdicionais regulares dos Juízos Comum e Especializados, sentido em que atuam os Juizados Especiais e que, em certa medida, no campo conciliatório que lhes pode ser atribuído, atuam os Juizados de Paz.

Aplicável, pois, a arbitragem em todos os conflitos de interesse que envolvam direitos disponíveis às partes interessadas, como, aliás, já decorre do contido na Lei nº 9.307/1996.

b) conciliação, mediação e arbitragem trabalhistas:

No concernente aos órgãos extrajudiciais no âmbito trabalhista, o proposto artigo 116-A e respectivo parágrafo único estabelece a possibilidade de a lei criar órgãos de conciliação, mediação e arbitragem para conhecer de conflitos individuais de trabalho.

Cabe notar, inicialmente, que não há restrição quanto aos dissídios coletivos por conta da regra específica de arbitragem contida no artigo 114, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal.

A aparente incoerência da criação por lei de órgãos arbitrais resolve-se quando possível admitir-se a existência da arbitragem pública, como ocorre em alguns Países, como ainda porque o dispositivo envolve a disciplina da necessária composição de representantes de trabalhadores e patrões nos órgãos extrajudiciais envolvidos com a solução de conflitos trabalhistas, seja para mera conciliação ou mediação, seja para arbitragem. [07]

Ou seja, a criação indicada pela lei invoca a estipulação dos padrões de composição, funcionamento e atribuições outorgadas a tais órgãos extrajudiciais pelo Estado, e não a própria instituição, inclusive porque o dispositivo proposto veda a existência de ônus ao erário público, ao denotar que não são tais órgãos de caráter público nem efetivamente criados pelo Poder Público, mas definidos segundo os modelos descritos por este, em razão do expresso comando constitucional.

Nesse sentido, a lei definirá o modo de criação, as entidades autorizadas à criação, a composição mínima e modo de escolha dos conciliadores, mediadores ou árbitros, e o efeito dos acordos ou das decisões adotadas.

A diferenciação entre conciliação e mediação, embora sutil, envolve a distinção da atuação de seus interlocutores em relação aos sujeitos em conflito.

Nesse sentido, enquanto o conciliador atua na aproximação das vontades das partes ou dos limites indicados por estes para a solução por acordo, o mediador age mais que como observador do conflito, indicando propostas por vezes fora do contexto das vontades iniciais dos litigantes para chegarem a um acordo, ou mesmo funcionando na orientação em prol da solução pacífica em decorrência dos fatos apresentados, sem com isso emitir juízo de valor ou decisão a respeito da lide.

Não por menos, não se erra quando assinalado que todo mediador também é conciliador, embora nem sempre o conciliador esteja autorizado a atuar como mediador.

No caso, o modelo proposto admite que mesmo os árbitros possam atuar como conciliadores, dada a parte final do descrito artigo 116-A, ao instante em que repete o conteúdo não jurisdicional das sentenças arbitrais, ainda que atue como órgão jurisdicional.

Nesse ponto, como um diferencial em relação aos órgãos de arbitragem em geral, a arbitragem trabalhista apenas será admitida quando realizada por colégio arbitral, em que a paridade das categorias envolvidas esteja assegurada, por isso necessária a participação das entidades sindicais para a indicação dos representantes de trabalhadores e patrões, o que já sustentava sob a égide da Lei nº 9.307/1996 para delimitar a arbitragem no âmbito das relações de trabalho, a partir da necessidade de norma coletiva para a disciplina das lides submetidas à arbitragem [08]. Embora possa, segundo o sistema proposto, tais lides virem previamente dispostas em rol de norma legal, há ainda a necessidade da atuação sindical pela indicação de seus representantes, de modo a tornar legítima a arbitragem que seja realizada.

A Lei nº 9.958/2000, que inseriu dispositivos na CLT dispondo sobre as comissões de conciliação prévia, logicamente restará recepcionada em sendo aprovada a inserção do artigo 116-A à Constituição, descrita na PEC 358/2005, sendo no particular importante notar que tais conciliadores não exercem atribuições como mediadores eis que circunscritos à lide submetida.

Embora persista com o entendimento de que não há como exigir-se a submissão do interesse a tais comissões, sob pena de desvirtuamento das vontades necessárias à obtenção de acordo [09], a constitucionalização do modelo é salutar para suplantar outros aspectos de discussão dos efeitos dos acordos homologados extrajudicialmente.

Com relação ao parágrafo único do artigo 116-A, a norma, coligada à estipulação de prazo para a atuação extrajudicial, contida na parte final do referido caput, é salutar para que delongas não impeçam o exercício do legítimo direito de ação por quem tenha preferido submeter sua lide trabalhista à prévia conciliação, mediação ou arbitragem.

Cabe notar, nesse sentido, que o dispositivo citado cria, em relação à arbitragem, que em tese inibiria a atuação jurisdicional na decisão do conflito, dois efeitos. O primeiro, no sentido de viabilizar a ação judicial quando a arbitragem seja dada por encerrada sem solução, em razão da extrapolação do prazo admitido para a conclusão do colégio arbitral, caso em que todos os pedidos antes apresentados aos árbitros podem ser formulados perante a Justiça do Trabalho, por interrompida a prescrição em relação aos mesmos (por isso, a prescrição não atinge os pedidos não colocados em discussão extrajudicial).

O segundo efeito decorre da possibilidade de estender-se o prazo para a discussão, perante a Justiça do Trabalho, de eventuais vícios na instauração ou na decisão de colégio arbitral, quando os pedidos receberam exame de mérito, mas podem, por via indireta, ser reexaminados após dada por inválida a solução arbitral adotada, ainda que para ser declarada a necessidade de instauração de novo procedimento arbitral [10].


COMPETÊNCIA ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E AÇÃO DE IMPROBIDADE:

A PEC 358/2005 indica a inclusão de artigo pertinente à disciplina de competência especial por prerrogativa de função e seus efeitos, assim como define a competência em caso de ação de improbidade e efeitos, estando assim redigida:

"Art. 97-A. A competência especial por prerrogativa de função, em relação a atos praticados no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la, subsiste ainda que o inquérito ou a ação judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função.

Parágrafo único. A ação de improbidade de que trata o art. 37, § 4º, referente a crime de responsabilidade dos agentes políticos, será proposta, se for o caso, perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de função, observado o disposto no caput deste artigo."

O Supremo Tribunal Federal, cancelando a Súmula 394/STF [11] em 1999, passou a compreender que a competência especial por prerrogativa de função não subsistia após o término do exercício funcional. [12]

Contra tal alteração jurisprudencial, o constituinte derivado insurgiu-se para estabelecer a premissa de que a competência por prerrogativa de função "subsiste ainda que o inquérito ou a ação judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função".

Com todo o respeito que merece a jurisprudência do Supremo Tribunal, parece que a lógica empreendida para a alteração do entendimento sumulado não fora feliz, já que igualmente antes não havia qualquer extensão aos agentes políticos e servidores já afastados de suas funções para consagrar o contido na Súmula 394/STF.

A mesma compreensão teve o constituinte derivado para restabelecer as premissas da Súmula 394/STF, embora ressalvando que a competência subsiste apenas "em relação aos atos praticados no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la", assim estabelecendo a premissa da coligação do fato à autoridade e não apenas ao sujeito que a detém.

Nesse sentido, parece que a alteração se coaduna melhor com a razão do foro privilegiado, resguardando a autoridade não apenas enquanto no exercício da função, mas também após pelos atos que teria praticado no exercício ou a pretexto de exercer a função da qual já afastado, evitando, assim, o receio da prática de ato por conta da proximidade do término do mandato ou da designação funcional.

Também inseriu o constituinte derivado a proposta de definição da competência para o julgamento da ação de improbidade ao tribunal competente para processar e julgar o servidor ou autoridade, quando a improbidade tenha identificação com objeto de crime de responsabilidade dos agentes políticos, dado os contornos contidos no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal. Havia uma razoável incompreensão no fato de gozar o sujeito de foro privilegiado quando acusado de crime e não deter a mesma prerrogativa quando o mesmo fato estivesse sendo questionado pela via de ação de improbidade, inclusive pela possibilidade de igualmente serem cassados os direitos políticos, à luz do artigo 15, inciso V, da Constituição Federal.

É certo que a adoção do foro privilegiado para certas ações de improbidade diminui o controle da sociedade sobre seus agentes, mas permite, doutro lado, maior segurança no exercício funcional, já que a governabilidade é preceito de sumo interesse e ao qual se dirigem as normas de competência especial. Há que se notar que tais ações não são impedidas, mas deslocadas ao mesmo tribunal que julgaria, em tese, o funcionário ou a autoridade, sendo razoável a unidade cognitiva dos fatos, inclusive à conta dos efeitos da eventual sentença condenatória num e noutro caso.

Ainda previu o constituinte derivado que, nesse caso, o efeito de subsistência da competência especial se justificava, ainda que a ação de improbidade seja proposta apenas quando já findo o exercício da função, na linha do que dispôs em relação às demais normas do foro privilegiado.

Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Comentários à reforma do Judiciário (XVII).: Propostas pendentes (PEC nº 358/2005 e apensos). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1402, 4 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9786. Acesso em: 19 dez. 2024.

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