Foi recentemente aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº. 3.605/2004, visando a modificação do artigo 520 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, conferindo efeito devolutivo à apelação como regra geral.
Pelo referido Projeto de Lei, o artigo 520 do Código de Processo Civil teria nova redação, na qual o juiz poderá atribuir efeito suspensivo à apelação somente quando o recorrente demonstrar a existência do risco de dano irreparável.
Assim, o artigo 520 do CPC, teria a seguinte redação: "A apelação terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte".
A busca pela efetividade do processo, um dos princípios basilares da nova concepção processualista brasileira, através da nova norma, foi o argumento usado, na Justificativa, pelos elaboradores do Projeto de Lei.
Desta maneira, a regra geral seria a apelação sem efeito suspensivo, sendo que, haveria em todas as hipóteses em que o recurso for cabível, a possibilidade de decisão judicial para atribuir tal efeito (suspensivo) ao recurso, em casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, conforme já estabelece o artigo 558, caput, do Código de Processo Civil.
A doutrina processualista moderna já se manifestava no sentido da possibilidade de haver uma nova reforma, que de certa maneira, fecharia o ciclo da reformas processuais previstas até então.
O exímio jurista Candido Rangel Dinamarco, já antevendo sobre o referido Projeto de Lei, afirma que para o artigo 520 do CPC, deveria ser proposta uma redação completamente diferente da que está em vigor. Para o renomado autor, "essa alteração é claramente voltada à aceleração do processo, por uma tutela jurisdicional mais pronta e, portanto, tempestiva", [01].
No mesmo escopo, o autor sugere a seguinte sistemática:
"Em conseqüência da sistemática que pretende implantar, a reforma da Reforma propõe a revogação do parágrafo do art. 558 do Código de Processo Civil (v. seu art. 3º)’" (pg. 350), E, conclui: "Como está, essa alteração cria desde logo um aparente conflito com o parágrafo do art. 558, pelo qual tem o relator o poder de suspender a eficácia da sentença sujeita a apelação destituída de efeito suspensivo. Como o esboço diz que o juiz a quo poderá conceder efeito suspensivo à apelação em decisão irrecorrível, mas não diz que seja irrecorrível a decisão que nega esse efeito (art. 520, par. transcrito acima). Em razão disso, poderá haver dúvidas sobre ser cabível agravo contra essa segunda ou caber ao apelante aguardar a chegada do processo ao Tribunal e, então, pedir ao relator o que o parágrafo do art. 558 autoriza. Se o esboço se transformar em lei, essas duas iniciativas serão legitimas, mas em termos. Havendo o juiz inferior negado o efeito suspensivo que o apelante lhe pediu, terá este a faculdade de agravar da decisão. Mas, alegando outros motivos, diferentes dos alegados em primeira instância quando apelou, pode o mesmo apelante, nos termos do art. 558, par., pedir e eventualmente obter efeito suspensivo ao relator. Também não fica ele impedido, como parece óbvio, de fazer o pedido de suspensão ao relator da apelação, quando não o houver feito ao juiz de primeiro grau. Seria de todo conveniente que a Reforma da Reforma aportasse mais clareza a essas situações. Além disso, a irrecorribilidade da decisão concessiva de suspensividade à apelação pode ser causa de prejuízos ao apelado, frustrando os intuitos dos reformadores – bastando que o juiz a conceda sem uma boa razão para tanto. Se a lei consagrar essa irrecorribilidade, estará aberto o caminho para o mandado de segurança nesses casos, sendo incompatível com a garantia constitucional deste o total desamparo recursal da parte contrariada (e talvez prejudicada)" [02].
Assim, pelo novo sistema, a sentença será, a princípio, destituída de suspensividade. Contudo, ela poderá adquirir esse efeito quando a parte o requerer e, assim, determinar o juiz, "sendo relevante a fundamentação e podendo resultar à parte lesão grave de difícil reparação..."
E não só nas hipóteses previstas no artigo 520 do CPC, conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, mencionam [03]:
"Extensão do efeito suspensivo. O juiz pode conceder efeito suspensivo à apelação, com fundamento na norma ora analisada, não apenas nos casos do CPC, 520, mas em todos os casos em que o sistema processual civil preveja para esse recurso o efeito apenas devolutivo como, por exemplo, quando nas ações fundadas na Lei 8.245/91 (LI 58 V).A regra geral do sistema recursal civil brasileiro é o recebimento da apelação em ambos os efeitos. Assim, o CPC 520 e 1.184, bem como a LI 58 V, são normas de exceções e se interpretam restritivamente. Como a norma comentada abriu oportunidade ao juiz para voltar a aplicar a regra geral, deve ser interpretada ampliativamente".
Ademais, o Projeto de Lei em tela acabaria, ou pelos menos, amenizaria com uma das maiores preocupações atuais dos processualistas: dotar o Poder Judiciário de mecanismos que confiram mais efetividade às decisões judiciais.
Neste sentido, o professor Arruda Alvim [04]:
"Esta lei é permeada pela intenção de realizar, no plano prático, a efetividade do processo. Colima proporcionar que, entre a decisão e a real produção dos seus efeitos, benéficos ao autor, a quem se outorgou proteção, decorra o menor tempo possível. Tende a que, entre a decisão e a sua eficácia, não haja indesejável intervalo. Não há nela referências ao termo execução, senão que a expressão usada é efetivação (art. 273, § 3º), como, também, há referência ao descumprimento de sentença ou decisão antecipatória (art. 287), ao que devem suceder-se conseqüência (s) coercitiva (s) por causa dessa resistência ilícita, mercê da aplicação do art. 461, § 4º e 461-A, com vistas a dobrar a conduta do réu, que se antagoniza com o direito do autor e, especialmente, com a determinação judicial. Isto significa que se acentua o perfil do caráter mandamental da disciplina destinada a realizar, no plano prático, o mais rapidamente possível, os efeitos determinados pela decisão".
Com a alteração do artigo 273 do CPC, em umas das reformas anteriormente promovidas, o juiz passou a poder antecipar os efeitos da sentença através de decisões liminares em toda e qualquer ação. Anteriormente, a concessão só era possível somente nos casos previstos em lei, como no caso das ações possessórias em geral.
A decisão interlocutória liminar é impugnada mediante recurso de agravo, que de regra, não tem efeito suspensivo (art. 558 do CPC), podendo ser executada imediatamente. Todavia, entretanto, isto não ocorre com a sentença, já que a apelação – como vimos anteriormente - tem, em regra, efeito suspensivo.
O contra-senso é evidente, na medida em que, é possível a execução imediata de uma decisão fundada em juízo de verossimilhança (antecipação da tutela pretendida), ou seja, fundada na aparente existência do direito, contudo, não sendo possível a execução, ou, na nova égide processual, o cumprimento imediato da sentença proferida com base em exame mais aprofundado pelo juiz, quando a causa já estiver madura para tanto.
Com a nova reforma processual de 2.002, que deu nova redação ao artigo 588 de Processo Civil, passou-se a autorizar expressamente a alienação dos bens do executado com a execução da decisão que antecipa os efeitos da tutela. O mesmo não pode ocorrer com a sentença, pois a apelação continua sendo dotada de efeito suspensivo, como regra geral.
Mesmo com a nova redação do artigo 520 do CPC, onde ficou acrescentado novo inciso, deixando claro que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença "confirmar a antecipação dos efeitos da tutela", a apelação continuará a ter, em regra, efeito suspensivo. Com isso, o juiz poderá autorizar a execução imediata da sentença, afastando o efeito suspensivo da apelação, desde que presentes os requisitos do art. 273 do mesmo diploma legal. Contudo, esta modificação já estava consolidada na doutrina e jurisprudência: se o juiz antecipa os efeitos da tutela através de liminar, é evidente que, ao confirmar tal decisão na sentença, a apelação não poderia suspender a execução que já vinha sendo realizada. O mesmo se diga nos casos em que o juiz antecipa os efeitos da tutela na própria sentença
No entanto, a execução (cumprimento) imediata da sentença, na pendência do recurso de apelação continua a ser excepcional. O contra-senso anteriormente citado continua a existir, pois é evidente que o cumprimento imediato da sentença não pode se sujeitar aos mesmos requisitos da execução da liminar fundada apenas na aparência da existência do direito do autor da ação.
No direito atual, é exatamente isto o que ocorre. Desta maneira, o juiz somente poderá autorizar o cumprimento imediato da sentença (artigo 475-I e seguintes do CPC) se houver, por exemplo, "fundado risco de dano irreparável ou de difícil reparação", que é um dos requisitos estabelecidos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil para a antecipação dos efeitos da tutela.
Somente isso já justificaria a pretendida alteração do artigo 520 do Código de processo Civil apresentada pelo referido Projeto de Lei, para se permitir a execução imediata da sentença, estabelecendo-se que a apelação, em regra, não teria efeito suspensivo.
No entanto, outro fator tem sido objeto de discussão no meio jurídico, para justificar a alteração do atual esquema legal.
É notório que pelo fato do juiz de primeiro grau realizar uma analise mais aprofundada da matéria do que o órgão ad quem, como a inquirição de testemunhas, depoimentos pessoais, e a direção ampla da produção de provas, espera-se que a sentença dificilmente venha a ser reformada por este. De fato, é muito difícil para o Tribunal que julga a apelação avaliar, tal como o fez o juiz, o depoimento de uma testemunha, já que o juiz que profere a sentença, ao menos em regra, é o mesmo que conduziu a produção das provas e, em princípio, é quem melhor tem condições de avaliar se as provas são ou não convincentes. Portanto, a valoração da provas em segunda instância é menor, o que possibilitaria a execução (cumprimento) imediata da sentença, pela presunção, ainda que relativa, de que o juiz de primeiro grau conduziu amplamente a produção de provas.
Ademais disso, impedir o cumprimento imediato da sentença que reconheceu o direito do autor da ação significa proteger, indevidamente, o réu que, aos olhos do juiz de primeiro grau, não tem razão.
Desta maneira, passando a ser regra o cumprimento imediato da sentença, diminuiria o interesse protelatório recursal: um dos maiores problemas enfrentados pelo Poder Judiciário.
Referência
ARRUDA ALVIM. Inovações Sobre o Direito Processual Civil: Tutelas de Urgência. Coordenadores: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim, Forense, Rio, 2003
DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. A reforma do Código de Processo Civil. 4ª ed., Editora Malheiros, 1997.
NERY JR., NELSON; e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., 1.997: RT.
Notas
01 DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 4ª ed., Editora Malheiros, 1997, p. 349/350.
02 DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 4ª ed., Editora Malheiros, 1997, p. 351.
03 NERY JR., Nelson.; e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., 1.997: RT, p. 803.
04Inovações Sobre o Direito Processual Civil: Tutelas de Urgência. Coordenadores: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim, Forense, Rio, 2003, p. 3/4.