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Guarda compartilhada de pais que moram em cidades e países diferentes

O que fazer com a guarda compartilhada quando os pais moram muito longe um do outro, dificultando a educação do filho?

INTRODUÇÃO

Não é novidade que o direito imita a vida real, sofrendo constantes mutações para se adequar ao contexto do âmbito da sociedade no qual está inserido. No ramo do Direito de Família não poderia ser diferente, principalmente considerando seu vínculo íntimo à própria vida advindo do fato de que a existência do ser humano em si, parte de um organismo familiar, sendo esses laços conservados desde a concepção até à morte.

Historicamente, o enfoque do direito de família teve como escopo a regulamentação de questões referentes ao direito patrimonial, como por exemplo a transmissão de bens das famílias que se uniam por meio do casamento, atendendo apenas uma minoria privilegiada economicamente (ZARIAS, 2010, p. 61).

Com o advento da Constituição Federal (1988) e por meio do fenômeno da constitucionalização, foi que, ao regulamentar acerca do instituto familiar, o Código Civil de 2002 priorizou a valorização das relações afetivas, em contramão do Código Civil de 1916, que se preocupava tão somente com a questão patrimonial.

A partir dessa valorização das relações afetivas, a questão do divórcio passou a ser tratada não mais como uma ameaça à instituição familiar e sim como um verdadeiro instrumento de realização pessoal, privilegiando-se uma unidade familiar, conforme cita Alexandre Zarias (2010, p.65), como uma entidade que subsiste além do casamento ou vínculo matrimonial desfeitos, estabelecendo os deveres e os direitos de todos os seus membros.

Todavia, questões como o bem-estar dos filhos fez com que o divórcio deixasse de ser o único eixo de discussão sobre as relações familiares a partir da lei, passando-se a discutir não mais a respeito de uma suposta ameaça à família em razão do divórcio, mas sim, acerca de seus efeitos no que diz respeito à questão de proteção aos filhos menores (ZARIAS, 2010), envolvendo, portanto, dentre outros assuntos, a questão da guarda.

O atual Código Civil prevê, em seu art. 1.583, dois tipos de guarda: a unilateral e a compartilhada (BRASIL, 2002), além de definir a forma como cada uma deve ser decidida em prol dos interesses do menor, cuja guarda esteja em disputa.

O art. 1.584 determina, em seu inciso II, que a guarda pode ser decretada pelo juiz (BRASIL, 2002), indicando a necessidade de uma judicialização nos casos em que não há consenso entre os genitores a respeito do tipo de guarda a ser adotado.

Essa necessidade de judicialização traz consigo, inevitavelmente, diversos entendimentos jurisprudenciais distintos a respeito da guarda dos filhos, levando em conta a perspectiva do superior interesse dos menores.

Nesse contexto, o presente artigo traz à baila a discussão acerca da possibilidade de concessão da guarda compartilhada a pais que residem em diferentes cidades, trazendo para análise um entendimento recente firmado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao reformar uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que concedeu a guarda unilateral à genitora em razão da distância entre as casas do pai e da mãe da criança (BRASIL, 2021, online).

A ministra relatora, em seu voto, alerta para o ponto abordado pelo advento da Lei nº 13.058 de 2014, que modificou alguns pontos do diploma legal já estabelecido no que concerne a guarda compartilhada, reforçando o entendimento quanto à obrigatoriedade de adoção da guarda compartilhada quando houver disputa judicial.

1 PODER FAMILIAR

Carlos Roberto Gonçalves ensina o conceito de poder familiar como sendo um conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores (GONÇALVES, 2009, p. 372).

Resulta de uma necessidade natural de educar, dirigir, defender, amparar, guardar e cuidar dos interesses dos filhos menores, eis que o ser humano necessita, durante a sua infância, de alguém que tenha regência sobre sua pessoa e seus bens (GONÇALVES, 2009, p. 372)

É possível observa o que Maria Helena Diniz elucida acerca do poder familiar:

O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos (DINIZ, 2012, p. 1.197).

No Código Civil de 1916, o poder familiar era denominado poder pátrio e tinha um caráter absoluto, de forma a atribuir ao pai a função de chefe da família (BRASIL, 1916). Portanto, a responsabilidade por todos os membros e o exercício do poder familiar era prerrogativa exclusiva do pai.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e o conceito de igualdade enraizado na mesma, houve a concretização da atribuição, a ambos os genitores, da titularidade do referido poder de tomada de decisões, determinando, em seu art. 226, §5º, que: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (GONÇALVES, 2009, p. 375).

O Código Civil de 2002, à luz da Constituição Federal de 1988, não só substituiu, em seu art. 1.631, a expressão pátrio poder por poder familiar como também alterou a titularidade do mesmo que antes era somente do pai, atribuindo-se a ambos os genitores (BRASIL, 2002).

O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/1990, antes do advento do Código Civil 2002 e obedecendo a Constituição Federal de 1988 já previa a igualdade de condições para o exercício do ainda chamado, àquela época, de pátrio poder, até que, após a instituição do Código Cívil, teve seu art. 21 alterado pela Lei nº 12.010/2009, que substituiu o termo por poder familiar. Em sua literalidade, o referido dispositivo legal prevê o seguinte:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência (BRASIL, 1990).

Assim sendo, compete aos pais que detiveram o poder familiar, sejam eles casados ou não, buscar a melhor forma de criar os filhos, sem deixar que lhes falte o mínimo para que tenham uma vida digna.

1.1 Características do poder familiar

Ao poder familiar, atribuem-se as características de ser irrenunciável, inalienável, indelegável e impossível de ser substabelecido pois faz parte do estado das pessoas e qualquer convenção em que os titulares desse poder abdique do mesmo, deverá ser considerada nula (GONÇALVES, 2009, p. 374)

Para Maria Berenice Dias, o poder familiar, além de irrenunciável, é também:

[...] intransferível, inalienável, imprescritível, e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados (DIAS, 2013, p. 436).

Ainda, trata-se um poder incompatível com a tutela, inadmitindo a nomeação de tutor a menores cuja suspensão dos pais ou destituição do poder familiar não ocorreu (GONÇALVES, 2009, p. 374)

1.2 Sujeitos do poder familiar

A relação de poder familiar é composta pelos genitores, na qualidade de titulares, gozando da chamada igualdade de condições, conforme já mencionado, e dos filhos menores de 18 anos e não emancipados, na qualidade de sujeitos passivos.

Importante mencionar que o art. 1.632 do Código Civil determina que a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável não alteram, em regra, a relação entre pais e filhos, exceto quanto ao direito que os pais têm de terem em sua companhia os filhos (BRASIL, 2002).

1.3 Deveres de quem detém o poder familiar

O art. 1.634 do Código Civil traz consigo um rol de deveres incumbidos aos pais, titulares do poder familiar, nos seguintes termos:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

  1. dirigir-lhes a criação e a educação;
  2. exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
  3. conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
  4. conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
  5. conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
  6. nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
  7. representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
  8. reclamá-los de quem ilegalmente os detenha
  9. exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002).
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Merece destaque, para o presente artigo, o inciso II, que inclui como um dever, o exercício da guarda unilateral ou compartilhada, nos termos do art. 1.584, podendo, dessa forma, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, conforme inciso VIII.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2006, p. 379) trata-se de um direito e ao mesmo tempo um dever eis que a quem incumbe criar, incumbe igualmente guardar. Dessa forma, o professor faz menção inclusive ao art. 245 do Código Penal que tipifica como crime a conduta de quem entrega filho a pessoa inidônea.

Frisa-se que tal direito é de titularidade de ambos os pais, em decorrência da igualdade de condições de exercício do poder familiar, não tendo um mais ou menos direito que o outro. Por esse motivo, em caso de separação de fato dos genitores do menor, o tipo de guarda a ser, em regra, decretado pelo juiz, quando não há consenso entre os pais, é a guarda compartilhada.

2 MODALIDADES DE GUARDA

Diante de uma dissolução de um matrimônio ou de uma união estável, no caso de existência de interesse de filhos menores e não emancipados, necessário que haja uma judicialização, iniciando-se o processo de pedido de separação, pensão, guarda e demais situações pertinentes ao momento que esse ex-casal estiver vivenciando.

O intuito do presente artigo é tratar da questão da guarda compartilhada, porém, antes disso, há de ser dispensado tratamento no que tange às demais modalidades de guarda, para que, só então, adentrar ao que se refere a guarda compartilhada.

Apesar do Código Civil de 2002 fazer menção, em seu art. 1.583 de apenas dois tipos, no atual cenário jurídico brasileiro, existem três modalidades de guarda, quais sejam: unilateral, alternada e compartilhada.

Sobre guarda:

Enquanto durar a convivência dos pais a guarda é compartilhada por ambos, quando cessa essa convivência vários arranjos poderão ser feitos para determinação da guarda. Desta forma, a guarda se apresentará de formas diferentes. A guarda jurídica ou legal é atribuída como elemento do poder familiar, ou seja, é a responsabilidade dos pais de decidir sobre o futuro da sua prole. A guarda física é a presença do infante na mesma residência dos pais. A guarda legal poderá ser de três tipos: Unilateral, alternada ou compartilhada (GOULART, 2018, p. 19 apud CARBONARA, 2000).

A guarda unilateral nada mais é que a detenção da guarda dos filhos por um dos pais, sendo assegurado ao outro o direito a visitas reguladas por comum acordo entre as partes ou previamente estipuladas pelo poder judiciário. Esse momento de conceder a guarda unilateral ocorre quando se prova que a presença do outro genitor ou quem o substituiu seja nociva para esse menor.

O conceito de guarda unilateral se encontra estampado no atual Código Civil, mais precisamente em seu artigo 1.853, que diz, em seu parágrafo primeiro que:

§ 1º: Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (BRASIL, 2002).

Percebe-se claramente que a guarda será conferida única e exclusivamente a um dos pais e com isso o outro passa a ter momentos certos para ter o contato com o filho. Este tipo de guarda se pauta exatamente visando os melhores interesses para os filhos, e assim sendo, ela se distingue de forma superior a guarda compartilhada, observe o que no vem lecionar Paulo Lôbo:

A guarda unilateral ou exclusiva, na sistemática do Código Civil, e após a Lei n. 11.698/ 2008, é atribuída pelo juiz a um dos pais, quando não chegarem a acordo e se tornar inviável a guarda compartilhada, dado a que esta é preferencial. Também se qualifica como unilateral a guarda atribuída a terceiro quando o juiz se convencer que nenhum dos pais preenche as condições necessárias para tal. No divórcio judicial convencional os pais podem acordar sobre a guarda exclusiva a um dos dois, se esta resultar no melhor interesse dos filhos; essa motivação é necessária e deve constar do respectivo instrumento assinado pelos cônjuges que pretendem o divórcio.

A Lei n. 11.698/ 20008 indica os seguintes fatores de melhor aptidão para a atribuição da guarda unilateral a um dos pais: afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; saúde e segurança; educação. Essa enunciação não é taxativa, nem segue ordem de preferência. Não há exigência legal de estarem conjugados; pode o juiz, ante a situação concreta, decidir que um deles prefere aos demais. São elementos de ponderação para o juiz, na apreciação de cada caso em concreto. A comprovação da ocorrência deles deve ser feita com o auxílio de equipes multidisciplinares, pois as relações reais de afeto dificilmente podem ser aferidas em audiência. Quando os pais nunca tenham vivido sob o mesmo teto, presume-se que tenha havido maior intensidade de afeto entre a criança e aquele com quem teve maior convivência, até porque configura sua referência de lar ou casa.

A lei, acertadamente, privilegia a preservação da convivência do filho com seu grupo familiar, que dever ser entendido como o conjunto de pessoas que ele concebe como sua família, constituído de parentes ou não. O juiz não mais pode escolher entre o pai ou a mãe, apenas. Deve preferir quem, por temperamento e conduta, possa melhor assegurar a permanência da convivência do filho com seus familiares paternos e maternos. A experiência demonstra que, muitas vezes, quem fica com a guarda estende sua rejeição não apenas ao outro, mas aos parentes deste, impedindo ou dificultando o contato do filho com eles, convertendo-se em verdadeira alienação parental de todo o grupo familiar (LOBÔ, 2011, p. 192,193).

Há de se ressaltar que o usual hodiernamente no direito brasileiro, extraído do art. 1.584, §2º, é a aplicação da guarda compartilhada, em regra, haja vista que esta acaba por garantir de forma adequada a melhor convivência entre os pais e seus dependentes.

Deixando assim a guarda unilateral como um substituto legal para os casos que se fizerem necessárias essas medidas, como já fora mencionado, nos casos onde se provar que a presença contínua de um dos pais é maléfica aos filhos.

Outra modalidade de guarda possível de ser aplicada no sistema jurídico brasileiro é a guarda alternada, porém esta não encontra embasamento em nenhum diploma legal positivado no Brasil, ela é muito concedida pelos tribunais estaduais de uma maneira jurisprudencial.

Nessa forma de guarda, as crianças ou adolescentes se alternam nos dois lares de seus genitores ou responsáveis legais. Esse tipo de guarda se assemelha com a guarda compartilhada, mas não deve ser confundida com esta. Para maior entendimento, Maria Berenice Dias esclarece:

Guarda alternada: modalidade de guarda unilateral ou monoparental, caracterizada pelo desempenho exclusivo da guarda,segundo um período predeterminado, que pode ser anual, semestral, mensal ou outros. Essa modalidade de guarda não se encontra disciplinada na legislação Brasiléia e nada tem a ver com a guarda compartilhada, que se caracteriza pela constituição de famílias multinucleares, nas quais os filhos desfrutam de dois lares, em harmonia, estimulando a manutenção de vínculos afetivos e de responsabilidades, primordiais à saúde biopsíquica das crianças e dos jovens (DIAS, 2011, p. 528).

Nesse ínterim, deve-se entender que, na guarda alternada, hão de existir sucessivas guardas unilaterais ou exclusivas, que serão praticadas pelo genitor ou representante legal que estiver com a custódia física da criança/adolescente naquele período.

Excetuando a questão da inexistência de previsão legal, há a possibilidade desse tipo de guarda não ser o melhor para atender as necessidades da criança/adolescente, haja vista que além da alternância constante de residências, a criança/adolescente pode vir a ficar confusa acerca de qual das autoridades deve respeitar, e com isso pode haver uma interferência em seus hábitos e valores acerca da vida, observe o que nos aduz Fábio Ulhoa:

Além da guarda unilateral e da compartilhada previstas em lei, deve-se fazer menção também à guarda alternada, que corresponde à atribuição periódica da guarda a cada pai. Neste semestre ou ano, por exemplo, o filho fica com a mãe, e o pai tem o direito de visita; no próximo, inverte-se, e ele fica com o pai, e a mãe o vista nos horários e dias previamente definidos. Esta espécie de guarda nem sempre se tem revelado uma alternativa adequada para o menor, cuja vida fica cercada de instabilidade. Não convém seja adotada, a não ser em casos excepcionais, em que, por exemplo, os pais residem em cidades distantes ou mesmo em diferentes países (ULHOA, 2012, p. 241).

Há aqui, uma diferença considerável com relação à guarda compartilhada, onde a criança tem dois lares fixos e assim ela sabe que mora nos dois e quem em ambos há uma autoridade. Sem falar que assim perde-se a sensação de que a criança/adolescente é um mochileiro, que passa a vida a transitar entre a casa do pai e a casa da mãe.

Para que haja um melhor entendimento da diferença entre a guarda alternada e compartilhada vejamos o que nos leciona Paulo Lôbo:

Uma modalidade que se aproxima da guarda compartilhada é a guarda alternada. Nesta, o tempo de convivência do filho é dividido entre os pais, passando a viver alternadamente, de acordo com o que ajustarem os pais ou o que for decidido pelo juiz, na residência de um e de outro. Por exemplo, o filho reside com um dos pais durante o período escolar e com outro durante as férias, notadamente quando as residências forem em cidades diferentes. Alguns denominam essa modalidade de residências alternadas. Em nível pessoal o interesse da criança é prejudicado porque o constante movimento de um genitor a outro cria uma incerteza capaz de desestruturar mesmo a criança mais maleável. A doutrina especializada recomenda que sua utilização deva ser feita em situação excepcional, porque não preenche os requisitos essenciais da guarda compartilhada, a saber, a convivência simultânea com os pais, a corresponsabilidade pelo exercício do poder familiar, a definição da residência preferencial do filho (LÔBO, 2011, p.204).

No mesmo peso de limitação que se encontra a guarda unilateral, a guarda alternada não deve deixar se ser aplicada quando esta se fizer necessária para melhor atender aos interesses dos menores envolvidos, haja vista que a modalidade de guarda a ser escolhida deve sempre ser a que melhor se adequar a situação em que se encontram os menores e seus genitores, como o Autor Silvio de Salva Venosa, apresenta:

A modalidade de guarda pode ser alternada a qualquer tempo, sempre no interesse do menor. Isto significa que a princípio, quando no fervor do rompimento da convivência conjugal, pode não ser o melhor momento para a guarda compartilhada ou para um compartilhamento mais amplo. Após algum tempo, serenados os ânimos entre os interessados, a guarda compartilhada pode surgir como uma solução natural (...). Não se confunde a guarda compartilhada com a guarda alternada, a qual, mais no interesse dos pais do que dos filhos, divide-se o tempo de permanência destes com os pais em suas respectivas residências, nada mais que isso. Essa modalidade está fadada ao insucesso e a gerar maiores problemas do que soluções (VENOSA, 2013, p,188).

Mesmo havendo a real possibilidade dos menores envolvidos terem alguma dificuldade de adaptação tendo em vista essa situação de lares sempre alternados, como já fora supramencionado, não há também a necessidade de exclusão da guarda alternada do rol de opções de guardas a serem aplicadas, obviamente sempre tendo em vista o melhor para os menores envolvidos, a guarda alternada é uma realidade e serve como instrumento de melhor atender os conflitos referentes à guarda da criança e do adolescente.

2.2 Guarda compartilhada de pais que moram em cidades, estado ou países diferentes

A guarda compartilhada como já foi exposto no presente artigo, é um instituto inerente àqueles que são genitores ou estão em condições de genitores perante filhos menores e assim sendo, quando se fizer necessário a guarda, seja ela compartilhada ou não, deve ser fixada em comum acordo entre as partes ou por determinação judicial, após a autoridade competente apreciar todas as alegações das partes.

Independentemente da distância que se encontram as moradias dos pais, nada impede que a decisão seja pela guarda compartilhada, haja vista que o menor são será obrigado a ficar morando nas duas casas ao mesmo tempo, e com isso, podem os pais desse menor entra em acordo de como será feita esse compartilhamento de guarda, para que ambos tenham a mesma sem que haja prejuízo da formação do menor em questão.

Observe o que a Ministra Nancy Andrighi disse após uma decisão da 3ª Turma do STJ que reformou uma decisão do TJSP, acerca de um pedido de guarda compartilhada:

Não existe qualquer óbice à fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, a distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos" (Ministra Nancy Andrighi, do STJ 3ª Turma).

No caso em tela, que corre em segredo de justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu em desfavor a sentença do juízo de primeiro grau que determinou que fosse concedida a guarda compartilhada, entendendo que essa modalidade de guarda seria contraproducente para a criação do menor, haja vista a distância entre as moradias.

Ao decidir que a sentença proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo deveria ser reformada, a Ministra Nacy Andrighi chamou a atenção para o que é aduzido no art. 1.584, §2º do Código Civil de 2002, observa-se que:

(...) § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (BRASIL, 2002).

Assim sendo a guarda compartilhada diante desse artigo e da nova redação trazida a baila pelo advento da já mencionada Lei nº 13.058 de 2014, se torna obrigatória, salvo se um dos pais abrir mão da guarda, o que não é o caso em tela, com isso a decisão não poderia ser outra se não a de concessão da guarda na modalidade compartilhada.

Ainda, é possível notar as palavras da Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, ao salientar que:

É imperioso concluir que a guarda compartilhada não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, essa modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada (Ministra do STJ Nancy Andrighi).

E com isso ela encerra os argumentos acerca de sua decisão com relação ao recurso interposto perante a 4ª Turma do STJ.

CONCLUSÃO

A realização da presente pesquisa efetivou-se por intermédio do método de compilação, ou seja, reunindo obras literárias, documentos, escritos de vários autores para uma maior abordagem ao tema guarda compartilhada frente a situação de pais que moram em cidade, estado e países diferentes, visando contemplar os aspectos relacionados ao instituto em questão, visto que é um assunto de muito complexo, sendo impossível abrangê-lo em sua forma total.

A guarda compartilhada está prevista na Lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014, que modificou o que estava previsto nos artigos quais sejam: 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, ambos do Código Civil de 2002, passa a ser obrigatória a guarda compartilhada nos casos em que não existirem impedimentos para a sua aplicação e regulamenta que o tempo de convívio dos filhos seja dividido entre os pais de forma igualitária analisando as condições fáticas e os interesses dos mesmos. E é mister ressaltar a vital importância de que os pais passem a deixar de lado toda e qualquer situação de mágoa, conflito que um dia existiu e possam começar a agir em prol do melhor interesse de seus filhos, com o intuito de amenizar ao máximo os danos já causados pela separação.

Claro que poderá haver situações que o magistrado, dependendo dos termos apresentados a este, poderá vir a proferir uma decisão de guarda diferente da compartilhada, mesmo sendo esta a definida por Lei como a usual, quando não houver nenhum tipo de consenso entre os pais acerca da melhor forma de definirem a guarda dos seus filhos. Ressaltando que a Lei determina que seja a guarda compartilhada a prioritária, com o fito de sempre preservar o menor envolvido, buscando sempre o seu bem estar físico e psicológico.

Apesar de ser regra atualmente, a guarda compartilhada muitas vezes não é uma opção para algumas famílias onde os pais passam por momentos de muitos desentendimentos onde a convivência frequente apenas pioraria a relação de ambos e o desenvolvimento da criança ou crianças em questão, que pode inclusive ser vítima de alienação parental e, assim sendo, compete ao magistrado que estiver à frente do caso analisar e sopesar todas a informações trazidas à baila para, assim, tomar a melhor decisão cabível ao caso.

Sempre foi ponto de bastantes discussões e brigas entre os pais a questão da guarda do filhos, haja vista que cada um acha que com ele o filho ficaria melhor, e essas brigas acabam inflamando mais quando um dos pais resolvem mudar de cidade, estado ou país, já que não haverá uma divisão de tempo de guarda em um espaço de tempo menor, como por exemplo o filho fica duas semanas na casa de um pai e duas semanas na casa de outro e isso não atrapalha sua educação, já que ambos morando na mesma cidade, o que muda seria somente o lar no qual o menor iria morar. Porém quando há essa situação dos pais morarem em cidades, estados e países diferentes, o menor teria que ficar um tempo bem maior sem ver um dos pais, para que não seja prejudicado em sua formação educacional.

Conclui-se que se faz necessário discorrer sobre os meios necessários para sanar a deficiência do Estado em relação à proteção da Criança e do Adolescente, com a visão de que as garantias destes, não permaneçam apenas no plano teórico, mas que se apliquem de forma efetiva. A pesquisa desenvolvida colabora, para a melhor compreensão do tema abordado, visto que é importante ressaltar que apesar de assegurada a absoluta prioridade à criança e ao adolescente na Constituição, ainda há o que se falar da questão de qual modalidade de guarda será a ideal.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos

BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.

BRASIL. Lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão guarda compartilhada e dispor sobre sua aplicação. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Notícias - Guarda compartilhada é possível mesmo que pais morem em cidades diferentes, 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23062021-Guardacompartilhada-e-possivel-mesmo-que-pais-morem-em-cidades-diferentes.aspx. Acesso em: 25 abr. 2022

CARBONARA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.

COELHO, Fabio Ulhoa; Curso de Direito Civil Família Sucessões. 5ª edição. São Paulo, Editora Saraiva, 2012.

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DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GOULART, Camila de Araújo Ferreira. GUARDA COMPARTILHADA FRENTE AO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Orientador: Karla de Souza Oliveira. 2018. pp. 02-38. Monografia (Graduação) - Curso de Direito, UniEVANGÉLICA, Anápolis. 2018. Disponível em: <http://repositorio.aee.edu.br/jspui/bitstream/aee/554/1/Monografia%20-%20Camila %20de%20Araujo.pdf>. Acesso em: 24 de maio de 2022.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil; Direito de Família, Volume 06, 13ª edição, São Paulo: Ed. Atlas, 2013.

ZARIAS, Alexandre. A família do direito e a família no direito: a legitimidade das relações sociais entre a lei e a Justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.25, n. 74, p. 6176, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092010000300004. Acesso em: 25 maio 2022.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Aline Emiliano Alcebíades Sobrinho. Guarda compartilhada de pais que moram em cidades e países diferentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6912, 4 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98233. Acesso em: 21 nov. 2024.

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