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Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo

Agenda 21/06/2022 às 17:45

Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo

Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo

 

Sumário. A virtude está no meio. Por essa velha máxima de filosofia prática entende-se que os extremos são nocivos; o demasiado, vicioso; a mesma bondade morre do excesso. Também no circuito judiciário isto ocorre: a exageração no reclamar justiça pode, muita vez, ser causa de sua própria denegação.

 

I. Movido de altas preocupações, fáceis de presumir — como a escassez de tempo, a quantidade assombrosa dos processos que tramitam em todas as instâncias da Justiça do País e até a voz da consciência ecológica —, propôs o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela generalidade de seus juízes([1]), fosse limitada a dez laudas a extensão das petições forenses e decisões judiciais.

Pelo que, os obreiros do Direito (advogados, membros do Ministério Público e autoridades judiciárias), primeiro que viessem a juízo com petições, razões de recurso e sentenças, deveriam submetê-las a um como leito de Procusto([2]).

Ao toque de rebate dos expoentes do Judiciário gaúcho acudiu de plano a Justiça bandeirante, que lhe enalteceu e prestigiou o protocolo de intenções([3]).

Muitos receberam tal proposta com vivos e conscientes aplausos; alguns porém a tiveram por afrontosa e lesiva a seus direitos e interesses.

De importante que é, embora controvertido, ao assunto não repugnam por isso reflexões e adequadas providências, que, sem mortificar o sagrado direito de defesa (princípio capital da ordem jurídica), ponham a mira na solução da grave crise que, muito há, vem empecendo a atuação da Justiça, à conta de sua morosidade (inevitável) na prestação jurisdicional([4]).

Que seja lenta a Justiça não há negá-lo, que já o perceberam e amiúde repetem ainda os de parco entendimento. Não direi, entretanto — como o vulgo profano —, que entre nós “se arrastem” os processos (porque, em verdade, “tramitam” e nunca o fazem sem dignidade), mas é força reconhecer que lhes falta o caráter intrínseco de instrumento de solução de litígio: a celeridade.

Ora, é coisa difícil unir a dor à paciência, e os litigantes — fato de certeza experimental — estão a provar cotidianamente o cálice amargo da angústia e do infortúnio! Donde veio a dizer um autor a todas as luzes grande: “Não há maior tormento no mundo que o esperar”([5]).

Eis por que ao aflito, que bate às portas da Justiça, urge despachar bem e rapidamente!

 

II. A muita demora nos julgamentos — mal que de tão sério e pernicioso parece incurável! — tem causa bem conhecida daqueles que um dia puderam penetrar a complexa administração judiciária: a quantidade inaudita dos processos que assoberbam a maioria dos foros, em contraste implacável com o número (sempre inferior) dos juízes que neles terão de oficiar. Deveras, sem embargo de seus ingentes esforços e irrestrita dedicação à Justiça — predicados que, pelo comum, os distinguem —, nada podem os magistrados contra a insana pletora dos serviços inerentes a seu cargo([6]).

Assim, visto que o Estado não acrescenta o número ideal dos juízes, e a flux recrudesce o dos processos em trâmite perante as seções judiciárias — metida em conta, ao demais, a ampla liberdade de acesso das partes à via recursal —, não há senão adotar medida de cunho emergencial que contribua para o melhor aproveitamento do tempo (sempre exíguo) dos juízes.

O alvitre da Magistratura do Rio Grande do Sul, que se ponha cobro à extensão das peças forenses como forma de emendar as inveteradas anomalias que obstam à realização da justiça, é portanto muito de louvar (e receber), ainda que pareça, ao primeiro súbito de vista, fazer rosto ao direito de liberdade de expressão.

Àqueles que, falando ou escrevendo, cultivam o estilo difuso ou prolixo, certamente lhes custará sujeitar ao rigor da nova craveira suas petições, argumentos e razões em processos judiciais. É lembrar-lhes, todavia, a milenar exortação horaciana: Sê breve, e agradarás! ([7]).

Mais que agradar (ou, antes, satisfazer à “elegantia juris”), é do ofício do advogado persuadir e “argumentar para convencer”([8]). Para alcançá-lo, pouco lhe bastará. Já o ensinava, com efeito, didaticamente, o velho Código de Processo Civil de 1939, no art. 158: na petição escrita, “determinados os termos de seu objeto”, serão indicados “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, expostos com precisão e clareza (...)” (inc. III). Posto se referisse à petição inicial, aquela cláusula salutar entende também com as mais peças forenses, pois que todas constam de objeto, narração de fato e fundamento de direito.

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Comuns a todo o gênero literário, os requisitos da “precisão e clareza” convêm especialmente ao estilo do foro.

À luz da experiência comum, a exposição clara (como água de regato) e precisa (como as verdades matemáticas) influem consideravelmente na boa inteligência dos argumentos e razões; e, sobre isso, é poderosa para conciliar (e até mesmo render) o ânimo do juiz da causa e meter em desespero e confusão o adversário.

 

III. É quando entra a discutir a questão posta em juízo, que o advogado — para imprimir cunho enérgico às suas razões e argumentos — costuma dilatar as raias do escrito; embora lhe bastara alegar com a doutrina e a lição de um ou dois autores de nomeada, não hesita em trazer ao terreiro da controvérsia para cima de meia dezena deles; e, o que é mais, transcreve-lhes, prodigamente, páginas inteiras dos lugares de suas obras... Não há mal em citar bons autores e sábios jurisconsultos([9]); apenas o exagero é que parece bem evitar.

Passa o mesmo em matéria de jurisprudência dos Tribunais: duas ementas, que fizessem ao caso, eram as que bastavam para fechar a abóbada ao arrazoado forense, dispensada coleta copiosa. Para mais, não haverá esquecer a sentenciúncula: “Jura novit curia”, que, em nosso vulgar, significa: O Tribunal conhece o direito.

A objeção de que seria violar o postulado de ampla defesa (art. 5º, nº LV, da Const. Fed.) isso de coartar o tamanho das petições forenses, não tem, “data venia”, fundamento sólido que o sustente. A razão é que, se não conseguir o advogado (ou outro profissional de sua condição) expender, em dez laudas, argumentos cabais em prol da causa que defende, em vão tentará fazê-lo em cinquenta. (E se o podia em dez folhas, não lhe havia de mister ir além, que tal fora não só inútil, mas também supérfluo).

Esse ponto, de muito alcance, deve-se entender em termos hábeis: ao juiz, sujeito sempre à inexorável tirania do tempo, falece indubitavelmente vagar para a leitura ponderada e de sobremão de petições derramadas e sesquipedais([10]).

Tal diretriz haverá de respeitar somente à extensão das peças jurídicas, não a seu conteúdo estrito ou padrão da linguagem. Pelo conseguinte, escusa tratar aqui do quilate da expressão verbal que se deve empregar na esfera judiciária; nada obstante, cai a lanço recordar o pregão do insigne magistrado Hildebrando Campestrini: “Não há bom Direito em linguagem ruim”([11]).

À derradeira, como quer que, de regra, petições e arrazoados desfecham em requerer e pedir, não resisto à força que me faz o desejo de transcrever aqui este pedacinho de ouro do clássico Manuel Bernardes: “Memorais longos e compostos até a Deus desagradam”!([12])

 

Notas

  1. Cf. https://www.tjsp.jus.br

  2. “Procustes, salteador da África; obrigava os viajantes a deitar-se num leito de ferro e cortava-lhes os pés quando excediam o tamanho deste, ou esticava-os com cordas quando o não atingiam. Foi morto por Teseu, que lhe aplicou o mesmo suplício” (Lello Universal; v. Procustes).

  3. Cf. https://www.tjsp.jus.br

  4. Com efeito, vai já por um século, Rui estigmatizava com ferro em brasa essa pertinaz mazela: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).

  5. Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210; Lello & Irmão — Editores; Porto.

  6. O fato não é raro: horas mortas da noite e ainda está acesa a luz da bliblioteca do obscuro magistrado! Solitário (e como abstraído), compulsa autos, em que ásperas questões jurídicas lhe fatigam o cérebro; nada porém o demove da busca diligente da verdade real — alma e escopo de todo o processo —, que lhe dará a conhecer o direito que, no caso concreto, terá de preponderar na balança incorruptível da Justiça. Isto praticam, de ordinário, os juízes! Não será muito, destarte, se lhes consigne um voto sincero de gratidão e simpatia; porque souberam honrar a toga e dignificar, em sumo grau, o Poder Judiciário, todo o louvor lhes será acanhado!

  7. “Quicquid praecipies, esto brevis” (Horácio, Arte Poética, v. 355).

  8. Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense, 1980, p. 18.

  9. “Desconfio muito de quem se não abordoa a autoridades” (José de Sá Nunes, Aprendei a Língua Nacional, 1938, vol. II, p. 221).

  10. Apropriado ao nosso intento é o episódio que, faz bem de anos, o desembargador Brenno Caramuru Teixeira (de saudosa memória: 1910-1981) narrava a um pugilo de advogados que se compraziam em escutá-lo acerca de coisas do foro. Com a vênia do gentil leitor, reproduzo-o aqui.

    Foi o caso que, no exercício de sua judicatura na comarca de Faxina (que pelo nome não perca), depois chamada Itapeva, acertou de comparecer, de uma feita, a seu gabinete, à primeira hora do expediente, garboso advogado da região. Após saudá-lo cortesmente, estendeu-lhe uma petição de avultado aspecto. O magistrado, tanto que lhe pôs os olhos, percebeu se tratava de inicial de reintegração de posse com pedido de concessão de liminar. Havia um obstáculo notável, porém: orçava a dita petição por sessenta laudas! O “Dr. Caramuru” — que era esse o tratamento que davam os jurisdicionados ao juiz-titular da vara —, primeiro cerrou o sobrecenho; a breve trecho, contudo, num impulso de consciência reta e magnífico senso judicante, acenou ao nobre causídico para que se assentasse na cadeira junto à sua mesa e discreteou: Doutor, não posso despachar sua petição, que é larga, sem que a examine detidamente, mas o meu tempo é curto, “sou empurrado pelo ponteiro do relógio”! Dou-lhe um conselho: torne ao escritório, refaça-a em quatro laudas, indicando o objeto do litígio e os fundamentos jurídicos do pedido, que ainda hoje — prometo-lhe — direi da justiça de seu cliente.

    Não tendo que opor à sensata e oportuna exortação, o advogado — a túrgida petição entre mãos — enfiou diretamente para sua banca e pôs-se a amputar-lhe as demasias...

    Era já pelo cair da tarde quando retornou ao fórum, onde o esperava, tranquilo, o benevolente Caramuru, que lhe recebeu a petição, leu-a enquanto o diabo esfrega um olho e nela exarou pronta e curial decisão.

    O guapo e diligente advogado, esse não sopitava largo sorriso de satisfação ao descer as escadarias do Palácio da Justiça, pois fora despachado de boa sombra!

  11. Como Redigir Ementas, 1994, p. 40; Editora Saraiva.

  12. Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 420.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Arrazoados Forenses. Extensão e Conteúdo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6929, 21 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98736. Acesso em: 21 nov. 2024.

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