Resumo: O presente artigo científico, fruto de uma atividade da disciplina de Recuperações e Falências, tem como foco central analisar o processo de falência e as formas de defesa do devedor, visando compreender o funcionamento da defesa através do depósito elisivo, ou seja, do depósito da importância reclamada. Utiliza-se para este estudo, o conhecimento proveniente a partir da aplicação da nova lei de Falência e Recuperação Judicial de Empresas (Lei Federal 11.101/2005). O objetivo dessa pesquisa é conceituar a falência, entender os meios de defesa que o devedor pode utilizar para se ver livre do processo falimentar e compreender o depósito elisivo. A metodologia usada foi a revisão bibliográfica da literatura que aborda os temas em questão. E por fim, entende-se que o depósito elisivo desmancha o estado de insolvência do devedor e torna sem justificativa o pedido de falência com a pretensão da liquidação do patrimônio da empresa.
Palavras-chave: Falência, defesa do devedor, depósito elisivo.
INTRODUÇÃO
É notório que para o empresário ou sociedade empresária a decretação da falência é o mesmo que a morte da empresa, traçando um paralelo com o fim da existência de um ser vivo, assim como existem vários meios para se evitar a morte, também existem estratégias jurídicas que podem ser utilizadas para evitar a falência.
Diversos doutrinadores conceituaram falência, alguns afirmam que a falência é o processo judicial de execução concursal do patrimônio do devedor empresário; há quem diga que é a situação ruinosa do patrimônio do devedor, em condições de não solver suas obrigações; ou até mesmo classificam a falência como a liquidação patrimonial forçada em relação aos devedores empresários que não têm condições de suportar o momento financeiro ruidoso pelo qual estão passando.
Para que a falência seja de fato decretada, é necessário a existência de alguns pressupostos, são eles: a presença de um devedor empresário; a insolvência presumida ou confessada do devedor; e, por fim, a sentença declaratória de falência.
De acordo com a Lei nº 11.101/2005 Lei de Falência e Recuperação Judicial de Empresas , o processo de falência é separado em três etapas. A primeira etapa pode ser chamada de Declaratória, Instrutória ou Pré-falimentar; a segunda etapa é conhecida como Realização do Ativo, Sindicância ou Falimentar; e por fim tem-se a terceira fase que é entendida como Encerramento, Liquidação ou Pós-falimentar.
Tendo em vista este cenário, cabe frisar que existem meios pelos quais o empresário que está sofrendo com o pedido de falência pode usar para se defender e impedir que o processo falimentar avance. Entre essas alternativas de defesa, segundo o art. 94. da já mencionada lei 11.101/25, estão: provar a falsidade de título; a prescrição; nulidade de obrigação ou de título; pagamento da dívida; qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título; vício em protesto ou em seu instrumento; apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51. desta Lei; cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
Outro tópico importante a ser abordado ao longo desse estudo, é a utilização do depósito elisivo como meio de defesa contra a falência. Pode-se, portanto, conceituar o depósito elisivo - ou Depósito impeditivo de falência como um instituto jurídico pelo qual o devedor tem a possibilidade de no prazo determinado da defesa, oferecer a quantia do título e, sendo assim o réu poderá contestar a legitimidade da ação ou até mesmo discutir sobre o valor reclamado sem que haja a chance de ter a decretação da falência. Alguns autores entendem que ao fazer o depósito elisivo o empresário já demonstra que não está falido.
Pretende-se através dessa pesquisa, como objetivo geral conceituar a falência, entender os meios de defesa que o devedor pode utilizar para se ver livre do processo falimentar e compreender o depósito elisivo. Os objetivos específicos são a explanação das fases da falência e como elas decorrem; perceber as várias naturezas que são atribuídas ao instituto da falência por doutrinadores diversos e diferenciar as respostas que o devedor pode usar a partir do depósito elisivo, além de investigar a sua natureza jurídica.
1. DEFINIÇÃO DE FALÊNCIA
Entende-se que é durante a falência que ocorre a insolvência empresarial e a solução da empresa, por conta da situação de calamidade de ordem econômico-financeira. No entanto, a falência também se configura como instrumento primordial com a função de proteger o crédito e os interesses das atividades empresariais.
Para Fábio Ulhoa Coelho2, a Falência pode ser definida como o processo judicial de execução concursal do patrimônio do devedor empresário, que, normalmente, é uma pessoa jurídica revestida da forma de sociedade por quotas de responsabilidade ou anônima.
De acordo com o doutrinador Gladson Mamede3: falência é o procedimento pelo qual se declara a insolvência empresarial (insolvência do empresário ou sociedade empresária) e se dá solução à mesma, liquidando o patrimônio do ativo e saldando, nos limites da força deste, o patrimônio passivo do falido. Portanto, mais do que compreender a falência como um estado da existência das pessoas (empresário ou sociedade empresária), deve-se compreendê-la igualmente como um processo judiciário que é, o que o legislador deixou claro logo na abertura do tratamento legislativo do instituto, prevendo que o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual. É durante a falência que ocorre a insolvência empresarial e a solução da empresa, por conta da situação de calamidade de ordem econômico-financeira.
Conforme Rubens Requião4, a situação ruinosa do patrimônio do devedor, em condições de não solver suas obrigações, caracteriza a insolvência. A insolvência importante é compreender constitui um fato. Pertence ao domínio dos fatos econômicos no âmbito da empresa. O Direito Falimentar dele não conhece, a não ser quando, transportando-se do campo fático, ingressa no terreno jurídico. Surge, então, através do conhecimento do magistrado, de sua sentença declaratória, a falência, como um estado de direito. Esse estado de direito, ordenado e sistematizado pela lei, é o que entendemos, no conhecimento jurídico, por falência.
A partir do pensamento de Waldemar Ferreira5 entende-se que a falência é uma forma de execução coletiva promovida contra o devedor comerciante (sujeito passivo) responsável por obrigação mercantil (base do processo inicial).
Apresenta-se ainda a exposição do doutrinador Marlon Tomazzete6 que afirma que a falência é a liquidação patrimonial forçada em relação aos devedores empresários que não têm condições de superar a crise econômico financeira pela qual estão passando.
Ainda de acordo com Tomazzete:
Diz-se que a falência é uma execução porque ela não tem por objetivo a superação de qualquer crise do devedor, mas o pagamento dos credores. O processo de execução é o instrumento processual posto à disposição do credor para exigir o adimplemento forçado da obrigação através da retirada de bens do patrimônio do devedor ou responsável. Em outras palavras, a execução não visa à solução de um conflito de interesses, mas à satisfação dos interesses dos credores. A falência caminha nesse sentido da busca da satisfação dos interesses dos credores.
Em relação à falência, os doutrinadores não são unânimes quanto a sua natureza jurídica. Parte afirma que a falência é um instrumento jurídico pertinente ao direito substancial, que possui relação sinônima com o direito material, dessa forma, pontua-se que se trata de um ato que possui resultados jurídicos, desencadeando assim a concepção de que o processo de falência é apenas um acessório do conjunto de normas que agregam direitos aos cidadãos.
Conforme expresso por Frederico Simionato a falência é o instituto jurídico de direito material que confere ao devedor um novo status jurídico, ou seja, o de falido.7
De acordo com alguns autores, como por exemplo Carlo DAvack8, a falência também pode ser vista pelo prisma da teoria administrativa, pois esta seria de interesse público por objetivar retirar o empresário inadimplente do círculo de negócios, visando a preservação do universo econômico.
Outros autores veem o instituto da Falência como um procedimento que possui propriedades do processo executivo, dessa forma, para esses autores existe a natureza processual, visto que a falência é uma execução coletiva contra o empresário que não consegue suprir as demandas com seus credores/funcionários e se torna inadimplente. O autor Ugo Rocco compreende a falência como um processo especial de jurisdição mista, complexo e único.9
Por possuir regras de diversas vertentes do direito, alguns doutrinadores enxergam a natureza da falência como sendo sui generis e, por isso, não existiria a sobreposição de normas processuais sobre as objetivas ou administrativas e, sim, uma mistura entre as normas formais e materiais. É o caso de Amador Paes de Almeida que encara a falência como um instituto sui generis.10
Por fim, a falência seria um instrumento de direito substancial conforme a doutrina majoritária.
2. COMO FUNCIONA O PROCESSO FALIMENTAR
Faz-se necessário a existência de alguns elementos para que a falência venha a ser decretada, são os pressupostos do processo falimentar. Tais como: (1) Devedor Empresário; (2) Insolvência presumida ou confessada do devedor; (3) Sentença declaratória de falência.
Conforme o artigo 966 do Código Civil de 200211, empresário é aquele indivíduo que exerce uma atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviço. E o processo falimentar se dirige às pessoas que exercem a atividade empresarial.
A insolvência acontece a partir do momento em que o devedor se encontra à mercê de execução concursal de seu patrimônio. A falência só ocorrerá se ficar provada a insolvência do devedor, no entanto a mesma só se caracteriza quando determinados fatores, expressos na Lei de Falências, estiverem presentes.
Artigo 94, Lei 11.101/2005:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.12
A insolvência presumida ou confessada do devedor é uma manifestação típica, direta, ostensiva e qualificada da impossibilidade de pagar e, consequentemente, de que o comerciante está em "estado de falência". Além do não pagamento, é preciso que também o comerciante não tenha uma "relevante razão de direito" para deixar de pagar.13
Mais um pressuposto para a decretação da falência é a Sentença declaratória de falência que é um ato do judiciário. Essa sentença se diferencia das outras, pois não é o ato final, de última instância, mas sim o pontapé para o processo de execução coletiva em que há o chamamento dos credores para se habilitarem.
O processo de falência é divido em três fases, de acordo com a Lei nº 11.101/2005. A primeira fase pode ser chamada de Declaratória, Instrutória ou Pré-falimentar; a segunda fase é conhecida como Realização do Ativo, Sindicância ou Falimentar; e por fim tem-se a terceira fase que é entendida como Encerramento, Liquidação ou Pós-falimentar.
Conforme expõe Marlon Tomazette:
Na chamada fase pré-falimentar são verificados os pressupostos para a instauração da falência, vale dizer, nessa fase irá se verificar se a falência é aplicável ou não à situação em análise. Tal fase se inicia com o pedido de falência ou eventualmente com o pedido de recuperação judicial e se encerra com a sentença. Caso haja a denegação da falência, obviamente não há a sequência das próximas fases, porquanto sequer é cabível a falência no caso em análise. De outro lado, decretada a falência, passa-se à próxima fase.14
Dessa forma, entende-se que a fase pré-falimentar é aquela em que ainda não houve a declaração da falência, consequentemente, nesse momento o devedor terá a possibilidade para se defender e provar que não se encontra falido, se este for o caso. Essa primeira fase tem por ponto de largada a petição inicial que possuirá o requerimento de falência, seguindo o exposto no artigo 94, incisos I e III já citado anteriormente em seguida, haverá a contestação de execução, que deve observar o não cabimento da reconvenção.
Cabe frisar que um ponto muito importante para esta primeira fase do processo falimentar se encontra na oportunidade que o devedor terá de se defender através da efetuação do depósito elisivo, o que poderá impedir a decretação da falência.
Ocorre uma instrução e, em seguida, lavrada sentença, sendo declaratória de falência tem-se o início da fase dois e, se denegatória, encerra o procedimento. É na seguinte circunstância que o juiz analisa os pressupostos para a falência e a possibilidade de apresentação de denúncia ou instauração de inquérito policial.
Sendo assim, após a decretação da falência, a fase falimentar terá início. Tomazette informa que o processo atuará como um processo de execução. Nesta fase do processo, teremos providências tendentes à apuração do passivo, apuração do ativo, realização do ativo, pagamento dos credores e medidas complementares.15 Esta fase é vista por muitos doutrinadores como a mais importante, porque é nela que ocorre toda a investigação sobre a saúde patrimonial do empresário devedor. Sabe-se ainda que se não forem encontrados bens, não será possível o pagamento de todos os credores.
Ocorre a identificação dos credores sujeitos do processo nessa segunda fase através da verificação dos créditos. Identifica-se de acordo com esse procedimento a natureza, o valor dos créditos submetidos à falência, resguardando a igualdade entre esses credores. Neste particular, surge a eventual declaração de ineficácia de atos do falido para afastar a eventual desigualdade que foi indevidamente criada entre os credores.16
Ainda de acordo com Marlon Tomazette:
[...] na fase falimentar serão tomadas as medidas necessárias para a apuração do patrimônio do devedor sujeito ao processo. Neste particular, se inserem as medidas de desapossamento que permitirão a formação da massa falida. Incidentalmente, podem surgir questões relacionadas à ineficácia dos atos praticados pelo falido, bem como pretensões para retirar bens da massa falida (pedido de restituição) ou até impedir que os bens ingressem na massa falida (embargos de terceiro).
A simples apuração do ativo não é suficiente para a satisfação dos credores e, por isso, ela é um antecedente à realização do ativo, isto é, a transformação da massa falida em dinheiro para o pagamento dos credores. Ressalte-se, porém, que não há mais a necessidade de se aguardar o fim da apuração do ativo, para iniciar a sua realização. De qualquer modo, à medida que se realiza o ativo, surgem os recursos necessários para o pagamento do passivo de acordo com a ordem legal de preferência estabelecida para tanto.
Concluindo a segunda fase, após todas as medidas realizadas para quitação das dívidas com os credores, o juiz conseguirá ter o discernimento necessário para finalizar o processo.
A liquidação, também chamada de fase pós falimentar, é a última fase do processo de falência. É nesta etapa que ocorre a realização do ativo, ou seja, ocorre o pagamento aos credores na ordem de preferência dos créditos, através dos bens que foram arrecadados e vendidos. Também ocorre o encerramento, a extinção das obrigações, pelos fatos previstos no artigo 158 da Lei 11.101/2005, a reabilitação civil e penal do falido. Essa conclusão abrange alguns outros efeitos causados pela falência, em especial a inabilitação do devedor para o exercício da atividade empresarial.
Nesta terceira e última etapa da falência, tem-se o esgotamento da finalidade dos autos paralelos das declarações de crédito e do inquérito judicial, que auxiliaram os autos principais na verificação do ativo e do passivo, bem como da conduta do falido, além de pôr fim ao processo de falência.17
Concluída a falência, ocorre a devolução dos livros do falido, no caso dele não estar respondendo processo por crime falimentar e também é devolvido o que sobrou do ativo. Finalizando, cabe expor que essas três etapas falimentares não estarão sempre presentes nos processos, já que os mesmos podem ser interrompidos e/ou encerrados a qualquer instante.