Resumo: Este artigo analisa a regra de recebimento de benefícios acumulados, especialmente quando um destes benefícios é pensão por morte, que enseja a redução dos valores conforme regras trazidas pelo artigo 24 da Emenda Constitucional nº 103/19.
Palavras-chave: Benefícios previdenciários Pensão por morte Benefícios acumulados Emenda nº 103/19
Sumário: Introdução. 1. O caput. 1.1. Restringe-se à acumulação de benefícios. 1.2. Não se aplica aos filhos. 1.3. No caso da pensão, é preciso conhecer o valor da cota-parte pós-rateio. 1.4. A aplicação dos redutores não interfere no cálculo original dos benefícios. 1.5. Os parágrafos 1ºe 2º foram feitos um para o outro. 1.6. Não se aplicam redutores em caso de acumulação de pensões do mesmo regime de previdência. 1.7. Duas pensões e uma aposentadoria. 1.8. Três pode ser menor que dois. 1.9. Não se aplicam redutores na acumulação de aposentadorias. 1.10. Os redutores são aplicados de forma individualizada sobre cada benefício. 1.11. Seis benefícios. 1.12. Aferição mensal dos valores pagos. 1.13. A qualquer momento o interessado pode pedir alteração na aplicação dos redutores. 1.14. Não há ressalvas? 1.15 O salário mínimo é a base de cálculo. 1.16. Direito adquirido. 1.17. Desnecessário replicar o artigo 24 na reforma local. 2. Passo a passo. 3. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Em 13.11.2019 foi publicada a Emenda Constitucional nº 103/19, pretendendo implantar o que se denominou de Nova Previdência. Tal dispositivo introduziu alterações radicais nos sistemas públicos de previdência social, seja em seu regime geral, nos regimes próprios, e até mesmo nos benefícios concedidos aos militares. As mudanças focaram diretamente no acesso aos benefícios, e nos cálculos destes, procurando direcionar um ajuste fiscal no Estado brasileiro.
Sem sombra de dúvidas, o artigo 24 da Emenda Constitucional nº 103/19 instituiu uma das mais interessantes novidades trazidas pela reforma da previdência. O dispositivo apresenta uma nova sistemática de acumulação de benefícios para fins de aplicação de redutores. Dada a peculiar forma de cálculo, inúmeros são os questionamentos que orbitam em torno do seu comando e de suas características. Por esta razão, necessário se faz o esclarecimento de alguns pontos fundamentais. Assim sendo, de forma simples e direta, eis o artigo 24 como você nunca viu.
1. O CAPUT
Para início de conversa, o caput do artigo 24, a bem da verdade, não traz nenhuma novidade além do que já conhecíamos a respeito de acumulação de pensões. Portanto, já era cediço que, no RPPS, só pode haver uma pensão por morte deixada pelo instituidor (servidor falecido), salvo se ele, licitamente, acumulasse dois cargos públicos, razão pela qual, por ocasião de seu óbito, seria possível a acumulação das duas pensões. Também já era de conhecimento público que, na forma do que estabelece o artigo 225 da Lei nº 8.112/90, em caso de acumulação de pensões entre cônjuges, elas deveriam se originar de um único, de um mesmo instituidor, sendo vedada a acumulação de pensões originadas de instituidores distintos, isto é, de cônjuges distintos. Assim, no âmbito do RPPS, uma mulher que enviuvar duas vezes não poderá acumular as duas pensões geradas pelos dois falecidos esposos, uma vez que a acumulação de pensões deve se originar de um único instituidor. No caso, ela deverá, portanto, optar apenas por uma das pensões. Assim, o caput do artigo 24 da EC nº 103/19, com uma redação apenas razoável, compila, unifica alguns comandos que já se encontravam previstos na norma.
Não é diferente do que já se previa, igualmente, no Regime Geral de Previdência Social. A Lei nº 8.213/91 prevê:
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
VI mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Logo, tem-se o mesmo entendimento aplicado aos regimes geral e próprios de previdência social, impedindo que a dupla viuvez traga duplo recebimento de pensão por morte no mesmo regime.
Vê-se, entretanto, que sendo os cônjuges falecidos de regimes distintos, não há impeditivo de recebimento dos dois benefícios. Ou seja, se uma viuvez gerar pensão paga por RGPS, e outra viuvez gerar pagamento de pensão por RPPS, não há vedação em tal acumulação.
1.1. Restringe-se à acumulação de benefícios
Em seguida, não custa lembrar que o artigo 24 trata apenas de acumulação de benefícios e não de acumulação de cargos ou mesmo de acumulação de benefícios com cargos. O objetivo do dispositivo legal é o de coibir a acumulação integral de proventos e não o de remunerações entre si ou de proventos com remunerações. Quem recebe proventos é o aposentado ou o pensionista, quem recebe remuneração é o servidor em atividade. Portanto, enquanto o servidor estiver em atividade, não podemos considerar a aplicação deste artigo.
Igualmente, no regime geral não há impedimento no recebimento de benefício e remuneração do trabalho exceto se estiver recebendo benefício por incapacidade.
1.2. Não se aplica aos filhos nem aos pais
Na pensão por morte, os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24 (que será estudado mais à frente) não se aplicam à cota-parte pós-rateio destinada aos filhos, bem como não se aplica ao recebimento de pensão pelos pais do falecido. Os redutores atingem somente os cônjuges ou companheiros quando estes acumulam benefícios. Portanto, os filhos ou pais, quando dependentes, não sofrem aplicação de redutores, mesmo que estejam a acumular benefícios, como no caso de pensões pagas por regimes distintos.
1.3. No caso da pensão, é preciso conhecer o valor da cota-parte pós-rateio
No caso de acumulação de benefícios em que a pensão por morte for o benefício de menor valor, os redutores recairão somente sobre a cota-parte pós rateio do cônjuge ou companheiro e não sobre o valor total da pensão. Portanto, é necessário primeiro calcular e ratear a pensão entre todos os dependentes. Assim, somente a cota-parte do cônjuge, apurada após o rateio, pode ser considerada para fins de aferição do benefício mais vantajoso (de maior valor) e posterior aplicação de redutores.
Importa lembrar que ao tratar de benefício mais vantajoso, o legislador está se referindo ao valor final do benefício, desconsiderando a aposentadoria originária. Como é de conhecimento geral, o artigo 23 da EC nº 103/19 prevê que a pensão será apurada a partir da aposentadoria recebida pela pessoa falecida ou, no caso de não ser aposentada, uma aposentadoria por incapacidade permanente apurada na data do óbito. Esta aposentadoria não pode ser utilizada para se comparar a outro benefício recebido, a fim de se estabelecer o mais vantajoso: deve-se, primeiro, apurar o valor da pensão; posteriormente, a cota-parte devida ao dependente para, só então, se comparar com outros benefícios recebidos e se estabelecer qual é o mais vantajoso.
1.4. A aplicação dos redutores não interfere no cálculo original dos benefícios
O comando do artigo 24 em hipótese alguma interfere no cálculo original dos benefícios que estão sendo acumulados. A aplicação dos redutores ocorre em momento posterior ao cálculo dos benefícios, em nada interferindo no processo de concessão, sobretudo, na fase de confecção do cálculo. Aposentadorias podem ser calculadas com direito a integralidade ou média. Pensões civis são calculadas por meio de aplicação de cotas sobre bases de cálculo que dependem do fato do servidor haver falecido já aposentado ou ainda em atividade. E pensões militares são concedidas com integralidade. Todas estas formas de cálculo precedem e não são afetadas pela aplicação de redutores em caso de acumulação de benefícios.
1.5. Os parágrafos 1ºe 2º foram feitos um para o outro
O parágrafo primeiro do artigo 24 elenca apenas as formas de acumulação de benefícios que serão objeto de aplicação dos redutores previstos no parágrafo seguinte. Significa dizer que existem outras formas de acumulação de benefícios sobre as quais não se aplicam redutores, uma vez que não se encontram previstas no mencionado neste parágrafo.
1.6. Não se aplicam redutores em caso de acumulação de pensões do mesmo regime de previdência
Na esteira do que foi esposado no item anterior, não se aplicam os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24, quando se tratar de acumulação de duas pensões concedidas dentro de um mesmo RPPS. Assim, se o servidor que faleceu ocupava licitamente dois cargos efetivos dentro do mesmo ente federativo (dois cargos no Estado ou dois cargos no município), não será caso de aplicação de redutores, pois as duas pensões serão concedidas dentro do mesmo RPPS. Os redutores só serão aplicados em se tratando de pensões concedidas por regimes de previdência distintos, a exemplo de uma pensão no RPPS e outro no RGPS, ou uma no RPPS federal e outra no RPPS municipal. Portanto, duas pensões concedidas pelo mesmo RPPS serão ambas pagas integralmente.
1.7. Duas pensões e uma aposentadoria
Entretanto, acerca do explanado no item 1.6, caso estas duas pensões pagas pelo mesmo RPPS passem a ser acumuladas com uma aposentadoria cujo direito adquirido tenha ocorrido após o dia 13.11.2019, concedida por qualquer regime de previdência (seja o RGPS, seja o RPPS do mesmo ou de outro ente federativo, seja o SPSM), os redutores passarão a ser aplicados da forma estabelecida no parágrafo segundo do artigo 24, isto é, dentre os três benefícios, eleger-se-á o mais vantajoso para ser percebido integralmente e, sobre os outros dois, aplicar-se-ão os redutores.
1.8. Três pode ser menor que dois
Ainda acerca do explanado no item 1.7, deve-se compreender que a nova sistemática de acumulação de benefícios pode, matematicamente, acarretar a esdrúxula situação de três benefícios acumulados proporcionarem um valor inferior ao somatório de apenas dois, a exemplo da mulher aposentada em dois cargos públicos, que passa a ter direito à uma pensão por morte após a EC 103/19. Os dois benefícios iniciais, por estarem imunes a redutores, são percebidos integralmente. Com o ingresso de um terceiro benefício, no caso, a pensão, apenas um dos três será percebido integralmente enquanto os outros dois sofrerão a aplicação de redutores, o que, ao final, poderá proporcionar três benefícios com um valor global menor do que os dois benefícios originais somados. A concessão do terceiro benefício pós-reforma da previdência, contaminará a harmonia existente entre os dois benefícios iniciais. Por esta razão, a depender do caso concreto, pode ser interessante não pleitear a referida pensão.
Em 01.10.2021 foi assinado um termo de cooperação entre o INSS e a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), permitindo que, ao registrar o nascimento de um filho, o cartório já faça a solicitação do salário-maternidade correspondente; e ao registrar o óbito de um segurado, faça igualmente o requerimento da pensão por morte. Segundo notícia publicada no website da Arpen-Brasil,
Ao efetuar o registro, o Cartório verificará o direito ao benefício diretamente nos sistemas disponibilizados pelo INSS, obtendo a resposta em tempo real. Na sequência, fará a formalização do requerimento de concessão com a devida instrução documental para sua homologação, dando ciência ao cidadão e comunicando ao Instituto que a autorização já está de posse do usuário.
Imagine-se a hipótese citada acima: a servidora aposentada perde seu companheiro; ao registrar o óbito, é informada que o próprio cartório dará entrada no pedido de pensão por morte, e se sente aliviada pois receberá um terceiro benefício, sem imaginar que sua renda total será reduzida, como consequência da aplicação das regras do artigo 24, tema deste trabalho.
Vejamos um exemplo prático. Uma servidora recebe duas aposentadorias, nos valores respectivamente de R$ 7.000,00 e R$ 5.000,00, de dois regimes próprios de previdência, tendo assim uma renda bruta mensal de R$ 12.000,00. Agora, passará a receber também uma pensão por morte, paga pelo RGPS, no valor de R$ 3.000,00. A aposentadoria de maior valor (R$ 7.000,00) continuará a ser paga integralmente; a aposentadoria de R$ 5.000,00 será reduzida para R$ 2.681,60 (ver forma de cálculo no item 2.6 deste artigo), e a pensão por morte será reduzida para R$ 2.169,60; assim, sua renda bruta, que era de R$ 12.000,00, passará a ser de R$ 11.851,20 (R$ 7.000,00 + R$ 2.681,60 + R$ 2.169,60).
1.9. Não se aplicam redutores na acumulação de aposentadorias
Como já ressaltado, não se aplicam os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24, quando se tratar unicamente de acumulação de aposentadorias. O parágrafo primeiro do artigo não elenca a acumulação de aposentadorias como causa para a aplicação de redutores. Significa dizer que é possível acumular duas aposentadorias no RPPS e até mesmo mais uma no RGPS, sem que se aplique qualquer redutor. Aposentadorias, portanto, mesmo quando acumuladas, podem ser percebidas em seus valores integrais.
1.10. Os redutores são aplicados de forma individualizada sobre cada benefício
É preciso ainda ressaltar que, em caso de acumulação de mais de dois benefícios, a aplicação dos redutores prevista no parágrafo segundo do artigo 24, deve ocorrer de forma isolada, de forma individualizada sobre cada um dos benefícios de menor valor. Portanto, os benefícios de menor valor não são somados para posterior aplicação de redutores. Eles são reduzidos isoladamente um do outro.
1.11. Seis benefícios
Ao cotejarmos o disposto no artigo 24, parágrafo primeiro, II da EC nº 103/19, com o disposto no artigo 37, XVI da CF/88, verificamos a possibilidade de acumulação de inúmeros benefícios, a exemplo do homem que possui três aposentadorias, sendo duas em RPPS, decorrentes de dois cargos acumuláveis e uma no RGPS; que fica viúvo após a EC 103/19, tendo sua falecida esposa três aposentadorias, sendo duas em RPPS, decorrentes de dois cargos acumuláveis e uma no RGPS. Neste caso, o interessado terá direito de acumular seis benefícios, três aposentadorias e três pensões por morte, sendo que, na forma do que estabelece o §2º do artigo 24 da EC 193/19, apenas um, o mais vantajoso, será pago em seu valor integral, enquanto, sobre todos os demais, de forma individualizada, serão aplicados redutores.
1.12. Aferição mensal dos valores pagos
A cada competência, é necessária muita atenção aos valores pagos nos benefícios em acumulação, incluindo eventuais revisões ou reajustamentos que, obrigatoriamente deverão ser aplicados sobre o valor integral do benefício para posterior recalculo e pagamento a cada beneficiário. Portanto, a aplicação dos redutores demanda criteriosa aferição mensal dos valores efetivamente pagos nos benefícios em acumulação, uma vez que, a qualquer momento, o benefício mais vantajoso poderá deixar de sê-lo em razão da volatilidade dos fatores que impactam diretamente nos valores pagos, ensejando, inclusive, a pedido do interessado, a alteração na aplicação dos redutores sobre os benefícios.
Importante lembrar que não-obrigatoriamente os reajustamentos de valores de benefícios em regimes diferentes se dão na mesma data, e com os mesmos índices. É possível, inclusive, que haja mudança temporária no benefício de valor mais vantajoso quando um benefício é reajustado e outro não, tornando-se o reajustado o de maior valor. Quando o segundo benefício sofrer reajuste, pode ser que volte a ser novamente o melhor, refazendo-se a aplicação da redução objeto de estudo deste artigo.
1.13. A qualquer momento o interessado pode pedir alteração na aplicação dos redutores
Na esteira do que dispôs o item anterior, é dado ao interessado, a qualquer momento, o direito de rever em qual dos benefícios serão aplicados os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24. Assim, se atualmente o cônjuge percebe uma pensão por morte considerada como sendo o benefício mais vantajoso, amanhã poderá deixar de sê-lo caso ocorra a habilitação tardia de novos dependentes, o que acarretaria diminuição de sua cota-parte ao ponto deste benefício deixar de ser o de maior valor. Da mesma forma, uma aposentadoria que hoje é considerada como o melhor benefício, pode deixar de sê-lo, caso o Tribunal de Contas, na apreciação da legalidade para fins de registro, constate que os proventos foram calculados de forma equivocada, determinando a exclusão de vantagens que reduzam o valor a patamares inferiores aos demais benefícios percebidos em acumulação.
1.14. Não há ressalvas?
Pela interpretação dada pela administração pública, através da Portaria MTP nº 1.467, de 20.06.2022, o artigo 24 não ressalva direitos adquiridos, não ressalva o ato jurídico perfeito, não ressalva a homologação do benefício pelo Tribunal de Contas, não ressalva o decurso de prazos decadenciais. Em havendo acumulação pós-reforma, qualquer benefício de menor valor, mesmo que esteja sendo pago há vários anos e mesmo que já tenha sido homologado pelo Tribunal de Contas, deverá sofrer os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24 da EC nº 103/19. Desta forma, todos os benefícios envolvidos, mesmo os mais antigos, deverão ser considerados para a aferição do mais vantajoso e consequente aplicação de redutores. Sem dúvida, esta é uma das mais controvertidas questões envolvendo o artigo 24 da EC nº 103/19:
Portaria MTP nº 1.467/22, art. 165, § 6º As restrições previstas neste artigo: II não serão aplicadas se o direito a todos os benefícios, acumuláveis nos termos da Constituição Federal, houver sido adquirido antes de 13 de novembro de 2019, ainda que venham a ser concedidos após essa data;
Entretanto, não é exatamente isto que diz o texto da Emenda:
Art. 24, § 4º As restrições previstas neste artigo não serão aplicadas se o direito aos benefícios houver sido adquirido antes da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.
Perceba-se que há uma sutil diferença entre o texto da Emenda e o texto da Portaria, que é a expressão direito a todos os benefícios, destaca acima. Enquanto a Portaria diz todos os benefícios, a Emenda apenas diz direito aos benefícios.
Repetir-se-á aqui o exemplo trazido no item 1.8: mulher aposentada em dois cargos públicos, passa a ter direito à uma pensão por morte após a EC nº 103/19. As duas aposentadorias foram concedidas antes da referida Emenda. Pelo texto da Portaria, dos três benefícios, apenas o de maior valor permanecerá incólume, sendo os outros dois reduzidos, independentemente de terem sido concedidos antes ou depois da reforma. Porém, o texto da Emenda parece ser menos trágico.
Uma interpretação possível é de que as restrições não serão aplicadas se o direito aos benefícios, ou seja, às aposentadorias, houver sido adquirido antes da referida reforma. Desta forma, apenas a pensão passaria pela redução de valor, respeitando-se assim o direito adquirido à renda integral das aposentadorias. É evidente, entretanto, que os órgãos previdenciários seguirão o texto da Portaria, e tal discussão fatalmente será travada no judiciário.
1.15. O salário mínimo é a base de cálculo
Uma vez que os redutores são aplicados sobre faixas de salários mínimos, toda vez que o salário mínimo for reajustado, certamente, o valor do benefício deverá ser ajustado. Ora, se anualmente a base de cálculo (faixas de salário mínimo) sobre a qual incidem os redutores é alterada, o valor final do provento sofrerá alteração no valor final a ser pago ao interessado. Vale ressaltar que aqui não se trata de um novo cálculo do benefício em si. O benefício já foi previamente calculado. Trata-se apenas de ajuste na aplicação dos redutores em decorrência da alteração do valor de sua base de cálculo, no caso, o salário mínimo. A aplicação dos redutores representa apenas as condições para a efetiva percepção mensal dos valores a serem pagos.
É importante, aqui, fazer uma distinção entre salário mínimo e piso salarial estadual. A Constituição prevê que o salário mínimo é nacionalmente unificado; logo não existem salários mínimos estaduais; o que as Unidades da Federação podem fazer (e algumas o fazem) é estabelecer pisos salariais para determinadas categorias profissionais, como previsto na Lei Complementar nº 103/00. Logo, quando a Emenda prevê o cálculo dos redutores sobre faixas de salários mínimos, obrigatoriamente se refere ao valor nacionalmente unificado deste.
1.16. Direito adquirido
Os redutores previstos no parágrafo segundo do artigo 24 só não serão aplicados se o direito a todos os benefícios envolvidos na acumulação houver sido adquirido antes da publicação da EC nº 103/19, conforme a interpretação trazida pela Portaria MTP nº 1.467, de 20.06.2022. Desta forma, bastaria que um único benefício tenha seu direito adquirido em data posterior ao da reforma para que os redutores sejam impiedosamente aplicados sobre todos os demais benefícios, excetuando-se o de maior valor. Vale ressaltar que, para fins de aplicação de redutores, o que vale é a data em que o direito ao benefício foi adquirido e não a data em que foi pleiteado ou implantado. No item 1.14 deste trabalho tratamos da possibilidade de se interpretar o texto da Emenda de forma distinta daquele trazido pela Portaria.
1.17. Desnecessário replicar o artigo 24 na reforma local
Outro interessante aspecto que merece realce, diz respeito à reforma da previdência dos Estados e Municípios que replicam a redação do artigo 24 da EC nº 103/19, estabelecendo a vigência dos dispositivos a partir da data de publicação da referida reforma local. Ora, compreendemos ser desnecessária a repetição do texto contido no mencionado artigo 24, uma vez que se trata de norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata a todos os RPPS de todos os entes federativos. Assim, estados e municípios não precisam replicar uma regra que já é de aplicabilidade geral e irrestrita.
Portanto, desde o dia 13.11.2019, qualquer aposentadoria, inativação militar ou pensão por morte civil ou militar, concedida pelo RGPS, pelo RPPS de qualquer ente federativo ou pelo Sistema de Proteção Social dos Militares federais ou estaduais, deverá, necessária e obrigatoriamente, observar o disposto nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 24 da EC nº 103/19. E nem poderia ser diferente, pois as restrições previstas no mencionado artigo 24 destinam-se, ao mesmo tempo, aos diversos regimes de previdência, o que, pela própria natureza da regra, impede que estes adotem datas de vigência distintas daquela adotada na EC nº 103/19.