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A responsabilidade civil do advogado perante seu cliente por ato praticado no exercício da profissão

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Agenda 29/05/2007 às 00:00

O texto analisa a relação mais que jurídica que se forma entre o advogado e o seu cliente, e identifica as hipóteses e as causas em que o advogado, no exercício de sua profissão, pode produzir prejuízos a seu próprio mandante.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estudar a responsabilidade civil do advogado perante seu cliente por atos praticados no exercício da profissão. O tema possui um vasto campo de pesquisa, pois a matéria ainda não foi dissecada pela doutrina e jurisprudência. A teoria da responsabilidade civil diz que todo aquele que causar dano a outrem, de natureza material e moral, fica obrigado a repará-lo. A responsabilidade civil, segundo um dos critérios de classificação, divide-se em subjetiva, decorrente da culpa, e objetiva, pela qual a reparação independe da existência de culpa. A responsabilidade civil pode decorrer de um contrato ou existir independentemente dele. O advogado e o cliente têm uma relação jurídica contratual, já que o profissional é contratado para prestar um serviço. Essa prestação de serviço, diga-se, é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. O advogado, no exercício de sua profissão, exerce um múnus público constitucional. Somente o advogado pode defender judicialmente direitos fundamentais do cidadão, como a liberdade e o patrimônio. Perante seu cliente, tem o dever de atuar com toda sua capacidade técnica, zelo, diligência e ética, para buscar o direito de seu mandante. No entanto, um erro pela má atuação profissional pode produzir danos irreparáveis ao cliente, daí decorrendo a responsabilidade civil, cujos limites e contornos são aqui analisados.

Palavras-chave: advogado – responsabilidade civil objetiva – responsabilidade civil subjetiva – dano – culpa – Código de Defesa do Consumidor.

Sumário: INTRODUÇÃO; 1 A Responsabilidade Civil; 1.1 Evolução histórica da responsabilidade civil; 1.2 A responsabilidade civil no Brasil; 1.3 Classificação da responsabilidade civil; 1.4 A responsabilidade civil do profissional liberal; 1.5 A relação jurídica entre o advogado e seu cliente; 2 A Responsabilidade Civil do Advogado perante seu cliente; 2.1 A responsabilidade civil do advogado e das sociedades de advogados; 2.2 Fatos geradores da responsabilidade civil do advogado e das sociedades de advogados; 2.2.1 Responsabilidade por erro de fato e de direito; 2.2.2 Responsabilidade por conselhos e pareceres; 2.2.3 Responsabilidade pela desobediência às instruções do constituinte; 2.2.4 Responsabilidade pela perda de uma chance; 2.2.5 Responsabilidade pelo extravio dos autos; 2.2.6 Responsabilidade pela quebra do dever de sigilo profissional; 2.3 A invalidade da cláusula contratual de exclusão de responsabilidade civil; 2.4 A pretensão indenizatória do cliente lesado; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente estudo analisa a relação mais que jurídica que se forma entre o advogado e o seu cliente, e identifica as hipóteses e as causas em que o advogado, no exercício de sua profissão, pode produzir prejuízos a seu próprio mandante. Busca, na rara doutrina e jurisprudência sobre o tema, os fundamentos legais e as formas procedimentais para que o cliente lesado acione os mecanismos ressarcitórios.

O advogado é indispensável à prestação jurisdicional, e carrega na sua atividade um munus publico, conforme artigo 133 da Constituição Federal. A atividade da advocacia, uma das mais antigas, muitas vezes enaltecida e celebrada, é, de outra banda, por culpa da atuação danosa dos causídicos inaptos ou desonestos, também vista com desrespeito e desconfiança.

A relação do cliente com seu advogado é contratual, de prestação de serviços com obrigações de meio. O advogado não está obrigado a sair vitorioso da demanda, não será o advogado o julgador e, sim, o juiz. Por outro lado, deverá atuar com toda sua capacidade técnica, diligência e ética na busca da pretensão de seu constituinte.

Como profissional liberal prestador de serviços, o advogado está adstrito às regras do nosso código consumerista e se, no exercício de seu mandato vier a produzir danos a seu cliente, poderá ser acionado por este, nos fundamentos da responsabilidade civil subjetiva do profissional liberal prevista como exceção à regra geral do Código de Defesa do Consumidor.

Outro grande problema analisado é a definição do quantum indenizatório no caso da perda de uma chance, porque nunca, ou dificilmente, será visualizado, com certeza, o resultado do julgamento se o ato fosse praticado. Neste caso, o cliente é privado de seu direito ou tem sua pretensão prejudicada pela má atuação de seu mandatário.

A matéria que trata da responsabilidade civil do advogado é por demais complexa, porque há casos em que o advogado está vinculado a obrigações de resultado e casos em que a responsabilidade será objetiva, entre outros, o que nos remete a um estudo profundo na tentativa de restringir e analisar as mais diversas possibilidades, que na prática somente serão verificadas no caso concreto.

Para melhor entendimento da matéria em estudo, e com a didática que a labuta exige, o trabalho foi dividido em dois capítulos.

No primeiro capítulo, abordamos a responsabilidade civil, sua evolução histórica no mundo e no Brasil, sua classificação doutrinária e a responsabilidade civil do profissional liberal.

No segundo capítulo, analisamos o trabalho do advogado, a relação existente entre ele e o seu cliente, os diversos serviços prestados, bem como os danos que o constituinte pode causar a seu mandante no exercício da profissão. Além disso, ainda abordamos as formas e os fundamentos legais para que o cliente lesado possa acionar os mecanismos ressarcitórios.


1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A vida moderna pressupõe um complexo de relações que oportunizam interesses de toda ordem. Quando um interesse protegido pelo direito é injustamente lesado, imperioso seu ressarcimento por quem o feriu. Se a natureza do ressarcimento é patrimonial, configura-se a responsabilidade civil, para que não se confunda com a responsabilidade penal. Giza-se que o vocábulo responsabilidade deriva do latim respondere que significa a obrigação de responder por alguma coisa; na área cível, a responsabilidade designa a obrigação de reparar ou ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem.

Surge com a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. É como esclarece Sérgio Cavalieri (2006): "A violação de um dever jurídico, configura um ilícito, que quase sempre acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o dever de repara o dano" (p. 24).

Já na opinião de Savatier (1939), a responsabilidade civil é definida como "a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam" (p. 18).

O fundamento da responsabilidade civil é o neminem laedere (não lesar o próximo) e pode ter origem em ato ilícito (responsabilidade por ato ilícito), na inexecução de contrato (responsabilidade contratual) ou na própria lei (responsabilidade legal). As três espécies têm em comum a indenização pelo dano causado, conforme esclarece Marcus Cláudio Acquaviva (2003, p. 675).

Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou material causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal, conforme prescreve Maria Helena Diniz (2004, p. 57).

Na opinião de Luís Fernando Barbosa Pasquini (2006):

Todo ato danoso repercute de algum modo no direito; uns de forma mais intensa, outros nem tanto; podem restringir-se apenas à seara cível ou até mesmo repercutirem na esfera penal. De qualquer forma, esses atos são sempre imputados a alguém, a um responsável, que, via de regra, terá a obrigação de reparar o prejuízo ocasionado. (p. 6).

Visto diversas definições, resta incontroverso, entre todos doutrinadores que aquele que causar dano a um bem juridicamente protegido deve repará-lo.

1.1. Evolução histórica da responsabilidade civil

O estudo de um determinado instituto jurídico perpassa, obrigatoriamente, pela sua evolução histórica. Nesse sentido, importante sabermos a origem da responsabilidade civil.

No início da civilização humana, o homem vivia em grupos e a força pessoal imperava, fazia a lei, o dano causado era ressarcido por uma ação coletiva baseada na força, na violência, pelo grupo em que o agente causador do dano convivia. Mesmo sem regras claras, pela própria inexistência do Estado, os homens, em seus primórdios, já buscavam a reparação de um dano. Esta posição é de Henri e Léon Mazeaud (1981): "Historicamente, nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação em conjunto do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes" (p. 32).

Posteriormente, a fórmula usada para reparar um dano evoluiu para uma reação individual. No regime da Lei do Talião, valia a vingança privada, os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob o amparo da regra "olho por olho, dente por dente", realizava-se a reparação do mal pelo mal. O Estado estava presente apenas para definir o momento e a forma de retaliação da vítima.

É o que esclarece Maria Helena Diniz (2004):

Para coibir abusos o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. Na Lei das XII Tábuas aparece significativa expressão desse critério na Tábua VII, lei 11ª. Si membrum rupsit, ni cume o pacit, tálio esto (se alguém fere a outrem, que sofra a pena do Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia de culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente de dano (p. 10).

Na opinião de Jadson Dias Correia (1992), "esta prática, na realidade, apresentava resultados extremamente negativos, pois acarretava a produção de um outro dano, uma nova lesão, isto é, o dano suportado pelo seu agressor, após sua punição" (p. 2).

Por ocasião da fundação de Roma, no século XI a.C., na tentativa de afastar os efeitos negativos da vingança privada, um tribuno do povo, chamado Lúcio Aquílio, propôs e obteve aprovação para que o Estado se sub-rogasse no lugar do lesionado, proibindo a vítima de fazer justiça com as próprias mãos. Essa norma passou a ser chamada de Lex Aquilia de damno e cristalizou a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo ao patrimônio do lesante o ônus da reparação, em função do valor da res. Surge, neste momento, uma noção de culpa, com fundamento na responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base numa espécie de tabela que estabelecia o quantum a ser indenizado. O grande problema é que esta norma não fazia distinção entre responsabilidade civil e penal.

Conforme Maria Helena Diniz (2004), "essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre responsabilidade civil e penal" (p. 11).

Apenas na Idade Média, com a definição de culpa stricto sensu e do dolo, com a estruturação dogmática da culpa que se diferenciou a responsabilidade civil da penal.

Mais adiante, o Direito Francês aprimorou as idéias românicas, por fundamental influência do jurista francês Domat (Los Civiles, Livro VIII, Seção II, artigo 1º), conforme esclarece Maria Helena Diniz (2004):

Responsável pelo princípio geral da responsabilidade civil: Toutes lês partes et tous lês dommages qui peuvent arriver par lê fait de quelque personne, soit imprudence, légéreté, ignorance de ce qu’on doit savior, ou autres fautes semblables, si légères qu’elles puissent être, doivent être réparées par celui dont I’imprudence ou autre faute y a donné lieu (p. 17).

Essa máxima de que o agente causador do dano, por ação culposa, deve repará-lo separa a responsabilidade civil, perante a vítima, da responsabilidade penal, perante o Estado, e foi adotada pelo Código Civil francês, em seu artigo 1.382, que prescreve: "Tout fait quelconque deI’homme, qui cause à autrui um dommage, oblige celui par lê faute duquel il est arrivé, à le réparer".

Nesse momento, fica estabelecido que a responsabilidade civil não está vinculada a um crime ou delito, e, sim, na culpa do agente causador do dano originado da imperícia, imprudência ou negligência. O Código de Napoleão estabeleceu claramente a distinção entre a culpa delitual e a contratual, definindo que a responsabilidade civil se sustenta na culpa, o que serve de alicerce para a Teoria da Culpa, ainda muito em voga nos dias atuais. Essa teoria influenciou quase todas as legislações, em especial as do mundo ocidental, propagando-se na aplicação normativa da responsabilidade civil.

Já no século XIX, a Revolução Industrial, com sua profunda transformação social, ampliou as possibilidades e os tipos de danos, produzindo novas teorias com objetivo de proteger eventuais vítimas, haja vista a relação de hipossuficiência entre os consumidores de produtos fabricados em grande escala. Dessa nova realidade social nasce a Teoria do Risco, sustentada na responsabilidade objetiva, sem necessidade de provar a culpa do agente, já que neste caso ocorre uma presunção de culpa pelo risco da atividade exercida pelo fornecedor de serviços ou produtos.

Entretanto, a Teoria da Culpa manteve sua hegemonia, e mesmo que a Teoria do Risco atualmente venha obtendo mais atenção, ainda é a Teoria da Culpa que absorve a maioria das hipóteses de reparação de dano. A Teoria do Risco pressupõe que o exercício de atividade perigosa é fundamento da responsabilidade civil. Isso significa que a execução de atividade que ofereça perigo possui um risco, o qual deve ser assumido pelo agente, ressarcindo os danos causados a terceiros pelo exercício da atividade perigosa. Dessa forma, identificamos que será aplicada em casos específicos da vida moderna e não como regra geral como a Teoria da Culpa.

Hoje, a possibilidade de buscar reparação de um dano está adequada às mais diversas e complexas relações, amplamente prevista nos ordenamentos jurídicos.

1.2. A responsabilidade civil no Brasil

Antecipadamente, há de se fazer uma análise da evolução do Direito Civil no Brasil, pois dele depreende-se toda a evolução da responsabilidade civil em nosso país.

Com a proclamação da independência política do Brasil, em 1822, emergiu a idéia de codificar o direito, entretanto todas tentativas – e foram inúmeras – fracassaram, e o Brasil somente teve seu Código Civil em 1916.

É o que relata Pontes de Miranda (1981):

Se bem independente em 1822, o Brasil regeu-se até 1917, em grande parte, pelas Ordenações Filipinas: o direito lusitano até é a nossa história por bem dizer pré-colombiana. O nosso direito não vem da semente; mas de um galho que se plantou. É de todo interesse seguir-lhe a evolução antes de existir o Brasil-Colônia. Só assim poderemos compreender certos fenômenos que posteriormente se hão de verificar (p. 28).

E conclui que "as tentativas de codificação foram sucessivas e apresentam certo caráter de solidariedade histórica. As anteriores inspiraram as outras. Era um grito não uma tentativa" (PONTES DE MIRANDA, 1981, p. 79).

Maria Helena Diniz (2004) segue na mesma direção:

A idéia de codificar o direito surgiu entre nós com a proclamação da independência política em 1822. Ante o fato de não termos leis próprias, a Assembléia Constituinte baixou a Lei de 20 de outubro de 1823, determinando que continuassem a vigorar, em nosso território, as Ordenações Filipinas, de Portugal, embora alterada pro leis e decretos extravagantes, principalmente na seara cível, até que se elaborasse o nosso Código (p. 48).

Já no período republicano, em 1899, o então presidente Campos Sales nomeou Clóvis Beviláqua para a difícil tarefa de apresentar um projeto de codificação do Direito Civil brasileiro, que após dezesseis anos de debates revogou o Livro IV das Ordenações Filipinas e tornou-se o primeiro Código Civil brasileiro, sendo promulgado em 1º de janeiro de 1916.

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O Código Civil de 1916, inspirado no direito francês, foi considerado uma obra jurídica monumental. É nele que a responsabilidade civil é tema que ganha foro de amplitude em nosso direito. Porém, o Código de 1916 apresentou a matéria de forma desordenada e sem a profundidade necessária exigida pelas demandas sociais, como ensina Sílvio de Salvo Venosa (2004):

O legislador do Código Civil de 1916 não tratou da matéria de forma ordenada, pois nos artigos 159 e 169 traçou fundamentos da responsabilidade contratual e, posteriormente, na Parte Especial, em vários dispositivos, disciplina novamente o assunto (p. 11).

Nota-se que, inicialmente, a responsabilidade civil era subjetiva, haja vista que a prova da culpa deveria ser feita pela vítima. Posteriormente, aceitou-se, em determinadas hipóteses, uma presunção de culpa, com base na idéia original do artigo 1.521 e incisos, combinada com a interpretação que em um primeiro momento poderia ser dada ao artigo 1.523 do Código Civil de 1916, para modernamente falar-se na responsabilidade objetiva.

Salienta-se que de 1916 até a entrada em vigor do atual Código Civil, as relações sociais, inclusive entre o cidadão e o Estado, sofreram uma profunda transformação, exigindo maior ingerência dos juizes, posicionamento dos doutrinadores e trabalho dos legisladores, que produziram e publicaram várias leis, importando na derrogação parcial do diploma de 1916.

O Direito Civil absorveu contingências sociais criadas por leis especiais, dentre elas: a do estatuto da mulher casada, a do divórcio, a dos direitos autorais, a do compromisso de compra e venda, a do condomínio e a do parcelamento de solo, entre outras, que tiveram reflexos importantíssimos na responsabilidade civil no direito brasileiro.

É o que relata Limongi França (1998):

Com escopo de atualizar o Código Civil de 1916, atendendo aos reclames sociais, várias leis, que importaram em derrogação do diploma de 1916, foram publicadas, dentre elas: a do estatuto da mulher casada, a do divórcio, as da união estável, a dos direitos autorais, a dos registros públicos, a do compromisso de compra e venda, a do inquilinato, a do reconhecimento de filhos, a do condomínio, a do parcelamento de solo, a do estatuto da criança e do adolescente etc. (p. 394).

Nesse contexto, a responsabilidade civil toma outras dimensões pela rápida evolução e complexidade das relações na era pós-moderna, impondo novas orientações doutrinárias, acompanhadas pela jurisprudência.

Com o advento da Carta Magna de 1988, a responsabilidade civil ganha status constitucional, ao tutelar determinados direitos, individuais ou coletivos. No artigo 5º, os incisos V e X, respectivamente, verificam o dever de indenizar:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]

Além disso, a Constituição de 1988 consagrou definitivamente a responsabilidade civil objetiva em nosso ordenamento, determinando o dever de indenizar independente da existência de culpa, como podemos identificar no artigo 21, inciso XXIII, alínea "c", que dispõe: "a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa".

Nessa esteira, tratou da própria responsabilidade civil objetiva do Estado, em seu artigo 37, parágrafo 6º:

Art. 37: A administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios, obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[...].

Vários são os exemplos da evolução da responsabilidade civil em nosso ordenamento. A própria orientação dada pela doutrina e seguida pela jurisprudência, no que diz respeito à interpretação dos dispositivos legais do Código de 1916 e de leis esparsas subseqüentes que tratam da responsabilidade civil, leva a crer no caminho da reparabilidade plena e da responsabilidade objetiva como regra.

Mais adiante, em 1990, foi publicado o Código de Defesa do Consumidor, sacramentando como regra a responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo. Esse brilhante diploma consumerista elevou as lides que versam sobre responsabilidade civil como a primeira colocada no ranking dos tribunais.

Passados 85 anos, com a nova Constituição de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e outras leis extravagantes, o Código de 1916 foi revogado, pelo novo e atual Código Civil publicado em 2002. O diploma civil vigente, principalmente no que se refere à responsabilidade civil, é moderno e passa a atender aos anseios da realidade social atual. Prevê de forma clara e abrangente o dever de indenizar, define o ato ilícito e consagra definitivamente as Teorias da Culpa e do Risco em nosso ordenamento, conforme os artigos 186 e 927, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

É como define Maria Helena Diniz (2004):

O Código passa a ter um aspecto mais paritário e socialista, atendendo aos reclamos da nova realidade social, abolindo instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos dotados de certa estabilidade, apresentando desapego às formas jurídicas superadas, tendo um sentido operacional a luz do principio da realizabilidade, traçando, tão-somente normas gerais definidoras de instituições e de suas finalidades, com escopo de garantir sua eficácia, reservando os pormenores a leis especiais, mais expostas as variações dos fatos da existência cotidiana e de suas exigências sociocontemporâneas (p. 52).

O atual Código Civil ampliou substancialmente a aplicação da responsabilidade civil quanto a seu fundamento e área de incidência.

Quanto a seu fundamento, motivo por que alguém deve ser obrigado a reparar um dano, foi estendido, embora a culpa continue sendo a base fundamental da responsabilidade civil, hipótese em que será subjetiva. Como prescreve Antonio Chaves (1998):

Há casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, aplicar-se-á teoria do risco, casos em que passará a ser objetiva, sem necessidade da existência de culpa (p. 52).

Quanto à área de incidência da responsabilidade civil, o atual Código alargou sua abrangência, conforme explica Maria Helena Diniz (2004):

A expansão da responsabilidade civil operou-se também no que diz respeito à sua extensão ou área de incidência, aumentando o número de pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da indenização e de fatos que ensejam a responsabilidade civil (p. 13).

Hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, observamos a responsabilidade civil contemplada em nossa Carta Magna, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e outras leis esparsas, coroando as mais diversas possibilidades de que um dano sofrido possa ser reparado.

1.3. Classificação da responsabilidade civil

O dever de reparar o dano causado pode ter origem em relações obrigacionais preexistentes como pode surgir em virtude de uma lesão a direito subjetivo, sob a ótica de seu fato gerador. Ademais, há casos em que é imprescindível a prova da culpa do agente lesivo, enquanto em outros, basta a configuração do dano e o nexo causal para configurar o dever de indenizar, analisado quanto a seu fundamento. Nesse diapasão, a doutrina entendeu ser necessário classificar e destacar certos aspectos da responsabilidade civil, quais sejam: a responsabilidade civil subjetiva e objetiva; a responsabilidade civil contratual e extracontratual; e a responsabilidade civil nas relações de consumo.

Primeiramente, trazemos a análise da responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A responsabilidade civil subjetiva está fundamentada na Teoria da Culpa. O agente causador do dano somente será chamado a indenizar se provado que agiu com culpa ou dolo pela ação ou omissão que lesou um direito. É o que ensina Silvio Rodrigues (2003):

A responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito (p. 11).

No mesmo sentido, segue Sergio Cavalieri Filho (2003):

A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva (p. 38).

Neste caso, só há responsabilidade civil – e, por conseqüência, o dever de indenizar – se for provado que o agente agiu com culpa ou dolo. Esse tipo de responsabilidade civil é a regra geral do nosso Código Civil, prevista em seu artigo 186, supracitado.

A responsabilidade subjetiva possui três requisitos básicos: a) conduta culposa do agente (imprudência, negligência ou imperícia); b) nexo causal, relação entre a conduta do agente e o dano; e c) dano, o direito violado.

A responsabilidade civil objetiva, também chamada de responsabilidade pelo risco, tem seu alicerce na Teoria do Risco. Nela o dever de indenizar nasce da conduta ilícita, o nexo causal e o dano, a culpa pode ou não existir, mas será fato irrelevante no processo indenizatório. Cavalieri (2003) conceitua com clareza: "Na responsabilidade objetiva teremos uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Só não será necessário o elemento de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar" (p. 143).

Essa modalidade de responsabilidade civil surgiu na França, no final do século XIX, com a concepção da teoria do risco, em face do desenvolvimento industrial e dos problemas para reparar os acidentes de trabalho.

Sergio Cavalieri (2003) define Teoria do Risco:

Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano (p. 145).

O atual Código Civil estabeleceu de forma geral a responsabilidade civil objetiva no parágrafo único do artigo 927, também já citado linhas acima.

Há de se considerar que a responsabilidade objetiva é regra geral em nosso código consumerista, nas relações que versam sobre acidentes de trabalho, bem como a responsabilidade estatal e dos concessionários de serviços públicos, entre outros casos específicos previstos em lei.

A responsabilidade objetiva também apresenta requisitos fundamentais: a) conduta ilícita; b) dano; e c) nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano.

Mister compreender que o juízo de valor sobre a culpa é dispensável, pois este não será relevante no processo indenizatório.

A responsabilidade contratual surge com o ilícito contratual, que é a violação de um dever jurídico criado pelas partes no contrato. Explica Sergio Cavalieri (2003): "Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito negocial comumente chamado de ilícito contratual, por isso que mais freqüentemente os deveres jurídicos têm como fonte os contratos" (p. 37).

A responsabilidade contratual segundo Savatier, citado por Aguiar Dias (2003), é assim definida:

Inexecução previsível e evitável, por uma parte ou seus sucessores, de obrigação nascida de contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores. É a infração de um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de uma relação obrigacional preexistente (p. 43).

Nesse sentido, a responsabilidade contratual se origina em um contrato preexistente, um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência da violação de uma obrigação jurídica criada pelos contratantes. Sua fonte é o contrato, a obrigação, e tem como requisitos a existência de contrato válido, a inexecução do contrato, o nexo causal e o dano.

A responsabilidade extracontratual é também chamada de responsabilidade Aquiliana ou Delitual. Essa espécie de responsabilidade nasce com a violação de um dever jurídico imposto pela lei. É como define Sergio Cavalieri (2003):

Se o dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima, pré-exista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou delitual (p. 37).

Nessa categoria, a responsabilidade está fundamentada no dever jurídico imposto pela lei, e não pelas partes, como na responsabilidade contratual. Ocorre quando há lesão a direito subjetivo, conforme dispõe o artigo 186 do Código Civil, que impõe a todos o dever de não causar dano a outrem, tratando-se de regra ampla e geral para proteger os mais diversos bens jurídicos tutelados pelo nosso ordenamento.

O arcabouço jurídico pátrio ainda prevê a responsabilidade civil nas relações de consumo.

Sabe-se que o Código de Defesa do Consumidor atendeu manifesta vontade do constituinte de 1988, que estabeleceu no artigo 5º, inciso XXXII, que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

O código consumerista trouxe uma forma jurídica multidisciplinar, que é aplicada em todas as relações de consumo, independente de serem contratuais ou extracontratuais, nas relações privadas ou estatais, tutelando direitos materiais ou morais, de forma única e uniforme a todos consumidores na forma objetiva.

Por esse motivo, a responsabilidade civil nas relações de consumo tem lugar à parte na classificação da responsabilidade civil, como explica Sergio Cavalieri (2003):

E como tudo ou quase tudo em nossos dias tem a ver com consumo, é possível dizer que o Código de Defesa do Consumidor trouxe a lume uma nova área da responsabilidade civil – a responsabilidade nas relações de consumo -, tão vasta que não haveria nenhum exagero em dizer estar hoje a responsabilidade civil dividida em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo (p. 39).

Esse ordenamento consumerista revolucionou, em muito, as relações jurídicas, principalmente no que se refere à responsabilidade civil, atribuindo ao consumidor diversas ferramentas para se proteger do fornecedor.

Não se pode deixar de comentar a hipótese de não incidência da regra da responsabilidade civil, devido à inexistência de nexo causal. Na medida em que ninguém pode ser chamado a responder por um dano que não tenha dado causa, as exclusões do nexo causal devem ser analisadas, pois freqüentemente pessoas são chamadas a responder por determinados deveres que aparentemente deram causa, mas, quando examinado de forma mais detalhada, tornam-se isentas do dever de reparar. Se excluído o nexo causal, ocorre a isenção da responsabilidade. As causas de exclusão do nexo causal são: a) fato exclusivo da vítima; b) fato de terceiro; c) caso fortuito; e d) força maior.

Sergio Cavalieri (2006) define a isenção da responsabilidade:

Causas de exclusão do nexo causal são, pois, casos de impossibilidade superveniente do cumprimento de uma obrigação não imputáveis ao devedor ou agente. Essa impossibilidade, de acordo com a doutrina tradicional, ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vitima e fato de terceiro (p. 89).

Assim, em muitos casos, aparentemente, podemos pensar em chamar determinada pessoa, física ou jurídica, a responder por danos. Porém, na análise do caso concreto, verificamos que o agente não deu causa ao dano, por uma das quatro possibilidades de exclusão do nexo causal, não sendo obrigado a reparar o prejuízo causado.

1.4. A responsabilidade civil do profissional liberal

Em nossa Carta Magna, o artigo 5º, inciso XIII, estabelece a liberdade profissional, in verbis: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendida as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

O Estatuto da Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), registrado no Cartório do 2º Ofício de Registro de Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal, conceitua o profissional liberal no parágrafo único de seu artigo 1º, vejamos:

Parágrafo único - Profissional Liberal é aquele legalmente habilitado a prestar serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão, independentemente do vínculo da prestação de serviço.

Fernando Antônio de Vasconcelos (2003) segue no mesmo sentido:

É aquela que se caracteriza pela inexistência, em geral, de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominantemente técnico e intelectual de conhecimentos especializados, concernentes a bens fundamentais do homem, como a vida, a saúde, a honra, a liberdade (p. 187).

Podemos dizer, assim, que o profissional liberal é aquele que exerce qualquer atividade laborativa de caráter autônomo.

Nesse universo, devemos prestar atenção a algumas profissões que estão sob tutela de disciplina especial pelos riscos que representam à sociedade, conforme discorre Sergio Cavalieri (2003):

O erro profissional em certos casos, pode ser fatal, razão pela qual é preciso preencher requisitos legais para o exercício de determinadas atividades laborativas, que vão desde a diplomação em curso universitário, destinado a dar ao profissional habilitação técnica específica, até a inscrição em órgão especial. Estão nesse elenco os médicos, dentistas, farmacêuticos, engenheiros, etc. O preenchimento desses requisitos, todavia, não exime o profissional de responder pelos danos que eventualmente causar a outrem por violação de dever a que estava profissionalmente adstrito (p. 369).

Destaca-se que o profissional liberal, em regra, não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, sim, pelo Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e outras normas jurídicas diversas, como também pelo próprio estatuto ou código da categoria.

Entretanto, as relações de consumo na era pós-moderna sofreram várias alterações, possibilitando que a relação cliente/consumidor e o profissional liberal/fornecedor de serviços se dê com vínculo empregatício, mesmo sendo exceção à regra, conforme opinião firmada em nossos tribunais.

Vasconcelos (2003) estabelece critérios para definir o profissional liberal, partindo de elementos característicos e distintivos dessa profissão, os quais seguem transcritos, devido à sua pertinência ao tema:

a) habitualidade – aquele modo de vida adotado pelo profissional, que faz da sua profissão algo inerente à sua maneira de viver;

b) regulamentação – mais do que um simples regulamento, exige-se a normatização da atividade;

c) habilitação – deve-se entender que o exercício profissional pressupõe uma habilitação prévia;

d) presunção de onerosidade – a presença da remuneração na relação contratual ou de consumo é de fundamental importância para definir o caráter oneroso do exercício profissional;

e)autonomia técnica – mesmo assumindo a obrigação de prestação de serviços, ou até de natureza laboral, o profissional só deve ter subordinação de ordem jurídica, nunca de emprego ou de trabalho;

f) vinculação a alguma corporação ou sindicato – determinadas profissões exigem filiação obrigatória à entidade de classe ou sindicato, outras deixam ao livre arbítrio do profissional (p. 189).

Antes de iniciarmos o estudo da responsabilidade civil do profissional liberal, é necessário termos em mente um dever de conduta ética, na relação que se forma entre cliente e esse tipo de profissional. É o que afirma Luis Fernando Pasquini (2005):

Primeiramente, vale lembrar que qualquer espécie de relação humana é regida tanto por normas legais quanto por normas morais, sendo que uma pode completar a outra. Além dessas, há também regras de cunho ético que devem ser observadas no exercício de qualquer atividade profissional (p. 1).

Ademais desse dever ético/moral do profissional, existem códigos que disciplinam determinadas profissões que prescrevem infrações e punições para o profissional que agir em desacordo com as normas de sua categoria, sem prejuízo, contudo, de sanções civis, penais e administrativas. Algumas categorias disciplinam em sua normatização profissional a necessidade de uma habilitação prévia, inscrição, para que possa exercer seu munus, como já dito acima, como o médico, engenheiro, advogado ou dentista, dentre outras, ou seja, um bacharel em direito, mesmo sabendo peticionar e ajuizar uma ação, não poderá promovê-la, já que a petição deverá ser assinada por um advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da mesma forma que uma obra de engenharia somente será liberada pelo órgão competente se assinada por engenheiro ou arquiteto, mesmo que um mestre de obras saiba fazê-la.

De forma ilustrativa, salienta-se que determinados serviços prestados por profissionais liberais não são capazes de colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor no seu aspecto físico, como, por exemplo, do bibliotecário, do corretor de imóveis, do contabilista, do professor e do economista, entre outros. Contudo, determinados serviços são aptos a ocasionar danos físicos, pois possuem ou podem possuir uma considerável dose de risco à saúde e segurança do consumidor, exemplificados pelas operações cirúrgicas, pelo trabalho dos enfermeiros, pela manipulação de fórmulas pelos farmacêuticos ou pela utilização de agrotóxicos por engenheiro agrônomo.

Especificamente sobre a responsabilidade civil do profissional liberal, cabe salientar o entendimento de Silvio de Salvo Venosa (2002):

Quem exerce certa profissão deve se comportar dentro de certos parâmetros exigidos para o ofício. O desvio desses parâmetros, ao ocasionar danos, interessa ao dever de indenizar. A presunção a ser seguida é que qualquer pessoa que exerça uma profissão deve conhecer os meandros necessários para fazê-lo a contento (p.127).

Além do acima mencionado, não é exagero lembrar que a Constituição de 1988 estabeleceu princípios norteadores para reparação de danos, e o nosso atual Código Civil modernizou a aplicação da responsabilidade civil, tanto na sua fundamentação quanto na sua área de abrangência, mas não há dúvida de que o profissional liberal é um fornecedor de serviços e seu cliente vem a ser o consumidor, estando esta relação sujeita ao Código de Defesa do Consumidor.

A regra do nosso Código Consumerista, prescrita em seu artigo 14, caput, de aplicação geral, é a da responsabilidade objetiva, sem necessidade da prova de culpa, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem com por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e risco.

Ocorre que, para os profissionais liberais prestadores de serviços, o diploma consumerista estabeleceu em seu artigo 14, § 4º, como exceção à regra, a responsabilidade subjetiva, com fundamento na prova de culpa, in verbis: "§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".

É o que ensina Sergio Cavalieri (2003), ao analisar a responsabilidade do médico: "Disso resulta que a responsabilidade médica, embora contratual, é subjetiva e com culpa provada" (p. 371).

Essa necessidade de provar a culpa, pela complexidade de diversas profissões, é que impossibilita a normatização de um sistema geral para apurar a responsabilidade profissional. Alguns profissionais têm responsabilidade de meio, outros de resultado, e a maioria pode apresentar as duas modalidades, dependendo do tipo de serviço prestado em seu leque laboral. É como segue ensinando Cavalieri (2003):

Em face do particularismo das diversas profissões, torna-se impossível a formulação de um sistema geral para equacionar os problemas da responsabilidade profissional em seu conjunto. Alguns geram obrigação de resultado, caso do construtor, outros dão causa a obrigações de meio ou de diligência, de sorte que o estudo de cada profissão deve ser feito separadamente (p. 369).

Definida a fundamentação para a responsabilidade do profissional, passamos a analisar o seu fato gerador, incontroverso entre os doutrinadores – como Nelson Nery Junior, Silvio Venosa, Caio Mário, Sergio Cavalieri, Aguiar Dias e Pontes de Miranda – como contratual, pois se origina em um contrato preexistente, um vínculo obrigacional, como perfeitamente explica Pasquini (2006):

Nada obstante ao tipo de serviço prestado pelo profissional liberal, ele assumirá contratualmente uma obrigação, seja comprometendo-se com certo resultado ou apenas usar da prudência e diligência para atingi-lo, sem compromisso de obtê-lo (p. 54).

Vejamos que a responsabilidade médica por ocasião de uma cirurgia estética é de resultado, mas no tratamento de um doente terminal o médico não tem a obrigação de curá-lo. É como se posiciona Cavalieri (2003), com apoio dos principais doutrinadores, nacionais e estrangeiros, dentre eles Aguiar Dias, Caio Mário, Sílvio Rodrigues, Antônio Montenegro e Savatier: "Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. Logo, a obrigação assumida é de meio, não de resultado" (p. 371).

A posição de Nelson Nery Junior (2006) sacramenta a matéria em análise:

A responsabilidade do profissional liberal é fixada a título de culpa, consistindo em exceção a regra do CDC, que é a da responsabilidade objetiva. Sendo norma de exceção deve ser analisada restritivamente. Assim, em se tratando de obrigação de resultado, a responsabilidade do profissional liberal será objetiva (p. 196).

E segue esclarecendo à matéria:

A relação de consumo é celebrada com profissional liberal, para os efeitos do CDC artigo 14, § 4º, se for intuitu personae. Na hipótese de o consumidor procurar a empresa onde presta serviços o profissional liberal, ou, ainda, procurar os serviços de qualquer profissional liberal, não o contratando pela sua própria pessoa, à responsabilidade pelos danos causados ao consumidor é objetiva. (NERY JUNIOR, 2006, p. 196).

Também devemos analisar o caso do consumidor que busca serviços em determinada empresa, pois, mesmo que prestados por profissional liberal, a responsabilidade será objetiva. O profissional liberal não foi individualmente contratado e, sim, a empresa. O profissional foi simplesmente o executor da tarefa delegada pela pessoa jurídica, ou seja, ao profissional liberal só se aplica a responsabilidade subjetiva se estiver atuando de forma autônoma, desvinculado de uma pessoa jurídica; do contrário, a responsabilidade será objetiva.

Nessa conjetura da responsabilidade profissional, passamos a tecer algumas considerações concernentes às obrigações e seus fundamentos de determinados serviços.

Primeiramente, importa saber sobre as obrigações de meio. A maioria dos serviços prestados por profissionais liberais apresenta uma obrigação de meio, na medida em que o resultado não pode ser garantido. Luís Fernando Pasquini (2006) define esse tipo de obrigação:

O profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispões e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado (p. 56).

Essas obrigações geralmente são assumidas pelos médicos, advogados, veterinários, enfermeiros, entre outras profissões, como prescreve Cavalieri (2003): "A obrigação do médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual" (p. 371).

Na mesma senda, Pasquini (2006): "Nesses casos, de obrigações de meio, restará ao consumidor provar a culpa do profissional, isto é, que ele não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato" (p. 60).

Verifica-se, desse modo, que a obrigação de meio tem como norteador a prestação de serviço pautada na ação prudente e diligente do profissional, sem o dever de atingir o resultado, o que não exime o profissional de responder por eventuais danos que causar a outrem por violar um dever profissional ao qual estava adstrito.

Sobre a chamada obrigação de resultado, o profissional, além de atuar com a devida prudência e diligência, obriga-se a atingir o resultado pretendido e contratado com o consumidor. Essas obrigações geralmente são assumidas pelos engenheiros, arquitetos, dentistas. É como prescreve Cavalieri (2003):

No que respeita aos dentistas a regra é a obrigação de resultado. E assim é por que os processos de tratamento dentário são mais regulares, específicos, e os problemas menos complexos. A obturação de uma cárie, o tratamento de um canal, a extração de um dente etc., embora exijam técnica específica, permitem assegurar a obtenção do resultado esperado (p. 387).

Nesse caso, há inversão do ônus da prova, porém somente após a verificação de culpa. Pasquini (2006) esclarece:

Sendo a obrigação de resultado, a inversão do ‘onus probandi’ é automática, devendo o fornecedor de serviços (no caso, o profissional liberal) responder com presunção de culpa, fórmula cujos efeitos práticos são semelhantes aos da responsabilidade objetiva. Ocorre no caso uma presunção ‘juris tantum’ da culpa do fornecedor. (p. 61).

Nota-se que a obrigação de resultado só será adimplida com a efetiva entrega do serviço combinado. Não ocorrendo dessa forma, haverá mora, o que determina a responsabilidade civil do profissional. O profissional, para ser excluído da responsabilidade, deverá provar que não agiu com culpa ou dolo.

Importante falarmos também da teoria de culpa e teoria de resultado.

Nas obrigações de meio, é necessária a verificação da relação obrigacional, do dano, do nexo de causalidade e da culpa do profissional, sendo o consumidor responsável pelo conteúdo probatório, fundamentos que sustentam a Teoria da Culpa.

Nas obrigações de resultado, após a verificação de culpa, a inversão do ônus da prova será automática, há uma presunção de culpa do profissional. Entretanto, tal conseqüência não é regra e deve ser analisada no caso concreto. Essa inversão do ônus da prova é o alicerce da Teoria do Resultado.

A Teoria do Resultado foi idealizada por René Demogue, que entende que a questão está em estabelecer a quem incumbe o ônus da prova. Rui Stoco (2002) esclarece que "a Teoria do Resultado encontra aplicação plena aos profissionais liberais, tendo em vista que o art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor reafirmou sua responsabilidade pessoal mediante a verificação de culpa" (p. 275).

Citando Rui Stoco, Pasquini (2006) destaca que:

Em ambas [obrigações de meio e de resultado] a responsabilidade do profissional está escorada na culpa, ou seja, na atividade de meios culpa-se o agente pelo erro de percurso mas não pelo resultado, pelo qual não se responsabilizou. Na atividade de resultado culpa-se pelo erro de percurso e também pela não obtenção ou insucesso do resultado, porque este era o fim colimado e avençado, a ‘meta optata’ (p. 61).

E conclui:

No primeiro caso (obrigação e meio) cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No segundo (obrigação de resultado) presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ônus da prova, pela simples razão de que os contratos em que o objeto colimado encerra um resultado, a sua não obtenção é ‘quantum satis’ para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor (PASQUINI, 2006, p. 61).

Dessa forma, numa relação de consumo, em que há obrigação de resultado, verificada a culpa do profissional, ocorre, de imediato, a inversão do ônus da prova. Salienta-se que não estamos falando doutrinariamente da responsabilidade objetiva, pois há possibilidade do profissional provar que não teve culpa. O que ocorre é a inversão do ônus probatório, como esclarece Alex Ribeiro (2003):

Com a culpa presumida, mantém-se a oportunidade de provar inexistência de culpa. O que se muda, em favor do consumidor, é o ‘onus probandi’. O consumidor não precisará provar a culpa do advogado, mas sim, este, é quem deverá convencer o Judiciário que não agiu com culpa. E a razão é muito simples: o Código de Defesa do Consumidor admite a inversão do ônus da prova (Lei n. 8.078/90, art. 6º, inciso VIII). (p. 5).

Assim, não podemos deixar de falar na inversão do ônus da prova.

Como vimos, os serviços prestados pelos profissionais liberais são os mais diversos e complexos possíveis, e a eles são aplicadas diferentes entendimentos doutrinários sob a égide do código consumerista.

De regra, o cliente deverá provar a culpa do profissional pelo direito ferido. Ocorre que, no contexto processual, sobrevém a árdua questão probatória da culpa pelo dano, mister para o êxito do litigante, que muitas vezes não possui capacidade econômica ou técnica para provar a culpa. Tendo em vista essa realidade, o Código do Consumidor prescreve em seu artigo 6º, inciso VIII, poderá o Juiz inverter ônus da prova, in verbis:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; [...].

Resta ao Juiz, no exame do caso concreto, decidir, como explica Sérgio Cavalieri (2003):

Pode conseqüentemente o Juiz, em face da complexidade técnica da prova de culpa inverter o ônus dessa prova em favor do consumidor, conforme autoriza o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A hipossuficiência de que ali fala o Código não é apenas econômica, mas também técnica, de sorte que, se o consumidor não tiver condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, poderá o Juiz inverter o ônus da prova a seu favor (p. 379).

Sendo assim, a critério do julgador, na análise do caso concreto, mesmo na responsabilidade subjetiva, atendendo os critérios do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, poderá ocorrer a inversão do ônus probatório.

1.5. A relação jurídica entre o advogado e seu cliente

Após termos tratado da responsabilidade civil em geral e iniciarmos o tema central da presente pesquisa, que é a responsabilidade civil do advogado, no exercício de sua profissão, vamos adentrar em temas mais relacionados com a presente monografia.

A palavra advogado tem sua origem no latim, advocatus, é a quem se pede socorro (vocatus ad). Nesse contexto, podemos dizer que muito se assemelha o exercício da medicina com o da advocacia, pois, freqüentemente, o advogado atua como um "psicólogo", orientador emocional de seu cliente que, em momentos de total desespero, sequer tem condições de raciocinar na busca de uma solução racional e adequada para seu problema. É como ensina Carnelutti (2004):

Advogado, para quem não sabe, é palavra originária do latim advocatus, significando aquele que foi chamado a socorrer (vocatus ad), aquele a quem se pede socorro. É claro que o médico também é invocado na hora da súplica. Entretanto, ‘só ao advogado se dá este nome. Quer dizer que há entre a prestação do médico e a do advogado uma diferença, que não voltada para o direito, é todavia descoberta pela rara intuição da linguagem. Advogado é aquele ao qual se pede, em primeiro plano, a forma essencial de ajuda, que é propriamente a amizade’ (p. 26).

Jadson Dias Correia (1999) prescreve:

A responsabilidade do Advogado perante a sociedade revela uma importância singular, pois a tutela jurisdicional de acordo com os parâmetros impostos pela lei depende, antes de tudo, de sua preparação acadêmica e de sua competência profissional, para que a sociedade não fique desamparada quando se sentir aviltada em seus direitos (p. 9).

E cita o famoso advogado italiano Piero Calamandrei: "os advogados são as supersensíveis antenas da justiça" (CORREIA, 1999, p. 9).

Ademais, o profissional da advocacia carrega na sua atividade um munus publico, e conforme o artigo 133 da Constituição Federal reforçado pelo artigo 2º, parágrafo 1º, do Estatuto da Advocacia, é agente indispensável na prestação jurisdicional. Ao exercer sua profissão, tem que trabalhar dentro dos parâmetros profissionais e éticos exigidos, estando obrigado a usar sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa. O afastamento desses parâmetros, quando causar lesão ao cliente, pode ocasionar o dever de indenizar. Além disso, somente poderá exercer a advocacia o profissional devidamente registrado na Ordem dos Advogados do Brasil, conforme artigo 3º do estatuto. Vejamos o artigo 133 de nossa Carta Magna que prescreve: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Nesse sentido, também opina José Afonso da Silva (1990):

Apercebe-se a relevância da profissão de advogado, mormente após o advento da Carta da República de 1988, que dedica a essa categoria o caráter de essencialidade à Justiça, atribuindo-lhe, em verdade, qualidade de pressuposto indispensável à formação e funcionamento do Poder Judiciário, conquanto não elencada dentre seus órgãos, CF, art. 92, I a VII (p. 504).

O Advogado é indispensável à prestação jurisdicional, salvo raras exceções, somente através de seus serviços que o detentor de um direito tenta buscá-lo, e José Afonso da Silva (1990) acresce ainda que "a advocacia é a única habilitação profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Poder Judiciário" (p. 581).

Fica evidente a importância do advogado e de seus serviços, na medida em que, sendo ele indispensável à prestação jurisdicional, exerce uma função social, sendo defensor do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, devendo atuar sempre dentro dos parâmetros éticos de sua profissão.

Na outra ponta da relação jurídica ora analisada, temos a figura do cliente. Cliente é o freguês, aquele que busca o serviço, pode ser analisado sob diversos ângulos e conceitos de acordo com suas características de consumo, bem como a relação que estabelece com seu fornecedor. Em nosso estudo, o que nos interessa é o cliente do Advogado.

A definição de Marcus Acquaviva (2003) supre maiores comentários:

Cliente - Do grego kluein, ouvir, obedecer; em latim cluere, cliens, clientis. Constituinte de advogado ou procurador. Plebeu de origem estrangeira que se colocava, voluntariamente, sob autoridade de um patrício, formando-se entre eles uma relação de direitos e deveres recíprocos. Por metonímia, a expressão patrono indica, hoje, o advogado perante seu cliente ou constituinte (p. 182).

O cliente é o protegido, o constituinte em relação ao seu procurador, o doente em relação ao médico. Pode ser qualquer pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

No tocante à relação entre o advogado e seu cliente, indiscutivelmente é contratual, sempre haverá uma relação jurídica preexistente, seja com o mandato, com um contrato de prestação de serviços ou ambos; de regra, está fundada numa obrigação de meio, mas pode ser uma obrigação de resultado. Além disso, o advogado é via de regra, um profissional liberal, e seu cliente é o consumidor, restando a esta relação ser atendida pelo Código de Defesa do Consumidor, como vimos anteriormente.

A grande maioria dos serviços advocatícios é obrigação de meio, porque não há como garantir o resultado; não será o advogado o julgador, o responsável pelo resultado da demanda, e, sim, o Juiz que decidirá sobre a pretensão do autor. Excepcionalmente, poderá ser de resultado, ficando o profissional adstrito ao acordado com o cliente.

É como esclarece José de Aguiar Dias (1995):

É preciso recordar que o contrato advocatício não impõe ao advogado a obrigação de sair vitorioso da causa, porque lites habent sua sidera. Neste particular, ele assume, semelhantemente a do médico, uma obrigação de meios e não de resultado. O que lhe cumpre é representar o cliente em juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que lhe confiou (p. 292).

O início dessa relação obrigacional dá-se através do mandato, instrumentalizado pela procuração para atuar em juízo, de um contrato de prestação de serviços, ou de ambos. Importante salientar a distinção entre procuração e mandato: enquanto a procuração é um negócio autônomo, unilateral e receptício, o mandato é um contrato pelo qual o mandante determina ao mandatário que atue em seu nome, como adverte Marcus Acquaviva (2003): "Neste caso a procuração é apenas instrumento do mandato, não ele propriamente dito, mas seu veículo, sua forma exterior" (p. 506).

No aspecto social, a relação é por demais complexa. Como vimos, a palavra "advogado" significa aquele que foi chamado a socorrer, e quem pede socorro está correndo risco, perigo. Apenas ilustrativamente, como poderíamos definir a relação da pessoa que busca ajuda no único profissional que pode resguardar sua liberdade, proteger sua integridade física, evitar um mandado de despejo, manter a guarda dos filhos, garantir o patrimônio etc.? Essa relação, por vezes, torna-se muito mais que profissional, sendo quase impossível textualizá-la.

Antonio Cavalcante Costa Neto (2000) relata a relação do advogado e seu cliente, como um amigo de horas incertas:

Há quem imagine os advogados como aves de rapina. Se você está doente procura um médico. Entra no consultório. A parede da ante-sala, de cima a baixo, ornamentada com diplomas emoldurados. O especialista lhe prescreve uma bateria de exames. Dependendo da enfermidade, o profissional não lhe pode dar garantia de cura ou sobrevida. Mesmo assim você paga a consulta, os exames e o tratamento, geralmente sem questionar o que lhe foi prescrito ou o preço que lhe é cobrado, afinal de contas, nada mais justo que um médico receber condignamente seus honorários. No entanto, quando se precisa consultar um advogado, a situação é bem outra. Não é raro ouvir-se o comentário aviltante e chulo: o advogado comeu o meu dinheiro, como se a consulta ou a terapia jurídicas não fossem tão importantes para a vida quanto o ofício dos discípulos de Hipócrates (p. 4).

Há que se fazer a distinção quando o advogado atua de forma autônoma, ou quando exerce a profissão tutelada por uma relação de emprego, pois as conseqüências são absolutamente distintas, como esclarece Paulo Luiz Lôbo (2000):

Nas relações de consumo, o advogado autônomo, quando exerce sua profissão, é um fornecedor de serviços, sujeito à legislação de tutela do consumidor. Quando exerce a profissão, em relação de emprego, não é fornecedor e não está sujeito imediatamente à responsabilidade por fato do serviço, mas sim seu empregador, em virtude da atividade permanente que exerce (p. 3).

Nessa imperiosa atividade que presta o advogado no exercício de sua profissão, defendendo o Estado Democrático de Direito e os interesses de seu mandante, ele pode vir a causar danos a seu próprio cliente, e poderá responder pelos prejuízos que deu causa, tema principal de nosso estudo, como veremos a seguir.

Sobre o autor
Giovani Carter Manica

advogado em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANICA, Giovani Carter. A responsabilidade civil do advogado perante seu cliente por ato praticado no exercício da profissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1427, 29 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9942. Acesso em: 28 nov. 2024.

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