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O supremo ativismo judicial e os impactos na ordem jurídica brasileira.

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Agenda 11/08/2022 às 07:52

A respeito da jurisprudência dos interesses a partir da leitura de Losano, a jurisprudência de valores é a consequência da falibilidade da jurisprudência dos interesses que propõe uma interpretação fundada no equilíbrio de interesses que determinam a vontade do legislador, levando o intérprete a verificar o que historicamente moveu o legislador, uma tarefa quase impossível.

Foi a insuficiência da teoria da jurisprudência de interesses que fez Losano[10] afirmar, in litteris: Por isso, prosseguindo e integrando dos interesses, a jurisprudência de valores pretende indicar qual é a origem dos valores que guiam a decisão do juiz quando a norma positiva não lhe oferece critérios para avaliar o caso concreto. (In: LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura do direito: o século XX. Tradução de Lucas Lambert. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010).

Consequentemente, a jurisprudência dos valores completa, mas não substitui a jurisprudência dos interesses. Quando a analogia não ajuda, quando não é possível verificar quais interesses moveram o legislador, quando em suma, as normas são imprecisas ou lacunosas, então intervém a jurisprudência de valores para indicar quais valores podem ser aplicados compativelmente com o ordenamento jurídico.

Dessas teorias, os brasileiros inseridos numa realidade bem diversa da Alemanha do pós-guerra, utilizaram da tese principal de que a Constituição é uma ordem concreta de valores, cabendo aos intérpretes encontrá-los utilizando a regra de ponderação de Alexy[11], que em sua criação não era apenas colocação de dois princípios na balança e escolher aquele que tenha maior relevância.

Sua teoria é complexa, porém, em toda sua extensão, permeia uma discricionariedade do intérprete. Para se chegar à regra a ser subsumida, a escolha (identificação) de dois princípios colidentes já pode carregar certo grau de valoração.

Cumpre assinalar a diferença entre os sistemas de civil law e do common law, que tem como fundamento não a norma geral e abstrata, mas o precedente jurisprudencial.

O ativismo norte-americano denominado de realismo e que tem como famoso representante Oliver W. Holmer (1841-1935) extrai o direito da análise das sentenças. Graças a essa análise pode-se razoavelmente não mais, racionalmente, estabelecer como comportarão os juízes no futuro.

Basta remeter-se à decisão do Juiz John Marshal no caso Marbury versus Madison em 1803. Surgiu no ano de 1803 nos Estados Unidos da América o caso Marbury x Madison, que estabeleceu entre outros pontos o "judicial review", que é a ideia de que, ao judiciário, cabe o controle da constitucionalidade das leis e do dos atos do poder legislativo.

John Marshall, em sua decisão, se encarrega de pacificar a questão. Argumenta Marshall, em apertada síntese, que, na hierarquia das leis, impera a Constituição dos EUA, estando os tribunais, bem como os demais departamentos, vinculados a ela. Deste modo, toda lei que contrarie a Constituição deveria ser declarada nula.

Os juristas brasileiros adotaram uma forma equivocada o ativismo judicial norte-americano que conforme alude Lenio Streck, esta discussão sobre o ativismo já perdura há mais de duzentos anos.

Nos EUA, o ativismo fora aplicado de forma contrária a concepção dele hoje, coo no caso da postura adotada pela Suprema Corte norte-americana tem em relação ao New Deal[12]. Tanto é que seus juízes ficaram conhecidos como os new dealers e de New Deal Court.

A Corte americana que era aferrada aos postulados de um liberalismo econômico do tipo laissez-faire, barrava por inconstitucionalidade, as medidas intervencionistas estabelecidas por Roosevelt.

A proposta de Roosevelt para recuperar a economia norte-americana era: aumentar a presença do Estado na economia ao fiscalizar as movimentações financeiras, controlar a produção para que as mercadorias estocadas pudessem ser comercializadas, e executar obras públicas para acelerar a criação de empregos.

A Corte Warren foi grande movimento ativista, afirmando que a Constituição não tinha um modelo estático, e sim, um modelo vivo, plenamente suscetível pelas mudanças sociais, interpretando criativamente a Constituição, superando o status conservador e antidemocrático que a corte Roosevelt apresentava.

Aparentemente, Lenio Streck segue sentido contrário, ao afirmar que o caso da Corte Warren, por exemplo, foi resultado da concepção pessoal de certo número de juízes e, não de um sentimento constitucional em relação à problemática intervencionista a favor dos direitos fundamentais.

Eis as bases teóricas para interpretação da nova Constituição Federal do Brasil, as quais deram abertura das mais variadas formas de interpretação e aplicação da Constituição e, também dos textos infraconstitucionais, em especial nos casos difíceis (hard cases)[13] em que os juristas se socorrem de princípios, por eles próprios de acordo com sua subjetividade, diante da extrapolação do caso concreto à moldura da norma, problema já identificado por Kelsen, em que o órgão aplicador cria direito novo de forma discricionária.

Este direito novo criado pelo órgão julgador nos casos difíceis, o que vem trazendo sérias preocupações e problemas para o direito. Nos casos difíceis são aplicadas as teorias semânticas, como a moldura da norma de Kelsen e a textura aberta de Hart, identificando nisto um problema, porque atribuiu ao juiz uma discricionariedade uma subjetividade no momento da resolução da demanda. (In: OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o conceito de princípios. A hermenêutica e a (in) determinabilidade do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.221).

O ativismo judicial representa uma ação que ultrapassou os limites que a atividade do juiz deve receber, afirmando ser uma postura do Judiciário para além dos limites constitucionais, pois um juiz ou tribunal pratica direito a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrados, sendo essa postura que deve ser combatida, em especial, perante o STF, tendo em vista que será apreendida pelos demais membros do Judiciário, como argumento de autoridade, fazendo surgir decisões como as que serão adiante citadas.

O expressivo referencial teórico de Ronald Dworkin é a obra intitulada Uma questão de princípio publicada originalmente A mater of principle, pela Havard University Press, em 1985.

Seu objeto foi o sistema jurídico e os juízes dos EUA e da Grã-Bretanha, onde as decisões judiciais são inevitáveis e corretamente políticas, tanto nos grandes casos constitucionais como em casos civis e, que os juízes atuem e devem atuar como legisladores, embora apenas no denominam interstícios de decisões já tomadas pelo Legislativo.

Devido a negligência quanto à distinção relevante entre os dois tipos de argumentos políticos, Dworkin considera primordial a distinção entre argumentos de princípio político e argumentos de procedimento político, em que, no primeiro caso, os juízes devem decidir com base nos fundamentos políticos de cidadão individuais e, no segundo caso a decisão deve propiciar um bem-estar geral ou de interesse público, concluindo que as decisões de casos controvertidos são baseadas em argumentos de princípio político.

A outra questão de Dworkin é o que se entende por Estado de Direito, indicando duas concepções bem distintas, uma centrada no texto legal e, outra, nos direitos.

Em relação à primeira, centrada no texto positivado, Dworkin afirma que tanto quanto possível, o poder do Estado nunca deve ser exercido contra cidadãos individuais, a não ser em conformidade com regras explicitamente especificadas num conjunto de normas públicas à disposição de todos.

Nesse sentido, tanto o cidadão como o governo devem seguir essas regras até que sejam mudadas conforme o procedimento previsto em outas regras que também faze parte do sistema jurídico, sendo considerada por Dworkin, uma concepção um tanto quanto restrita por não dizer nada a respeito sobre o conteúdo de regras que podem ser incluídas no texto jurídico.

Essa concepção descrita por Dworkin, centrada no texto, nos remete ao nosso modelo de inclusão, exclusão e modificação de regras, em especial, as constitucionais, ressalvada a questão do conteúdo, tendo em vista as cláusulas pétreas.

No caso do poder constituinte originário, o controle sobre o conteúdo das regras se torna mais restrito, caso seja considerado possível.

Essa leitura de direitos morais nos textos legais é feita por Vicente Paulo Barreto (na obra O fetiche dos direitos humanos e outros temas. 2ª.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013) no sentido de que o sistema político-institucional e jurídico, cristalizou na Constituição nasce uma fonte moral, pois é fruto da manutenção de vontade de agentes morais autônomos, estabelecendo limites ao arbítrio e à desigualdade social.

O direito, para Dworkin, é uma prática interpretativa porque o seu significado enquanto prática social normativa é dependente das condições de verdade das práticas argumentativas que o constituem. Ele envolve uma complexa teia de articulações de práticas de autoridade, legitimação e argumentação.

Em suas palavras, [o] Direito é um empreendimento político, cuja intencionalidade geral (general point), se é que tem alguma, é coordenar o esforço social e individual, ou resolver disputas sociais e individuais, ou assegurar a justiça entre os cidadãos e entre eles e seu governo, ou alguma combinação dessas alternativas.

Dworkin começa a construir a sua teoria interpretativa do direito nos ensaios publicados entre seus livros Levando os direitos a sério[14] (1977) e Uma questão de princípio (1985). Em O império do direito (1986), Dworkin[15] recapitula seus argumentos sobre objetividade e interpretação e os desenvolve de forma mais sistemática numa formulação positiva do direito como integridade.

Ronald Dworkin afirma, em De que maneira o direito se assemelha à literatura, que a interpretação jurídica pode ser compreendida como um caso particular do empreendimento interpretativo em geral.

Esta se assemelha de forma muito particular à interpretação literária, visto que em ambas o intérprete orienta a sua ação na busca de uma intencionalidade contida no empreendimento a ser interpretado, seja na literatura, seja no direito.

Lá ele afirma que a: () interpretação construtiva é uma questão de impor um propósito num objeto ou prática de modo a torná-lo o melhor exemplo possível da forma ou gênero ao qual ele é ele pertence. () Um participante interpretando uma prática social () atribui valor para a prática descrevendo algum esquema de interesses ou objetivos ou princípios aos quais a prática serve, expressa ou exemplifica.

Lembremos que a concepção centrada nos direitos parece ser a mais vulnerável às objeções filosóficas e supõe que os cidadãos têm direitos morais, ou seja, outros direitos que não os declarados no direito positivo de modo que uma sociedade pode ser sensatamente criticada com base no fundamento de que a legislação não reconhece os direitos que as pessoas têm.

A questão que liga ambas as concepções é a de determinar se os juízes devem tomar decisões políticas em casos controversos, ou seja, casos em que nenhuma regra explícita no furo de regras decide com firmeza a favor de qualquer uma das partes.

O modelo centrado no texto legal argumenta positivamente no sentido de que, os juízes devem tentar descobrir o que realmente consta do texto jurídico diante de sua possível riqueza e ambiguidade, levando os juízes a desenvolverem teorias semânticas para descobrir a real norma que pode extrair do texto.

Os argumentos negativamente no sentido de que os juízes não devem decidir em qualquer sentido sobre o que está no texto de regras. A concepção centrada nos direitos insistirá em determinar se o queixoso tem o direito moral de receber no tribunal aquilo que exige.

O texto jurídico é menos um forte direito moral prima facie a que os tribunais imponham os direitos que o legislador aprovou. Dworkin não deixa de reconhecer que a concepção centrada nos direitos admite que o texto jurídico tem sua fonte moral para um tribunal, mas nega que seja a única fonte de tais direitos, situação em que, em um caso concerto, o texto jurídico nada diz, ou possa ter interpretações conflitantes, o tribunal procurará identificar algum princípio que, em abstrato, capte direitos morais das partes, mesmo que não conste do texto jurídico.

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Sobre esse ponto da escolha de um princípio em um caso controverso é que o juiz somente poderá aplicar tal princípio, se este não for incompatível com outros princípios pressupostos das regras que estarão sendo aplicadas ou com qualquer parte considerável das outas regras.

Não há regra sem um princípio instituidor. Sem um princípio instituinte, a regra não pode ser aplicada, posto que não será portadora de legitimidade democrática.

Dworkin trabalhou na perspectiva de Estado de Direito centrado no livro de regras ou centrado em direitos. Trouxe argumentos contrários e favoráveis para tomarem, decisões políticas do tipo centra em direitos, que exigem que tomem?

Para muitos direitos, essas decisões não poderiam ser tomadas, pois a modificação ou a expansão de direitos devem ser adotadas sob controle popular, mas Dworkin também destruiu tal argumento.

Nos casos controversos, especialmente, os de vagueza e ambiguidade e, até mesmo, falta de regramento, quando saem da moldura, os julgadores e os tribunais são instados a dar resposta que não estão tão claras no ordenamento jurídico devido à fonte moral do direito que se destaca no constitucionalismo contemporâneo, adquirindo carga axiológica forte e cuja materialização, há reforço pelos juristas para um conceito não positivista do direito, podendo ser justamente um dos elementos que diferenciam o neoconstitucionalismo dos constitucionalismos dos precedentes[16], conforme aludiu Lenio Luiz Streck.

Desenvolvimento

No entanto, essa carga moral vinculada à Constituição Federal não significa que o direito deva ser influenciado por questões morais, políticas e econômicas, em virtude de sua autonomia, mas sim, que esses elementos predadores passam a estar institucionalizados no direito.

Por isso, são considerados um novo paradigma no direito, devendo as respostas adequadas serem encontradas no direito já possuindo estes elementos.

Utilizando-se das terminologias de Dworkin, saber se nosso sistema jurídico, é centrado no livro de regras ou no direito acaba por, eventualmente, nos levar a admitir que mesmo adotando-se a concepção centrada no livro de regras, o que importa é saber que esse livro já tem uma carga moral em suas regras por meio de princípios que introduzem, o mundo prático no direito, o mundo vivido para o direito, dando significado à regra.

Ao saber, se nosso sistema é centrado na concepção nos direitos nos remete a conceber que esses direitos também estão contidos na Constituição por meio de princípios.

Esse novo paradigma, ou seja, a resposta adequada ao caso concreto deverá ter uma resposta de acordo com a Constituição, e não de acordo com valores morais ou políticos decorrentes da vontade do julgador, sob pena de incorrermos no que chamamos de ativismo judicial.

Define-se, então, o ativismo judicial que é uma forma antidemocrática de substituição dos juízes morais, políticos e econômicos que devem ser feitos pelos poderes Executivo, Legislativo e pelo Judiciário.

Algumas decisões judiciais em que pode ser identificada, especialmente, o julgamento da ADPF 132 e, como esta vem se espraiando pelo judiciário brasileiro.

O STF se mostrou ativista quando julgou a Reclamação 4.335/AC, medida interposta pela Defensoria do Estado do Acre em relação à progressão do regime de crimes hediondos, hoje regulado na Lei 11. 464/2007. A reclamação tem a finalidade de fazer cumprir as decisões do STF que contenham eficácia, erga omnes e efeitos vinculantes, ou seja, no controle concentrado de constitucionalidade.

No que nos interessa, o STF decidiu que, no artigo 52, X CF/1988 onde se lê suspender, deveria ser lido e publicado. Se for considerar que semanticamente suspender é totalmente diferente de publicar, então houve alteração do texto constitucional de forma arbitrária e ativista.

Com mais midiáticos, um caso concreto que tratava do reconhecimento ou não da união estável em relações homoafetivas. Foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132-RJ, originalmente autuada de nº 178, perante o STF que foi conhecida como ação direta de inconstitucionalidade e julgada com ADI 4.277-DF, para que fosse dada interpretação conforme à Constituição em relação ao artigo 1,723 do Código Civil brasileiro.

Em resumo, requeria-se o reconhecimento de direitos previstos aos casais heterossexuais para os homossexuais, tendo em vista os dispositivos legais que disciplinam a união estável ou casamento. A distinção de tratamento legal inviabiliza o reconhecimento de direitos aos casos do mesmo sexo, violando os princípios constitucionais de igualdade, segurança jurídica, a liberdade, razoabilidade ou da proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana.

O Ministro Ayres Brito apresentou diversos fundamentos de cunho moral e político como a dignidade da pessoa humana, o sentimento de família, a liberdade social, o direito ao amor e a felicidade e, etc., para reconhecer o direito à união estável aos homossexuais.

Porém, a Constituição como fonte moral de agentes morais, especialmente, quando seu conteúdo decorre diretamente do Poder Constituinte prevê regras que nortearão a ação dos poderes constituídos e da comunidade. Com relação à união estável há dispositivo específico constitucional previsto no artigo 226, §3º.

O disposto que o autor do ADPF 132 conforme já mencionado, quer que seja interpretado conforme a Constituição é o artigo 1.723 do Código Civil brasileiro, que aliás, está totalmente conformidade com o texto constitucional vigente.

Apenas para comparação, tendo em vista que um dos argumentos utilizados é que o constituinte quando mencionou homem e mulher, não quis proibir outro tipo de entidade familiar, como os homossexuais.

No entanto, no quarto parágrafo do dispositivo constitucional o legislador constituinte contempla mais uma entidade familiar, apenas entre um dos pais e seus descendentes, denominando família monoparental.

Enfim, a ação julgada procedente utilizando-se da técnica de interpretação conforme para reconhecer como entidade familiar e a união de pessoas do mesmo sexo.

O próprio relator Ayres Brito afirmou que a interpretação conforme encontra limites no texto da lei, não podendo contrariar a mudança radical da vontade original do legislador, asseveram os críticos.

Em que pese, as opiniões em contrário, observa-se a atuação ativista do STF que resta evidente, em uma passagem do Ministro Fux em que para fundamentá-lo, ele alegou se utilizar da ousadia.

Cabe questionar se é cabível a ousadia em uma democracia, e se cabe ao Judiciário alterar o texto constitucional vigente, se é cabível, ainda, aplicar os princípios constitucionais quando tem regra específica para determinação de validade dos princípios contidos?

Todos esses cruciais questionamentos ainda aguardam respostas pacificadoras. Cumpre inclusive anunciar o posicionamento de Barroso que afirmam que a judicialização e o ativismo judicial são primos.

Vindo da mesma família e até frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas.

A judicialização, no contexto pátrio, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. A ideia de ativismo judicial, no entanto, resta associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas que incluem: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente, em matéria de políticas públicas.

Para Ariosto Teixeira para quem todo tipo de interferência do Poder Judiciário, nas decisões políticas deve ser considerado como ativismo judicial, bem como o seu inverso senso, todas as decisões políticas que efetuem a esfera do poder Judiciário também seriam, segundo ele, ativistas. Assim, existem, para o doutrinador, duas hipóteses que, isoladas ou associadas, configurariam o ativismo.

Existem aqueles doutrinadores que negam a existência do ativismo judicial, tal como a presente autora, dentre os quais merece destaque Thamy Pogrebinschi que, em valoroso estudo de casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal entre 1988 e 2009, buscou responder se existe realmente uma crise de repartição dos poderes, aferindo em que medida o STF altera decisões legislativas, ou mesmo em que ponto ele toma as rédeas e decide, por ocasião de uma suposta inércia legislativa.

Desta forma, segundo a doutrinadora, o STF se vale de três recursos institucionais: (a) a Interpretação Conforme da Constituição; (b) a Declaração de Inconstitucionalidade sem Redução de Texto; e (c) a Modulação dos Efeitos da Decisão, que seriam efetivamente uma postura corretiva ou aperfeiçoadora, que atenua o caráter contramajoritário das decisões procedentes e procedentes em parte do STF.

Em se tratando de Judicialização da Politica, é relevante destacar que esta comumente referida como expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, pode ser derivado de diversos fatores que afastam a noção de que o juiz ambiciona majorar a sua força propositalmente em detrimento dos demais Poderes, não devendo ser associada, necessariamente, ao ativismo judicial.

O posicionamento dos juízes não decorre de sua ambição, mas sim, de processos complexos e permanentes. Tais processos se originaram principalmente das grandes mudanças que afetaram as sociedades ocidentais depois do segundo pós-guerra. Pois iniciou-se uma fase de punição de agentes estatais que foram violadores de direitos humanos, ensejando a superposição do direito internacional sobre o poder soberano estatal.

E, também em razão da maior explicitação de valores fundamentais nas Constituições, o que trouxe consigo a necessidade de um Judiciário capaz de exercer jurisdição sobre a legislação elaborada por aquele poder.

Outra preocupação da Corte Constitucional brasileira foi em dar efetividade à norma fundamental que assegura o direito de greve aos servidores públicos, superando a inércia abusiva do poder legislativo que, por anos, frustrou " (...) a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional. BRASIL, STF: MI 670. Impetrante: Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo - SINDPOL; impetrado: Congresso Nacional. Relator: Gilmar Mendes. MI 708. Impetrante: SINTEM - Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa; impetrado: Congresso Nacional. Relator: Gilmar Mendes. MI 712. Impetrante: Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP; impetrado; Congresso Nacional. Relator: Eros Grau. Data de Julgamento: 25.10.2007

Outra particular forma de ativismo judicial é o chamado julgamento orientado pelo resultado, no qual se observa a pré-existência de uma vontade política ao julgamento ou à decisão jurídica em debate. Trata-se de busca incessante por uma justificativa legal literal, ou aproximada de literalidade, que possa fundamentar a decisão que já está tomada.

Um dos casos mais relevantes de julgamento orientado pelo resultado no âmbito brasileiro é o da edição da Súmula Vinculante nº. 13, que versa sobre o nepotismo na esfera administrativa e legislativa, em correlação com a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 12 (sobre o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário).

No caso, o STF se aproveitou de julgamento sobre a constitucionalidade de resolução sobre nepotismo no Poder Judiciário, de cunho do CNJ (Resolução 07/2005), para fazer valer sua vontade política de, ante a inércia / omissão dos poderes legislativo e executivo, estabelecer regramento também para estes Poderes e para os entes da Federação.

Há ainda a corrente que defenda não se pode ter uma interpretação estrita da Constituição e, que este conceito justificaria, por si só, a presença de atitudes ativistas por parte dos Tribunais. Trata-se de argumento ultrapassado.

Pois as teses positivistas já apresentavam, tal como a corrente subjetivista, por algum espaço à interpretação constitucional.

Assim, defender que os juízes não sejam absolutamente a boca da lei não significa, necessariamente, que eles devam exibir uma postura ativista, uma vez que entre estas duas formas de atuação existe um universo de outras possíveis atuações.

Também é possível afirmar que existe, no bojo do texto constitucional, garantias implícitas e normas não escritas que poderiam ser usadas como referência e fundamentação de uma decisão judicial.

E, além de conceitos que não necessariamente caracterizam um da decisão como ativista, como por exemplo, a proporcionalidade de Alexy, ou a amplitude possível de se concretizar o princípio da igualdade. E, decidir conforme estes princípios não significa, impreterivelmente, ser ativista.

Concernente à legitimidade de atuação dos representantes do Poder Judiciário para atuarem de forma a legislar, alguns argumentos também procuram definir o ativismo como possível.

E, segundo alguns doutrinadores, conforme mencionou o próprio Ministro Barroso, defendem que o fato de haver sabatina no Congresso Nacional transforma, ainda que indiretamente, os Ministros do STF em representantes do povo.

Talvez este argumento possa até ser válido no contexto do STF, porém, por analogia, como seria possível extrapolar tal argumentação para um determinado juízo de primeira instância?

Conveniente citar o voto da lavra de Ministro Marco Aurélio no julgamento do RE 140.265/SP, defendendo que o magistrado, ao examinar uma lide, deve idealizar uma decisão mais justa baseada em valores metapositivos e, somente depois recorrer à dogmática para formalizar sua decisão.

E, neste modo de decidir, considera-se que alguns valores morais estão acima de qualquer norma positivada e podem ser invocados a qualquer tempo, dentro da fundamentação de um julgamento. Desta forma, decisões contra legem em casos difíceis seriam em conformidade com princípios balizadores da justiça.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FATICA -

INTANGIBILIDADE - CONSIDERAÇÕES. No julgamento de recurso de natureza extraordinária, há de se distinguir entre o revolvimento de fatos e provas coligidos na fase de instrução, e o enquadramento jurídico da matéria contida no próprio acórdão impugnado. A vedação limita-se ao assentamento de moldura fática diversa da retratada pela corte de origem para, à mercê de Acórdão inexistente, concluir-se pelo conhecimento do recurso.

2. OFÍCIO JUDICANTE POSTURA DO MAGISTRADO. Ao examinar a lide, o Magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorre à dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formalizá-la. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OFENSA. Ocorre a transgressão ao Princípio da Legalidade Artigo 5º, Inciso II, da Constituição Federal quando o Tribunal a quo admite a existência de norma legal impondo determinada exigência para o provimento do cargo e, no entanto, agasalha item do edital de concurso que a elastece. Isto acontece quanto ao interstício requerido para a movimentação no Ministério Público Acesso ao cargo de supervisor de ensino. Se na Lei Complementar pertinente Nº 444, de 27 de dezembro de 1985, do estado de São Paulo, cuida-se do interstício para o provimento do cargo, descabe cogitar da aplicação de item do edital que acabe por retro atrair o implemento da condição na data em que realizada a inscrição no certame.

Tal extravasamento resolve-se pela declaração de ilegalidade do ato administrativo, mediante conhecimento de Recurso Extraordinário, por violência ao Princípio da Legalidade, interposto contra decisão proferida em demanda rescisória, para acolher o duplo pedido nela formulado De rescisão do Acórdão e, no juízo rescisório, de prolação de outro que implique homenagem à ordem jurídica.

Outro argumento justificador é o de Roberto Barroso que representa a vanguarda iluminista, na obra intitulada "Contramajoritário, Representativo e Iluminista: Os Papéis das Cortes Constitucionais nas Democracias Contemporâneas", onde defende que uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais nas contemporâneas democracias é exercer papel de vanguarda iluminista, isto é, o de promover e contribuir, em nome de valores racionais, para avanços civilizatórios e, procedendo desta forma, aperfeiçoar o trajeto histórico em direção ao contínuo aperfeiçoamento do sistema judicial.

A título de ilustra-se, utiliza-se o caso Brown versus Board of Education, de 1954, tendo em vista que a postura ativista fora responsável em superar a segregação racial nos EUA. E, apesar disso, encontra dura crítica pois a decisão é considerada como correção a outro caso anterior como o Pless versus Fergusson, de 11896, quando a mesma postura ativista, celebrada posteriormente, fora responsável pela criação de ambientes de segregação racial nos famosos moldes iguais, mas, separados.

Ainda na esteira da vanguarda iluminista, uma crítica pertinente é a de inexiste real legitimidade para que o STF seja autêntico guardião da moralidade, uma vez que o próprio Iluminismo se trata de permitir que o povo se autodetermine, se esclareça, e defina seus caminhos. Como poderia os onze ministros, que sequer foram indicados pelo povo, arrogar-se o dever de promover valores civilizatórios e, afirmar o que é melhor para todo o povo?

Ainda existem dois argumentos fortes que são conexos, e que demonstram verdadeira utilidade prática aos atos ativistas, a saber: a) mobilização social e o papel contramajoritário do STF.

Baseados na mobilização social são os argumentos de que as Cortes Constitucionais conseguiriam, de forma mais adequada que os poderes legitimados, atender às demandas sociais, uma vez que aos ministros se atribui o poder constitucional permanente, ainda que limitado, que lhes permite usar a Constituição Federal da melhor forma possível para promover seu espírito. Tal ação está estritamente vinculada ao papel contramajoritário da Corte Constitucional.

Sobre esta referida atuação, Ariosto Teixeira entende que o papel do STF no controle de constitucionalidade reflete o esforço de institucionalização do sistema de freios e contrapesos, uma vez que as decisões do Tribunal são consideradas e obedecidas.

Ainda, segundo Ariosto Teixeira a judicialização é instrumento das minorias para obter as reformas que do Estado se espera.

Essa conclusão se sustenta no fato comprovado de que o aumento de demanda sobre o STF coincide com o crescimento de atividades do Legislativo e com a tramitação e aprovação das reformas constitucionais pelo Congresso Nacional no período de 1995- 1996. Em outros termos, pode-se afirmar que a judicialização da democracia brasileira é também provocada pela conjunturalização da produção normativa.

Assim, o STF possui a nobre incumbência de remediar alguns males da democracia, contrapondo, para tanto, uma pretensa ditadura da maioria. E, assim, na representação das minorias, o Judiciário deve atuar sempre que se vislumbre conflito entre o constitucionalismo e seu poder limitado de defesa dos direitos fundamentais, e a democracia o seu papel de prevalência do desejo da maioria.

Irrefutável, portanto, o papel do Poder Judiciário e, por que não afirmar, do próprio ativismo judicial de finalmente trazer o equilíbrio ao constitucionalismo democrático contemporâneo.

Os mais severos críticos apontam para a formação do absolutismo da Corte Constitucional que, ao assumir a decisão ativista, estaria contrariando o principal fundamento do Estado de Direito, que é a própria lei. E, por representar um regresso histórico onde onze ministros, envergando suas togas, decidem o que está fora da lei e o que estaria escorreito. É o que Daniel Sarmento denomina de "tecnologia da toga".

Entendem os críticos que tal feição é contrária à democracia, vez que a lei não decorra daqueles que foram democraticamente eleitos para cumprir a função legislativa. E, assim, surripiando as decisões políticas que deviam ser tomadas pelo próprio povo, por meio de seus representantes eleitos.

Outro argumento, aponta que é errôneo acreditar que a Constituição Federal é caracterizada por abertura de normas, de forma que seu intérprete participe de verdadeiro processo de criação de normas e, porque não afirmar, de política.

Afinal, o viés judicialista presente no neoconstitucionalismo termina por dar aos juízes uma espécie de poder constituinte permanente, pois lhe permite moldar o texto constitucional vigente de acordo com suas preferências políticas, valorativas, em detrimento daquelas do legislador eleito.

Tal visão levou inúmeras correntes, de pensamento ao longo da história a rejeitarem a jurisdição constitucional, ou pelo menos, o ativismo judicial no seu exercício, dos revolucionários franceses do século XVIII, passando por Carl Schmitt na República de Weimar, até os adeptos do constitucionalismo popular presente nos EUA atual.

A crítica à politização da justiça parece também contaminar a imparcialidade do julgador e que deve ser resguardada a fim de prover uma interpretação restritiva dos princípios.

Nessa senda, é importante a fundamentação das decisões e, sobre o tema, o Ministro Lewandowski, no RE 575.144 estabelece que é direito do cidadão conhecer as motivações, sob pena de retornarmos ao voluntarismo, remetendo este tipo de decisão sem motivação ao estado francês pré-revolução, quando os reis, ao decidirem conforme sua vontade, cravavam ao fim: assim deseja o rei.

Percebe-se que o conflito existente entre a soberania popular e a vontade dos juízes, a se referir, ao papel contramajoritário do STF, em prol da defesa das minorias numa democracia constitucional através de a Suprema Corte exercer sua limitadora função da vontade soberana, ou seja, pela imposição de limites às decisões da maioria, ou até mesmo, pela sua declaração de inconstitucionalidade.

No julgamento Lochner versus New York pela Suprema Corte Americana que ocorreu em 1905, o Estado de NY promulgou lei limitando a jornada laboral para não mais de sessenta horas semanais. Os empresários locais liderados por Lochner, recorreram à Suprema Corte, por entenderem haver evidente violação ao vigente princípio da liberdade contratual.

E, ao decidir, foi derrubada a limitada de jornada laboral sob o entendimento de que a soberania popular do Estado de NY não era adequada.

E, sobre o precedente judicial, entende-se, atualmente, que há discussões que deveriam findar no âmbito legislativo, pois o fato de os juízes não serem eleitos pelo povo, não lhes confere mandato para representar a moral e a vontade do povo, que dirá para afirmar a vontade soberana ser inconstitucional, tendo como base o direito não escrito.

Há, ainda outro argumento que ergue crítica veemente ao ativismo judicial que é interferência direta na repartição dos poderes constituídos. E, a doutrina pátria não é rígida ao atacar atos que colocam em risco os limites de cada um dos três poderes, ao contrário da doutrina norte-americana, que é impositiva sobre os mecanismos que possam preservar a adequada função de cada um destes. E, convém afirmar que o ativismo judicial, sem dúvida, viola o princípio da separação de poderes. Que não é absoluta uma vez que os poderes são interdependentes.

A referida afirmação foi pela primeira vez evocada no caso Marbury versus Madison, quando se observou que a opinião dos juízes poderia sobrepor as decisões dos outros poderes.

Os defensores da autocontenção do judiciário baseiam suas críticas ao ativismo pelo fato de se vislumbrar, quando ao Judiciário lhe seja permitido violar atos de outros poderes, a possibilidade de surgimento de decisões judiciais arbitrárias e, até mesmo, despóticas. E, em 1804, Abraham Lincoln definiu que a criação de uma espécie de superpoder seria algo despótico e, que deveria a todo custo ser evitado.

Por derradeiro, cabe apontar que uma das críticas balizadas ao ativismo judicial que é o desdobramento sobre a repartição dos poderes constituídos, que é o que se entende por usurpação de competência pelo Poder Judiciário.

O Judiciário ativista assume, portanto, para si as competências que são originárias de outros poderes e, isso, pode ser visto na hipótese de análise da legalidade de um ato, quando a Corte Suprema eventualmente julga necessário substituí-lo por outra decisão judicial.

Um caso exemplifica bem, Dred Scott versus Sandford, de 1857. Scott era escravo de Sandford, porém fora levado para Louisiana, que era um Estado norte-americano onde não existia previsão legal de escravidão. Isso fundamentou o pedido judicial de libertação de Scott e, Sandford se defendeu alegando que o escravo não era cidadão de nenhum Estado, visto que sua raça era considerada inferior.

O caso chegou até a Suprema Corte que então reconheceu o direito de Sandford ter a propriedade na forma de escravos, apesar de faltar previsão constitucional para tanto.

Deu-se tal negação da autoridade do Congresso para limitar a escravidão, mesmo em territórios federais, foi considerada pela crítica do Tribunal como ultrajante usurpação da competência legislativa e, preparou o cenário, segundo muitos historiadores, para a guerra civil nos EUA.

A Lei 11.340/1006, a chamada Lei Maria da Penha pode ser aplicada aos homens? O STJ aplica atualmente a referida lei para mulheres trans. Anteriormente, a lei era somente aplicada às mulheres biológicas em situação de vulnerabilidade e violência familiar doméstica e, também pode ser aplicada ao casal homossexual.

Lenio Luiz Streck aponta que sequer os limites semânticos do texto constitucional funcionam efetivamente como bloqueio ao protagonismo judicial que vem sendo praticado em todas as esferas do Poder Judiciário no Brasil.

Conclui-se que não há consenso sobre o ativismo judicial nem para a judicialização da política. Não há consenso sobre sua definição. E, os doutrinadores, cada qual com sua própria concepção e interpretação, aplicam a estes conceitos não parametrizados para denominar se uma decisão judicial como ativista ou não.

Há, segundo Ministro Barroso, um ativismo tido como essencial e necessário, e outros, como Lenio Streck que o define como pernicioso na maioria absoluta dos casos. Já outros doutrinadores, define como impossível haver o ativismo judicial, nos moldes atuais, partindo que é a própria sociedade que tanto o estimula a adotar decisões preenchidas de ativismo.

Daniel Sarmento, a seu turno, considera essencial que exista, sob alguns aspectos, a postura de real autocontenção judicial, inerentemente se por respeito às deliberações majoritárias, ou ainda, por reconhecimento da falta de expertise do Judiciário em tomar decisões que promovam os valores constitucionais em jogo de forma mais eficiente, especialmente, em áreas que demandem profundos conhecimentos técnicos.

Em síntese, o próprio conceito de decisão ativista é identificado de diversas formas pelos doutrinadores, seria possível chegar a um consenso sobre os limites das prestações jurisdicionais?

É visível e palpável que as decisões judiciais recentes do STF e até do STJ possuem, em graus variáveis, algum ativismo e protagonismo, também se faz necessário, sendo necessário refletir sobre como minimizar os efeitos potencialmente prejudiciais deste ativismo judicial.

Na formação do Estado Democrático de Direito todos os poderes constituídos e o povo têm de se empenhar para a consecução de tal modelo estatal.

O Judiciário tem relevante missão nesse ideal, pois, diante da falta de um poder Legislativo e Executivo atuantes para a querida democratização, legislando e executando para o bem do povo, muitas demandas sociais acabam para designar o Poder Judiciário que abarrota cada dia mais.

Com o acesso à justiça há cada vez mais direitos a serem devidamente tutelados e novos direitos a serem protegidos. Esses novos tipos de demandas e direitos fizeram técnicas e teorias para julgar tais novas questões, o que ensejou o empoderamento de juízes que não lhes foi outorgando originalmente e nem constitucionalmente.

Nesse cenário, enfim, ensejou o chamado e afamado ativismo judicial que culmina, segundo alguns doutrinadores, em insegurança jurídica em face da falta de controle das decisões judiciais exaradas. E, há doutrinadores que entendem que aceitar irrestritamente os ativismos, discricionariedades, moralidades e vontades dos juízes que decidem conforme suas consciências é um perigo para toda a sociedade humana.

Uma das sugestões seria, a implementação do sistema de indicação dos Ministros do STF através de alguma avaliação popular, com intenção de legitimá-los também como representantes do povo. E, passando o STF a ser um tribunal de expressão da vontade popular, e sempre instado a agir diante do caso concreto, imputando-se prazo ao Congresso Nacional para efetivar as leis necessárias e, não o fazendo, viabilizar a plena atuação criadora do STF.

Trazendo-se legitimidade à atuação do STF, aumentando sua visibilidade democrática além de sua confiabilidade como Corte Guardiã da Constituição Federal e, mantenedora da vitalidade do Estado Democrático de Direito.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

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