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A constitucionalização do Direito Civil com ênfase nos direitos e garantias fundamentais.

A interferência do direito público no direito privado

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Agenda 21/08/2022 às 10:49

Resumo: Toda a fisionomia do Constitucionalismo no decorrer da história se baseia na diversidade de teorizações e práticas jurídicas erigidas com o objetivo de frear os poderes do Estado e defender os direitos fundamentais do ser humano. O presente artigo busca apresentar uma visão geral do processo de descentralização ou descodificação do direito civil, com a interpenetração do Direito Público na esfera do direito civil, visando que, inspirações constitucionais permeiem esses institutos para que priorizem um modelo da equidade material e autonomia relativa no exercício da liberdade privadas, colocando-se a Constituição para o centro do aparelho legal, de onde passa a atuar como filtro axiológico, prescrevendo novos valores, como o princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e isonomia.

Palavras-chave: constitucionalização do direito civil. Estado Social. Constitucionalização de institutos de direito civil. Alimentos nas uniões homoafetivas. Alienação parental. Perda de uma chance. Abandono afetivo. Constitucionalização dos contratos e de propriedade.


1 - INTRODUÇÃO

A constitucionalização do direito civil ou direito civil constitucional, é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios eficazes do direito civil, partindo-se de uma interpretação institutos de direito civil de acordo aos princípios estatuídos na Constituição Federal. A regra não deixa de ser de direito privado, mas direito privado interpretado conforme a Constituição.

Gonçalvez (2010) pondera que, a expressão direito civil-constitucional apenas enfatiza a indispensável releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos embasamentos principiológicos constitucionais, na nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) na solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º).

Oliveira, (2015), expõe de forma brilhante que, a máxima de Hermogeniano “hominum causa omne ius constitutum est” oriunda do Direito Romano, ainda continua valendo. Significa que todo o direito é constituído à causa do homem, o que simboliza que a pessoa é o centro das atenções jurídicas, ou seja, o ser humano é o destinatário final de toda norma. O cerne direito é pensado e aplicado para os homens, como conceito central, pois as pessoas são criadoras e destinatárias dos preceitos jurídicos, na medida que em que visam precisamente ordenar as condutas, impondo limites e regramento, visando a harmonia social.

Destarte, no decorrer das transformações sociais, sobrevieram grandes e profundas modificações à tradicional divisão do Direito em público e privado. O progresso e o desenvolvimento social fazem surgir a necessidade de interpenetração dos enunciados do Direito Público no privado, notadamente das influências e inspirações constitucionais em seus institutos, prezando pela igualdade material e autonomia relativa, no exercício da liberdade.

Ressalta Eros Grau (2005, p. 21-22): “...as imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado”.

O Direito é ciência social que precisa de cada vez maiores aberturas; necessariamente sensível a qualquer modificação da realidade, entendida na sua mais ampla acepção.(...) O conjunto de princípios e de regras destinado a ordenar a coexistência constitui o aspecto normativo do fenômeno social: regras e princípios interdependentes e essenciais, elementos de um conjunto unitário e hierarquicamente predisposto, que pode ser definido, pela sua função, como “ordenamento” (jurídico), e, pela sua natureza de componente da estrutura social, como “realidade normativa”. A transformação da realidade social em qualquer dos seus aspectos (diversos daquele aspecto normativo em sentido estrito) significa a transformação da “realidade normativa” e vice-versa (PERLINGIERI, p.158. 1997).

A constitucionalização do direito civil deve então ser percebida como a ligação dos alicerces constitucionais nas relações jurídicas civis, priorizando sempre a dignidade da pessoa humana, colocando-a como centro das relações jurídicas civis. Por este viés, os denodos provenientes da transformação dos fatos sociais, clamaram por princípios constitucionais que, agora, irão orientar e conduzir as relações privadas.

No preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, encontra-se a finalidade e as bases de priorização da dignidade da pessoa humana:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Este artigo, fará uma breve abordagem no conceito da constitucionalização do Direito Civil, fomentando uma percepção sobre o direito Constitucional, o Direito Civil e o Direito Civil Constitucional.


2- DESENVOLVIMENTO

2.1 Conceito de Direito Constitucional

O conceito de Direito Constitucional é bastante recente na História do Direito. É a área do Direito que tem por objeto as normas constitucionais e decorre da elaboração das Constituições nos Estados-Nação. É o responsável por todo o ordenamento jurídico do país e pela legitimação dos direitos e garantias da sociedade, além de controlar e limitar o poder do Estado.

Para que seja possível a compreensão do que seja o direito constitucional, é essencial assimilar o conceito de Constituição. Nesse sentido, Morais, (2019), indica que, constituição é o ato de se estabelecer, firmar e, juridicamente, Constituição é a Lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas.

Os fins da Constituição, nos dizeres de Alarcon (2012), podem ser resumidos na concretização de um humanismo legítimo nas relações sociais, no respeito à dignidade da pessoa humana, na conquista da justiça social sobre os fundamentos da solidariedade e nos termos da igualdade e da liberdade, na criação de condições socioeconômicas para a livre realização e emancipação humana, bem como o desenvolvimento de uma consciência política geral de responsabilidade democrática

Proposta por Lasalle (2001), Constituição em sentido sociológico é aquela concebida como fato social, e não propriamente como norma. O texto positivo da Constituição seria resultado da realidade social do País, das forças que imperam na sociedade, em determinado momento histórico.

Pablo Stolze apud Maiana Pessoa (2004) acrescenta que, por tudo isso, a Constituição Federal, consagrando valores como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária.

Tepedino (1999), enfatiza que, a prioridade conferida à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, I e III da CF), fundamentos da República e a adoção do princípio da igualdade substancial (art. 3º, III), ao lado da isonomia formal do art. 5º, bem como a garantia residual estipulada pelo art. 5º, § 2º, CF, condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte.

Direito Constitucional é uma parte da ordem jurídica que conduz o Estado, sistematizado em de normas e princípios, acobertando todo o contexto jurídico, de indivíduos e grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder. Desta relação, define-se a titularidade do poder, os modos de formação, a manifestação da vontade política, os órgãos de que esta necessita e os ações em que se concretiza, como bem explica Miranda (1990).

Sendo assim, cabe ao direito constitucional interpretar as normas da Carta Maior ou consideradas supremas num Estado soberano e a sua efetividade dentro da sociedade, mantendo a sua atualidade em frente às mudanças sociais.

Incumbe ainda, ao Direito Constitucional fazer obedecer e sistematizar os princípios concernentes ao arcabouço fundamental da Constituição Federal, assumindo, portanto, o papel de direito público fundamental por excelência. Até porque, todos os ramos do direito público procuram a pedra angular que lhes deem validade, no Direito Constitucional.

No Brasil, a primeira Constituição data de 1824. Barroso (2018), descreve o movimento de evolução do Direito no sentido da preparação de normas constitucionais. Como bem descreve: no princípio era a força. Cada um por si. Depois vieram a família, as tribos, a sociedade primitiva. Os mitos e os deuses – múltiplos, ameaçadores, vingativos. Os líderes religiosos tornam-se chefes absolutos. Antigüidade profunda, pré-bíblica, época de sacrifícios humanos, guerras, perseguições, escravidão. Na noite dos tempos, acendem-se as primeiras luzes: surgem as leis, inicialmente morais, depois jurídicas. Regras de conduta que reprimem os instintos, a barbárie, disciplinam as relações interpessoais e, claro, protegem a propriedade. Tem início o processo civilizatório. Uma aventura errante, longa, inacabada. Uma história sem fim.

Chamada de constituição cidadã pelos avanços em direção à cidadania e à dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 foi um marco importante na história e na retomada democrática do país, pois substituía Constituição de 1967, cunhada durante a Ditadura Civil-Militar brasileira.

A Constituição Federal de 1988 é um dos modelos constitucionais mais completos do mundo, sendo referência na sua construção e na expansão de direitos e liberdades dos cidadãos.

2.2. Conceituando o Direito Civil

O conjunto das regras sociais que disciplinam as obrigações e poderes referentes à questão do meu e do seu, sancionadas pela força do Estado e dos grupos intermediários. (FARIAS; ROSENVALD. 2015).

O Direito Civil é a área do direito privado que normatiza as relações entre os cidadãos no âmbito particular. Ele constitui direitos e implanta obrigações no campo das instâncias individuais. Seu objeto de estudo é o direito privado. Ele se dá pela exclusão em vez da inclusão.

O Direito Civil foi identificado com o próprio Código Civil, que regulava as relações entre as pessoas privadas, seu estado, sua capacidade, sua família e principalmente sua propriedade, consagrando-se como o reino da liberdade individual .(MORAES. p. 2 2006)

O estudo do Direito Civil é feito, essencialmente, a respeito de, Teoria Geral, Obrigações, Contratos, Responsabilidade civil, Ligação entre homem e coisas, Família e Sucessões. RODRIGUES (2007) afirma que, o Direito Civil é uma ciência social que regula a vida do homem na sociedade, e não seria possível essa convivência social harmônica, sem regras que regulem tal comportamento.

O Direito Civil acompanha o cidadão desde o nascimento até a morte, passando por várias outras etapas da vida do indivíduo. Nesse contexto, assevera Diniz (2012) que, o direito só pode existir em função do homem. O homem, em sociedade necessita do direito para estabelecer regras de conduta com a finalidade de garantir a harmonia social, a paz e boa-fé entre os indivíduos.

2.3. Considerações sobre o Estado Social

O estado social está baseado na intervenção do estado em alguns setores da economia e da sociedade, de modo a corrigir as desigualdades sociais e econômicas próprias do capitalismo. Para tanto, faz-se necessário que as instituições públicas promovam medidas para melhorar as condições de vida de todos os cidadãos.

Gomes (2006), elucida a questão mostrando que, os meandros do modelo econômico neoliberal adotado no Brasil e seus impactos em termos de transformação e redefinição do papel do setor público, a partir dos anos 1990, alcançaram graves desdobramentos sobre a estrutura estatal. É importante ressaltar que o Estado tem aprofundado a distância que mantém dos interesses sociais e, com isso, ampliado seu papel de intervir mais fortemente em favor dos interesses de certas frações do capital, com seus principais centros decisórios sendo internacionalizados e servindo ao processo de acumulação do capital em escala global.

As políticas econômicas intransigentes das últimas décadas têm submetido a ela todas as demais políticas públicas, inclusive as sociais. Uma das principais preocupações é manter a estabilidade econômica e não sugerir ações que levem a uma ruptura com o esquema de acumulação de lucros.

Nas apreciações de Sarlet (1999) sobre o tema, o princípio do Estado Social garante as condições existenciais mínimas. A importância do princípio do Estado Social manifesta-se, portanto, principalmente na sua combinação com outros valores constitucionais essenciais consagrados pela Lei Fundamental, notadamente com o princípio da isonomia (art. 3º, inc. I), a garantia das condições existenciais mínimas (aqui, como já referido, em combinação com os artigos 1º, inc. I e 2º, inc. I), bem como com a concepção já referida atribuída à garantia fundamental da propriedade, impregnada do conteúdo de justiça social inerente ao princípio do Estado Social e Democrático de Direito.

Destarte, o estado social deve garantir as liberdades individuais e, ao mesmo tempo, intervir para que o conjunto da população tenha acesso a uma série de serviços sociais, especialmente aqueles relacionados à educação, saúde e habitação. As instituições do estado devem organizar-se de modo que haja coesão social e igualdade de oportunidades.

2.4. O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil

O reconhecimento da supremacia da Constituição Federal e a respectiva projeção das normas constitucionais por sobre todo o ordenamento jurídico deu azo ao que se denominou de constitucionalização do direito. (LEITE. 2014).

Nesse contexto, posiciona-se Reis, (1999), apontando que, as relações jurídicas se cruzam e entrecruzam, diversificam-se, alargam-se e, nesta etapa da vida jurídica em que as Constituições e as leis passam a regular a ordem econômica e social, e o Direito Privado sofre transformações extensas e intensas; nesta fase em que os conceitos técnicos de interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneo assumem grande importância jurídica, pois o modelo individualista do processo recebe o impacto das ações coletivas, seguramente, gerará novos pensamentos, análises e críticas.

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A constitucionalização do Direito não implica apenas a colocação do texto constitucional no topo da hierarquia do ordenamento jurídico, mas uma obrigação de fazer uma seleção axiológica dos princípios constitucionais aos estatutos de direito civil para a aplicação e interpretação de todo o ordenamento jurídico. As leis civis não deixam de ser de direito privado, mas direito privado aplicado conforme aos princípios constitucionais.

Advirta-se, porém, que a constitucionalização do Direito Civil é muito mais do que estabelecer limites externos à atividade privada. Trata-se da releitura de antigos institutos fundamentais do Direito Civil, em razão da sua reformulação interna de conteúdo, com uma nova valoração determinada pela Constituição-cidadã. (PESSOA, p.6 .2004).

De tal modo, avalia Gonçalves (2010) que, a expressão direito civil-constitucional apenas realça a necessária releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, na nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) na solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º).

Com o aparecimento do Estado Social, as Constituições, passam a exercer papel de grande seriedade na consolidação dos direitos fundamentais por intermédio do Estado, consagrando valores, direitos e garantias fundamentais.

[…] o sentido peculiar em que envolveu o constitucionalismo moderno, que não segue a rota do individualismo tradicional, favorecido e amparado pela separação clássica, mas envereda pelos caminhos do social, visando não apenas a afiançar ao Homem os seus direitos fundamentais perante o Estado (princípio liberal), mas, sobretudo, a resguardar a participação daquele na formação da vontade deste (princípio democrático), de modo a conduzir o aparelho estatal para uma democracia efetiva, onde os poderes públicos estejam capacitados a proporcionar ao indivíduo soma cada vez mais ampla de favores concretos. (BONAVIDES. pp. 65 e 66.2011).

Das ilações de Neuner (2004), entende-se que, a constitucionalização do direito civil é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional. É certo que os valores fundamentais do ordenamento jurídico civil foram absorvidos pela Constituição, na medida em que diferentes conceitos do direito constitucional como propriedade, família e contrato só são explicáveis se considerarmos a prévia definição jusprivatista de seu conteúdo. Mas, por outro lado, essa “inelutabilidade hermenêutica não pode conduzir a uma contestação da autonomia da Constituição ou da relatividade dos conceitos jurídicos.

De acordo ao estudo de Lobo (2009), de todos os ramos jurídicos são o direito civil e o direito constitucional os que mais dizem respeito ao cotidiano de cada pessoa humana e de cada cidadão, respectivamente. As normas constitucionais e civis incidem diária e permanentemente, pois cada um de nós é sujeito de direitos ou de deveres civis em todos os instantes da vida, como pessoas, como adquirentes e utentes de coisas e serviços ou como integrantes de relações negociais e familiares. Do mesmo modo, em todos os dias exercemos a cidadania e somos tutelados pelos direitos fundamentais. Essa característica comum favorece a aproximação dos dois ramos, em interlocução proveitosa. A incidência das normas dos demais ramos do direito depende de inserção em situação específica, não necessariamente cotidiana, por exemplo, como contribuinte, como administrado, como sujeito à sanção penal, como parte em processo, como consumidor, como fornecedor ou empresário.

E, conforme Lôbo (2002, p.4) a constitucionalização do Direito Civil “[...] é imprescindível para a compreensão do moderno direito civil.”

2.5. Constitucionalização de institutos de direito civil

2.5.1. Institutos do direito de família

A família, tutelada pela Constituição, está responsável pelo desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que a integram. A entidade familiar não é tutelada para si, senão como ferramenta da extensão, permanência de vivência de seus membros.

A constante modificação do significado de família, surgem novas organizações como a união estável e a união homoafetiva, ambas reconhecidas como entidade familiar em razão da dignidade humana. Nesse contexto, surgem também as famílias reconstituídas, isto é, famílias construídas a partir de outros relacionamentos com o objetivo de criar novos laços afetivos, na conformidade de Ederli (2020).

O preceito matriz do princípio da solidariedade é o inciso I do art. 3º da Constituição. No Capítulo destinado à família, o princípio é exposto categoricamente na obrigação atribuída à sociedade, ao Estado e à família (como entidade e na pessoa de cada membro) de proteção ao grupo familiar (art. 226), à criança e ao adolescente (art. 227) e às pessoas idosas (art. 230).

Pereira (2011) constata e, assim explana de forma didática que, os textos legislativos (regras) não conseguem acompanhar a realidade e a evolução social da família. Nem mesmo o Código Civil, em vigor a partir de janeiro de 2003, considera todas as inquirições e ansiedades do Direito de Família contemporâneo. A vida e as relações sociais são muito mais ricas e amplas do que é possível conter uma legislação. Os costumes, como uma respeitável fonte do direito, vão estimulando os operadores do Direito para uma constante reorganização do Direito de Família, obrigando-os a buscar em outras fontes do Direito os elementos necessários àquilo que mais se aproxima do justo. Entre todas as fontes do Direito, nos “princípios gerais” é onde se encontra a melhor viabilização para a adequação da justiça no particular e especial campo do Direito de família. É somente em bases principiológicas que será possível pensar e decidir sobre o que é justo e injusto, acima de valores morais, muitas vezes estigmatizantes.

Seguindo em suas argumentações, Pereira (2011), leciona que, os princípios têm assento em uma hermenêutica constitucional que traduz, por sua vez, o mais cristalino espírito de uma ordem civil, ou seja, de um Direito Civil-Constitucional:

1. Princípio da dignidade humana.

2. Princípio da monogamia.

3. Princípio do melhor interesse da criança/adolescente.

4. Princípio da igualdade e respeito às diferenças.

5. Princípio da autonomia e da menor intervenção estatal.

6. Princípio da pluralidade de formas de família.

7. Princípio da afetividade.

Para Lôbo (2010), faz-se necessária a distinção entre a afetividade (princípio) e o afeto (fato psicológico ou anímico). Para ele, a afetividade deve perdurar entre pais e filhos até o falecimento de um destes ou até que ocorra a perda do poder familiar, pois “a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.

O princípio da afetividade está implícito na Constituição: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).

O art. 1.593 do Código Civil enuncia regra geral do que considera o princípio da afetividade, tratando da filiação ao estabelecer que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. Essa norma impede que o Poder Judiciário apenas considere como verdade real a biológica. Assim os laços de parentesco na família (incluindo a filiação), sejam eles consanguíneos ou de outra origem têm a mesma excelência e são regidos pelo princípio da afetividade.

2.5.1.a. Constitucionalização dos institutos do direito de família e alimentos nas uniões homoafetivas

Uma relação homoafetiva rompida pode dar ensejo ao pensionamento alimentar a partir do ângulo constitucional da tutela da dignidade humana e dos deveres de solidariedade e fraternidade que permeiam as relações interpessoais, com o preenchimento do binômio necessidade do alimentário e possibilidade econômica do alimentante. Por isso, nos termos do artigo 1.694, do Código Civil, interpretado à luz da dignidade da pessoa humana e da isonomia constitucional, permite-se a concessão de alimentos nas uniões homoafetivas.

No Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, são frequentes os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo, sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e repúdio à discriminação de qualquer natureza.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento conjunto da ADPF 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família, assim ementado:

DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVA) ROMPIDA. DIREITO A ALIMENTOS. POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. PROTEÇÃO DO COMPANHEIRO EM SITUAÇÃO PRECÁRIA E DE VULNERABILIDADE. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. ALIMENTOS PROVISIONAIS. ART. 852 CPC. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. ANÁLISE PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. 1. No Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, são reiterados os julgados dando conta da viabilidade jurídica de uniões estáveis formadas por companheiros do mesmo sexo, sob a égide do sistema constitucional inaugurado em 1988, que tem como caros os princípios da dignidade da pessoa humana, a igualdade e repúdio à discriminação de qualquer natureza. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família; por conseguinte, "este reconhecimento é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva". 3. A legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais, trazendo efetividade e concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação, igualdade, liberdade, solidariedade, autodeterminação, proteção das minorias, busca da felicidade e ao direito fundamental e personalíssimo à orientação sexual. 4. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias, sendo o alicerce jurídico para a estruturação do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inseparável e incontestável da pessoa humana. Em suma: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se for garantido o direito à diferença. 5. Como entidade familiar que é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade ( ADI n. 4277/DF e ADPF 132/RJ), pelos mesmos motivos, não há como afastar da relação de pessoas do mesmo sexo a obrigação de sustento e assistência técnica, protegendo-se, em última análise, a própria sobrevivência do mais vulnerável dos parceiros. 6. O direito a alimentos do companheiro que se encontra em situação precária e de vulnerabilidade assegura a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o mínimo existencial, com a preservação da dignidade do indivíduo, conferindo a satisfação de necessidade humana básica. O projeto de vida advindo do afeto, nutrido pelo amor, solidariedade, companheirismo, sobeja obviamente no amparo material dos componentes da união, até porque os alimentos não podem ser negados a pretexto de uma preferência sexual diversa. 7. No caso ora em julgamento, a cautelar de alimentos provisionais, com apoio em ação principal de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, foi extinta ao entendimento da impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que "não há obrigação legal de um sócio prestar alimentos ao outro". 8. Ocorre que uma relação homoafetiva rompida pode dar azo ao pensionamento alimentar e, por conseguinte, cabível, em processo autônomo, que o necessitado requeira sua concessão cautelar com a finalidade de prover os meios necessários ao seu sustento durante a pendência da lide. 9. As condições do direito de ação jamais podem ser apreciadas sob a ótica do preconceito, da discriminação, para negar o pão àquele que tem fome em razão de sua opção sexual. Ao revés, o exame deve-se dar a partir do ângulo constitucional da tutela da dignidade humana e dos deveres de solidariedade e fraternidade que permeiam as relações interpessoais, com o preenchimento do binômio necessidade do alimentário e possibilidade econômica do alimentante. 10. A conclusão que se extrai no cotejo de todo ordenamento é a de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família (ADI n. 4277/DF e ADPF 132/RJ), incluindo-se aí o reconhecimento do direito à sobrevivência com dignidade por meio do pensionamento alimentar. 11. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 1302467 SP 2012/0002671-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 03/03/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2015).

No âmbito da Corte Suprema do Brasil, traça-se uma linha evolutiva da jurisprudência, reconhecendo diversos direitos em prol da união homoafetiva, em cumprimento ao mandamento constitucional. A seguir, alguns exemplos:

  1. pensão por morte ao parceiro sobrevivente (REsp 102.698-RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 23/02/2010) e (REsp 395.904-RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2005, DJ 06/02/2006);

  2. inscrição em plano de assistência de saúde (REsp 238.715-RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/03/2006, DJ 02/10/2006).

  3. partilha de bens e presunção do esforço comum decorrente da união homoafetiva (REsp 1.085.646-RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/05/2011, DJe 26/09/2011);

  4. a juridicidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp 1.183.378-RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011), tendo sido essa orientação incorporada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução n. 175/2013, que dispõe sobre "habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo".

  5. adoção de menores por casal homossexual (REsp 889.852-RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27 ⁄ 04 ⁄ 2010, DJe 10 ⁄ 08 ⁄ 2010); adoção unilateral pela companheira da mãe biológica (REsp 1281093-SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18 ⁄ 12 ⁄ 2012, DJe 04 ⁄ 02 ⁄ 2013);

  6. direito real de habitação sobre o imóvel residencial (REsp 1204425-MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11 ⁄ 02 ⁄ 2014, DJe 05 ⁄ 05 ⁄ 2014);

  7. definição da competência jurisdicional da vara de família para dirimir conflitos atinentes ao reconhecimento e dissolução de união homoafetiva (REsp 1.291.924-RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28 ⁄ 05 ⁄ 2013, DJe 07 ⁄ 06 ⁄ 2013) e (REsp 964.489-RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12 ⁄ 03 ⁄ 2013, DJe 20 ⁄ 03 ⁄ 2013).

Pereira e Dias (2011), explanam que, as transformações da sociedade estão seguidas de um novo discurso sobre a sexualidade, cujo fundamento foi apontado pela Psicanálise, afirmando-se que a sexualidade acontece antes, na ordem do desejo, que na genitalidade, como sempre fora tratada pelo Direito. Em presença sessa transformação, o pensamento contemporâneo expandiu sua visão sobre as várias configurações de manifestação da afetividade, compreendendo as várias possibilidades de constituir-se uma família. Começa, aí, a liberdade de afeto. Ou seja, a probabilidade de não se sujeitar aos modelos herdados e ainda postos como lei. Ganho curso histórico a libertação dos sujeitos.

A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição, matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que - enlaçando os que a integram - consolidam a sua formação. (PEREIRA e DIAS. p. vii . 2011).

2.5.1.b. Constitucionalização dos Institutos do direito de família e alienação parental

A alienação parental ou síndrome acontece quando um dos cônjuges, durante ou depois da separação, instiga e incita os filhos contra o outro cônjuge, normalmente praticado pelas genitoras, mas também pelos pais e avós, tanto maternos quanto paternos.

A lei 12.318/2010, em seu artigo 2º, caput, define a Alienação Parental como:

A interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010).

A primeira definição da Síndrome da Alienação Parental – SAP foi apresentada em 1985, por Richard Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, a partir de sua experiência como perito judicial, como afirma Madaleno (2017).

A síndrome da alienação parental e a mera alienação parental não se confundem. A síndrome da alienação parental é decorrente da própria alienação parental que é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, geralmente por quem detêm a custódia do menor. A síndrome, por sua vez, diz respeito às implicações emocionais e comportamentais de que vem a sofrer a criança vítima do afastamento proposital. Destarte, enquanto a síndrome refere à conduta do filho que se recusa categórica e insistentemente a ter contato com um dos genitores e que já sofre as moléstias provenientes daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com a ação e resultado e consequências resultantes pela alienação intentada pelo progenitor contra o outro parente da vida do filho, nas lições de Fonseca (2011).

Barbosa (2018), traça um panorama constitucional sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como garantidor da integridade física e psíquica dos menores, mostrando que, no que, no ordenamento jurídico brasileiro este princípio está previsto na Constituição Federal de 1988 no seu art. 1º, III, estando intimamente ligado a outro princípio constitucional atingido pela SAP, o do melhor interesse da criança e do adolescente. Os menores são considerados seres em desenvolvimento, porém têm a mesma condição de “pessoa” como qualquer outro ser humano, apenas estando em uma situação peculiar, pois ainda não têm a capacidade necessária para responder por si. Por tal motivo, os mesmos devem ter sua dignidade e seus interesses respeitados, assim garantindo seu pleno desenvolvimento físico e mental. Tal princípio está disposto em nossa CF em seus artigos 226 § 8º e 227, caput, os quais norteiam também os direitos da criança e do adolescente dentro do Direito de Família, assegurando-lhes seu pleno desenvolvimento e protegendo todos os meios para que isso seja alcançado. O princípio do melhor interesse, portanto, protege a criança e todas as relações das quais ela faz parte.

O valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas públicas específicas para promoção e defesa dos seus direitos. (COSTA. Pag. 79. 2002).

2.6.1 Constitucionalização do direito civil e seus efeitos na responsabilidade civil

Colhe-se das lições de Lopes (2007) que, de fato é que diante de tantas evidências o campo da Responsabilidade Civil não pode mais se dar o luxo de deixar de fora acontecimentos que antes eram considerados como mera “fatalidade ou acaso do destino” da sua gama de abrangência, tendo em vista que a legislação nacional estabelece que aquele que provocar dano a outrem fica obrigado de ressarci-lo. Ao se observar os artigos 186, 187, 402, 927 e 949 do Código Civil de 2002, bem como o artigo 5º, inciso V da Constituição Federal, é possível concluir que apesar de não haver na legislação brasileira um dispositivo específico para a perda de uma chance, o Jurista se valendo do critério da analogia pode adaptar a legislação vigente ao caso concreto desde que respeitadas a proporcionalidade e a adequação. Isso porque, a vítima tem direito a ver o seu prejuízo reparado por aquele que lhe deu causa.

Essa nova concepção de dano passível de indenização teve origem a partir da análise de casos concretos que levavam a compreender que independente de um resultado final, a ação ou omissão de um agente que privasse outrem da oportunidade de chegar a este resultado fosse por tanto, responsabilizado, ainda que este evento futuro não fosse objeto de certeza absoluta.

Silva (2007) compreende a matéria como um novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificando o eixo da responsabilidade civil, passando a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva corresponde à vontade da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível.

Perante a necessidade de prestar à população a mais ampla e justa proteção possível aos seus direitos e garantias individuais, Doutrina e Jurisprudência nacional passam a aceitar e adotar a teoria da perda de uma chance no seu ordenamento jurídico.

2.6.1.a. Responsabilidade civil pela perda de uma chance

A Teoria da Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, passar a existir e, se expandiu, inicialmente, na França. Posteriormente, doutrina e jurisprudência de outros países europeus passaram a adotar a teoria.

Acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance o ilustre autor, sustenta que:

Caracteriza-se a perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda (CAVALIERI. P.75. 2009)

Na observação de Rangel e Santiago (2014), nos dias atuais, o Direito Civil deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal, vindo à tona a concepção do Direito Civil Constitucional. No campo da Responsabilidade Civil isso implica assumir um papel maior de proteção à dignidade da pessoa humana, para que a vítima de um dano injusto, que teve sua dignidade infringida, seja ressarcida. Assim, diante da necessidade de resguardar princípios e de prevenir determinadas condutas que antes não acarretariam o dever de indenizar, surgem novas espécies de danos, pelos quais os nossos tribunais vêm permitindo a reparação.

Nesse ponto, Schreiber (2012) leciona que,o problema mais atual habita no fato de que a dignidade humana não se limita, nem poderia se limitar, como cláusula geral que é, aos interesses existenciais acima mencionados. O seu conteúdo inclui aspectos diversos da pessoa humana que vêm se enriquecendo, articulando e diferenciando sempre mais. Abre-se, deste modo, diante dos tribunais de toda parte o que já se denominou de ‘o grande mar’ da existencialidade, em uma expansão gigantesca, e, para alguns, tendencialmente infinita das fronteiras do dano ressarcível.

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques no STJ. 2020. REsp 1.308.719 , a perda de uma chance implica um novo critério de mensuração do dano causado, já que o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo necessário fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização, observou. Segundo ele, a teoria da perda de uma chance tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também na responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar determinado benefício.

Cegala (2012), mostra de forma precisa a forma como o Superior tribunal de Justiça tem analisado a situação de forma que um outro problema ligado à responsabilidade civil pela perda de uma chance se refere ao “quantum debeatur”, por ser de difícil aferição a condenação do valor a ser pago a título de indenização. Para delimitar o valor da indenização o Juiz deve com base no caso concreto, fazer um juízo de valor de maneira equitativa, buscando encontrar a melhor solução para a lide. Sendo assim, após verificar qual o valor da chance perdida, deve atentar para o valor do benefício que a vítima conseguiria na hipótese de atingir o resultado esperado, porque o valor da indenização jamais poderá ser igual ou superior ao que receberia caso não tivesse sido privado da oportunidade de obter uma vantagem determinada, como vem decidindo a jurisprudência pátria.

INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO APÓS O ESGOTAMENTO DO PRAZO. VIABILIDADE DO APELO EVIDENCIADA PELA DELIBERAÇÃO DE RECORRER. ELABORAÇÃO DA PEÇA PROCESSUAL PELO ADVOGADO. NEGLIGÊNCIA QUANDO DA PROCOLIZAÇÃO. PERDA DE UMA CHANCE. I – Nos termos do art.514, II, do CPC, ao apelante incumbe apresentar, em suas razões recursais, fundamentação consonante ao que restou decidido na sentença, pena de não conhecimento do pedido recursal, por ausência de regularidade formal. II – O advogado, no patrocínio de seu cliente, não é obrigado a interpor recurso contra toda e qualquer decisão desfavorável, cabendo-lhe a análise da conveniência e viabilidade da prática de tal ato; no entanto, evidenciada, pela própria elaboração e protocolização da peça recursal, a opção por recorrer, e não sendo conhecido o recurso em razão da interposição extemporânea, cabível a indenização do patrocinado pela perda da chance de ver revertida condenação pela prática de ilícito militar. Súmula: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Numeração Única:0101832-12.2011.8.13.0145 Precisão: 19 Relator: Des.(a) JOÃO CANCIO Data do Julgamento: 08/11/2011. Data da Publicação: 16/11/2011.

No atual cenário jurídico pátrio, o instituto da Responsabilidade Civil encontra respaldo constitucional mais precisamente no art. 5º da Carta Magna.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização.

Essa obrigação de reparar assume várias funções tais como: compensar o dano causado à vítima, punir o ofensor e desmotivar os outros membros da sociedade a cometer tais ilegalidades, na avaliação de Gagliano e Pamplona (2013).

2.5.4. A responsabilidade civil por abandono afetivo

De acordo com Marafelli (2010), a família indubitavelmente é o núcleo de toda sociedade. É através de sua constituição e de seus membros, que se formam as mais diversas espécies de relações sociais. O instituto da família foi tratado pelo direito brasileiro durante muito tempo de forma bastante superficial. As primeiras constituições brasileiras referiam-se sutilmente à temática. Foi com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 que o instituto da família ganhou efetivamente uma atenção especial do legislador.

A Constituição federal de 1988, trouxe expressamente em seu artigo 227 os deveres da família, impondo não só a esta como também à sociedade e ao Estado, o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, no seu art. 226, §7º dispõe que:

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Ademais, cabe salientar que de acordo com Gonçalves (2009), o poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores. Sendo assim, cabe aos pais dar proteção e propiciar o desenvolvimento, bem como a formação integral das crianças e adolescentes.

Ultimamente, discute-se a possibilidade de se conceder indenização por abandono afetivo do filho, quando este é privado de assistência moral e afetiva independentemente da questão material. A discussão coloca em pauta uma questão de extrema relevância não só para o ordenamento jurídico, mas para toda sociedade brasileira fazendo as indagações sobre quais são efetivamente os deveres dos pais perante seus filhos e se estes deveres se esgotam ao prestar alimentos.

Marafelli (2010), conduz à reflexão da abordagem das autoras renomadas do ramo de Direito de Família, como Giselda Hironaka, Lizete Peixoto Schuch e Maria Silva, embasadas principalmente no dever de convivência estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal que, concluem pela possibilidade de se conceder a indenização. Para estas autoras, a expressão "convivência familiar" deve ser interpretada de maneira mais ampla, e entendida não somente como dever de coexistência, de coabitação, mas dever de educar, no sentido mais pedagógico da palavra. Educar e dar todas as condições para que a criança cresça em um ambiente sadio, seja inserida na sociedade e nela saiba habitar e adaptar-se.

Ainda, segundo Marafelli (2010), essas mesmas autoras, a formação da personalidade do filho está intimamente ligada a presença dos pais e como eles exercem seus papéis de pai e de mãe. É no seio da família que a criança começa a formar sua personalidade. É se guiando pelo exemplo dos pais, pelos sentimentos que recebe e aprende a oferecer, que a criança formará seus valores éticos e morais, aprenderá a lhe dar com sentimentos e fortes emoções. Portanto, o descumprimento do dever de convivência familiar pode ocasionar danos irreversíveis à personalidade do filho. Os direitos à personalidade, como é cediço, foram consagrados no artigo 5º da Constituição de 88, e qualquer atitude atentatória a estes é passível de reprimendas pelo ordenamento jurídico através das indenizações por dano moral.

O comportamento de pais que abandonam afetivamente o filho deve ser sim considerado uma conduta censurável, uma vez que vai de encontro a todo corpo jurídico e principiológico que orienta o Direito de Família, que deixa de dar efetividade a um direito constitucionalmente garantido e de dar cumprimento a um dever estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal. Sendo assim, os pais devem ser civilmente responsabilizado por sua conduta e condenado a pagar a indenização.

2.7.1. Constitucionalização do direito civil e a função social dos contratos

Com a imperiosa necessidade de fazer valer a função social, torna-se plausível o formato dos mecanismos de intervenção legitimada na propriedade imóvel sem que se compreenda todo o ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, subsidia-se do alicerce basilar do interesse social do qual se deriva a função social, para se ter possibilidades legítimas de se intervir na propriedade não ficando equívocos de que as formas de intervenção propendem a proteger a coletividade, na apreciação de Barcelos (2002).

A propriedade e o contrato são a gênese do direito privado e seus principais institutos, como centro do direito positivo. O Estado Democrático de Direito propiciou a evolução do direito privado a evidenciar a primazia da pessoa humana nas relações civis.

A Constituição Federal, além de positivar o princípio da função social do contrato, tem o intuito de ampliar seu alcance quando o coloca lado a lado acerca do princípio da dignidade humana (art. 1º, III), com o objetivo de tornar mais socialmente mais justas as relações jurídicas entre particulares.

Assim discorre Setti (2010) doutrinando que a Constituição Cidadã originou em seu texto os delineamentos deste novo direito, ao determinar, logo em seu artigo inaugural que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República brasileira é a dignidade da pessoa humana. Mais adiante, em seu artigo 3º, constitui como objetivo da República, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. No artigo 170, ao enumerar os princípios da ordem econômica, o legislador constituinte deixou claro que a ordem econômica é estabelecida na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim garantir a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social.

Conforme Basso (2008), a natureza jurídica da função social do contrato deve ser compreendida sob a premissa de que o contrato não pode trazer onerosidade excessiva, desproporção e injustiça social, bem como, não pode violar interesses individuais que abranjam a proteção da dignidade humana.

Tartuce (2007), afirma que a função social do contrato é uma norma geral de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único, do próprio Código Civil, através da qual o contrato necessariamente deve ser interpretado de acordo com o contexto do todo social, não devendo trazer desproporções entre as partes e muito menos desembocar em injustiças sociais. Os contratos também não podem extrapolar os interesses metaindividuais ou aqueles que se relacionam com a dignidade humana

Desta feita, o contrato não pode ser um instrumento de abuso econômico, um instrumento de opressão. Assim, a teoria do contrato foi reconstruída com o objetivo de, sem aniquilar a autonomia da vontade (Teoria Liberal dos contratos), condicioná-la a parâmetros constitucionais, a exemplo da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da doutrina da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Gagliano (2006) destaca a intenção do legislador de caracterizar a função social como um preceito de ordem pública. Ao utilizar a expressão “nenhuma convenção”, no parágrafo único do artigo 2035 do Código Civil, o legislador impõe uma obrigatoriedade a todos os negócios jurídicos. O princípio da função social do contrato é uma norma geral de ordem pública, prevista expressamente no ordenamento jurídico nacional, que vincula a obrigatoriedade e necessidade do contrato ser interpretado de acordo com o contexto que se insere na sociedade.

2.7.2. Constitucionalização do direito civil e a função social da propriedade

Na ótica liberal clássica, a Constituição limita o Poder Público, mas não regula as relações entre os particulares. Assim determinaram-se as áreas do Direito Público e do Direito Privado, vigorando, nesta última, a autonomia da vontade. Contudo, no Constitucionalismo de hoje a Constituição serve de moldura para todas as relações sociais, incluindo as áreas tradicionalmente adstritas ao Direito Privado, que passaram também a ser constitucionalizadas.

Em outra perspectiva pode-se também arguir a necessidade de outorgar força expansiva e onipresente aos direitos fundamentais, de maneira a fortalecer os particulares, tornando-os resistentes aos ataques de agentes diversos do Estado. Assim, delimita-se um espaço que não admite franquias quando se trata de exercer direitos ameaçados na horizontalidade das relações guardadas pelo ordenamento jurídico (ALARCÓN. 2017)

O direito de propriedade é um direito real complexo, elencado no art. 1228 do CC, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Igualmente, o §1º, do mencionado artigo, traz o princípio da função social, grande limitador constitucional do direito de propriedade. Por uma vez, o §2º prevê que: são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

A Constituição Federal de 1988 instituiu o direito de propriedade que efetiva os interesses da sociedade de forma expressa, através de princípios e regras, no art. 5º, inciso XXII, da CF, referindo-se ao direito de propriedade individual e, de forma específica, nos incisos XXVII a XXXI, á proteção ao direito autoral, à propriedade industrial e de marcas e ao direito de herança. Ainda, no mesmo artigo, o inciso XXIII indica a propriedade individual ao cumprimento de sua função social. Seguidamente, no art. 170, II e III, a Constituição Federal amplia a concepção de função social da propriedade, positivando-a também como princípio da ordem econômica.

Nessa linha de entendimento, Dantas (2015), identifica que, a ideia de uma função social nada mais é que o reconhecimento de que os interesses do titular daquele direito precisam se compatibilizar com os de outros cidadãos não proprietários, mas que, em um regime democrático, precisam do mesmo respeito e consideração por parte do sistema de direitos construído para a regulação da sociedade como um todo, e em igual medida.

A importância do princípio do Estado Social manifesta-se, portanto, principalmente na sua combinação com outros valores constitucionais essenciais consagrados pela Lei Fundamental, notadamente com o princípio da isonomia (art. 3º, inc. 1), a garantia das condições existenciais mínimas (aqui, como já referido, em combinação com os artigos 1 º, inc. I e 2º, inc. 1), bem como com a concepção já referida atribuída à garantia fundamental da propriedade, impregnada do conteúdo de justiça social inerente ao princípio do Estado Social e Democrático de Direito.

A constitucionalização dos pilares do Direito Civil, entre eles a propriedade, acarretou uma mudança paradigmática deste instituto. Antes vista como direito subjetivo absoluto, a propriedade passou a traduzir uma relação ente sujeito e bem, que só se justifica como instrumento de viabilização de valores fundamentais e só recebe a tutela jurídica quando atendida sua função social. A função social, assim, passou a ser parte integrante do conteúdo da propriedade, imprimindo-lhe um complexo de condições para o seu exercício voltado ao interesse coletivo e impondo ao proprietário não somente vedações, mas também prestações positivas. (LOPES. 2015)

É direito do proprietário ter para si a coisa e também é dever dele para com a coletividade de que essa propriedade produza frutos e atinja sua função social. Porém, para que a propriedade exerça sua função social, a Constituição Federal abordou mecanismos a fim de limitar o direito de propriedade, ou para punir o proprietário que exerceu seu direito sem a inobservância das regras garantidoras da função social.

Sobre a autora
Márcia Nogueira Bentes Corrêa

Advogada especialista em direito ambiental, constitucional, administrativo, cível e processualista. Escritório em Belém do Pará

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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