Proc. 2000.001.009144-0
Autor: Ricardo Gondim do Espírito Santo
Réu: Continente Supermercados Ltda
Juiz: Dr. André Côrtes Vieira Lopes
SENTENÇA
propôs em face do CONTINENTE SUPERMERCADOS LTDA a presente ação, de rito ordinário, pedindo seja este condenado a pagar-lhe a quantia correspondente a um automóvel, marca Volkswagen, modelo GOL MI, ano 1997, equipado com ar condicionado, direção hidráulica e rádio AM-FM, quantia essa não inferior a R$ 11.000,00 (onze mil reais), além dos lucros cessantes e das verbas de sucumbência, considerados para definição dos lucros cessantes os valores expressos no contrato de locação ao tempo do furto do mesmo veículo no pátio do estabelecimento do réu e no Quadro de Tarifas vigente a partir de 09/11/99.Disse o autor que é sócio-gerente da MOTORIZA LOCADORA DE VEÍCULOS LTDA, franqueada da LOCALIZA RENT A CAR, e, no exercício de seu negócio, adquiriu o automóvel, marca Volkswagen, modelo GOL MI, ano 1997, com ar condicionado e direção hidráulica, equipado ainda com rádio AM-FM, chassis 9BWZZZ377VP580927, placa KNC 6888, para ser posto em locação pela referida empresa. Disse ainda que, no dia 23/08/99, sua empresa locou o mencionado veículo a JORGE CINÉSIO LOPES DOS SANTOS ao preço de R$ 49,00 (quarenta e nove reais) por dia e R$ 0,49 (quarenta e nove centavos) por quilômetro rodado, considerando um mínimo de 50km/dia, contudo no dia 26/08/99, dele se utilizando o locatário, foi o mesmo furtado no pátio do estabelecimento do réu localizado na Rua Dias da Cruz 579 (RJ), onde aquele (locatário) se encontrava fazendo compras.
Instruem a inicial os documentos de fls.05/56, estando as custas recolhidas conforme guias de fls.57/58.
Citado, respondeu o réu sustentando a ausência da relação de causalidade entre sua conduta e o resultado danoso, eis que o autor deixou de fazer prova de que o furto do veículo de sua propriedade se dera no pátio do estabelecimento do contestante, sendo, a seu ver, imprestável o cartão de estacionamento exibido por não conter os dados mínimos aptos a identificar o veículo e a data da utilização do parqueamento, que deve ser utilizado exclusivamente por seus clientes, situação jurídica que só com a nota fiscal de alguma compra se demonstra (fls.61/64).
Réplica às fls. 76/78.
Saneador irrecorrido às fls. 83.
AIJ consoante termo de fls. 108/110.
É o relatório do necessário. DECIDO.
Todo o debate a respeito do tema - furto de veículo em estacionamento de supermercado - perdeu o interesse ante a orientação firme a que chegaram os nossos Tribunais no sentido de que responde a empresa que oferece o parqueamento em vista do dever de guarda, pouco importando tenha o titular da coisa subtraída pago, ou não, pelo estacionamento.
São exemplos dessa orientação as decisões a seguir:
"RESPONSABILIDADE PELA GUARDA DE VEÍCULO. SUPERMERCADO. DEMANDA INDENIZATÓRIA PROCEDENTE. O estabelecimento comercial que oferece estacionamento em área própria para comodidade de seus clientes, ainda que a título gratuito, assume em princípio a obrigação de guarda dos veículos, sendo assim responsável civilmente pelo seu furto ou danificação. Recurso especial conhecido, mas não provido." (STJ, 4ª T, Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, DJU 06/04/92, pág. 4502).
"CIVIL. RESPONSABILIDADE. FURTO EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. A empresa que explora supermercado é responsável pela indenização de furto de automóvel verificado em estacionamento que mantém, ainda que não cobre por esse serviço destinado a atrair clientela, por falta ao seu dever de vigilância" (STJ, 3ª T, RESP 17232-SP, Rel. Min. DIAS TRINDADE, DJU 06/04/92, pág. 4494).
"CIVIL. RESPONSABILIDADE. FURTO DE AUTOMÓVEL. ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. Consoante a orientação jurisprudencial que veio a prevalecer nesta Corte, deve o estabelecimento comercial responder pelos prejuízos causados à sua clientela no interior de área própria destinada ao estacionamento de veículos" (STJ, 4ª T, Rel. Min. BUENO DE SOUZA, RT 690/163).
"INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. DEVER DE VIGILÂNCIA E CUSTÓDIA. Relação jurídica decorrente de serviço complementar, remunerado de maneira indireta. Irrelevância de não ter havido transferência de posse mediante entrega das chaves do veículo e de oferta de estacionamento ser imposição legal. Verba devida. Ação procedente. recurso não provido."(TJSP, 2ª C, Rel. Cezar Peluso, RJTJSP 125/180).
"INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. DEVER DE VIGILÂNCIA E CUSTÓDIA. Vínculo jurídico decorrente do preço incluído no valor das mercadorias, e na perspectiva de lucro da afluência de clientela atraída pela comodidade do estacionamento. Embargos rejeitados"(TJSP, Einfrs, Rel. ÁLVARO LAZZARINI, RJTJSP 116/350).
No caso, o autor provou que o furto de veículo de sua propriedade, locado a terceiro, se deu no pátio do estabelecimento do réu e isso, de conformidade com a orientação mencionada, é o que basta para impor o dever de indenizar.
A prova da propriedade do veículo a que se reporta o autor na inicial se encontra às fls.30 e a da locação dele a terceiro, através da empresa de que é sócio-gerente, às fls.33.
Fazem prova de que o furto ocorreu no parqueamento do réu: o registro de ocorrência (fls.38/39), o relatório de sinistro (fls.36/37) e o cartão de estacionamento, cuja cópia constitui a peça de fls.35.
O registro de ocorrência, de todos sabido, goza de presunção juris tantum de verdade dos atos jurídicos em geral, de forma que sua conclusão não infirmada por antiprova, serve para afastar desde logo a alegação do supermercado-réu de que o evento danoso teria se verificado fora de suas dependências.
Mas não foi apenas o registro de ocorrência que me convenceu de que o furto do veículo do autor se ocasionou no pátio do estabelecimento comercial do réu, o cartão de estacionamento entregue ao então possuidor do veículo na entrada do mesmo estacionamento é prova convincente de sua estada no pátio com o veículo e de sua saída sem este, até porque dele não poderia ausentar-se com o referido cartão, cuja função reside justamente em permitir ao estabelecimento o controle efetivo da entrada e saída de veículos de seu pátio conduzidos pelo mesmo possuidor.
O fato de o cartão de estacionamento exibido não conter os dados mínimos aptos a identificar o veículo e a data da utilização do parqueamento é irrelevante para o desfecho dos debates e não favorece ao réu, - pelo contrário, põe em evidência o defeito de vigilância na guarda, que lhe cabia, de bens de terceiros, clientes ou possíveis clientes seus.
Muito significativa a expressão "possíveis clientes seus", porque ninguém é obrigado a comprar, ao dirigir-se a um supermercado. Pode entrar, olhar e sair livremente, e, ainda assim, o dever de guarda do estabelecimento comercial persiste, deixando o possível cliente seu veículo estacionado no pátio da casa de negócios. Faço esse registro ante a impertinente exigência do réu em ver o comprovante de alguma compra feita por parte do possuidor do veículo furtado no dia da subtração, para aceitar a utilização justa do parqueamento.
O que não me parece correto é o dimensionamento do dano que o autor empresta, até porque os frutos advindos da locação do veículo furtado iam todos para a empresa de que o autor é sócio, - e a pessoa jurídica não se confunde com a dos sócios, sendo o lucro eventualmente distribuído um resultado complexo do qual a receita com a locação de apenas um veículo uma parcela insignificante do mesmo resultado.
DAÍ PORQUE JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, A PRETENSÃO AUTORAL PARA CONDENAR O RÉU A PAGAR AO AUTOR A QUANTIA CORRESPONDENTE A UM AUTOMÓVEL, MARCA VOLKSWAGEN, MODELO GOL MI, ANO 1997, EQUIPADO COM AR CONDICIONADO, DIREÇÃO HIDRÁULICA E RÁDIO AM-FM , AO TEMPO DA SUBTRAÇÃO, CORRIGIDA MONETARIAMENTE ESSA QUANTIA, DESSA DATA ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO, COM BASE NA VARIAÇÃO DA UFIR NO PERÍODO. PAGARÁ TAMBÉM O VENCIDO AS CUSTAS DO PROCESSO E HONORÁRIOS AO ADVOGADO DO AUTOR, QUE FIXO EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO, QUE DEVERÁ SER DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO.
ANOTE-SE ONDE COUBER, INCLUSIVE NA DISTRIBUIÇÃO, O NOME CORRETO DO RÉU.
P.R.I.