Proc. n 2443/96
Vistos etc...
OTTO CESAR BARBOSA JÚNIOR, qualificado, ingressou com ação de cobrança de seguro contra FINASA SEGURADORA S.A e PORTO SEGURO CIA DE SEGUROS GERAIS, aduzindo, em síntese, ter celebrado com a primeira - Finasa - contrato de seguro referente ao veículo Volkswagen, placas BKQ-4019; que tal contratação se deu por exigência da Finasa Leasing, de mesmo grupo econômico, por ocasião do contrato de arrendamento mercantil; até então o veículo, que se encontrava em nome da cunhada do requerente - Cinthia Cristina Dias - tinha seguro junto a segunda requerida - Porto Seguro - ; que por ocasião da contratação do arrendamento, o gerente negou-se a aceitar o seguro existente, tendo o corretor da Porto Seguro, por sua vez, se negado a restituir o valor, surgindo, por conseqüência, duplo seguro; que em 14 de janeiro de 1996, na cidade de São Paulo, por volta de 22h30, estando o veículo estacionado na Alameda Casa Branca, defronte ao n 282, foi furtado, motivo pelo qual buscou receber o seguro junto a Finasa a qual negou-se ao pagamento sob indicação de falsas declarações e omissão de dados; que diante tal negativa, tendo seguro junto a Porto Seguro, buscou junto a esta o pagamento a qual, sob iguais pretextos, negou-se também ao pagamento motivo pelo qual, juntando documentos de fls. 8/26, pediu a citação de ambas as requeridas para responderem aos termos da ação até final procedência.
Citadas, Finasa apresentou contestação as fls. 35/42 articulando, em preliminar, ilegitimidade ativa por não ser o requerente o proprietário do veículo mas sim mero arrendatário, sendo ele pertencente a Finasa Leasing, sendo ela a beneficiária; negou, de mesma forma, ter obrigado a contratação do seguro; de outra parte, prestou declarações falsas o requerente pois o veículo circulava em São Paulo e não Franca, insistindo na improcedência da ação. Juntou documentos de fls. 44/46. Porto Seguro, a segunda requerida, apresentou contestação as fls. 49/62 indicando carência de ação por ilegitimidade ativa pois o contrato foi realizado com terceiro e, portanto, estranha ao procedimento, insistindo, de mesma forma, pelo afastamento da inicial. Juntou documentos de fls. 66/76.
Réplica as fls. 78/80, vindo manifestação da segunda requerida as fls. 83/85.
As fls. 86, facultada a produção eventual prova documental ficando inertes os requeridos - fls. 85-verso.
Relatado,
DECIDO.
Em razão do furto do veículo do requerente, procurou receber o seguro junto a seguradora que, segundo articulou, por ocasião da contratação do arrendamento, foi imposta pelo agente financeiro, pertencendo esta ao mesmo grupo econômico, negando-se esta ao pagamento.
Considerando que antes do negócio, dias próximos, sua cunhada, dona do veículo, havia realizado contrato com a Porto Seguros, procurou, diante negativa da primeira, receber junto a segunda, obtendo mesmo resultado.
Daí o ingresso com a ação direcionada contra ambas que, efetivamente, pelos documentos juntados, firmaram compromisso de seguro, receberam os valores correspondentes e procurados em razão da perda do objeto segurado, negam-se ao cumprimento da obrigação.
Existem, repetindo, ambos os contratos.
Entretanto, em relação a segunda - Porto Seguros - foi firmado com diversa pessoa - cunhada do requerente - e, portanto, poderia ser acionada pela contratante e não pelo ora requerente que, no caso, não demonstrou ter se sub-rogado nos direitos do crédito.
Não se cuida de afastar eventual questionamento pela referida pessoa no tocante ao ressarcimento dos valores diante perda, via transferência, do objeto e, portanto, sem necessidade da continuidade da cobertura mas sim de equacionar, nos limites processuais, a lide.
Efetivamente, Otto Cesar Barbosa Júnior não demonstrou efetiva legitimidade para acionar a segunda requerida e, portanto, resulta carente, em relação a esta, da ação, ficando extinto o feito desde logo.
De se prosseguir, todavia, em relação a primeira - Finasa -.
Nos limites propostos - questionamento - tem ele efetiva legitimidade pois assumiu o compromisso financeiro - contrato de arrendamento - recebendo o veículo conforme certificado juntado as fls. 12, tendo, de outra parte, concomitantemente, firmado o contrato de seguro com empresa de mesmo grupo - cf. 20.
Sabidamente, embora vedada a prática da venda de produto ou serviço em conjunto - a chamada venda casada - as empresas ferem dispositivo legal - Código de Defesa do Consumidor - e impõem aos clientes aderentes - partes mais fraca na relação - condições que resultam abusivas e, ainda assim, quando de sinistros, se negam ao atendimento, como o caso presente.
Existe um contrato.
O pagamento foi efetuado.
Resta o cumprimento.
Articula a requerida Finasa, entretanto, que o crédito devido pelo seguro pertenceria a arrendante e não ao arrendatário.
Ora, a situação foge ao limite da lide pois à seguradora contratada cumpre o pagamento aquele que reclama em decorrência do sinistro e, tendo alguma dúvida sobre o credor, seguindo norma legal, deve consignar o valor.
O que não pode é, sob o argumento de ilegitimidade, apropriar-se de valor que, nos limites do contrato, deve cumprir à vítima do furto e em decorrência do desapossamento do objeto.
Ao consignar o valor, seguindo ainda a forma processual adequada, indicará os possíveis beneficiários que, em decorrência, motivaram lide paralela e específica, visando demonstrar a legitimidade no recebimento.
Portanto, a requerida mencionada age em manifesta má fé, em tal limite, ao sustentar a ilegitimidade sem, entretanto, demonstrar o depósito necessário em Juízo e visando, efetivamente, cobrir o prejuízo daquele que, em decisão, no caso da provocação, será indicado como o efetivo credor.
Daí, nos limites da lide posta, ser dispensável qualquer chamamento de terceiro, pois a condição cumpriria própria seguradora.
Por outro lado, haveria justificativa quanto ao pagamento do seguro ao agente financeiro arrendador se este tivesse devolvido os valores pagos até a ocorrência do furto pelo requerente pois, em contrário, o seguro para esta seria garantia do pagamento das parcelas e não do próprio objeto que, efetivamente, traz o prejuízo para o requerente que, repetindo, assumiu todos os encargos.
Assim, diante tais limites, cuidando-se de efetiva relação de consumo, tenho que o requerente surge como parte legítima ao crédito e, ainda houvesse eventual questionamento sobre este, seria por parte do ente financeiro arrendante com o arrendatário, excluindo-se a participação do ene segurador que, embora de mesmo grupo, não guarda relação no negócio apesar de, no caso, surgir de fato como única empresa atuante - obrigou a contratação do seguro em decorrência do arrendamento realizado.
Ademais:
A interpretação de cláusula obscura
em contrato de adesão deve ser a mais favorável
ao contratante.
(Apelação Cível n. 244.544-2 - São
Paulo - Relator: RALPHO OLIVEIRA - CCIV 10 - V.U. - 09.02.95)
Com referência ao mérito - furto - o requerente demonstrou sua ocorrência via documento público sendo que este não foi impugnado.
O ônus da prova contrária - ausência do delito - seguindo regra estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor - cumpria à requerida que disso não cuidou, embora oportunidade facultada - fls. 86.
Entretanto, conforme já apontado, este efetivamente se deu e, portanto, incidente a cobertura.
O fato do veículo estar na posse de terceiro - parente - e em cidade diversa - S.Paulo - não motiva a compreensão indicada pela seguradora requerida - declaração falsa ou omissa - revelando aqui também má fé no campo negocial e no sentido de obter indevida vantagem.
Certo é que o contratante tinha o veículo mediante o arrendamento.
Certo também que o Código de Defesa do Consumidor impõe o ônus da prova ao fornecedor e aqui também a seguradora nada demonstrou no sentido de afastar a boa fé do consumidor, ora requerente.
PROVA - Ônus - Inversão - Admissibilidade
- Existência de verossimilhança nas alegações
do autor - Provas do adimplemento não apresentadas pela
requerida - Inaplicabilidade do artigo 333, I, do Código
de Processo Civil, face à prevalência do artigo 6º
, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, por ser norma
específica - Recurso não provido. (Aplica-se a regra
da inversão do ônus da prova, visto que há
verossimilhança nas alegações do autor.
(Apelação Cível n. 240.757-2 - Presidente
Prudente - Relator: DEBATIN CARDOSO - CCIV 9 - V.U. - 22.09.94)
Também:
INDENIZAÇÃO - Prova - Ônus - Inversão
- Cabimento -Comprovação do adimplemento não
apresentada pela ré - Inaplicabilidade do artigo 333, I,
do Código de Processo Civil, ante a prevalência do
Código de Defesa do Consumidor, como norma específica
- Recurso não provido.
(Apelação Cível n. 268.090-2 - Marília
- 16ª Câmara Civil - Relator: Soares Lima - 14.11.95
- V.U.)
Ainda:
PROVA - Ônus - Inversão - Critério
do Juiz, quando reputar verossímel a alegação
deduzida - Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor - Recurso não provido.
(in JTJ 152/128)
Tem ele contrato. Ocorreu o furto. Tem direito ao crédito.
Ademais, no contrato de seguro não consta qualquer cláusula impeditiva de direção ou posse transitória de veículo por terceiro e em cidade diversa.
E sabido é que, questões restritivas devem ser postas em destaque, sob pena invalidade:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Omissão
- Contrato de adesão - Cláusulas que limitaram o
direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque
- Inteligência do artigo 54, § 4º do Código
de Defesa do Consumidor - Falta de juntada do contrato - Interpretação
mais favorável ao consumidor conforme artigo 47 do Código
de Defesa do Consumidor - Ausência de infringência
aos parágrafos 1º e 2º do artigo 273; 458, II,
c.c. 165, todos do Código de Processo Civil - Irreversibilidade
não provada a terceira omissão está prejudicada
não se aplicando o artigo 147 do Código Civil e
sim do inexistente - Enriquecimento sem causa pela não
aplicação do Código de Defesa do Consumidor
- Embargos rejeitados.
(Embargos de Declaração n. 2.367-4 - São
Paulo - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Mattos
Faria - 16.04.96 - V.U.)
Procura a requerida lançar problema próprio, de administração e atuação sobre terceiro e tudo no sentido de obter indevida vantagem: não efetuar o pagamento decorrente de contrato.
Age, efetivamente, em manifesta má fé, resultando como litigante assim considerada.
Pediu o requerente, além do seguro, o pagamento do arrendamento mensal.
Tenho, diante limites desenvolvidos na decisão, improcedente a segunda parte - valor das prestações.
POSTO ISSO e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a inicial e, em conseqüência, condeno FINASA SEGURADORA S/A ao pagamento em prol de OTTO CESAR BARBOSA JÚNIOR, qualificado, do valor correspondente ao seguro do veículo descrito nos autos e diante perda decorrente do furto, no valor correspondente a R$ 10.700,00 atualizado, pelos índices das TRs. e com incidência de juros de mora a contar de 16.4.96 - data da negativa do atendimento cf. fls. 16 - acrescendo-se custas, emolumentos bem como multa de 10% sobre o montante apurado por reconhecida a litigância de má fé, além da honorária de 15% sobre o total apurado e devidamente corrigido. A sucumbência do requerente foi mínima em relação a essa requerida, já tendo compensado na honorária - fixada em 15% em lugar de 20%. JULGO EXTINTO o feito em relação a PORTO SEGURO CIA DE SEGUROS GERAIS, pagando OTTO CESAR BARBOSA JÚNIOR, qualificado, custas e emolumentos - desembolsados e comprovados mediante guia - bem como honorária do patrono adverso na quantia correspondente a 10% do valor da causa atualizado, a contar da distribuição, pelos índices das TRs.
P. R. e Intimem-se.
Franca, 31 de julho de 1997.
ELCIO TRUJILLO
Juiz de Direito