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Transgênicos:

sentença em ação civil pública

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Agenda 01/11/2000 às 00:00

III

            Em conseqüência do exposto, não há dúvida de que o inciso XIV do art. 2 do Decreto n 1.752/95 e as Instruções Normativas ns. 03 e 10 da CTNBio, no que possibilitam a dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para a liberação de organismos geneticamente modificados, bem assim, a Lei n 8.974/85, com seu silêncio agressor sobre o assunto, afiguram-se flagrantemente inconstitucionais, no ponto.

            Com razão, pois, o Instituto-autor, ao afirmar que o Decreto e as Instruções Normativas, quando atribuem à CTNBio o poder de decidir sobre a necessidade ou não de se enviar o assunto ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, para só então, deliberar o referido Ministério a respeito da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental, violam o art. 225, 1, da Constituição Federal, pois é neste dispositivo que está insculpida a obrigatoriedade do Poder Público, no caso a CTNBio, de promover o EIA e dar-lhe publicidade

            A omissão normativa, de que ora se cuida, resta suprida, a todo modo, pela vigência e constitucionalidade plena das normas do art. 10 da Lei n 6.938/81 e das Resoluções ns 01/86 e 237/97 - CONAMA, que exigem, explicitamente, a licença ambiental prévia, no caso de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente.


IV

            No que tange à exigência de elaboração de normas, a que está obrigada por lei a CTNBio, relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, a pretensão do autor encontra abrigo no comando emergente do inciso V do parágrafo 1 do art. 225 da Carta Magna, que ordena ao Poder Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, bem assim, nos artigos 1 e 2, inciso V, da Lei n 8.974, de 05/01/95 a exigirem da CTNBio normas e regulamentos relativos às atividades e projetos que contemplem construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte relacionados a organismos geneticamente modificados (OGM).

            Tais normas hão de se afinar com as disposições pertinentes da Lei n 8.078, de 11/09/90 (Código de Proteção ao Consumidor), especialmente com as regras determinantes dos arts. 6, incisos I e III, 9 e 31 da referida lei, in verbis:

            Art. 6. - São direitos básicos do consumidor:

            I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

            III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

            Art. 9 - O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

            Art. 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

            Em memorial, juntado por linha, nestes autos, o Instituto-autor justifica, com inegável razão, a necessidade de normas técnicas que atendam, efetivamente, às imposições do Código de Proteção do Consumidor, nestas letras:

            Se é indiscutível que, de acordo com o artigo 6, II e III, o consumidor tem o direito básico a informação adequada e clara, com especificação correta de características, composição, qualidade, riscos que apresentem, entre outros dados, também é certo que apenas esses dados irão propiciar o adequado direito de escolha do consumidor, também assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor.

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            Este aspecto da demanda judicial é reconhecido inclusive pela Ré União Federal que já determinou, como mencionado acima, a criação de uma comissão interministerial com o fim de elaborar norma sobre rotulagem de transgênicos, conforme Portaria n 268/90 do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor / Ministério da Justiça, estando em discussão a proposta oficial.

            De fato, a questão não é simples e comporta uma séria análise para se chegar a uma norma técnica que atenda as imposições do Código de Defesa do Consumidor. O IDEC encaminhou uma manifestação embasada ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da qual pede-se venia para reproduzir os seguintes pontos que dizem respeito aos preceitos básicos que devem nortear norma a este respeito:

            I. Introdução

            Em que pese o esforço envidado pela Comissão interministerial, especialmente por este respeitável Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor / Ministério da Justiça no sentido de garantir a rotulagem completa dos alimentos transgênicos, a proposta apresentada não atende à finalidade precípua de informar adequada e completamente os consumidores conforme exigido pelo Código de Defesa do Consumidor. O IDEC entende que a proposta constante da Consulta Pública n 2/99 deve ser aprimorada, pois, como está, transmite a falsa idéia de que o direito à informação e o direito à liberdade de escolha do consumidor estariam preservados quando, na realidade, apenas uma parte dos alimentos seriam rotulados - ainda assim, inadequadamente - pela proposta ora em discussão.

            O IDEC entende que as premissas que merecem ser relevadas por essa respeitável Comissão, coordenada pelo DPDC / MJ dizem respeito:

            (1) ao princípio da segregação, como única forma capaz de assegurar a informação correta e adequada de todos os produtos, ao consumidor;

            (2) à inclusão no âmbito de aplicação da norma dos produtos (alimentos e ingredientes) em que tanto as Proteínas como o ADN (DNA) resultantes da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento, excluídos na proposta original no item 1.3.;

            (3) à informação no rótulo sobre a espécie doadora e a finalidade do gene inserido; e,

            (4) à inclusão de outros fatores legítimos, ao lado da análise científica, como sustentáculos da rotulagem.

            Estes aspectos relevantes e outros serão devidamente detalhados abaixo, de modo a demonstrar a necessidade de alteração e reformulação da proposta em discussão, sob pena de se aprovar norma técnica manifestamente inadequada para os fins a que se destina e, sobretudo, ilegal.

            (...)

            1. Princípio da Segregação

            A segregação (separação) da produção convencional (natural) da produção transgênica deve ser um princípio básico a nortear a norma técnica de rotulagem, já que é a única maneira capaz de assegurar a rotulagem plena, ou seja, a informação em todo e qualquer produto transgênico, considerando que, segundo consta da própria proposta, os atuais métodos de detecção de transgênico não alcançam os produtos em que as proteínas e/ou o DNA resultante da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento. E, mesmo que haja ou sejam criados métodos científicos adequados para tal fim, ainda assim é imprescindível a segregação para impedir que outros eventuais interesses (comerciais, por exemplo) impeçam a utilização de tais métodos e, conseqüentemente, inviabilizem a rotulagem segura e completa de todos os alimentos. Em síntese, a segregação supre as deficiências de metodologia atuais e futuras.

            Sob outro enfoque, a segregação, por si só, é importante para minimizar substancialmente os recursos humanos e materiais para os quais o Poder Público deverá investir para propiciar a fiscalização e a realização de testes e detecção de produtos transgênicos não rotulados.

            Ademais, a segregação e a rotulagem plena seriam absolutamente interessante sob o enfoque econômico, considerando a notória rejeição aos alimentos transgênicos em países importadores, especialmente a Comunidade Européia e o Japão.

            Por fim, ainda que os argumentos explicitados não fossem suficientes, a legislação brasileira é imperativa no sentido de obrigar a informação plena (especialmente, artigos 6, III, 9, 31 e 66 do Código de Defesa do Consumidor), razão pela qual a proposta de Regulamento Técnico apresentada representa uma afronta ao CDC, pois não alcança a totalidade dos alimentos.

            2. Exclusão de produtos transgênicos da norma

            O item 1.3. da proposta é inaceitável, pois admite a exclusão da rotulagem de uma imensa quantidade de produtos transgênicos, nestes termos: ficam excluídos das exigências deste Regulamento Técnico os alimentos e ingredientes em que tanto as Proteínas como o ADN (DNA) resultantes da modificação genética tiverem sido destruídos pelas diferentes fases da elaboração ou processamento. Caso esta norma fosse aprovada, ficaria isento de rotulagem uma grande quantidade de produtos, como o óleo de soja (transgênica) e todos os produtos que contêm o óleo geneticamente modificado - como massas, sopas, biscoitos, sorvetes, pães, alimentos infantis, batatas fritas, etc -, pelo simples fato de os métodos de detecção hoje existentes não serem capazes de comprovar a presença do gene da bactéria inserido na semente de soja, por exemplo.

            Ademais, esta proposta está fundamentada na presunção equivocada de que a modificação genética limita seu impacto na composição do alimento às proteínas e DNA, quando sabemos que podem vir a existir outras modificações secundárias, como por exemplo, aumento nos resíduos de agrotóxicos decorrentes das mudanças em práticas agrícolas com plantas resistentes.

            Esta exclusão sugerida na norma representa uma manifesta violação do direito básico do consumidor à informação plena e pode ser facilmente resolvida desde que a segregação seja incluída como princípio para a rotulagem de transgênicos.

            3. Informação obrigatória incompleta

            Uma das informações mais relevantes para o consumidor é justamente a(s) espécie(s) doadora(s) e a(s) finalidade(s) do(s) gene(s), isto é, o gene da espécie (animal ou vegetal) que foi introduzido em outra espécie - naquela que irá para o mercado consumidor. Este dado é imprescindível para que o consumidor exerça seu direito de escolha, considerando, inclusive aspectos alergênicos, religiosos, culturais - já que sabemos que, por meio desta tecnologia, é possível o cruzamento entre espécies diferentes e também entre reinos distintos, o que traz uma série de implicações que tornam indispensável a informação para o consumidor - além do simples (porém não menos importante) direito de saber.

            Por exemplo, os consumidores que não ingerem carne de porco ou de vaca por motivo religioso tem o direito de saber que determinado alimento (que pode ser arroz, milho, etc) contém um gene suíno ou bovino. Igualmente, a população vegetariana que, por motivo cultural ou hábito alimentar, não aceita qualquer espécie de carne, deve estar devidamente informada quanto à modificação genética sofrida por um alimento que recebeu gene de alguma espécie animal para poder exercer seu direito de escolha.

            Outra razão ainda mais relevante sob o enfoque da saúde pública exige que o gene e a espécie doadora - não incluídas na proposta de Regulamento Técnico - constem de maneira obrigatória em todo e qualquer produto transgênico. Previamente à liberação comercial de uma espécie transgênica deve haver uma avaliação rigorosa dos impactos sobre a saúde humana e animal, bem como sobre o meio ambiente - com base em normas pré-estabelecidas. No entanto, a avaliação mais rigorosa pode ainda não excluir a eventualidade de surgir algum dano não avaliado. Nesta hipótese, a informação sobre o gene e a espécie doadora se mostram, definitivamente, indispensável para a investigação científica. Na ocorrência de eventos inesperados, a literatura já demonstrou o caráter imprescindível da rotulagem para permitir a rastreabilidade da origem do produto como método de investigação (por exemplo, o caso triptofano da empresa Showa Denko).

            Importante salientar que no entendimento do IDEC, uma espécie sabidamente alergênica, tal como a castanha-do-pará, o camarão, a soja, etc., jamais pode ser uma espécie doadora com finalidade de utilização para consumo, porque o consumidor alérgico não conseguiria evitá-la (quando, por exemplo, se alimenta em restaurantes, lanchonetes e mesmo na casa de terceiros). Assim, um consumidor sensível à castanha-do-pará pode evitá-la quando este alimento lhe é visível aos olhos; mas se um gene de castanha-do-pará for inserido na soja, no feijão, etc., não poderá evitar o seu consumo - o que propiciará o aumento da freqüência de reações alérgicas na população em enorme prejuízo para a saúde pública. Mas, além dos alimentos notoriamente alergênicos, que, por isso, não devem ser fontes de doação, há outros capazes de provocar alergias. É que no processo de transferência de gene de uma espécie para outra novos compostos são formados (como proteínas e aminoácidos), razão pela qual a informação sobre o gene e a espécie doadora são de extrema relevância e utilidade para o consumidor e para a ciência.

            Vê-se, pois, que para garantir a informação completa e adequada ao consumidor, é necessária a segregação (separação) da espécie transgênica e a convencional, mantendo a segregação desde o cultivo até o mercado, devendo todos os fornecedores envolvidos na cadeia produtiva responderem pela segregação e pela informação plena ao consumidor (nos termos dos artigos 3 e 18 do Código de Defesa do Consumidor).


            Com estas considerações, julgo procedente a presente ação para condenar a União Federal a exigir a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da MONSANTO DO BRASIL LTDA, nos moldes preconizados nesta sentença, para liberação de espécies geneticamente modificadas e de todos os outros pedidos formulados à CTNBio, nesse sentido; declaro, em conseqüência, a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2 do Decreto n 1.752/95, bem assim das Instruções Normativas ns. 03 e 10 - CTNBio, no que possibilitam a dispensa do EIA/RIMA, na espécie dos autos.

            Condeno, ainda, a União Federal a exigir da CTNBio, no prazo de 90 (noventa) dias, a elaboração de normas relativas à segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, em conformidade com as disposições vinculantes da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor ( Lei n 8.078/90) e da legislação ambiental, na espécie, ficando obrigada a CTNBio a não emitir qualquer parecer técnico conclusivo a nenhum pedido que lhe for formulado, antes do cumprimento das exigências legais, aqui, expostas.

            Mantenho a eficácia plena de medida cautelar deferida nos autos do processo n 98.34.00.027681- 8 (CPC, art. 807, caput).

            Fica estabelecida e mantida a multa pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, por dia, a partir da data do descumprimento destas determinações, a ser aplicada aos agentes infratores, públicos ou privados ( Lei n 7.347/85, art. 11).

            Condeno, finalmente, as promovidas no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada qual, a título de honorários advocatícios e nas custas processuais expendidas.

            A União Federal está isenta de custas processuais, ex vi legis.

            Oficie-se aos Srs. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para cumprimento das ordens mandamentais, resultantes deste decisum.

            Oficie-se, com urgência, à eminente Juíza Relatora do processo cautelar em referência, em face da absorção eficacial do presente decisum.

            Com vistas no que dispõe o art. 475, II, do CPC, c/c o artigo 19 da Lei n 7.347, de 24/07/85, submeto este decisum ao duplo grau de jurisdição, mantendo-se sua eficácia mandamental imediata.

            Publique-se. Intimem-se a União Federal e o Ministério Público Federal.

            Brasília (DF), em 26 de junho do ano 2000.

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE
Juiz Federal - 6ª Vara

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Transgênicos:: sentença em ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16337. Acesso em: 23 nov. 2024.

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