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Sentença nega ilegalidade em anulação de concurso público sem processo administrativo

Agenda 01/12/1999 às 01:00

Servidora pública municipal ingressou com ação contra decreto municipal que determinou a anulação de sua posse, em virtude de defeitos apontados no concurso público em que fora aprovada. A pretensão foi negada pela decisão de primeiro grau.

Estado da Paraíba
Poder Judiciário
Comarca de Campina Grande
1ª Vara da Fazenda Pública

          AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DECRETO MUNICIPAL C/C REINTEGRAÇÃO DE FUNÇÃO E PAGAMENTO DE VERBAS SALARIAIS – CONCURSO PÚBLICO VICIADO – INVALIDAÇÃO PELO TCE – ATO IMPESSOAL – DESNECESSIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 473 – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

Evidenciada a nulidade do concurso público por meio do Tribunal de Contas, deve o município decretar sua nulidade, que, obviamente, contamina os atos que lhe são conseqüentes, sem que gerem direitos em favor de terceiros, ficando, pois, dispensado qualquer processo administrativo prévio, em vista de tratar-se de restabelecimento da ordem jurídica, maculada pela própria Administração Pública.

Incabível a aplicação, na hipótese, das súmulas 20 e 21 do STF, porque a exigência da instauração de processo administrativo pressupõe a legalidade do concurso público, com investidura válida do servidor.

Vistos, etc.

LÚCIA MARIA DA COSTA, qualificada "ab initio", através de advogado com regular habilitação, intentou a presente Ação de Nulidade de Decreto Municipal, cumulada com pedido de Reintegração de Função, Pagamento de Verbas Salariais e Tutela Antecipada, contra o Município de Lagoa Seca, representado pelo Exmo. Sr. Prefeito Constitucional Gilvandro Carneiro Leal, alegando em síntese que:

- A autora foi aprovada em concurso público de provas e títulos, em 25 de abril de 1995, para o cargo de Assessora Fazendária da Prefeitura, de acordo com a portaria municipal n.º 200/95;

- O Prefeito Municipal de Lagoa Seca, através do Dec. Municipal n.º 10/98, baseado em decisão do Tribunal de Contas, anulou o concurso e demitiu os concursados, dentre eles, a promovente, atropelando inclusive a competência exclusiva do Poder Judiciário;

- O mencionado decreto é nulo porque não oportunizou o exercício da ampla defesa , ferindo o disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Requer a promovente, ao final, que seja declarado nulo o decreto em apreço, garantindo-se o direito definitivo da autora "ser reintegrada em suas funções públicas – sem qualquer discriminação ou ameaça de transferência – e condenando a Prefeitura ré a ressarcir, em dobro, os salários não pagos à demandante, além de ressarcimento de custas judiciais e honorários advocatícios á base de 20% (vinte por cento) no valor que apurado for" (fls.02/08). O pedido de tutela antecipada foi concedido pelo então juiz da época, o qual determinou a reintegração imediata da autora no cargo que exercia na Prefeitura Municipal (fls.36/37). A inicial veio instruída com a documentação de fls.09/24.

A Prefeitura Municipal de Lagoa Seca (Município) contestou a ação em tempo hábil, ventilando que:

- "A inserção da Autora no Quadro de Servidores Municipais, realizada através de ato de nomeação, na maneira em que se efetuou, macula contundentemente os mais comezinhos princípios constitucionais em vigor, o que enseja em conclusão na inerente vicissitude do referido ato administrativo;

- E em sendo assim, o Digníssimo Atual Prefeito, apenas no uso de suas atribuições legais, e no mais como Administrador consciente de seu papel, agindo, pois, verdadeiramente da forma que se deve proceder num Estado Democrático de Direito – aquele que se caracteriza pela submissão ao império da Lei – através do Decreto Municipal n.º 10/98, de natureza regulamentar ou de execução, veio a declarar, apenas seguindo a notória e prudente interpretação do parecer técnico-administrativo do Tribunal de Contas do Estado, a explícita e incontestável Nulidade do Concurso Público, realizado no Município de Lagoa Seca, durante a gestão do ex-prefeito Francisco José de Oliveira Coutinho, motivação que o levou a promover a inevitável demissão da Autora" (fls.27/30);

Pede a parte promovida, enfim, a improcedência da ação proposta. A autora impugnou a contestação, dizendo não ser verdade que a sua admissão foi ilegal. E, ainda que: "A decisão do Tribunal de Contas, por ser uma decisão administrativa, não tem o condão de reformar a legislação, muito menos a Constituição em vigor, sendo a demissão da autora ilegal, por desobedecer direitos e garantias individuais" ( fls.32/35).

A promotoria de justiça, invocando o art.17, I, h, item 6, da LOJE, opinou pelo incompetência deste juízo para processar e julgar a ação em tela, fls.42.

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          É o relatório.

DECIDO.

Impõe-se o julgamento antecipado da lide com esteio no art.330, inc.I, do CPC. "Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder" (STJ-4ª Turma; R. Esp.2.832-RJ; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo; pub. no DJU de 17.09.90; pág. 9.513).

Inicialmente, cai a lanço frisar que a ação em testilha é de natureza declaratória constitutiva, e objetiva a declaração de nulidade do ato administrativo, da lavra do Chefe do Poder Executivo de Lagoa Seca, materializado através do decreto municipal 10/98. A propósito, a jurisprudência vem orientando que: "Nada veda que a declaratória seja ajuizada em conexão com pedido constitutivo ou condenatório. O nome com o qual se rotula a causa é sem relevância para a ciência processual" (RSTJ 37/368).

Não se trata aqui de representação ou ação direita de inconstitucionalidade, razão pela qual não vejo como correta a manifestação da digna promotoria de justiça às fls.42. Compete a esse juízo, pois, processar e julgar a presente ação.

Assim, rejeito a preliminar de incompetência suscitada pelo "parquet".

No mérito, entendo que a ação não tem pertinência.

Como sabido, há de ser reconhecida a legalidade do ato administrativo objurgado, quando este vem amparado em decisão incensurável do Tribunal de Contas. O certame público é o meio mais idôneo e apropriado posto à disposição do Poder Público para atender-se ao princípio da moralidade administrativa, servindo, sobretudo, para aperfeiçoar o serviço e proporcionar igual oportunidade de acesso aos cidadãos interessados, regularmente inscritos.

Discute-se aqui, em resumo, a validação do concurso público para o qual a autora foi aprovada. Sustenta a autora, portanto, que não se lhe deu oportunidade de defesa antes da declaração de nulidade do concurso, pelo município. Não houve o devido processo legal para o respectivo ato, nos termos do art.5.º, inc. LV, da CF, arremata.

Em verdade, o cerne da questão envolve várias irregularidades circunstancias do certame, apontadas pela auditoria do TCE, a saber: 1) o edital e regulamento do concurso não determinou a modalidade de provas a serem aplicadas para as categorias de Motorista, Tratorista, Pedreiro e Eletricista, assim como os critérios adotados para a seleção dos candidatos a Gari; 2) ausência de critérios relativos à seleção dos candidatos a cargos de nível superior; 3) omissão, no regulamento, das disciplinas exigidas e os critérios de aprovação para os cargos do Grupo Tributação; 4) participação e aprovação de candidatos que guardam parentesco com membro da Comissão do Concurso; 5) digitação e impressão das provas a cargo de prestador de serviço com endereço desconhecido; 6) composição deficiente da comissão do concurso (apenas 04 membros).

A Corte de Contas, nos autos do proc. n.º 5940/97, em vista dos vícios acima elencados, acordou em considerar nulos de pleno direito os atos de admissão, negando a concessão dos correspondentes registros.

É função institucional do Tribunal apreciar, além de outros assuntos, a legalidade dos atos de admissão de pessoal na Administração Pública, excetuadas as nomeações para cargos em comissão e as concessões de aposentadorias e pensões, conforme dispõe o inc. III, do art.71, da Constituição do Estado (v. tb. o mesmo dispositivo da CF).

No caso do autos, dispensável a exigência de processo administrativo para a providência adotada pela edilidade, posto que, o ato guerreado (Dec. Municipal n.º 10/98), não veiculou a exoneração ou demissão de servidores, mas tão somente a decretação de nulidade do concurso público e dos atos subseqüentes. O ato de invalidação foi impessoal e a Administração não alegou qualquer falta ou incapacidade de exercício funcional da autora. O Dec. Municipal cuidou apenas de desfazer a investidura ilegal no serviço público, anulando o certame com fundamento em decisão do TCE.

Incabível a aplicação, na hipótese, das súmulas 20 e 21 do STF, porque a exigência da instauração de processo administrativo pressupõe a legalidade do concurso público, com investidura válida do servidor, o que não foi o caso.

O Supremo Tribunal Federal, analisando questão similar, em acórdão de que foi Relator o Ministro Moreira Alves, publicado na RTJ 82/300, assentou:

"A exoneração ou a demissão pressupõem investidura válida, sendo formas de ruptura de vínculo pré-existente entre a Administração Pública e o servidor. Por isso, para que se apure a falta ou a incapacidade alegada como fundamento dessa ruptura, é mister, nos termos da Súmula n.º 21, que haja processo administrativo em que se possa defender o servidor regularmente investido.

          O mesmo, porém, não ocorre quando se trata de nulidade do ato administrativo em virtude do qual houve a investidura do servidor. Neste caso, como sucede com qualquer outro ato administrativo – que também pode causar prejuízo ao seu beneficiário – o que há é o simples restabelecimento da ordem jurídica, violada pela administração pública, e passível de ser restaurada por ela mesma. Não teria sentido a exigência de processo administrativo em que tomassem a defesa, não de si mesmos – não se trata de falta pessoal ou de incapacidade profissional - , mas do ato impugnado como nulo, por ilegalidade, pela própria administração que o praticou e que posteriormente reconheceu sua falha, os beneficiários do ato. Ademais, é de considerar-se que a declaração de nulidade do concurso é ato impessoal, já que atinge a todos os classificados nele, e, não a este ou àquele candidato."

Como se percebe, a discussão em exame é indubitavelmente diversa daquela retratada pelas referidas súmulas. Aplicam-se aqui as súmulas 346 e 473 da Excelsa Corte, as quais, respectivamente, gizam que:

"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos"

"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial"

Observe-se que, evidenciada a nulidade do concurso público por meio do Tribunal de Contas, deve o município decretar sua nulidade, que, obviamente, contamina os atos que lhe são conseqüentes, sem que gerem direitos em favor de terceiros, ficando, pois, dispensado qualquer processo administrativo prévio, em vista de tratar-se de restabelecimento da ordem jurídica, maculada pela própria Administração Pública.

Não há falar em direito adquirido e estabilidade no serviço público, quando o ato inquinado ofende princípios da própria Constituição Federal (art.37). Ademais, a súmula 347 do STF institui que: "O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público".

A teor do exposto, considerando que os atos de admissão referente ao concurso público, realizado pela Prefeitura de Lagoa Seca-Pb, no ano de 1994, são nulos de pleno direito e, como tal, não geram efeitos na órbita jurídica, JULGO IMPROCEDENTE a ação movida pela autora, condenando-a nas despesas processuais e honorários advocatícios, estes no percentual de 20% sobre o valor da causa.

Sem efeito a tutela antecipada antes concedida.

P.R.I.

Oportunamente, certifique-se o decurso do prazo recursal.

Campina Grande, 04 de junho de 1999.

José Herbert Luna Lisboa
Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campina Grande-Pb

Sobre o autor
José Herbert Luna Lisboa

Juiz de Direito no Estado da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LISBOA, José Herbert Luna. Sentença nega ilegalidade em anulação de concurso público sem processo administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16368. Acesso em: 25 dez. 2024.

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