Processo nº 006980678-01
Reclamante(s): Paulo Norberto dos Santos e Outros (03)
Reclamado (a): Transur Empresa de Transportes Urbanos de Salvador Em
Liquidação e Município de Salvador
SENTENÇA
Aos 06 dias do mês de julho de um mil novecentos e noventa e oito, às 16:08 horas, estando aberta a audiência da 6ª Junta de Conciliação e Julgamento de Salvador, na presença do Ex.mo. Sr. Dr. Juiz do Trabalho RUBEM DIAS DO NASCIMENTO JÚNIOR e dos Juizes Classistas BRÁULIO RIBEIRO DA SILVA, Representante de Empregadores, e VIRGÍNIA DINIZ GONÇALVES DANTAS, Representante de Empregados foram, por ordem do Exmo. Sr. Dr. Juiz Presidente apregoados os litigantes nomeados acima. Ausentes as partes. Aberta a audiência, colhidos os votos dos Juizes Classistas, o Juiz Presidente proferiu a seguinte DECISÄO:
RELATÓRIO
Paulo Norberto dos Santos, Rubem Miranda de Santana, Tânia Virgínia Silveira Santos e Tenise Sales Leal de Oliveira reclamam de Transur Transportes Urbanos (cuja denominação correta e atual é Transur Transportes Urbanos de Salvador Em Liquidação) e Município do Salvador conforme inicial de fls. 1/5, com procurações e documentos de fls. 6/31. Arquivada a reclamação quanto ao reclamante Rubem Miranda de Santana. Defesas e documentos às fls. 35/133, manifestando-se a parte contrária às fls. 135/139. Interrogada parte reclamante, dispensados os representantes da parte reclamada. Sem prova testemunhal. Alçada fixada. Razões finais aduzidas. Propostas conciliatórias recusadas. Tudo visto.
FUNDAMENTOS
Narra a parte reclamante ter sido admitida na primeira reclamada, exercendo funções indicadas em suas carteiras profissionais, até que foram surpreendidos com Portaria emitida pelo empregador, declarando os contratos de trabalho nulos, sem pagamento de qualquer parcela, postulando o que se encontra às fls. 4.
Consta na inicial que a primeira reclamada é empresa pública municipal e se encontra em fase de liquidação por determinação do Poder Executivo Municipal, daí a razão do Município de Salvador ter sido incluído como reclamado, acreditando a parte reclamante existir solidariedade.
Na defesa da segunda reclamada está demonstrada sua ilegitimidade, porque jamais foi empregadora dos reclamantes, já que conservada íntegra a personalidade jurídica da outra reclamada, ainda que em fase de liquidação. Acolho os argumentos do ítem 5 da defesa do Município do Salvador e declarando-a parte ilegítima "ad causam", julga-se extinto o processo quanto a ela, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, com sua exclusão da lide, prejudicados os demais aspectos da defesa da segunda reclamada, ressalvado apenas que, se na época da execução estiver encerrada a liquidação da primeira reclamada, a execução se voltará contra quem estiver indicado na lei municipal que trata da extinção da Transur.
O Diário Oficial do Município do dia 18 de fevereiro de 1997 publica extensas listas de contratos declarados nulos, nas diversas empresas públicas e de economia mista municipais, alcançando a impressionante cifra de 4.771 desligados, certamente atingindo o sustento de igual número de famílias, possivelmente envolvendo mais de vinte mil pessoas, repentinamente excluídas das mínimas condições de sobrevivência, por ato da administração municipal renovada em janeiro de 1997, cujo trunfo para impressionar foi um surto moralizador, anulando contratos de trabalho de pessoas inocentemente admitidas sem concurso. Durante anos, conforme a admissão dos envolvidos, silenciou a Procuradoria do Municipio quanto à infração legal aqui tratada, silenciou o Tribunal de Contas, que certamente aprovou as respectivas contas municipais, como omitiu-se a Procuradoria Regional do Trabalho. São milhares de pessoas desalojadas do trabalho e do sustento, cabendo perguntar como foram substituídas tão de repente, se concurso público as entidades municipais não realizaram, se não eram necessárias e supérfluas suas atividades ou se foram substituídas pela terceirização rapinante, muito mais prejudicial ao erário público. A repentina obediência à lei gerou um caos social muito pior.
A admissão em cargos públicos consta das constituições brasileiras, desde a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, sendo que a exigência de concurso para ingresso no serviço público brasileiro constou pela primeira vez na Constituição Federal de 1934. O texto finalmente aprovado e que consta da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estatui que "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei", seguida a tradição e reiterado o princípio da isonomia, sendo que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração". Importa remarcar que estas duas regras estão sob o comando sobredeterminante de um "caput", cujo teor é "A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e aos dois tópicos acima, numerados como incisos I e II. Sem pretender atribuir coerência metódica ou força sistematizadora compacta ao dispositivo constitucional, é possível discernir o conteúdo conceitual do termo "servidor público" utilizado pelo constituinte federal de 1988 recorrendo, inicialmente, a uma classificação simples, dividindo o gênero trabalhadores em duas grandes espécies: "trabalhadores à serviço da iniciativa privada" e "trabalhadores à serviço do Estado", sendo que esta última categoria pode ser subdividida em "servidores civis públicos", "servidores públicos militares" e "empregados da administração indireta (fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista)". Os trabalhadores não se distinguem em si mesmos considerados, mas se distinguem porque estabelecem relações de trabalho com entes diferentes. Alguns trabalham para entes da iniciativa privada e outros trabalham para o Estado. Em momentos de crise e de transição como o presente, nem sempre é possível fixar fronteiras muito rígidas entre os diversos conceitos que se entrechocam. Nem sempre os paradigmas com que se opera são os mais apropriados para captar a realidade. Por isso, talvez seja melhor, construir novos conceitos que melhor captem e exprimam a realidade. Enquanto não são construídos os novos conceitos, a solução é continuar empregando os antigos, com a devida têmpera. Assim, o empregado da empresa pública, da sociedade de economia mista ou da fundação há que ser visto e entendido como sendo um empregado igual a qualquer outro submetido às regras do regime trabalhista comum, mas, por força da natureza jurídica específica do empregador a que se vincula, recebe algumas características adicionais que fazem dele um "centauro", como adjetiva Arion Sayão Romita. (JOSÉ MARIA QUADROS DE ALENCAR, "exigência de Concurso para Admissão de Empregados por Sociedade de Economia Mista e Empresas Públicas" - LTr - ÿ59-10/1358 a 1369).
Muito se tem discutido, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência trabalhista, acerca da contratação irregular de trabalhador pela Administração Pública, ou seja, sem a prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF / 88). Alguns entendem que sem referido requisito (prévia aprovação em concurso público) a contratação é nula, não gerando efeitos para nenhuma das partes contratantes. Aplicam a regra do parágrafo 2º do art. 37, CF / 88. Outros são da opinião que, muito embora não se possa reconhecer vínculo empregatício algum (face ao não atendimento da regra do inciso II, do art. 37, CF / 88), não se pode deixar o trabalhador sem a proteção legal trabalhista. Por isso, entendem que o contratado deve fazer jus às verbas trabalhistas, a título de indenização, como se empregado regular fosse. Outros defendem que não se pode aplicar na sua inteireza a regra da nulidade do ato, prevista no artigo 37, § 2º da CF/88 e os que defendem tal posição buscam, em seu auxílio, os ensinamentos dos eminentes doutrinadores ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK ("Curso de Direito do Trabalho", 1ª edição, Forense, 1990, vols. I e II, pags. 136/137): "O princípio, segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz, não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceitá-lo em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força trabalho, que implica em dispêndio de energia física e intelectual, é, por isso mesmo, insuscetível de restituição ... Deve-se admitir em toda extensão o princípio segundo o qual 'trabalho feito é salário ganho'. Pouco importa que a prestação de serviço tenha por fundamento uma convenção nula. Em Direito do Trabalho, a regra geral há de ser a 'irretroatividade das nulidades'. O contrato nulo produz efeitos até a data em que for decretada a nulidade. Subverte-se, desse modo, um dos princípios cardeais da teoria civilista das nulidades. A distinção entre os efeitos do ato nulo e do ato anulável, se permanece para alguns, não subsiste em relação a este contrato". Cabe lembrar a previsão do artigo 158 do Código Civil Brasileiro, no sentido que "anulado o ato, restituir-se-ão as partes no estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizados com o equivalente". (ALVACIR CORREA DOS SANTOS, "A Contratação de Trabalhador Pela Administração Pública, Sem o Prévio Concurso Público" - LTr 59-07/909 a 917).
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO afirma que "se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, "ipso facto", proclamando que foi autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorressem de ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa fé" ("Curso de Direito Administrativo", Melhoramentos, 1993, pag. 239).
PONTES DE MIRANDA assinala que "em se tratando de manifestações não receptícias de vontade, quem quer que confiou na validade do ato jurídico e sofreu prejuízo é legitimado a pedir o interesse negativo..." e "o interesse negativo consiste no que teria sido a situação do indenizado, se a manifestação de vontade do indenizante tivesse entrado no mundo jurídico tal como esperara o indenizando, ou tivesse entrado e tivesse sido válida, tendo-se cumprido, numa e noutra espécie, as obrigações resultantes". ("Tratado de Direito Privado", São Paulo, RT, 1993).
Segundo JOSÉ MARTINS CATHARINO, "No exame concreto da imputabilidade não podem deixar de ser considerados: 1. que o empregado esteve subordinado durante o tempo em que o contrato imperfeito vigiu; 2. que a razão de ser do Direito do Trabalho é a proteção do empregado, mediante tratamento desigual compensador da desigualdade econômica entre ele e o empregador... O culpado da imperfeição do contrato de emprego deve indenizar o outro contratante inocente, o qual para a invalidade não concorreu, devendo ser esquecido que o ato praticado em estado de necessidade não é ilícito". ("compêndio de Direito do Trabalho", Saraiva, 1981, pag. 268).
EVERALDO GASPAR LOPES DE ANDRADE reconhece que recrudesceu na Justiça do Trabalho e, agora também nas Justiças Estadual e Federal, o aparecimento de causas objetivando a nulidade de contratações irregulares promovidas por entidades de Direito Publico, bem como por Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. A invalidade do contrato individual do trabalho nos termos do artigo 145 do Código Civil, por não se revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130); for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; ou quando a lei taxativamente ou declarar nulo ou lhe negar efeito, não exime a entidade de direito público das obrigações trabalhistas. No caso invocam-se duas teorias: a da irrestituibilidade da força de trabalho, inspirada no artigo 158 , e a do enriquecimento ilícito, traduzida no artigo 159, ambos do mesmo diploma (Código Civil). ("Contratações Irregulares Promovidas por Entes de Direito Público Interno - Nulidade e conseqüências", LTr - 58-02/146).
Magistralmente, JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO leciona que "A Constituição Federal de 1988 proíbe a investidura em cargo ou emprego público, de agente não submetido a prévia aprovação em concurso público. A proibição foi tomada, como não se cansa de realçar, em prol do resguardo da moralidade administrativa, buscando represar nosso hábito atávico de usar o serviço público para abrigo de apadrinhados de toda sorte. Não obstante isso, multiplicaram-se as contratações infrigentes da lei ordinária e multiplicaram-se as que arrostam a própria Constituição, a ver-se dos inúmeros dissídios individuais que povoam a Justiça do Trabalho. Nesses dissídios a tese sistemática dos órgãos administrativos é a de que nenhum crédito, sequer salarial, assiste ao trabalhador em vista da nulidade absoluta da contratação. É a aplicação rígida da teoria geral das nulidades com a corte de conseqüências provocadas por sua declaração na área de relações de direito comum. Nenhuma dúvida que a nulidade da contratação irregular é absoluta. Portanto, declarada a nulidade é de se esperar que, em função do efeito retroativo à data da celebração do ajuste, nenhum efeito existe em favor do empregado, mesmo que ele tenha prestado longo tempo de serviço. Isso, porém, não se compadece com o princípio da proteção do hipossuficiente econômico. Sustentam os aúlicos do radicalismo da declaração de nulidade que, ao mandar pagar qualquer parcela ao empregado se estará violando a disposição do § 1º do artigo 37 da Constituição Federal. Há nisso um sério erro de perspectiva. A norma em causa apenas mandou declarar a nulidade, mas não estabeleceu, de modo taxativo, os efeitos da declaração, o que aliás não ocorre com nenhuma outra regra legal respeitante à nulidade, a exemplo do artigo 9º da própria CLT. De fato, a cominação da lei é uma coisa. Os efeitos da cominação, outra. Esses efeitos não se regulam em direito positivo, senão na doutrina, mediante os parâmetros da teoria geral das nulidades. E tais parâmetros não podem ser usados por igual num segmento de relações de interesse firmado nos princípios da igualdade jurídica e da autonomia da vontade e em outro firmado no princípio da proteção do economicamente débil porque os resultados em lugar de uniformes, serão marcadamente opostos. A inadaptação dos parâmetros da teoria implicará, sem dúvida, encampar a Administração Pública a política da exploração da força de trabalho humana sem nenhuma retribuição, fugindo ao princípio da moralidade administrativa que presidiu a implantação do artigo 37 e de seu parágrafo 1º da Constituição Federal e terminando por negar o alimento do trabalhador, único fruto de seu trabalho. Tão consciente esteve disso o legislador constituinte que, longe de inserir no referido § 1º qualquer menção ao tipo de efeito da declaração da nulidade nele cominada, deixando ao juiz a liberdade de utilizá-lo de acordo com as características de cada relação jurídica, se preocupou com a providência realmente eficaz e justa para constranger o administrador à obediência a sua regra firmada no artigo 37: a punição da autoridade responsável, nos termos da lei, no caso, da lei penal e da lei civil. Porque não hesitemos em pensar assim, a partir do momento em que começarem a refletir-se na liberdade individual e no bolso dos administradores negligentes, irresponsáveis e, em grande parte de casos, desonestos, as conseqüências da infração constitucional, caracterizada unicamente na contratação sem prévia seleção por concurso, desaparecerão, por encanto os inúmeros dissídios originados exclusivamente desse ato. Há portanto uma serie de fatores jurídicos e sociais que recomenda, nos casos de nulidade por contratação em fraude à lei, tanto quanto nos de ilicitude de objeto mediato do contrato individual de emprego, flexibilizar a rigidez da teoria civil das nulidades, adaptando-a às idéias estruturais do Direito do Trabalho, tanto quanto flexibilizar a própria adaptação, de modo a ajustá-la às nuances do caso concreto". ("Nulidade de Ato Jurídico e Proteção do Empregado", LTr 60-05/603).
No âmbito jurisprudencial, podemos citar:
"Emprego Público - ... - Nulidade do Contrato - Efeitos - O Direito do Trabalho rege-se principalmente pelo princípio da irretroativade das nulidades, onde os efeitos da decisão que declara a nulidade do contrato são "ex nunc" (TST RR - 38036/91.7, Ac. 4ª T 1288/93, de 13.5.93, Rel. Min. Leonaldo Silva - LTr 58-02/239).
"O causador da nulidade não pode impunemente alegá-lo em favor próprio (art. 97 do CC), devendo, por conseguinte, responder pelos seus atos no limite legal, que é o custo das indenizações rescisórias" (TRT 22ª Reg. RO-RA-REO 140/93, Ac. 268/93, de 05.05.93, Rel. Juiz José Francisco Meton Marques de Lima - LTr 58-01/99).
"Sentença que reconhece a nulidade do contrato laboral tem natureza constitutiva e, consequentemente, efeito "ex nunc" permitindo que o empregado possa exigir pelos serviços prestados a mesma remuneração de um contrato válido" (Trt 22ª Reg. RO 88/92, Ac. 61.93, de 03.03.93, Rel. Juiz Antônio Ernane Cacique de New York - LTr 58-9/1136) - nos fundamentos: A nulidade assoalhada por quem lhe deu causa já deve ser motivo de condenação, porque ninguém deve ser ouvido em juízo quando alega sua própria torpeza. Atribuir ao empregado a co-participação no ato nulo é também iniquidade. Os atos da Administração desfrutam da presunção de legalidade, o que significa a crença generalizada dos que contraem vínculo de qualquer natureza de participarem de atos legítimos. O princípio "nemo consetur ignorare" sofre temperamentos no Direito do Trabalho. Não é possível incutir que empregado humilde tenha de conhecer uma legislação que a própria Administração Pública, bem aparelhada, ignorou.
"Contratação Sem Concurso Público - A irregularidade na contratação do obreiro não possui o condão de eliminar as garantias mínimas asseguradas ao mesmo pela legislação laboral, inclusive CF/88. O Poder Público deve arcar com o ônus da contratação irregular, servindo-se posteriormente da Ação Regressiva contra o responsável pelo ato inquinado de nulidade, nos termos dos parágrafos segundo e sexto do artigo 37 da Lei Maior". (TRT 7ª Reg. REX-OF-RV 4251/93 - Ac. 1530/94, de 19.5.94, Rel. Juiz Manoel Arízio Eduardo de Castro - LTr 58-09/1100).
"Em tendo o ente público contratado ao arrepio da lei, malferindo o princípio da legalidade, não pode o Poder Judiciário referendar a contratação de ato nulo. Essa praxe constituiria porta aberta para o "inchamento" da máquina administrativa com o referendo e a conivência do judiciário. Aplicável em casos tais a regra doutrinária, qual seja, a de que em se anulando o ato os efeitos daí decorrentes se projetam "ex nunc". Todavia, em sendo impossível retornarem-se as partes ao "status quo ante" - e se o trabalhador já deu a sua força de trabalho, esta não poderá ser restituída - o ato nulo surtirá todos os efeitos pecuniários. A própria lei civil também prevê exceção (art. 217, CC). E também não elimina a responsabilidade (art. 159, CPC). O que se não pode admitir é que o ente público venha a levar vantagem com a sua própria torpeza" (TRT 2ª Reg. ROE-XOFF 029940453866 - Ac. 5ª T 6435/96-0 - Rel. Juiz Francisco Antônio de Oliveira - LTr 60-05/674).
Por outro lado, abstraído o engessamento da teoria civilista das nulidades, aspectos filosóficos ajudam a resolver o presente litígio, já que o juiz é a personificação da justiça: é ele quem outorga o justo, como ensinou Aristóteles. Para os antigos romanos, o justo era a própria lei. E a lei era o que estava escrito, sem espaço para a criação. Com o passar dos séculos, a tendência se inverteu, para depois voltar às origens. E esse movimento dialético se repetiu em vários momentos da História, radicalizando-se no confronto entre a Escola da Exegese e a do Direito Livre. De um lado, o culto à lei, com abstração do justo; de outro, a procura do justo, ainda que fora da lei. Entre uns e outros há os que evitam negar a lei, mas tentam renová-la a cada dia. Assim, por mais que se esforce, o julgador jamais será um mero técnico que aplica leis. São Paulo em sua Carta aos Romanos lecionou "não se conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito" (MÁRCIO TÚLIO VIANA - "Juiz, Lei e Processo", Revista Anamatra, Ano 7, nº 24, pag.54).
Também afirmou Aristóteles, que o Estado precede ao indivíduo, como a família. Seria como o tijolo em relação à casa. Quer dizer, o tijolo, embora elemento singular, só tem sentido quando cumpre sua destinação final: a obra. A história comprovou que o exercício pleno da cidadania é o modo mais legítimo e eficaz de limitação do Poder Estatal. Adverte Montesquieu que para que não se abuse do poder é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder. A cidadania exterioriza-se normalmente, além do ato formal do voto, através de pronunciamentos públicos (cartazes, discursos, mídia) ou manifestações populares pacíficas (passeatas, comícios, etc.). Na medida que os interesses da sociedade ganham dimensão de conflito, geralmente porque o direito positivo - quando não revitalizado por novas interpretações do judiciário, que lhe dê sobrevida, face à realidade dinâmica dos fatos sociais - não mais harmoniza os interesses em choque, usualmente marginalizando uma grande maioria para manter uma minoria em condição de privilégio, a manifestação da cidadania evolui para forma mais drástica, normalmente iniciando a violência. Compete aos poderes constituídos - precipuamente ao judiciário, que tem a missão constitucional de interpretar a lei de modo a sintonizá-la com a vontade do povo atentos às necessidades atuais e reais da sociedade, deflagrar o processo de harmonização dos interesses, readaptando e dando nova dimensão às concepções vetustas do Direito, pacificando-se, com isso, o conflito e preservando-se a democracia. (PAULO FERNANDO SILVEIRA, "Cidadania e o Devido Processo Legal Como Formas de Contenção do Poder - Revista AMB, nº 01, pag. 20).
Pondere-se que o governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma inconveniência, e todo governo algum dia acaba sendo inconveniente. Se a injustiça é parte do inevitável atrito no funcionamento da máquina governamental, que seja assim, talvez ela acabe se suavizando com o desgaste. Se a injustiça for uma peça dotada de uma mola exclusiva, aí então talvez seja válido julgar se o remédio não será pior do que o mal, mas se ela for de tal natureza que exija que se seja agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei. Faça-se da vida um contra atrito que pare a máquina. O que é preciso fazer é cuidar para que de modo algum se participe das misérias que voce condene. (HENRY THOREAU - "Civil Disobedience", N.York, Norton, 1966).
Em face do exposto, e considerando a supremacia teórico legislativa do Direito do Trabalho, no âmbito do Direito Privado; considerando-se que o avanço deste se deu pelos influxos socializantes daquele, que surgiu das lutas de classe; considerando-se o principio da desigualdade das partes e o caráter de ordem pública, de irrenunciabilidade e indisponibilidade que norteiam a legislação do trabalho; considerando-se o caráter alimentar como traço fundamental das relações trabalhistas; considerando-se a prevalência da teoria objetiva da responsabilidade sem culpa - que não exime o estado de indenizar qualquer lesão proveniente de relações obrigacionais, no âmbito do Direito Privado; considerando-se, finalmente, não ser possível inverter a presunção em favor do obreiro (para o estado), na violação de norma cogente, decide-se que as contratações irregulares que importem suas nulidade e a responsabilidade civil ou penal de quem as autorizou, não pode eximir o ente de Direito Público, no caso a reclamada, da responsabilidade trabalhista ao servidor, que, presumivelmente de boa fé, dedicou-lhe a sua irrestituível força de trabalho.
Consequentemente, improcede a preliminar da defesa da primeira reclamada, no sentido de ser declarada a nulidade do vínculo de forma ampla, quanto aos efeitos da nulidade do contrato de trabalho, considerando-se os efeitos da nulidade a partir de 18.2.97, restituindo-se as partes ao estado anterior, o que representa seja condenada a reclamada no pagamento dos pedidos das letras "a" até "e" e "g", inclusive o décimo terceiro salário de 1996 (sem a dobra), indeferido o pedido de saldo salarial, porque confessado pelos reclamantes como pago e considerado prejudicado o pedido sucessivo de letra "h", entendida a reparação cabível como o deferimento dos pedidos anteriores, cumprida a legislação consolidada.
Vigente a Lei 8906, desde 5.7.94, referente ao novo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, alcançado o momento da prolação da sentença, efetivada a aplicação do artigo 133 da Constituição Federal, procede o pedido de honorários advocatícios, o que fica deferido pelo equivalente arbitrado em 15% do valor devido a parte reclamante, como apurado na execução, especialmente pela presença do sindicato da classe.
Não há prescrição a declarar, ante as parcelas postuladas e deferidas, principalmente porque quanto ao FGTS decorrente de parcelas salariais já pagas, a prescrição é trintenária, nos termos do Enunciado TST 95, Lei 8036 (art. 36, § 5º), Lei Orgânica da Previdência Social (art. 144) e entendimento resultante de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (RE 117.986-4, RE 100.249 e 114.424-1).
Não há compensação a deferir, porque a reclamada não está sendo condenada na repetição de parcelas demonstradas quitadas nos autos. A variação salarial correta deverá ser observada. Não procede o pedido da parte reclamada para fixar descontos e retenções a titulo de imposto de renda e/ou previdência social, uma vez que as mutações repetidas da legislação a respeito impedem qualquer determinação em sentença que se tornará coisa julgada e, portanto, imutável. A solução adequada é aguardar a fase de quitação da condenação, quando então, conforme legislação da época, serão deduzidos os valores previdenciários e fiscais que a parte reclamada comprovar recolhidos. Rejeita-se a impugnação aos documentos juntados em cópia pelos reclamantes, por não atingido o conteúdo.
Por fim, após o trânsito em julgado da decisão, deve a secretaria remeter cópias das peças do processo ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas dos Municípios para que promovam as medidas administrativas e judiciais apropriadas, com repercussões no âmbito do direito eleitoral, penal, civil e administrativo, no intuito de ser atendido o preceito do artigo 37, § 2º da Constituição Federal, para que, pela via do direito de regresso, seja a reclamada ressarcida de todos os valores que pagar nesta ação, o que é devido pelo administrador que autorizou a contratação dos reclamantes sem a prestação de concurso público.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, resolve a 6ª JCJ de Salvador, à unanimidade, acolher a preliminar de ilegitimidade de parte quanto a segunda reclamada, excluindo-a da lide e, quanto a primeira reclamada, julgar a reclamação procedente em parte, condenando-a no pagamento a cada reclamante das parcelas como deferidas na fundamentação, aqui parte integrante, atendidos seus termos, limites e restrições. Acrescem correção monetária e juros. Liquidação por cálculos. Custas pela parte reclamada de R$ 300,00, calculadas sobre o valor arbitrado de R$ 15.000.00. Prazo de lei. Notificar as partes. E, para constar, foi lavrada a presente ata, que segue assinada na forma da lei.
Juiz Presidente
Juiz Classista Empregadores Juiz Classista Empregados
Diretor(a) da Secretaria