PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
22º. VARA CÍVEL DE BELÉM
Juíza da 22ª Vara Cível de Belém
Juíza: Dra. Ruth do Couto Gurjão
Impetrante: Maria da Glória Rabelo Costa
Advogado: Dr. Mário Antônio Lobato de Paiva
Impetrado: Diretor-Presidente da Companhia de Saneamento do
Pará- COSANPA
Ação de Mandado de Segurança
Autos de nº: 2000131144-6
Vistos, etc...
MARIA DA GLÓRIA RABELO COSTA, devidamente qualificada e legalmente representada, impetra MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR INALDITA ALTERA PARS, contra DIRETOR- PRESIDENTE DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ- COSANPA, pelos fatos e fundamentos:
Alega a impetrante que no mês de dezembro de 2000 foi surpreendida por funcionários da COSANPA que, sem maiores explicações, interromperam o serviço de funcionamento de água, não permitindo que a impetrante fosse procurar os comprovantes de pagamento.
Ressalta que o serviço funcionamento de água é uma relação de consumo, considerado fornecedor a empresa de Saneamento- COSANPA, na forma do art.3º do código de defesa do consumidor, e os seus usuários são consumidores na forma do art. 2º, parágrafo único da mesma norma.
Aduz que o art. 6º, inciso x, do código da defesa do consumidor, consigna que é direito básico do consumidor "a adequada é eficaz prestação dos serviço público em geral". O art. 4º do CDC estabelece a política nacional das relações de consumo, cujo objetivo é atender às necessidades dos consumidores, respeitando a sua dignidade, saúde e segurança, providenciando a melhoria de sua qualidade de vida, citando ainda o art. 175, parágrafo único, inciso IV da constituição Federal.
Destaca o art. 4º, inciso VI do CDC, o qual consagra a ação governamental de coibição e repressão eficiente de todos os abusos no mercado de consumo, pois cada dia torna –se mais comum relações contra o fornecedor pelos serviços prestados, sendo muitas vezes o consumidor surpreendido com o débito indevido em suas contas, recebendo a orientação de pagar para depois discutir, sobre pena de corte do fornecimento.
Ao final, requer a concessão da medida liminar, suspendendo o ato abusivo e ilegal de corte de fornecimento de água, com notificação da autoridade como coatora para prestar as devidas informações.
Concluso, foi concedida a liminar.
A autoridade coatora, COSANPA, ao prestar suas informações alega que:
No mandado da citação da liminar, ocorreram fatos processuais capazes de tumultuar o regular andamento do feito, pois contava no mesmo, ordem não proferida no despacho de fls.23, sendo entre tanto obedecido.
A natureza jurídica da remuneração exigida pelo fornecimento da água aos usuários de tal serviço, não é taxa específica do gênero tributo, mas sim pagamento de um serviço. é preço de serviço que só aparece com a sua utilização, com tipificação diferente de taxa.
O STF tem admitido que a remuneração de serviços prestados por departamentos, companhia ou empresa de saneamento, constitui preço público e também consagrou legitimidade da interrupção do fornecimento de água por falta de pagamento da tarifa.
O serviço publico é prestado mediante a remuneração de tarifas, sendo essa remuneração que sustenta a comunidade do serviço. Sem a cobrança de tarifas, o sistema de fornecimento de água não existe. Determinar a "religação" do fornecimento de água ao consumidor inadimplente, impede à autoridade impetrada um óbice mortal à prestação dos serviços.
O serviço publico não é gratuito e se assim fosse, assistiria razão a impetrante, contudo tal gratuidade não pode ser presumida em função de essencialidade do serviço prestado, ao contrário, deve ser definitivamente afastada para manutenção e continuidade do serviço.
Estando caracterizada a mora do usuário, o corte do fornecimento de água não pode estar eivado de qualquer ilegalidade, pois o Regulamento das Instalações Prediais de águas e Esgotos Sanitários da cidade de Belém, homologado pelo decreto nº 60656,de 09.05.1969, assim autorizada.
O contrato de prestação de serviços de fornecimento de água e esgoto, na verdade tem natureza de contrato de adesão, onde o usuário de serviço adere as clausulas contratuais automaticamente, com a simples autorização do serviço. A relação Jurídica entre a contratante e o contratado, pressupõe um contrato liberal, de cunho oneroso, prevalecendo o previsto no art. 1.092 do código civil.
Que, com o advento do código do consumidor, o art. 22 prescreveu um fator do consumidor obrigatoriedade dos órgãos público, por si ou empresas concessionárias ou permissionárias de fornecer serviços adequados, seguros e, quantos aos essenciais continuos, o que desconsidera espancado este equivoco do código do consumidor.
Invoca o art. 3º, parágrafo 2º da lei nº 8.078/90 do mesmo código, porque tais serviços de remuneração pelo pagamento de taxas ou tarifas, portanto, não tem remuneração específica e por isso não pode ser prestigiado o consumidor inadimplente que os serviços essenciais sejam suspensos por motivos injustificados. Assim, os órgãos públicos ou entidades paraestatais estão obrigados a fornecer os serviços essenciais como água e energia elétrica, desde que sejam pagos, dependendo disto a sua continuidade.
Considera que estando em casos interesses individuais de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução de continuidade, caso não estejam observadas as normas administrativas, porque a norma visa interesse da coletividade e não do indivíduo consumidor.
Ao final, requer a denegação do mandado e a condenação da impetrante nas custas e normas de advogado.
Junto aos autos documentos de fls. 57/58.
Às fls. 59, o Recurso de Agravo interposto pela impetrada, nos termos dos art. 529 do CPC, sem tudo juntar a cópia do agravo
Com vista ao Ministério Publico, entende que sendo o serviço de água específico, divisível, facultativo e de execução indireta, o seu fornecimento pode ser interrompido mormente pela inadimplência, devendo o usuário ser comunicado dessa interrupção com o prazo mínimo de 15 dias de antecedência.
Ao final, por entender que o serviço de água domiciliar não goza do caráter de essencialidade obrigatória, indivisibilidade e nem de obrigatoriedade de um poder publico o prestar de maneira direta, opina pelo indeferimento do mandado de segurança, uma vez que não houve violação a direito liquido e certo a reclamar pela interrupção desse serviço em domicilio comum, por inadimplência do usuário.
Ë o relatório.
Ao Mérito.
Na verdade, o serviço de água é, indubitavelmente relação de consumo, considerada fornecedora a COSANPA, na forma do art. 2º, parágrafo único e 3º do CDC, sendo os seus usuários os comunicadores.
"O serviço de fornecimento de água é PÚBLICO E ESSENCIAL, subordinado ao princípio da continuidade (o grifo é nosso), na forma do art. 22 do código do consumidor, da mesma forma que o serviço de telefonia e energia elétrica".
Enuncia o art. 22 e seu parágrafo único do CDC que: "Os órgãos públicos, por ou suas empresas, concessionárias, permissionária ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, continuos".
Examinado os autos, constato que a liminar concedida, embasada nos arts. 5º, inciso XXXII e 170, inciso V da Constituição Federal, c/c o art.. 7º, inciso II da Lei nº1.533/51, inquinou-se necessária, haja visto que :
É a própria jurisprudência pátria que vem determinando em seus julgados como consta na EMENTA :
MANDADO DE SEGURANÇA. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA, EM VIRTUDE DE ATRASO NO PAGAMENTO DE CONTAS. QUESTÕES PRÉVIAS REJEITADAS. ABASTECIMENTO DE ÁGUA É SERVIÇO PÚBLICO, POR SER UMA UTILIDADE FRÍVEL PELOS ADMINISTRADOS E POR ESTAR JUNGINDO A UM REGIME JURIDICO DE DIREITO PÚBLICO. ESSENCIALIDADE DO BEM (ÁGUA) QUE DESAUTORIZA O CORTE, MANU MILITAREI, COM FEITO DE OBRIGAR O DEVEDOR A PAGAR. CREDITO QUE HÁ DE SER BUSCADO EM OUTRAS VIAS. ORDEM CONCEDIDA.
1.Mandado de Segurança ajuizado com o azo de assegurar ao independente a ligação do fornecimento de água de seu imóvel, cortado em virtude de atraso no pagamento.
2.Matéria prévia de inadequação da via eleita e de interesse de agir afastadas, posto que cabível o writ, desde que aja direito liquido e certo a ser tutelado, e que há necessidade da tutela jurisdicional e utilidade da via eleita
3.Ausência do direito liquido e certo e inexistência de impossibilidade de discussão de matéria fática no writ que se confundem com o mérito, onde devem ser analisados.
4.Questões previas rejeitadas.
5.O serviço de abastecimento de água e saneamento é serviço público (por ser uma utilidade por todos frivél-substrato material de sua noção- e por estar junjindo a um regime jurídico próprio, de direito público, erigido pela Constituição Federal e pelas leis nº 8.987/95- traço formal de sua noção).
6.O fornecimento de água é hoje em dia, para quem já teve acesso ao mesmo, uma assencialidade. Com relevo, denominado "liquido precioso" serve para a higiene do ser humano, para sua alimentação, para saciar sua sede, enfim, para tudo o mais que sabemos e ressabemos da maior importância.
7.Ante essa conjuntura, é desarrazoada a ruptura no fornecimento para compelir o consumidor a arcar com as tarifas em atraso, valores estes que haverão de ser buscados em outras vias idôneas. Inteligência, ademais do art. 22, da Lei nº 8.078/90 (Código do consumidor).
8.Procedência do writ.
Notificada a autoridade coatora, pede vista dos autos, enquanto que o cartório, desavisadamente faz a remessa dos autos ao Ministério Público, o qual na sua manifestação, inicialmente pede a revelia da parte suplicada por entender que a mesma não se manifestou nos autos em tempo hábil, e em sua exposição opina pelo indeferimento de writ, por entender que o serviços de água domiciliar não tem o caráter de essencialidade obrigatória, acompanhando corretamente doutrinária e referindo-se em especial, neste aspecto, nos estudos esposados por HELLY MEIRELES e JOSÉ CRETELLA JÚNIOR.
Obsta-se entretanto a este entendimento, a norma do consumidor no art.4º, inciso I da CDC.
O fato de que a impetrante se encontrava em débito para com a recorrida, não lhe autorizava submete-la a qualquer constrangimento ou ameaça, coação ou qualquer outro procedimento que exponha ao ridículo ou interfira com o seu trabalho, descanso ou lazer. A ÁGUA É REALMENTE NECESSÁRIA PARA A SOBREVIVÊNCIA DO SER HUMANO.
É um direito natural a vida. A água é vida, portanto, o CDC se impõe nos seus art. 42 e 71, proibindo que a cobrança do fornecedor de água, possa interromper o serviço o serviço publico essencial do usuário consumidor.
É portanto, o fornecimento de água serviço essencial, o que concede a qualquer ofendido pleitear a medida judicial a defesa do seu direito básico, para que seja observado o fornecimento de produtos e serviços (relação de consumo) a teor de art. 6º, incisos VI e X, c/c o art. 22 do CDC.
Tal principio proíbe o retrocesso, porque o seu art. 5º, inciso XXXII, 170 e art. 48 e suas disposições transitórias, vem protegidos pelo art.1º do CDC, o que atende à política a política nacional de relação de consumo, cujo o objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a dignidade, saúde4 e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia de relações de consumo (art.4ºcaput, do CDC).
Assim é que o jurista Marcos Maselle Gouveia afirma: "A defesa do consumidor é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso XXXII, bem como um princípio de relação econômica, previsto no art. 170, item V da CF"
O direito do consumidor possui garantia fundamental na constituição e, a interrupção no fornecimento, alem de causar uma lesão, afeta diretamente a sua dignidade e flagrante retrocesso ao direito do consumidor.
Assim é que a prática abusiva do corte já vem sendo conhecida em casos de fornecimento de água, pois a água é de necessidade da população, de consumo imprescindível e não pode ser cortada sob nenhum propósito.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou:
"Seu fornecimento é serviço público subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso em seu pagamento "(Decisão unânime do stj, que rejeitou o recurso da Companhia Catarinense de Água e Saneamento- CASAN. Proc. RESP. 201112).
Esta decisão do STJ fundamentou-se em que:
"O fornecimento de água, por se tratar de serviço público fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o poder público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários".
Para o Ministro Garcia Vieira, a água deve ser servida a população de maneira adequada, eficiente, segura e continua e, em caso de atraso por parte do usuário, não pode ser cortado o seu fornecimento porque expõe o consumidor ao ridículo e ao constrangimento "não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim no império da lei, sendo os litígios compostos pelo Poder Judiciário e não pelo particular. A água é bem essencial a saúde e higiene da população".
Neste sentido é o inteiro entendimento deste Juízo por se tratar da defesa de um direito básico da consumidora, não podendo a pessoa Jurídica criar descontinuidade, pois os serviços essenciais se tornam indispensáveis para a conservação, preservação da vida, saúde, higiene, educação e trabalho das pessoas, o que, ainda para o Ministro Garcia Vieira, "na época moderna exemplificadamente se tornam essenciais, nas condições de já estarem sendo prestados, o transporte, água, esgoto, fornecimento de eletricidade com estabilidade, linha telefônica, limpeza urbana, etc".
Para o jurista Mário de Aguiar, "uma inovação trazida pela atual constituição é a extensão do mesmo critério às concessionárias ou permissionárias dos serviços públicos.
Comentando o art.22 do CDC, o jurista Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim, assim se expressa: "A Segunda inovação importante é a determinação que os serviços essenciais- e só eles- devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço, podendo o consumidor postular em juízo que se condene a administração a fornecê-lo".
Tal situação está reconhecida por nossas Câmaras Civis, como por exemplo do tribunal Catarinense, cujo reexame de sentença de ação de mandado de segurança confirmou a sentença a qual, fundamentado-se em que: "Se houver débito a cobrança devera ser feita pela via própria. O que não pode é o usuário ser coagido a pagar o que julga razoavelmente não deve sob teor de ver interrompido o fornecimento de água, bem indispensável para a vida humana".
Entendendo este Juízo que o art. 5º, inciso XXXXV da Constituição Federal que: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direita e, a ré está resguardada pelo Principio da Isonomia para ingressar em juízo e cobrar o que lhe é devido.
Isto Posto, JULGO PROCEDENTE O MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por MARIA DA GLÓRIA RABELO COSTA contra ato do DIRETOR PRESIDENTE DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ- COSANPA, declarando a ilegalidade do ato ruptura do fornecimento de água no imóvel da impetrante, fundamentando esta decisão nos termos do art. 6º, inciso VI e X e art. 22, ambos do código de defesa do consumidor, c/c o art. 170 e art.5º, inciso XXXXV da lei básica prática.
E para que surta seus efeitos legais,
P.R.I.C.
Belém, junho de 2001