ESTADO DE PERNAMBUCO
PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE OLINDA
PROCESSO Nº 226.2000.000006-1
AÇÃO COLETIVA DE INDENIZAÇÃO
AUTORES: ADECON – Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor e Condomínio do Conjunto Enseada do Serrambi
RÉUS: CONIPA – Construções e Incorporações Ltda, Francisco José de Godoy e Vasconcelos e Sérgio Diniz de Godoy Mendonça
S E N T E N Ç A
Vistos etc.
ADECON – ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CGC/MF sob o nº 03.296.698/0001-22, com sede na rua do Riachuelo, nº 105, sala 803, Boa Vista, Recife-PE, e O CONDOMÍNIO DO CONJUNTO RESIDENCIAL ENSEADA DO SERRAMBI, neste ato representado por seu síndico, conforme convenção de condomínio e ata de assembléia, através de advogados legalmente constituídos, ingressaram com a presente AÇÃO COLETIVA DE INDENIZAÇÃO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA ESPECÍFICA contra A CONIPA – CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CGC/MF sob o nº 24.123.960/0001-07, sediada na rua Eduardo de Moraes, nº 243, aptº 502, Bairro Novo, nesta cidade, FRANCISCO JOSÉ DE GODOY E VASCONCELOS e SÉRGIO DINIZ DE GODOY MENDONÇA, brasileiros, casados, engenheiros civis, o primeiro residente na rua Marly Figueiredo, nº 721, Casa Caiada, neste município, e o segundo residente na rua Eduardo Morais, nº 243, aptº 502, Bairro Novo, nesta cidade, fundando-se nas premissas seguintes.
Principiam seus articulados aduzindo a pertinência da via processual eleita, lastrando seus argumentos nos arts. 87, 91 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, asseverando que a presente ação destina-se à tutela do consumidor e dos direitos de cidadania, em sua dimensão coletiva, revelando-se como meio eficaz para afastar as dificuldades que obstacularizam a busca da tutela jurisdicional em defesa dos seus direitos lesados ou ameaçados.
Dissertam, outrossim, acerca da legitimação da ADECON e do Condomínio do Conjunto Enseada de Serrambi para postularem – a associação – a tutela judicial protetora dos direitos difusos, coletivos e homogêneos dos consumidores, bem como – o condomínio – representar os interesses de todos os seus integrantes.
Em seguida, ainda em preâmbulo, destacam a competência absoluta do foro da Comarca de Olinda para conhecer e dirimir a demanda, por ser esta cidade o lugar onde ocorreu o dano, cuja indenização se persegue nesta "actio".
Passando a retratar os fatos que originaram a presente lide, afirmam que é público e notório que, por volta das 17:00 horas, do dia 27 de dezembro de 1999, desabou o bloco "B", do Conjunto Enseada de Serrambi, situado na rua Barão de São Borja, nº 30, Bairro Novo, Olinda-PE, ocasião em que faleceram 06 (seis) pessoas soterradas e várias outras foram hospitalizadas com ferimentos graves.
Prosseguem assinalando que "o desabamento se deu em uma tarde em que não havia chuva, ventania ou mesmo, diga-se um terremoto. Ouviu-se um estrondo surdo (sic), e após alguns minutos, tudo estava por terra, sem tempo algum para que os moradores que se encontravam dentro de suas casas, pudessem ter sequer tentado escapar. Acrescente-se que o desabamento tomou de surpresa todos os moradores, uma vez que nunca haviam se dado conta de que o prédio tivesse problemas, fossem relativos a vícios de construção ou pertinentes a defeitos de construção propriamente ditos, especialmente os que levassem a um desabamento e a uma interdição."
Sedimentando-se em declarações de técnicos que estiveram presentes no local do evento, sustentaram a existência de indícios evidentes de que os motivos da queda do edifício relacionam-se com o desejo de ampliação do lucro através da utilização de materiais de baixa qualidade como forma de redução de custos.
Insurgem-se, ademais, quanto a construção de uma caixa d’água com capacidade para 16.000 (dezesseis mil) litros, quando a planta do projeto de construção do Conjunto Enseada de Serrambi a estimava estruturalmente em 6.000 (seis mil) litros.
Após destacar a relação de consumo que envolve a construtora e os adquirentes das unidades imobiliárias por ela edificadas, ressalta a responsabilidade dos réus pelo fato do produto e do serviço, cabendo-lhes ressarcir aos prejudicados quando da existência de vícios.
Argumenta que resta demonstrado o dano através do desabamento e da interdição, respectivamente, dos blocos "B" e "A" do Conjunto Enseada de Serrambi, competindo aos réus, no desiderato de exonerar-se do dever indenizatório, provar que houve culpa exclusiva dos moradores ou de terceiros no evento danoso, haja vista que o defeito existiu e foram os réus que construíram o imóvel.
Volvendo seus arrazoados para os defeitos que motivaram a decadência da construção, afirmam que ocorreu vício de inadequação, somente detectado por ocasião do trágico episódio, o que se constitui em "vício oculto", cujo prazo prescricional – embora denominado de decadencial no CDC – para o exercício do direito de reparação dos danos causados expira-se em 05 (cinco) anos, a contar da data do conhecimento do dano e da sua autoria (art. 26 e 27 do CDC).
Ultimando sua peça inicial, postularam a concessão de tutela específica, constituída de várias providências a serem executadas pelos réus, entre as quais, abrigo condigno para todas as famílias do condomínio, que se acham desalojadas, e pagamento imediato das despesas médicas e hospitalares das vítimas.
Afinal, requereram a procedência do seu pedido no sentido de ser proclamada a responsabilidade civil dos réus por todos os prejuízos causados com o desabamento e a interdição, respectivamente, dos blocos "B" e "A", do Conjunto Enseada de Serrambi, incluindo-se os danos materiais e morais.
À exordial, agregaram os documentos de fls. 42 "usque" 198.
Através da decisão de fls. 206/213, o Juiz de Direito plantonista da 9ª Circunscrição Judiciária, albergou o pedido de tutela específica e, nesse sentido, determinou que os réus "coloquem os moradores dos referenciados prédios em apartamentos ou abrigos dignos e adequados às condições antes existentes no Conjunto Enseada de Serrambi, sob as suas expensas; prestem assistência médico-hospitalar e psicológica aos moradores dos mencionados prédios, assumindo o custeio com as despesas médicas e hospitalares, em unidade médica e hospitalar compatível com a lesão, doença ou enfermidade sofrida pela vítima, a critério médico especializado; e desconsiderem e suspendam as cobranças e possíveis prestações e valores devidos pelos moradores, comunicando essa determinação aos detentores dos títulos ou encargos devidos, por acaso transferidos ou negociados, até ulterior deliberação."
Fixou, por fim, uma multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) em caso de descumprimento do "decisum".
Apresentada pelos autores a relação das vítimas que estão compreendidas por essa ação coletiva, declinando, inclusive, as suas necessidades mínimas de sobrevivência (fls. 226/232).
Determinada a notificação dos réus para cumprirem a tutela específica concedida no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (fls. 233/235).
Em nova peça (fls. 243/248), os autores, em vista da indiferença dos réus em atenderem ao pronunciamento judicial, requereram a majoração da multa de mora e o bloqueio de contas bancárias pertencentes a parte ré.
Atendendo a súplica dos autores, foi determinado o bloqueio de todas as quantias que se achem disponíveis em nome dos réus (fls. 251/254).
Citados, os réus apresentam resposta ao pedido inicial em forma de contestação (fls. 259/298).
Principiam suas defesas assinalando que o Conjunto Enseada de Serrambi, por eles construído, teve concluídas suas obras em 30 de dezembro de 1991, oito anos antes do desabamento em foco, não tendo chegado ao conhecimento dos réus qualquer fato porventura indicativo de vício, seja aparente, seja oculto, na construção respectiva.
Realçaram que a construção original foi zelosamente concluída por seus responsáveis técnicos, com a rigorosa observância de todas as normas técnicas (ABNT) aplicáveis à espécie de edificação.
Atribuem especial relevância as características de tal construção, afirmando que todas as suas paredes possuem função estrutural e dão rigorosa sustentação ao edifício, o que desautoriza, por completo, a realização de quaisquer obras que venham a comprometer a estabilidade respectiva.
Todavia, argúem que, contrariando os preceitos contratuais, alguns moradores do prefalado bloco "B" efetivaram reformas no imóvel, causando grave e danosa repercussão na estabilidade do edifício.
Ademais, imputam também a Prefeitura da Cidade de Olinda a responsabilidade de haver expedido alvará de licença de construção sem ressalvar a presença, no lençol d’água subterrâneo, do sulfato supostamente causador da corrosão do material utilizado na construção.
Findas essas primeiras colocações, levantam uma preliminar de impossibilidade jurídica do pedido e de ilegitimidade passiva "ad causam".
Consolidam seus argumentos no art. 1.245 do Código Civil que estabelece em 05 (cinco) anos o prazo em que o construtor se responsabiliza pela solidez e segurança do seu trabalho.
No decurso daquele prazo, segundo alegam, jamais se teve notícia da mais tênue anormalidade, ameaça, perigo ou defeito atinentes à estabilidade e à segurança da obra, razão por que, não pode lhes ser atribuída responsabilidade por acidente ocorrido posteriormente, considerando que o prazo qüinqüenal é de garantia e não de prescrição, como erroneamente tem entendido alguns julgados.
Quanto ao mérito da ação, atestam, em contraposição às alegações dos autores, a adequação de todo material utilizado na edificação e, por outro lado, a rigorosa observância as normas editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
No mais, renovam a atribuição de responsabilidade pelo evento danoso aos moradores, em função das reformas supervenientes realizadas nos apartamentos, e ao Município de Olinda por não haver advertido aos autores sobre a presença de sulfato – elemento altamente corrosivo – nas águas subterrâneas da região adjacente.
Após postularem a revogação do pronunciamento que concedeu a tutela específica e a improcedência da pretensão autoral, pedem: a) o chamamento ao processo, como litisconsorte ativa necessária, a Caixa Econômica Federal; b) o chamamento ao processo, como litisconsorte passivo necessário, o Instituto de Resseguros do Brasil; c) o deslocamento da competência para a Justiça Federal; d) a denunciação à lide da seguradora indicada pela Caixa Econômica Federal.
À peça de contradita anexaram os documentos de fls. 301/434.
Em réplica (fls. 453/478), os autores, no tocante a impossibilidade jurídica do pedido, discorrem que, no caso em tela, a demanda persegue direitos que se encontram bem definidos nos arts. 12, 26 e 27 do CDC e até mesmo do próprio art. 1.245 do CC, pelo que se afigura despicienda a preliminar suscitada.
Concernentemente à ilegitimidade passiva "ad causam", aduzem que a legitimidade dos réus decorre única e exclusivamente da circunstância de terem sido os construtores do Conjunto Enseada de Serrambi.
Enfocando ainda essa preliminar, em especial a prescrição suscitada pelos réus, mencionam que o desabamento do bloco "B" e a interdição do bloco "A", ambos do Conjunto Enseada de Serrambi derivou de vícios de construção, somente revelados por ocasião daquele infortúnio.
Assim sendo, por força do art. 27 da Lei 8078/90, "é de cinco anos o prazo prescricional, e não o decadencial, para reparação dos danos causados por fato do construtor, iniciando-se a contagem a partir do conhecimento do dano e de sua autoria."
Revisitando o "meritum causae", mantêm os mesmos argumentos que arrimaram a petição inicial, pugnando, dessarte, pela procedência do pedido.
Pronunciando-se sobre os novos documentos apresentados pelos autores (fls. 479/490), os réus reproduzem as razões já utilizadas em sua contestação (fls. 509/524).
Determinado o bloqueio da importância de R$ 130.000,00 para cumprimento da tutela específica e ordenada a publicação de edital (fl. 551), dando conhecimento acerca da tramitação deste processo, possibilitando, assim, o ingresso de eventuais interessados na lide, na qualidade de litisconsortes (art. 94 do CDC).
Petição solicitando a revogação do despacho supracitado (fls. 552/555).
Requerida pelas partes a suspensão do processo, pelo prazo de 30 (trinta) dias, objetivando uma solução amigável para o litígio (fls. 623 e 624).
Edital publicado (fls. 898).
Ingressa no feito, na qualidade de litisconsorte ativa, a Sra. Maria Lúcia de Azevedo Fonseca (fls. 903 e 904).
Informam os autores que restou infrutífera a tentativa de acordo (fls. 915 e 916).
Parecer ofertado pelo Ministério Público (fls. 1014/1020), em que atesta a regularidade da tramitação do feito.
Realizada audiência de tentativa de conciliação e saneamento (fls. 1031/1033), momento, em que, uma vez frustada a tentativa conciliatória, foi rejeitada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido e indeferida a intervenção de terceiros no feito.
Em continuidade do ato, foi determinada a realização de prova pericial e, para tanto, nomeado o engenheiro civil Frederico G. Bastos Gonçalves para o desempenho de tal mister.
Entregue em cartório o laudo pericial (fls. 1037/1056) com seus anexos (1057/1114).
Valendo-se das petições de fls. 1117 e 1121, os autores apresentam termos de transações efetivadas com alguns dos moradores do Conjunto Enseada de Serrambi.
Em vista dos vários acordos firmados com alguns dos autores, requerem os réus a revogação da tutela específica e que seja afastada, desde a sua original concessão, a incidência da multa cominada para a hipótese de descumprimento da decisão (fls. 1130/1134).
Sobre o laudo pericial, se pronunciaram as partes (fls. 1179/1185).
Apresentadas as razões finais (fls. 1187/1208), o Ministério Público, pelo parecer de fls. 1210/1211, posicionou-se pela procedência do pedido inicial.
Findo este histórico processual, pronuncio-me.
Compete-me, de início, registrar que, embora focalizada como preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam", a matéria abordada pelos autores, pertinente à garantia da obra por eles executada, entrelaça-se com o mérito da demanda, posto que define o alcance da responsabilidade do construtor.
No seu entender, o art. 1.245 da nossa lei substantiva civil estipula o prazo de 05 (cinco) anos para que se possa imputar ao construtor a responsabilidade por vícios comprometedores da solidez e da segurança da obra, não obstante dispor o prejudicado do prazo prescricional de 20 (vinte) anos para exercer o seu direito de ação.
Sustentam que, decorrido aquele prazo de garantia sem que hajam se manifestado vícios construtivos, não mais subsiste a responsabilidade do construtor.
Circunscrevendo-me à tese abraçada pelos réus, constato que os autores demonstraram cabalmente, dentro do prazo qüinqüenal de garantia fixado pelo art. 1.245 do Código Civil, a presença de vícios ameaçadores da estabilidade e segurança da obra.
O Conjunto Enseada de Serrambi foi concluído em agosto de 1991 e já em 08 de junho de 1992 (fls. 481), ou seja, dentro do prazo de garantia da obra, vários moradores formularam reclamações à CONIPA, através de carta postal com Aviso de Recebimento (fls. 482), apontando os inúmeros defeitos existentes nas unidades imobiliárias, dentre os quais se destacam "rachaduras nos tetos dos quartos; rachaduras no piso da sala; piso dos dois banheiros prestes a se soltar; desnivelamento completo do piso da sala, terraço e cozinha."
Como se vê, as graves anomalias construtivas não podem ser compreendidas como meras imperfeições da obra, mas sim como vícios comprometedores da solidez e segurança da edificação (art. 1.245 do CC), sendo bastante a corroborar com essa assertiva a ocorrência do sinistro "sub judice".
Noutro vértice, encontramos a tese dos autores, segundo a qual o momento de revelação do vício representa o início de fluência do prazo prescricional de 05 (cinco) anos para reclamação dos danos causados por fato do construtor.
Efetivamente, dispõe o art. 27 da Lei 8078/90: "Prescreve em 05 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e da sua autoria."
Sob essa ótica, que, por sua vez, é compartilhada por este magistrado e por considerável parcela da doutrina hodierna, observamos que "o Código de Defesa do Consumidor cria um dever legal de garantia, por danos decorrentes de defeitos nos produtos ou serviços, como regra geral. Se, pelo Código Civil, a hipótese de garantia do construtor pelos danos decorrentes de vícios de solidez e segurança, gerando a presunção de culpa, é excepcional, pelo Código de Defesa do Consumidor a regra geral é de que o fornecedor responda pelos danos decorrentes de defeitos dos produtos e serviços. E com mais uma diferença: enquanto a norma do Código Civil cria uma presunção de culpa, e por tempo limitado (cinco) anos, o Código de Defesa do Consumidor cria o dever de reparação independentemente da culpa, não fazendo qualquer menção a prazos prefixados."
Prossegue o autor: "Diante disso, é de notar-se que a sistemática criada pelo art. 1.245 do Código Civil sofreu profundo impacto com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (relembro novamente que estamos tratando apenas das hipóteses em que os contratos de construção subsumem-se às relações de consumo)."
"Com efeito, o empreiteiro de materiais e construção passa a responder objetivamente pelos vícios de solidez e segurança, independentemente de culpa, e sem a limitação de cinco anos, mencionada pelo Código Civil. A responsabilidade do construtor encontrará limites apenas na culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou na ausência de defeito."
E exemplifica: "Assim, se um prédio, dez anos após ser entregue ao dono vier a ruir, causando danos, caberá ao construtor responder objetivamente pela reparação."
Em arremate, atinjo o convencimento de que, independentemente da tese a ser por mim abraçada nesta ocasião, a responsabilidade dos réus, em repararem eventuais danos causados aos autores por vícios construtivos, não foi atingida pela prescrição, seja ela decursiva do prazo de garantia (art. 1.245 do Código Civil) ou do momento de manifestação dos vícios (art. 27 do Código de Defesa do Consumidor).
Suplantada essa polêmica preambular, dirijo-me ao âmago da contenda.
As circunstâncias fáticas que fecundaram a presente demanda - precisamente delineadas nos articulados iniciais e contestatórios - restaram imunes a maiores controvérsias, descortinando-se, assim, a causa remota da lide.
No entanto, o contorno jurídico atribuído aos fatos manifesta-se contraditório entre as partes altercadoras.
Observemos.
Segundo regra consubstanciada no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12 – "O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e risco."
Já o seu § 3º traz o elenco de causas excludentes da responsabilidade:
§ 3º - "O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:"
I – "que não colocou o produto no mercado;"
II – "que, embora haja colocado o produto no mercado o defeito inexiste;"
III – "a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."
Dentre as hipóteses acima, buscaram os réus arrimo, mesmo que de forma discreta, no item III, ao conferir aos autores a culpa pelo dano, uma vez que estes realizaram reformas indevidas nos imóveis por eles ocupados.
Além da ausência de provas do alegado, o laudo pericial afastou definitivamente essa suposição, ao indicar o somatório dos fatores físico-químicos e os vícios construtivos encontrados na estrutura do imóvel como as causas determinantes para provocar o colapso da sua fundação, provocando, dessarte, o sinistro.
Por outro lado, com mais veemência, os réus imputam à ocorrência da EPU – Expansão Por Umidade como causadora da perda de resistência das alvenarias de embasamento e, consequentemente, da desagregação e da interdição, respectivamente, dos blocos "B" e "A" do Conjunto Residencial Enseada de Serrambi, assinalando que tal fenômeno era desconhecido da comunidade científica, somente sido descoberto no ano de 1997, com a queda do Edifício Aquarela, localizado no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes-PE.
No mais, atestam que a edificação não padeceu de qualquer defeito construtivo, uma vez que foi executada em estrita observância às normas da ABNT, bem como o material utilizado na obra era de indiscutível resistência, adequação e qualidade.
Em suma, almejam os réus se eximirem da responsabilidade indenizatória transferindo para um fenômeno da natureza a causa do infortúnio que vitimou os autores.
Pretendem caracterizar a presença do caso fortuito como excludente da responsabilidade civil.
"As hipóteses de caso fortuito e força maior, descritas no art. 1.058 do Código Civil como eximentes da responsabilidade na ordem civil, não estão elencadas entre as causas excludentes da responsabilidade pelo fato do produto."
"Mas a doutrina mais atualizada já se advertiu que esses acontecimentos – ditados por forças físicas da natureza ou que, de qualquer forma, escapam do controle do homem – tanto podem ocorrer antes como depois da introdução do produto no mercado de consumo."
"... Quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo, ocorre uma ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso."
No mesmo sentido é a compreensão do Prof. Herman Benjamin:
"A regra no nosso direito é que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. O Código, entre as causas excludentes de responsabilidade, não os elenca. Também não os nega. Logo, quer me parecer, que o sistema tradicional, neste ponto, não foi afastado, mantendo-se, então, a capacidade do caso fortuito e da força maior para impedir o dever de indenizar."
Todavia, o caso fortuito deve necessariamente derivar de dois pressupostos: a ausência de culpa e a inevitabilidade do evento.
Ora, todos os laudos técnicos, confeccionados com o desiderato de identificar as causas da tragédia do Conjunto Enseada de Serrambi, apontaram os vícios construtivos da obra como determinantes ou, no mínimo, concorrentes, para o desabamento do imóvel.
O trabalho pericial realizado sob a coordenação da CODECIPE (fls. 918/967), cujas conclusões foram integralmente acolhidas pelo Perito do Juízo (quesito 06 – fls. 1041), indica precisamente que "o esmagamento das alvenarias e pilares ao nível do embasamento e térreo se deu devido a:"
"i) Os fatores de segurança encontrados nos cálculos das tensões, obtidos para as paredes mais solicitadas e nas hipóteses mais desfavoráveis, são próximos do limite de ruptura, em se tratando de estrutura em alvenaria resistente e considerando-se os elevados índices de incertezas inerentes ao processo construtivo. Observou-se, também, a ausência de elementos de distribuições de tensões (coxins) nas ligações entre as vigas e as alvenarias de embasamento;"
"ii) As espessuras dos revestimentos das paredes e lajes, constatadas nos levantamentos efetuados, eram maiores que o usual, contribuindo para o aumento das tensões atuantes;"
"iii) Foi utilizado um concreto poroso e de baixa qualidade nos pilares, fora dos padrões de composição usual, tendo sido constatado o fenômeno da carbonatação do concreto;"
"iv) Foram utilizadas alvenarias singelas delgadas com espessura média de 8,7 cm nos embasamentos, sem qualquer proteção contra a ação de agentes agressivos do meio ambiente, tendo sido constatado o fenômeno da expansão por umidade (EPU) nos tijolos."
Conforme restou demonstrado, muitos dos vícios existentes na obra não estão relacionados com os fatores físico-químicos atuantes na fundação. Na verdade, o ataque da umidade ao tijolo é apenas mais uma causa externa concorrente ao sinistro.
Dessa forma, sem maior dispêndio de vigor racional, conclui-se que houve a participação, concorrente ou preponderante – pouco importa na hipótese – dos réus, pela modalidade da culpa, no funesto acontecimento.
"A ausência de culpa é elementar na concepção do caso fortuito, porque, desde que o comportamento do agente facilitou ou concorreu para a ocorrência do evento malsinado, não se pode falar em fortuito, mas se deve atribuir a tal comportamento a origem parcial ou total do fato lamentado."
Quanto à inevitabilidade do acontecimento, evidencie-se que a metodologia construtiva utilizada na alvenaria estrutural está amplamente regulamentada através de normas técnicas.
No entanto, "o sistema construtivo comumente empregado na construção de edifícios de até quatro pavimentos, conhecidos regionalmente como ‘edifícios caixão’, é estruturado em elementos de alvenaria de blocos de vedação em concreto ou cerâmicos."
"Tal sistema é equivocadamente chamado de alvenaria estrutural, vez que a norma NB 1228/89, que trata do cálculo de alvenaria estrutural de blocos vazados de concreto, define como alvenaria estrutural ‘Aquela construída com blocos vazados de concreto, assentados com argamassa, e que contém armaduras com a finalidade construtiva de amarração, não sendo esta última considerada na absorção dos esforços calculados."
"Por outro lado, o sistema atualmente empregado utiliza blocos cerâmicos vazados de seis ou oito furos. A norma NBR 7171/92 – Bloco cerâmico para alvenaria, define o bloco utilizado como bloco de vedação comum e não como estrutural."
"Como se pode ver, o sistema construtivo empregado na nossa região para ‘edifícios caixão’ não tem respaldo técnico em normas nacionais e nem tão pouco internacionais."
"Como não existem documentos técnicos coerentes, respaldados pela comunidade científica sobre este sistema construtivo, sua prática é considerada empírica e, por isso diversas alterações foram efetuadas ao longo do tempo, muitas das quais contrariando práticas consagradas na engenharia."
No caso "sub examine", em que a principal matéria prima utilizada foi o material cerâmico comum, a boa técnica construtiva exige que o construtor tenha pleno conhecimento do material utilizado na obra, pois da argila empregada resultarão diversas qualidades de produtos.
Assim, o tijolo comum deve ser usado exclusivamente para fins de vedação.
No prédio sinistrado constatou-se a presença de tijolos furados utilizados abaixo do nível do solo, como alicerce.
Em virtude disso o ataque pela água era previsível dado que a umidade sempre agride a cerâmica, por tal motivo não é recomendado o uso de tijolos em embasamentos, a não ser com muita proteção e, via de regra, em obras de pequeno porte.
É que a umidade em si é muito ruim para os tijolos. Tijolos permanentemente úmidos se desagregam após algum tempo, porque a água vai afrouxando a ligação entre os grãos.
Fundações com tijolos enterrados não devem nunca ser feitas, a não ser que se tenha absoluta certeza da impermeabilização permanente.
Com lastro nesses fundamentos afasto a incidência de caso fortuito como determinante para a ocorrência do evento danoso.
Do mesmo modo, "ad argumentandum tantum", descarto, como causa excludente da responsabilidade do construtor, a teoria do "risco de desenvolvimento", que se materializa quando "um produto é inserido no mercado de consumo e os riscos dele advindos não podem ser conhecidos ou identificados prontamente, só vindo a sê-los após, face ao desenvolvimento tecnológico."
Incorporo, como forma de robustecer minha convicção, os precisos comentários coligidos aos autos pelos autores em sua peça derradeira (fls. 1205 e 1206), como também por entender que a idéia de "risco de desenvolvimento", possui uma relação íntima com a noção legal de defeito de projeção, o qual é considerado, pelo nosso Código de Defesa do Consumidor, como defeito apto a responsabilizar o fornecedor, excluindo-se, pois, a possibilidade de exclusão da responsabilidade.
Segundo Eduardo Arruda Alvim o "risco de desenvolvimento" não exclui a responsabilidade civil pelo fato do produto pelas seguintes razões: a uma, porque tal excludente não consta no § 3º, do art. 12; a duas, porque o risco de desenvolvimento encarta-se no gênero maior: defeito de concepção, o que, por disposição legal expressa, enseja a responsabilidade do fornecedor (cf caput do art. 12, o qual alude a defeitos decorrentes de projeto e fórmula), e, finalmente, porque, pelo sistema do Código, eventual ausência de culpa do fornecedor não é suficiente para eximi-lo de responsabilidade. Não é possível, segundo pensamos, que a idéia de risco de desenvolvimento confunda-se com aquela da inexistência do defeito. Quando há risco de desenvolvimento, há defeito – de concepção – só que desconhecido."
Em vista de não haver concorrido no evento qualquer excludente da responsabilidade civil, evidencia-se, portanto o liame de causalidade existente entre a conduta dos réus e as lesões infligidas aos patrimônios material e ideal das vítimas do infortúnio, exsurgindo, decorrentemente, o dever daqueles em indenizar estes pelos danos causados.
Malgrado a natureza jurídica deste pronunciamento, em que, quando procedente o pedido inicial, a condenação será genérica (art. 95, da Lei 8078/90), reputo necessário tecer alguns comentários acerca do dano, indicando alguns parâmetros para sua fixação.
"Dano, em sentido amplo, é toda e qualquer subtração ou diminuição imposta ao complexo de nossos bens, das utilidades que formam ou propiciam o nosso bem-estar, tudo o que, em suma, nos suprime uma utilidade, um motivo de prazer ou nos impõe um sofrimento é dano, tomada a palavra na sua significação genérica." "Na esfera do direito, porém, o dano tem uma compreensão mais reduzida: é a ofensa ou lesão dos bens ou interesses suscetíveis de proteção jurídica."
Mais hodierna e objetiva é a lição de Carlos Alberto Bittar, segundo a qual "Configura o dano lesão, ou redução patrimonial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no Direito, seja quanto à sua própria pessoa - moral ou fisicamente - seja quanto a seus bens ou a seus direitos. É a perda, ou diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais os materiais."
Abstraímos destas preleções que o dano pode ser classificado em duas modalidades: os danos materiais, que são resultantes de "todo ato que afeta exclusivamente os bens concretos que compõe o patrimônio do lesado", ao passo que os danos morais "são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico", donde inclui-se a mágoa, a tristeza, a honra etc.
A cumulação de pedidos de danos materiais com morais é hoje matéria pacífica em nossos excelsos pretórios e na doutrina pátria:
"São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato"
"Também são cumuláveis os pedidos de indenização por danos patrimoniais e morais, observadas as regras próprias para o respectivo cálculo em concreto, cumprindo-se frisar que os primeiros se revestem de caráter ressarcitório, e os segundos, reparatórios, ou compensatórios." (Bittar, Carlos Alberto, ob. cit., pág. 90)
Demonstrados presentes todos os pressupostos do direito à reparação, passo ao seu enquadramento jurídico.
No tocante aos danos materiais, estes devem ser efetivamente comprovados pelas vítimas e consistem em danos emergentes e lucros cessantes.
Relativamente à reparação dos danos morais, conquanto ressinta-se de normas específicas que delimitem a fixação do seu "quantum" indenizatório, compreendido como o ressarcimento às lesões causada ao "patrimônio ideal" dos ofendidos, a sua previsão acha-se inserida em nossa Carta Magna Federal, consistindo em uma das garantias fundamentais do indivíduo dispostas no art. 5º:
"V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem: (grifos meus).
... "omissis"
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;" (grifos meus)
Em perfeita sintonia com os ditames constitucionais, ruma a doutrina pátria:
"Deixando de lado o aspecto bizantino da questão, inegável que a reparação do dano moral acha-se, atualmente, sancionada no direito de todos os povos civilizados."
"Os doutrinadores nacionais, na sua maioria, admitem a reparação de qualquer dano, e que essa reparação deva ser a mais extensiva possível. Afinal, de que adiantaria reparar tão somente uma parte do dano, quando o sentido de eqüidade da Justiça conduz-nos à premissa de que todo ato ilícito que resultar em dano deve ser suscetível de reparação."
"Se a responsabilidade civil constitui uma sanção, não há porque não se admitir o ressarcimento do dano moral, misto de pena e compensação."
Remansosos julgados têm acompanhado "pari passu" tais posições:
"Dano moral - indenização - cabimento. Embora o dano moral seja um sentimento íntimo da pessoa ofendida, para o qual não se encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das forças humanas"
"DANO MORAL - Reparação que independe da existência de seqüelas somáticas. Inteligência do art. 5º, V, da CF, e da Súmula 37 do STJ. Ante o texto constitucional novo é indenizável o dano moral, sem que tenha a norma (art. 5º, V) condicionado a reparação à existência de seqüelas somáticas. Dano moral é dano moral.
Destarte, a reparação por dano moral deve ser moderadamente arbitrada, de modo a evitar o lucro fácil e generoso, o locupletamento ilícito, porém, suficientemente considerável, para que o causador do dano possa sentir e aquilatar o mau que impingiu, para que possa efetivamente arrepender-se do que fez, para que tal penalidade possa corrigir, para o futuro, seu comportamento imprudente, negligente ou imperito.
Superadas todas as polêmicas atinentes à reparação do dano moral, atenho-me a classificar os parâmetros a serem utilizados na fixação da indenização compensatória, uma vez que, ante a falta de critérios legais objetivos, esta subordina-se ao prudente arbítrio do juiz (art. 1.553 do Código Civil).
"O arbítrio do juiz está presente em qualquer decisão judicial. O juiz aprecia os elementos de prova, analisa-os, tira suas conclusões e decide. É inevitável o seu arbítrio, pois faz parte do procedimento do magistrado."
"Fosse o direito produto de laboratório, sujeito a leis certas como a física e a matemática, não haveria necessidade de tribunais de julgadores. O arbítrio, pois, é da essência da própria justiça e não vemos como possamos excluir sem que altere, antes, o próprio homem."
"A idéia prevalecente do livre arbítrio do Magistrado ganha corpo na doutrina e jurisprudência, na medida em que transfere para o juiz o poder de auferir, com o seu livre convencimento e tirocínio, a extensão da lesão e o valor da reparação correspondente. Afinal, é o juiz quem, usando de parâmetros subjetivos, fixa a pena condenatória de réus processados criminalmente e/ou estabelece o quantum indenizatório, em condenação de danos ressarcitórios, de natureza patrimonial." (Reis, Clayton, ob. cit., pág. 94)
Diretrizes, as mais diversas, são evocadas para balizar o "quantum" indenizatório, entrementes, cuido que a escolha dos critérios deve corresponder à situação fática exposta a julgamento por ocasião da liquidação da sentença, sem perder de vista a eqüidade, a prudência e a sensatez que devem nortear todo julgador.
À vista do exposto e sendo despiciendas outras considerações, julgo PROCEDENTE o pedido embrionário para declarar, como de fato declaro a CONIPA – Construções e Incorporações Ltda., Francisco José de Godoy Vasconcelos e Sérgio Diniz de Godoy Mendonça, civilmente responsáveis pelo desmoronamento e interdição, respectivamente, dos blocos "B" e "A", do Conjunto Enseada de Serrambi, situado na rua Barão de São borja, nº 30, Bairro Novo, Olinda-PE e, via de conseqüência os condeno ao ressarcimento integral de todos os danos patrimoniais, materiais e morais que hajam ocasionado, incluindo-se os próprios imóveis (somente os quitados, uma vez que não houve a participação neste feito do credor hipotecário), os móveis que guarneciam ou guarnecem os apartamentos destruídos ou interditados, lucros cessantes e emergentes, além dos danos morais resultantes das perdas de parentes, lesões corporais, constrangimentos etc., cuja liquidação dar-se-á na forma prevista no art. 97 e segs. do Código de Defesa do Consumidor.
Fica facultado às vítimas optarem pela restituição imediata das quantias pagas, atualizadas monetariamente, ou a reexecução da obra por empresa a ser por eles escolhidas, sem qualquer custo adicional.
Por fim, torno definitiva a decisão de fls. 206/213.
Com relação a multa, outrora fixada para hipótese de descumprimento da tutela específica, tenho que o valor atingido por oportunidade do ingresso da sua execução provisória (proc. em apenso) se mostrou suficiente a compelir os réus a buscarem uma composição amigável para o litígio, solucionando, em especial, os casos de maior gravidade, pelo que suspendo a sua incidência a partir da propositura daquele feito executivo.
É que "o valor da multa não pode ser irrisório para o credor nem pode lhe proporcionar um enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento jurídico ao consagrar os princípios gerais do direito (LICC, art. 4º). Nova situação de fato, não considerada no momento em que foi proferida a decisão, pode modificar o valor da multa diária." (grifos meus)
"No entanto, o valor das ‘astreintes’ não pode substituir eventual indenização ou constituir multa moratória em favor da parte (...) por ter natureza coercitiva, o objetivo da multa é induzir o devedor a cumprir a obrigação que lhe incumbe e sua imposição não impede ou prejudica o direito ao adimplemento específico da obrigação ou ao recebimento do equivalente monetário, ou, ainda, ao pedido de perdas-e-danos."
Objetivando adequar o binômio necessidade/adequação da multa, decido que esta será revigorada, em toda sua plenitude, tão logo transite em julgado esta sentença e não haja o cumprimento espontâneo, por parte dos réus, das obrigações contidas na tutela específica.
Condeno ainda os réus à satisfação das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro, levando em conta o grau e zelo do serviço desempenhado pelos subscritores da peça inicial, aliados à importância da causa, em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) (art. 20, § 4º, CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Olinda, 11 de dezembro de 2001