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Liminar de juiz do Trabalho determina a demissão de servidores públicos contratados sem concurso

Agenda 01/01/2003 às 00:00

Cerca de 12 mil servidores públicos do Estado do Piauí contratados sem concurso público devem ser afastados do cargo. A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho. Inicialmente, o juiz do Trabalho chegou a declinar da competência em favor da Justiça Estadual, mas, em recurso ordinário, o Tribunal reconheceu a competência material da Justiça do Trabalho.

DECISÃO LIMINAR

Processo Nº 03-209/2002

Vistos, etc.

Trata-se de pedido de concessão de liminar formulado pelo Ministério Público do Trabalho - Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região - nos autos da ação civil pública 03-209/2002.

Sustentou o Autor, com arrimo em conclusões hauridas dos Inquéritos Civis números 723/2001 e 794/2001, que o Estado do Piauí vem efetuando, de forma reiterada, contratações irregulares, notadamente sem a necessária ocorrência prévia de concurso público, exigência inserta no art. 37, II, da CF, abrangendo toda a Administração Pública Estadual.

Teceu considerações acerca da competência da Justiça do Trabalho para o deslinde e julgamento da demanda, manifestou-se sobre a legitimidade do Ministério Público do Trabalho, calcada na existência de interesse difuso, legitimador da atuação ativa do MP. No tocante ao interesse de agir do Parquet, como condição para o exercício da ação, apontou a necessidade de obtenção de pronunciamento judicial e a utilidade do provimento jurisdicional vindicado, eis que sem ele não como se coibir a violação constitucional perpetrada pelo Estado do Piauí.

Vindicou, em sede de liminar, que fosse determinado ao Estado Piauí que: a) se abstivesse de contratar trabalhadores sem prévia aprovação em concurso público, ressalvada a nomeação em comissão, para cargos de chefia e assessoramento superior, com número e nomenclatura definidos e efetuasse a imediata dispensa de todos os trabalhadores contratados sem concurso público, em toda a Administração Pública do Estado do Piauí, com exceção de trabalhadores da Secretaria de Saúde; c) realizasse concurso, no prazo de trinta dias, para a Secretaria Estadual de Educação; d) realizasse concurso, no prazo de sessenta dias, para a Secretaria Estadual de Saúde, nomeando os aprovados no prazo máximo de trinta dias e, pari passu, declarasse a nulidade dos contratos de trabalho dispensasse os prestadores de serviço contratados naquela Secretaria sem concurso público.

Às fls. 406/412 repousa decisão em que deixo de analisar, meritoriamente, o pedido de concessão da liminar, calcado no entendimento de que esta Justiça Especializada não detém competência material para o deslinde julgamento do feito, pelo que determinei a remessa dos autos ao Distribuidor da Justiça Ordinária Estadual.

Porém, tendo o Egrégio TRT, quando da apreciação de recurso ordinário aviado pelo MPT em face da mencionada decisão de fls. 406/412, decidido pelo reconhecimento da competência material da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento da lide, passo a analisar o referido pedido liminar.


É fato notório que o Estado do Piauí tem se utilizado dos serviços de trabalhadores contratados irregularmente para o exercício de variados misteres no âmbito da administração pública estadual. Tais irregularidades consistem, basicamente, na prescindência, ao arrepio da norma constitucional insculpida no art 37, II, da Norma Ápice, da realização prévia de concurso público para a contratação de servidores e/ou empregados.

Tal situação é sobejamente conhecida, no âmbito do TRT da 22 Região, eis que inúmeras demandas têm sido postas em juízo nas quais se verificam contratações inquinadas do vício de nulidade por falta da necessária ocorrência prévia do certame público. Referido desrespeito ao regramento constitucional tem se constituído em uma chaga que tem afetado a Administração Pública e, portanto, a toda coletividade, de forma crônica, em sucessivas governanças, encabeçadas por diferentes agremiações partidárias.

No caso dos autos, foram, inicialmente, apuradas irregularidades nas contratações de trabalhadores com lotação nas Secretarias de Estado da Saúde e Educação, através dos Inquéritos Civis números 723/2001 e 794/2001. Posteriormente verificou-se que as irregularidades nas contratações abrangiam toda a Administração Pública Estadual, consoante se observa da argumentação do MPT (fl. 09), corroborada por robusta prova.

A propósito do tema, este magistrado tem reiteradamente se pronunciado no sentido de que a contratação irregular de servidores, como no caso vertente, além de importar em violação da garantia da possibilidade de acesso aos cargos públicos a todos os brasileiros e impedir a seleção dos mais aptos para preenchimento desses cargos, envolve, na maioria das vezes, o aliciamento de eleitores às custas do Erário Público. Infelizmente o paternalismo exacerbado alguns magistrados, de um lado, e a dormência do Ministério Público Estadual no que pertine à apuração da responsabilidade da autoridade envolvida nas contratações irregulares, de outro, têm contribuído para a perpetuação de expedientes dessa natureza.

De outra parte, não vislumbro os óbices ventilados pelo Réu na manifestação de fls. 392/403. A alegação de que este Juízo não teria competência funcional para o deslinde da questão, ao argumento de que a decisão proferida teria eficácia erga omnes, em nível estadual e, portanto, produziria efeitos fora da jurisdição desta VT, não procede.

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A questão, no caso, não é afeta à competência, mas, tratando-se de eficácia erga omnes e ultra partes, da decisão judicial, como previsto na LACP (Lei 7.347/85), diz respeito a limites subjetivos da coisa julgada, isto é, os sujeitos abrangidos nas questões deduzidas na Ação Civil Pública é que serão atingidos em sua esfera jurídica. A esse respeito, colho precioso ensinamento do Nelson Nery Júnior (in Código de Processo Civil Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, página 540), verbis:

"A coisa julgada erga omnes ou ultra partes faz com que a sentença atinja a esfera jurídica de todos aqueles que estiverem, de alguma forma, envolvidos na matéria objeto da ACP. Por exemplo, a condenação da empresa de convênio médico (Amil, Golden Cross, etc), em obrigação de retirar de seus contratos cláusulas abusiva (CDC 51), atinge a empresa como um todo, bem como todos os seus associados, estejam onde estiverem dentro do território nacional. Não é relevante indagar-se qual a justiça que proferiu a sentença, se federal ou estadual, para que se dê o efeito extensivo da coisa julgada. A questão não é nem de jurisdição nem de competência, mas de limites subjetivos da coisa julgada, dentro da especificidade do resultado de ação coletiva, que não pode ter a mesma solução dada pelo processo civil ortodoxo às lides intersubjetivas."

Também não prospera o argumento segundo o qual existe vedação legal, corporificada no art. 1º da Lei nº 8.437/92, que impede o deferimento do pedido liminar. Referido preceptivo legal, estatui que "não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal". Saliente-se, de início, que o dispositivo traz falha gritante, qual seja a de fazer alusão a vedações legais ao manejo do Mandado de Segurança, quando é curial que as lindes do MS são fixadas na Constituição Federal, de onde se conclui que, no particular, não se coaduna com a Norma Fundamental.

Não obstante, ainda que se reconheça a constitucionalidade do art. 1º, da Lei 8.437/92, a vedação nele prevista seria inócua, no presente caso, porquanto seria possível conceder-se o provimento vindicado deferindo-se, uma vez presentes os requisitos para tanto, o pedido de antecipação de tutela, que se encontra apensado aos presentes autos.

Não é aceitável a alegação de que o pedido de liminar formulado não deve ser deferido em razão de suposta violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Não é razoável que o Estado do Piauí queira justificar o descumprimento de regra Constitucional, basilar para a Administração Pública, com o argumento de em assim fazendo vulneraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. Cabe ao Estado atuar de forma a que sejam obedecidas a Constituição da República e a mencionada Lei de Responsabilidade Fiscal, vez que há no ordenamento jurídico nacional instrumentos para tanto.

Por fim, vislumbro, in casu, o bom direito e o perigo da demora.

O direito resta claro, vez que o próprio Réu admitiu a contratação de milhares de trabalhadores de forma irregular. O perigo da demora também se encontra presente, eis que a manutenção de tal situação importa em vulneração permanente do texto constitucional, o que não se pode aceitar, mormente quando o desrespeito à Constituição é promovido pelo próprio Estado. A violação constitucional é o mal imediato, sendo mediatas as lesões aos direitos dos próprios trabalhadores irregularmente contratados, porquanto nessa situação deixam de gozar uma série de direitos que fariam jus caso seus contratos fossem celebrados com obediência aos ditames legais. Também manifesto o prejuízo à Administração Pública e, por via de conseqüência, à sociedade como um todo, de vez que sem a ocorrência do concurso público não se perfaz a seleção dos mais aptos ao desempenho dos variados misteres públicos.

Assim, tenho como procedente o pleito do Autor no tocante à determinação para que o Estado se abstenha de contratar trabalhadores que não tenham sido previamente aprovados em concurso público, bem como no que concerne à dispensa imediata daqueles contratados irregularmente.

Todavia, não lobrigo plausibilidade na postulação concernente à determinação para que o Estado do Piauí realize concurso público para admissão de empregados e/ou servidores, eis que somente ao Estado cabe avaliar sobre conveniência e oportunidade da realização do certame.

A toda evidência, é ato discricionário a realização de concurso público. Isso não significa que tal ato não possa, se eivado de nulidade, ser objeto de controle de legalidade, levado a cabo pelo Judiciário. Porém, "o que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração. (in Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 16ª Edição, páginas 99/100, Editora Revista dos Tribunais).

A esse respeito é esclarecedora a Súmula nº 473, do STF, a seguir transcrita:

"A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."


Isto posto, concedo, de forma parcial, a liminar postulada determinar ao Estado do Piauí que:

a) se abstenha de contratar trabalhadores sem prévia aprovação em concurso público, ressalvada a nomeação em comissão para cargos (e não funções) de direção, chefia e assessoramento superior, com número e nomenclatura definidos em lei em sentido formal, isto é, emanada do Poder Legislativo;

b) dispense, imediatamente, todos os trabalhadores contratados sem concurso público, em toda a Administração Pública Direta do Estado do Piauí, inclusive aqueles que prestam serviço no âmbito da Secretaria da Saúde.

O descumprimento da liminar importará em pagamento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor a ser revertido ao Fundo de Amparo Trabalhador.

Dê-se ciência.

Expeça-se mandado de cumprimento.

Teresina, 13 de dezembro de 2002.

GIORGI ALAN M. ARAÚJO
Juiz do Trabalho

Sobre o autor
Giorgi Alan M. de Araújo

juiz do Trabalho em Teresina (PI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Giorgi Alan M.. Liminar de juiz do Trabalho determina a demissão de servidores públicos contratados sem concurso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16543. Acesso em: 26 dez. 2024.

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