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Intervalo intrajornada:

possibilidade de supressão por norma coletiva

Agenda 16/09/2005 às 00:00

Sentença que, contrariando a Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI-1 do TST, julgou possível a supressão de descanso intrajornada para motoristas de ônibus por meio de norma coletiva de trabalho.

ATA DE AUDIÊNCIA

            Aos 22 dias do mês de agosto do ano de 2005, junto à sala de audiências da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS, presente o Ex.mo Juiz Titular, para audiência relativa ao Processo 334-2005-003-24-00-4, entre partes: WILSON LIMA PESSOA, Reclamante, representado pelo seu sindicato, e VIAÇÃO SÃO FRANCISCO LTDA., Reclamada, representada pelas advogadas Célia Hirokawa e Priscila Reino, do Escritório Jurídico João Campos.

            Às 17:55 horas, aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz, apregoadas as partes. Ausentes.

            A seguir, submetido o processo a julgamento, foi proferida a seguinte

SENTENÇA

            Vistos, etc


I - RELATÓRIO

            WLP, qualificado na inicial, ajuizou ação trabalhista em face de VSF LTDA., igualmente qualificada, alegando, em síntese, que foi admitido aos serviços da reclamada em 01.12.95, para trabalhar como motorista, estando o contrato ainda em vigor. Trabalha mediante escalas, mas sempre cumprindo jornada mínima de 7 horas e 20 minutos, sem usufruir do intervalo mínimo de uma hora. Costuma laborar em sobrejornada, inclusive em domingos e feriados, sem receber a contraprestação correta. Pelo exposto, e demais fundamentos que menciona, pleiteia o pagamento das verbas elencadas no pedido, atribuindo à causa o valor de R$ 13.000,00. Juntou documentos.

            Ante a impossibilidade de conciliação, a reclamada contestou o feito, requerendo a sua improcedência, pelas razões deduzidas na peça processual de f. 23-49. Juntou documentos, sobre os quais o reclamante manifestou-se às f. 320-324, ocasião em que também juntou documentos, com vista à reclamada.

            Na audiência em prosseguimento, foi colhido o depoimento pessoal do reclamante e ouvida uma testemunha, da parte da reclamada. Na ocasião, o reclamante juntou aos autos cópia de ata de audiência realizada em outro processo desta Vara, para que os depoimentos lá consignados sejam utilizados como prova emprestada. A reclamada, por seu turno, também juntou documentos, deixando o reclamante de manifestar-se.

            Posteriormente, a reclamada ainda juntou aos autos os documentos de f. 394-395, sobre os quais o reclamante silenciou.

            Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual.

            Sem razões finais.

            Tentativas conciliatórias sem êxito.

            É o relatório. Decide-se.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            a. Impossibilidade jurídica do pedido (parcela indenizatória, reflexos em parcela salarial e irretroatividade da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI-1)

            Não há como acatar a pretensão patronal, eis que, segundo a doutrina e a jurisprudência majoritárias, o pedido é juridicamente possível quando o ordenamento jurídico não o proíbe expressamente. No caso, inexiste no ordenamento jurídico pátrio nenhuma norma vedando qualquer das pretensões deduzidas na inicial.

            Rejeita-se.

            b. Das verbas requeridas

            1. Horas decorrentes da não concessão do intervalo diário e reflexos

            De acordo com a inicial, o reclamante trabalha para a reclamada desde 01.12.95, na função de motorista, cumprindo jornada diária mínima de 7 horas e 20 minutos, no mínimo seis dias por semana, sem jamais usufruir do intervalo diário de uma (01) hora, previsto no art. 71 da CLT.

            Em razão disso, requer o pagamento das horas relativas ao intervalo não concedido, com o acréscimo de 50%, e os reflexos que menciona.

            A reclamada se insurge contra a pretensão do reclamante, pelas razões deduzidas em sua contestação, às quais, por brevidade, me reporto.

            Analisa-se.

            Restou incontroverso que o reclamante cumpria jornada diária mínima de 7 horas e vinte minutos. Também restou demonstrado que não usufruía do intervalo de uma hora, previsto no art. 71 da CLT, não se podendo considerar intervalos, para esse efeito, as paradas de cinco a dez minutos no final da linha ou no retorno, para o reinício do trajeto, pois sua existência não tem em mira o descanso do trabalhador, decorrendo das próprias necessidades da atividade desenvolvida pela empresa, sendo público e notório que é exatamente em tais paradas que os motoristas conferem as condições de tráfego do veículo utilizado no percurso. Aliás, a prova testemunhal - inclusive a emprestada - não deixa dúvida a respeito.

            Portanto, não há dúvida de que, ao menos em princípio, o reclamante teria direito a ser indenizado pela supressão do intervalo intrajornada, cujo gozo é direito do trabalhador, pois se trata de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho.

            Todavia, a análise da prova dos autos demonstra que a jornada de 7 horas e 20 minutos corridos é fruto de negociação entre patrões e empregados, que vem sendo reiteradamente prevista nas CCT’s da categoria, ao longo dos anos.

            Ora, em várias oportunidades anteriores, já decidi no sentido de que tal espécie de estipulação é válida, desde que seja fruto de livre negociação entre trabalhadores e empregadores, com a participação obrigatória do sindicato dos trabalhadores. Principalmente em certas atividades, como a hospitalar e a de vigilância bancária, nas quais a permanência do trabalhador no seu posto de trabalho durante toda a jornada é exigência da própria atividade. Isso porque, em tais casos, as jornadas fixadas são até mesmo mais benéficas ao trabalhador (especialmente a do regime 12 X 36 horas), por lhe propiciarem mais tempo disponível para o lazer ou para dedicar-se a outras atividades.

            Ressalte-se que, com a participação do sindicato, parte obrigatória nos acordos coletivos, nas convenções e na negociação coletiva, tem-se afastada a possibilidade de imposição de vontade por parte do empregador, circunstância que confere absoluta credibilidade a tais instrumentos, cujo reconhecimento é garantido pela própria Constituição Federal (art. 7º, XXVI).

            Admito que existiam decisões em sentido contrário e a jurisprudência se mostrava vacilante acerca da matéria. A despeito disso, tal entendimento sempre encontrou respaldo junto ao nosso E-TRT da 24ª, e no próprio E-TST, conforme se verifica dos seguintes arestos:

            "

CONVENÇÃO COLETIVA - HORAS EXTRAS - INTERVALO PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. É válida a cláusula de convenção coletiva que estabelece que o empregado poderá permanecer no local da prestação de serviço, durante o intervalo destinado a repouso e alimentação, sem que tal intervalo seja computado na duração do trabalho e acrescido como hora extra, por estar englobado no salário normativo da categoria." (TRT 24ª Região - AC.TP Nº 0000803/96 - RO-0002565/95 - Relator(a) Juiz(a) Daisy Vasques - DJ-MS nº 004302, 13/06/96 - Marísio Vitor de Moraes x Cifra - Vigilância, Segurança e Transporte de Valores Ltda.)

            HORAS EXTRAS – TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO – VALIDADE DO ELASTECIMENTO DA JORNADA MEDIANTE ACORDO COLETIVO – O art. 7º, inciso XIV, da Constituição da República, garante ao empregado que labora em turnos ininterruptos de revezamento jornada de seis horas. Contudo, na parte final, ressalvou a possibilidade de elastecimento da jornada, mediante negociação coletiva. Assim, não há como deixar de reconhecer a validade de acordo coletivo que preveja jornada maior que a de seis horas para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento. Nesse sentido já se firmou a jurisprudência da c. SBDI I, a qual editou a Orientação Jurisprudencial nº 169, no sentido de que quando há na empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é válida a fixação de jornada superior a seis horas mediante a negociação coletiva. INTERVALO INTRAJORNADA REDUÇÃO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA – VALIDADE – Ocorrendo negociação coletiva em torno da redução do intervalo intrajornada, entre outras cláusulas, deve ser observado o instrumento normativo, sob pena de desrespeito ao preceito insculpido no art. 7º, XXVI, da Carta Magna, que assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. (TST – RR 250 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 26.03.2004)JCF.7 JCF.7.XIV

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            Mas, como a matéria era - e continua - controvertida, o E.TST, visando a por fim à celeuma, recentemente, por meio da SDI-1, editou a OJ nº 342, que assim dispõe:

            OJ nº 342/SDI-1:

            Intervalo intrajornada para repouso e alimentação. Não concessão ou redução. Previsão em norma coletiva. Validade.

            "É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva"

            À primeira vista, talvez devesse mudar de opinião. Não por questão de convencimento, decorrente da referida orientação jurisprudencial, mas por mera disciplina judiciária.

            Ocorre que, não obstante o conteúdo da mencionada Orientação Jurisprudencial, continuo entendendo que é plenamente possível, em casos especiais - como o dos autos -, a redução ou mesmo a supressão do intervalo intrajornada, mediante negociação coletiva.

            Não há dúvida de que o art. 71 da CLT contempla norma de ordem pública, pois diz respeito ao interesse geral dos trabalhadores, relacionada à higiene, saúde e segurança do trabalho. Não quer isso dizer, repito, que em situações especiais não possa ser diminuído e até suprimido o intervalo de uma hora previsto no § 1º do referido artigo, pois no seu próprio § 3º o legislador contempla uma das exceções, dispondo que "O limite mínimo de 1 (uma) hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho quando, ouvida a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (SSST), se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares."

            Pondere-se que as normas de ordem pública não são absolutamente intocáveis, embora permaneçam como referências fundamentais, pois podem conviver harmonicamente com regras de exceção ou restritiva de direitos. O único cuidado, em tais casos, é aplicar a exceção dentro dos limites traçados pela hermenêutica jurídica.

            Assinala Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação de Direito, 1979, p. 234, nº 287):

            "O processo de exegese das leis de tal natureza é sintetizado na perêmia célebre, que seria imprudência eliminar sem maior exame - interpretam-se restritamente as disposições derrogativas do Direito comum. Não há efeito sem causa: a predileção tradicional pelos brocardos provém da manifesta utilidade dos mesmos. Constituem sínteses esclarecedoras, admiráveis súmulas de todas as regras concisas: decorrem não do uso, e sim do abuso dos dizeres lacônicos. O exagero encontra-se antes na deficiência de cultura ou no temperamento do aplicador do que no âmago do apotegma. Bem compreendido este, conciliados os seus termos e a evolução do Direito, a letra antiga e as idéias modernas, ressaltará ainda a vantagem atual desses comprimidos de idéias jurídicas, auxiliares da memória, amparo do hermeneuta, fanais do julgador vacilante em um labirinto de regras positivas.(...)"

            Conclui o grande jurista brasileiro (ob., cit., p. 236):

            "Com as reservas expostas, a perêmia terá sempre cabimento e utilidade. Se fora lícito retocar a forma tradicional, substituir-se-ia apenas o advérbio: ao invés de restritiva, estritamente. Se prevalecer o escrúpulo em emendar adágios, de leve sequer, bastará que se entenda a letra de outrora de acordo com as idéias de hoje: o brocardo sintetiza o dever de aplicar o conceito excepcional só à espécie que ele exprime, nada acrescido, nem suprimido ao que a norma encerra, observada a mesma, portanto, em toda a sua plenitude."

            Aliás, o art. 6º da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, assim dispunha: "A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica", sendo tal disposição suprimida do nosso código somente "porque a julgam uma regra hermenêutica fundamental, que não requer injunção legislativa" (Alípio Silveira, in Hermenêutica e Aplicação de Direito, 1º v., 1968, p. 231).

            Assim, não há dúvida de que, embora não prevista expressamente em lei, os mais autorizados hermeneutas afirmam, categoricamente: a regra excepcional tem irrecusável aplicação a todas as hipóteses que contempla.

            Segundo Maximiliano, citando Rumpt, (ob. cit., p. 256) "As palavras - que especifica, do Código Brasileiro, paráfrase de - in esse espressi, do repositório italiano, - não se interpretam no sentido literal, de exigir individuação precisa, completa, de cada caso a incluir na exceção. Comporta esta as hipóteses todas compatíveis com o espírito do texto, descobertas mediante os vários processos da Hermenêutica. Exclui-se a extensão propriamente dita; porém, não a justa aplicação integral do dispositivo".

            Carvalho Santos, por seu turno, comentando julgado relatado por Virgílio de Sá Pereira, afirma: (Comentário, I, p. 98):

            "As leis de exceção e as restritivas não se estendem a outros casos, embora semelhantes, mas estendem-se a todos os casos que nelas se contêm, a todos os casos compreendidos no seu motivo.

            Em tais hipóteses não é lícito aplicar a analogia, por isso que nessas hipóteses, não somente a lei veda a inclusão de casos estranhos, mas também, porque, como regra excepcional, não oferecem elas nenhuma disposição homogênea, cuja ratio domine o caso em questão".

            Portanto, a questão jurídica em estudo é simplesmente de hermenêutica jurídica, não se podendo desprezar a exceção do § 3º do art. 71, sob pena de se tornar letra morta a regra que a CLT consagrou.

            E tal disposição não deixa dúvida de que o intervalo de uma hora pode ser diminuído pelo empregador. Aliás, até mesmo sem a prévia concordância do empregado, haja vista que a única exigência para tal medida é a aprovação pelo órgão do Ministério do Trabalho, cumpridas as exigências lá mencionadas.

            Assim, se até mesmo sem a anuência do trabalhador (ressalvada a hipótese de alteração unilateral do contrato), o empregador pode adotar jornada com intervalo inferior a uma hora, a conclusão óbvia é que, após o advento da atual Constituição, com o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, podem empregadores e trabalhadores negociarem o que lhes for mais conveniente, inclusive reduzindo ou suprimindo o intervalo diário, sem qualquer exigência especial. No caso, a possibilidade de redução do intervalo diário mediante negociação coletiva trata-se de outra exceção à regra geral do "caput" do art. 71 da CLT, amparada no reconhecimento, via constitucional, das convenções e acordos coletivos de trabalho.

            Desse modo, entendo também ser irrelevante a circunstância de não ter havido autorização expressa da Delegacia Regional do Trabalho, para a supressão do intervalo diário pela empresa reclamada, pois como afirmei, a negociação coletiva constitui outra exceção à regra do § 1º do art. 71 da CLT, com características próprias.

            Ressalto que, embora entenda que a redução ou a supressão do intervalo diário realmente seja possível em casos especiais, via negociação coletiva, o que realmente me inquieta ao analisar a situação dos autos é outra circunstância, que refuto ainda mais importante. Refiro-me à boa-fé, que certamente vem norteando os sindicatos de empregados e empregadores ao longo dos anos, que sempre negociaram com a convicção de que o que acordavam era o melhor para as categorias que representam, sem nunca sofrer objeção de quaisquer das autoridades locais pertinentes, tanto da Justiça do Trabalho, que inclusive homologou o primeiro acordo que formalizaram a respeito da jornada que as empresas vêm adotando, assim como a Delegacia Regional do Trabalho, que jamais se insurgiu a respeito, embora pudesse, já que devia saber - toda a população sabe – quais as jornadas cumpridas pelos motoristas e cobradores das empresas de transporte coletivo de Campo Grande. Aliás, a DRT tinha pleno conhecimento do conteúdo das CCT’s dos últimos anos, pois tais instrumentos normativos lá se encontram depositados, conforme informação prestada junto aos autos de nº 00373-2005-004-24-00-8 da E. 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande, por intermédio do ofício nº GD/DRT/MS/Nº 56/05, de 17.5.2005 (cópia à f. 393).

            Ora, como é que poderia o Juiz, neste caso, sem o desprestígio da própria instituição a qual pertence, ignorar que a própria Justiça do Trabalho, anteriormente, já homologou acordo coletivo em que as partes estabeleciam jornadas de trabalho nas mesmíssimas condições contra a qual o trabalhador agora se insurge?

            Não creio que tal atitude fosse realmente ética e que colaborasse no sentido de aumentar a credibilidade da população no Poder Judiciário e na legitimidade de seus propósitos. Antes, o contrário.

            Hélio Tornagui, preleciona: "Nada há mais escandalizante e comprometedor da ordem jurídica do que a variação, a incoerência e a contradição dos julgados".

            Por isso é que, embora pudesse adotar, sem maiores delongas, o entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 342, para acolher o pedido formulado na inicial e determinar a indenização do intervalo suprimido, não creio que, agindo assim, seria um juiz justo.

            Mesmo porque, não deve o Juiz contentar-se em ser um mero repetidor de jurisprudências, matemático na verificação da incidência das normas e na motivação de suas sentenças. O Juiz que assim age, "corre o risco de manipular os dados, por amor à harmonia plástica da composição. O resultado será talvez fascinante do ponto de vista estético; deixará, porém, certo ressaibo de insatisfação na mente de quem espera algo mais que uma construção doutrinária." (BARBOSA MOREIRA, José Carlos, Conteúdo e efeito da sentença. V.35, pp.204-)

            Neste contexto, creio que um Juiz justo é aquele que, "ainda sujeito à lei, atenta às pressões valorativas sociais e suas mutações." (CAPPELLETTI, Mauro, Proceso, ideologias, sociedad.)

            Todos sabemos que a justiça não reside somente na aplicação das leis e no regulamentar interesse por uma autoridade judiciária. Ela consiste, ainda, no dever de dar a cada um a integridade do que lhe é devido, fora mesmo de qualquer opinião legal. O bom juiz deve ter, além do saber jurídico, a clarividência, a independência e a imparcialidade.

            Também entendo que o acesso ao judiciário deve ser sempre assegurado contra qualquer lesão de direito por ilegalidade ou abuso de poder. Todavia, se o trabalhador, representado pelo sindicato, acorda com o empregador o cumprimento de jornada de trabalho condizente com as peculiaridades do serviço, não poderá falar nem de ilegalidade nem de abuso de poder. Se a despeito disso, ainda conseguisse o beneplácito do judiciário, para pedir reparação a respeito de condição contratual que ele mesmo estipulou, estar-se-ia agasalhando procedimento imoral, porque incentivador da falsidade e do embuste.

            Para terminar, saliento que também não me passou despercebido o fato de que os próprios trabalhadores vêm se mostrando refratários ao cumprimento de jornada fracionada em dois períodos, com intervalo mínimo de uma hora, sistema que, no jargão da categoria, é conhecido por "dupla pegada", restando evidente a incongruência de propósitos do autor.

            Ora, a boa-fé deve prevalecer, pois mais que um valor jurídico, é um valor moral.

            Portanto, considerando as razões expostas, indefiro o pedido.

            2. Diferenças de horas extras pagas, pela não integração do qüinqüênio em sua base de cálculo

            Apesar da alegação da reclamada, os recibos salariais que se encontram nos autos comprovam que a empresa não considera na base de cálculo das horas extras o qüinqüênio. Por certo que tal procedimento não é o correto, pois as gratificações por tempo de serviço possuem nítida natureza salarial (Súmula 203 do E.TST), devendo integrar a base de cálculo das horas extras.

            Portanto, a reclamada pagará ao reclamante as diferenças de horas extras havidas durante o período imprescrito, até a data da propositura da reclamatória, pela inclusão do qüinqüênio em sua base de cálculo (no período em que efetivamente foi pago), conforme se apurar em liquidação de sentença.

            As diferenças apuradas gerarão diferenças nos repousos semanais remunerados, com incidência também nos 13ºs salários, férias e terços constitucionais do período, os quais também se deferem.

            3. Diferenças dos feriados pagos de forma singela

            Segundo a inicial, até maio de 2004 os feriados trabalhados foram remunerados de forma simples, alegação que está em consonância com a prova documental produzida nos autos (recibos salariais).

            Portanto, e com fundamento no disposto no art. 9o da Lei 605/49 e Súmula 146 do E.TST, defiro o pedido, condenando a reclamada a pagar ao reclamante a dobra relativa aos feriados pagos no período imprescrito, até maio de 2004, conforme se apurar em liquidação de sentença.

            A verba deferida gerará diferenças reflexas em 13ºs salários, férias e terços constitucionais do período, que também se deferem.

            4. Diferenças de horas extras extraordinárias (dobras) prestadas em dias de folga e reflexos

            De acordo com a inicial, o reclamante realizava inúmeras dobras de jornada durante o mês, inclusive nos dias destinados às suas folgas, sendo que tal trabalho era remunerado apenas com o adendo de 50%. Em razão disso, e alegando que as extras laboradas nos dias destinados às suas folgas deveriam ser remuneradas com o adicional de 100%, requer o pagamento das diferenças e reflexos que menciona.

            Inviável o acolhimento da pretensão, pois não existe em nosso ordenamento jurídico previsão de pagamento de horas extras com adicional superior a 50%, ainda que sejam prestadas nos dias destinados ao descanso semanal.

            Desse modo, e ainda considerando que as CCT’s da categoria não contemplam nenhuma previsão em tal sentido, indefiro o pedido.

            5. FGTS

            Sob pena de execução direta por quantia equivalente, a reclamada depositará na conta vinculada do reclamante o FGTS sobre as verbas deferidas. Defere-se.

            O FGTS a ser depositado não poderá ser levantado pelo reclamante, pois o contrato de trabalho ainda se encontra em vigor.

            6. Justiça gratuita

            O reclamante faz jus à gratuidade da justiça.

            Defere-se.

            c. Compensação

            Toda a compensação possível já foi considerada quando da apreciação das verbas deferidas, nada mais havendo a deferir no particular.


III - DECISÃO

            DIANTE DO EXPOSTO, e pelo mais que dos autos consta,decido:

            a) Rejeitar a preliminar de Impossibilidade jurídica do pedido (quanto à parcela indenizatória, reflexos em parcela salarial e irretroatividade da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI-1);

            b) julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, condenando a reclamada VIAÇÃO SÃO FRANCISCO LTDA. a, no prazo legal, realizar os depósitos fundiários e pagar ao reclamante WILSON LIMA PESSOA as verbas deferidas na fundamentação, observadas as diretrizes lá estabelecidas, que ficam fazendo parte integrante deste dispositivo.

            Liquidação por cálculos. Juros e correção monetária na forma da lei.

            Sobre as verbas deferidas, exceto FGTS, diferenças reflexas de férias e terços constitucionais, incidirá a contribuição previdenciária, tanto a parcela do empregado como a parcela do empregador, a ser calculada na forma da legislação previdenciária vigente e recolhida posteriormente ao INSS (a parcela do reclamante será deduzida de seu crédito), de acordo com a responsabilidade de cada uma das partes.

            Observe a Secretaria o cumprimento, pelas partes, das obrigações relativas ao recolhimento fiscal.

            Custas, pela reclamada, no importe de R$ 20,00, calculadas sobre R$ 1.000,00, valor provisoriamente arbitrado à condenação, sujeitas a complementação.

            Intimem-se. Nada mais.

            Ademar de Souza Freitas

            Juiz Titular da 3ª Vara do Trabalho

            Campo Grande – MS

Sobre o autor
Ademar de Souza Freitas

juiz do Trabalho em Campo Grande (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Ademar Souza. Intervalo intrajornada:: possibilidade de supressão por norma coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 805, 16 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16638. Acesso em: 18 nov. 2024.

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