PROC. Nº: 191/06
IMPETRANTE: BEL. E.M.
IMPETRADO: DELEGADO DE POLÌCIA DIRETOR DA COORDENADORIA DE POLÍCIA DO INTERIOR
PACIENTE: V. P.S.
PEDIDO: HABEAS CORPUS
R. hoje.
D E C I S Ã O
Vistos etc,
O Bel. E. J. M. S., alhures qualificado, impetrou ação constitucional denominada Habeas-Corpus em face do paciente V.P.S., brasileiro, convivente, motorista, filho de J.P.S.e A.H.S., residente e domiciliado na rua Rua xx, nº x, Conjunto xx, São Cristóvão, deste Estado, atualmente recolhido no Complexo de Polícia Especializada – COPE, nesta cidade, apontando como autoridade coatora o Delegado de Polícia Diretor da Coordenadoria de Polícia do Interior – COPCIN, alegando as razões de fato e de direito elencadas na exordial de fls. 02/20, sendo este pedido distribuído para esse Juízo em 02 de maio de 2006.
Dessarte, instruiu o HC com cópia de outro Habeas Corpus(fls. 21/71) impetrado perante o Tribunal de Justiça, em 26 de abril de 2006, tendo o Desembargador Relator declarado a incompetência do Juízo ad quem "por ausência de ato ilegal ou abuso de poder de autoridade judiciária", conforme decisão de fls. 72/74, de 28/04/06.
Às fls. 76 vê-se despacho requisitando informações à Autoridade apontada como Coatora, e, às fls. vêem-se as informações do Dr. Delegado de Polícia, Bel. J. G. G. N., aduzindo, em suma, que o ora paciente fora preso em flagrante delito no dia 10 de abril de 2006, e incursionado nas penas do artigo 288 do CP, em face de investigações decorrentes de interceptação telefônica durante três meses e ordenada pelo Juízo da Comarca de Neópolis. Ademais, segundo a dita Autoridade Policial, o paciente integrava uma quadrilha especializada em assaltos a bancos ocorridos no interior do Estado e que também estaria na iminência em assaltar um funcionário do Banco Bradesco, durante o trajeto do malote que abasteceria a cidade de Jandaíra, Bahia. Aduziu ainda que fora preso em flagrante delito, por se tratar de um crime permanente, ao lado de 07(sete) comparsas, e que o flagrante já fora comunicado ao Juízo de Neópolis, por força prevenção, sendo que a Juíza declinou da competência para a cidade de Loreto, Bahia, ou melhor, leia-se Rio Real, Bahia.
Aduziu, enfim, que o Inquérito Policial já fora enviado à Comarca de Neópolis, bem como as degravações da interceptação telefônica ordenada por aquele Juízo.
Às fls. 100/110, vêem-se antecedentes criminais do paciente, dando conta que já fora condenado por homicídio culposo no trânsito perante a extinta 8ª Vara Criminal, tendo sido absolvido em grau de recurso, em 16 de outubro de 1996, bem como que já respondeu a processo, por crime de ação penal privada, perante o 2º Juizado Especial Criminal, além de existir um decreto de prisão temporária proferido pela Comarca de Neópolis, prolatado em 05 de maio de 2006(fls. 110), bem como tramitar na mesma Comarca um inquérito policial, distribuído em 11 de maio de 2006(fls. 100 e 104).
È o relatório, passo a decidir.
II – MOTIVAÇÃO
Prima facie, a querela se apresenta complexa e difícil, mas, em verdade, após acurada análise, entendo que é de fácil deslinde.
Efetivamente, compulsando os autos, constato que no mês de março de 2006 deu-se um assalto a um Banco na cidade de Neópolis, fato que ensejou um pedido de interceptação telefônica feito pela Autoridade Policial junto àquele Juízo, que por sinal deferiu a medida excepcional, possibilitando assim a Polícia Judiciária encetar as escutas e investigações necessárias, a fim de identificar e prender os infratores da quadrilha(fls. 43/45).
De fato, com base nas escutas, a polícia judiciária prendeu os integrantes do bando – em número de oito(08) -- em 10 de abril de 2006, e, dentre eles, o ora paciente, que fora preso na Avenida Desembargador Maynard, próximo ao cruzamento com a Avenida Rio de Janeiro, nesta cidade de Aracaju(fls. 46), incursionando-o nas penas do crime de quadrilha armada, nos moldes do artigo 288 § único do Estatuto Penal(fls. 64).
Ocorre que, a meu juízo, o flagrante foi regular e lícito, não obstante feito mais ou menos um mês após(10/04/06) o crime em tese cometido na Cidade de Neópolis(março de 2006) – vez que o crime de quadrilha é tido como um delito permanente, persistindo o estado de flagrância enquanto não cessar a permanência(art. 303 do CPP). E nesse sentido, assim verbera a jurisprudência:
TJSP: "Prisão em flagrante. Quadrilha ou bando – Agente que não se encontrava no local em que se realizou a diligência policial – Irrelevância – Suficiência para a prisão, que ele seja componente efetivo e consciente do grupo criminoso. Conceito de crime permanente. Ordem denegada. Para legitimar a prisão em flagrante, por crime de quadrilha, basta ser o agente efetivo e consciente membro do grupo criminoso, sendo irrelevante estar ou não ao lado dos parceiros, ou mesmo em pleno exercício da atividade criminosa"(JTJ 196/319).
Ademais, com a prisão do paciente e seus comparsas, a Autoridade Policial corretamente remeteu o auto de prisão em flagrante e, após, o inquérito policial ao Juízo da Comarca de Neópolis, por força da prevenção, a teor do artigo 71 do CPP, vez que, conforme já dito, aquele Juízo já houvera decretado a interceptação telefônica anteriormente, o que ensejou o monitoramento, identificação e prisão dos membros do bando, conforme assim bem atestado pelo Juízo de Neópolis, no despacho que declinou a competência para o Estado da Bahia, proferido nos autos da comunicação em flagrante, verbis:
"......................................................................................
Embora alguns dos flagranteados estejam sendo investigados por roubo a Banco nesta Cidade, inclusive através de inteceptação telefônica de conversações, fato que possibilitou, ao que tudo indica, o prévio conhecimento da ação que resultou nas prisões comunicadas, o crime aqui ocorrido deu-se em 03 de março pretérito, não se vislumbrando no flagrante delito algum que tenha sido praticado sob esta jurisdição."(fls. 107).
Ora, a meu juízo, é nessa especial particularidade que reside o relevante aspecto jurídico que faz tornar o Juízo de Neópolis o competente para o processamento do crime de quadrilha, e tão somente quanto a este, pelo menos a princípio.
Como sabido, à luz da doutrina, o crime de quadrilha ou bando é um crime autônomo, que independe dos crimes cometidos pelo bando, vez que um dos integrantes, por exemplo, pode participar do bando mas não participar de eventual assalto que essa mesma quadrilha tenha ou venha a praticar. E para bem reforçar tal posicionamento doutrinário, por sinal dominantíssimo, trago à baila a seguinte jurisprudência que reconheço e aplico, verbis:
"No crime de quadrilha há associação de pessoas para prática de crimes. Constitui infração permanente, crime autônomo, que independe dos crimes que vieram a ser cometidos pelo bando, conforme a exata exegese do art. 288 do CP"(STF – RHC 63.158 – Rel. Rafael Mayer – RTJ 1116/514).
Assim é que, em sendo o crime de quadrilha um delito permanente – e nisso configura a regularidade do flagrante feito em Aracaju -- bem como em sendo um crime autônomo – que independe dos crimes que vieram a ser praticados – notório é, a meu juízo, que o Juízo de Neópolis é sim o Juízo competente para processar e julgar o crime de bando ou quadrilha, haja vista que, em se tratando de um crime permanente a competência se firma pela prevenção, com estribo no artigo 71 do CPP, e com base nas seguintes jurisprudências que ora aplico, verbis:
STJ:"Tratando-se de infração continuada ou permanente, ou quando incerto o limite entre duas ou mais jurisdições, por ter sido a infração consumada ou tentada na suas divisas, firmar-se-á a competência pela prevenção"(JSTJ 6/257-8)
Quadrilha ou bando – Atuação em comarcas diversas – "Tratando-se de crime permanente, se a atividade delituosa se faz em território de duas ou mais jurisdições, a competência se firma pela prevenção(CPP, art. 71)"(STF – RHC – Rel. Thompson Flores – RT 477/438 e 474/391).
De sorte que, à vista das razões supra, indaga-se aqui, objetivamente: o Juízo de Neópolis se acha ou não prevento para o crime de quadrilha?
Sem dúvida, a meu juízo, entendo que sim, vez que se tornou prevento quando se antecipou a outro Juízo, isto é, ao Juízo de Aracaju, na medida em que ordenou uma medida processual cautelar, precisamente a interceptação telefônica, que por sinal ensejou a identificação e prisão dos membros do bando. E aliás, nesse particular, o Juízo de Neópolis não nega tal fato, quando expressamente declara, no despacho inserido no auto de prisão em flagrante, e que declinou da competência para o Estado da Bahia, que: ".Embora alguns dos flagranteados estejam sendo investigados por roubo a Banco nesta Cidade, inclusive através de inteceptação telefônica de conversações, fato que possibilitou, ao que tudo indica, o prévio conhecimento da ação que resultou nas prisões comunicadas, o crime aqui ocorrido deu-se em 03 de março pretérito, não se vislumbrando no flagrante delito algum que tenha sido praticado sob esta jurisdição."(fls. 107).
Ora, sem dúvida, a prevenção do Juízo de Neópolis é manifesta e patente, à vista da interceptação telefônica, além do fato de a Autoridade Policial já ter remetido àquele Juízo a comunicação do flagrante e o inquérito policial – fatos que, por si só, já bastam para fazer cessar eventual coação em tese praticada pelo Dr. Delegado de Polícia, passando doravante a ser afeta à Autoridade Judiciária referida, em tese. Frise-se ainda, por oportuno, que o Juízo de Neópolis também já decretou a prisão temporária dos suspeitos, dentre eles o ora paciente, como se infere do extrato processual de fls. 110.
Em suma, pois: o Juízo de Neópolis acha-se prevento às escâncaras, às claras, seguramente em relação ao crime de quadrilha, sendo que sua competência firmou-se pela prevenção. Todavia, se no curso do processamento pelo crime de bando restar evidenciado que os membros cometeram o crime de assalto naquela cidade, sem dúvida a denúncia deverá ser aditada contra os membros do bando, que doravante passarão a responder por quadrilha em concurso com o roubo.
Portanto, não se aplica nessa casuística a regra do artigo 70 do CPP, ou seja, a competência pelo lugar da infração, não obstante o fato de o paciente ter sido preso nesta cidade de Aracaju, por crime de bando, de caráter permanente, conforme já dito. Em verdade, como se trata de crime permanente, o flagrante foi regular e lícito, mas o Juízo competente para esse delito não é o de Aracaju, ou seja, o meu Juízo Criminal, e sim o Juízo de Neópolis, por força da prevenção outrora firmada, com a interceptação telefônica, e que ensejou a identificação e prisão dos membros do bando. E para concluir meu posicionamento, trato à baila a derradeira jurisprudência aplicável à espécie, verbis:
Infração permanente – STJ: "Tendo em vista a natureza permanente do crime de formação de quadrilha, se praticado em território de mais de uma jurisdição a competência será firmada pelo Juiz que primeiro atuar no processo"(RSTJ 110/343)
Alfim, convencido estou que falece competência deste Juízo Criminal para processar e julgar o crime de quadrilha ou bando imputado ao ora paciente, e, por via de conseqüência, falece competência para conhecer do presente Habeas-Corpus, em face da prevenção do Juízo da Comarca de Neópolis, por força dos artigos 71 e 83 do CPP. E por falar em prevenção, neste sentido é a lição do mestre Fernando da Costa Tourinho Filho, em seu Código de Processo Penal Comentado, vol.1, 2ª ed., rev. atual. e aum., Ed. Saraiva, São Paulo, 1997, pp.185/186: "A palavra ‘prevenção’ é sinônima de antecipação. Para solucionar eventuais situações que possam surgir, sempre que houver a concorrência de dois ou mais Juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, e situações que levariam à perplexidade, o legislador estabeleceu o denominado forum praeventionis, o foro de prevenção, para expressar não só o foro que deve prevalecer, quando houver aquela concorrência, como, inclusive, o Juiz que deve prevalecer. Fala-se, então, em foro prevalente, em juízo prevalente".
Por conseguinte, pois, a polêmica passa a resumir-se, doravante, num conflito negativo de competência, posto que advindos de Juízes de Direitos de igual instância, conflito este que ora suscito nos próprios autos, nos moldes dos arts. 114 inciso I e 115 inciso III e 116 § 1º do Código de Processo Penal.
III – CONCLUSÃO
ISTO POSTO, DECLINO DA COMPETÊNCIA, em razão da prevenção do Juízo de Neópolis, por força dos artigos 71 e 83 do Código de Processo Penal e, de conseguinte, SUSCITO O CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA entre este Juízo da 1ª Vara Criminal e o Juízo da Comarca de Neópolis, deste Estado, com arrimo nos artigos 113, 114 inciso I, 115 inciso III e 116 § 1º do Código de Processo Penal, determinando ainda a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, à luz do artigo 116 caput do Código de Processo Penal e nos moldes Código de Organização Judiciária e do art. 210 do Regimento Interno do TJ/SE.
Publique-se. Registre-se e Intimem-se, a Promotoria(fiscal da lei) e o Impetrante.
Oficie-se à Autoridade Policial apontada como coatora encaminhado cópia desta decisão.
Após, remeta-se ao TJ/SE, com as cautelas legais.
Cumpra-se.
Aracaju, 17 de maio de 2006.
JOÃO HORA NETO
MAGISTRADO